Capítulo 3 - RECOMEÇO
Foi naquele dia que eu decidi nunca mais entregar meu coração dessa forma a qualquer outro homem.
Eu não chorei na frente deles.
Lembro-me da expressão surpresa de Alexander quando me viu na porta, a fúria chispando em meus olhos, que eu via refletidos no espelho grande do outro lado do quarto. Era impossível ocultar a mágoa, a decepção e a dor por aquela traição dupla.
Não só meu marido havia me traído, como a única expressão no rosto da minha irmã era de consternação por não ter concluído seu encontro tórrido.
Aquele foi o momento da ruptura para todos nós, especialmente para mim. Juntei todas as coisas do Alex, jogando-as em sacolas grandes e empurrando para fora do apartamento, enquanto ele tentava argumentar e pedir meu perdão, dizendo que havia sido um erro e blá-blá-blá. As desculpas de sempre.
Quanto à Samantha, não lhe dirigi um segundo olhar depois que arrumou suas roupas e saiu, sem um pingo de remorso. Eu esperava que nunca mais precisasse olhar para ela, pois ela tinha sido a minha maior decepção, e era por causa dela que eu sentia a maior dor.
Eu amava o Alexander, contudo, nunca conseguiria perdoar sua traição. Eu iria superar, sabia disso.
Mas não foi só com meu marido e irmã que eu rompi.
A partir daquele dia eu abandonei tudo relacionado à música. Aquele era um sonho compartilhado com Alexander, incentivado por ele, conquistado ao lado dele. Acontece que eu não queria mais nada relacionado a ele na minha vida.
Doeu abandonar o curso de música, pois era uma parte de mim desde sempre, mas eu precisava disso. Precisava me encontrar em algo que não me deixasse ligada a alguém que tinha me conquistado e depois pisado em meus sentimentos e matado minha confiança nas pessoas.
Naquele momento, a garota doce, amável e ingênua que conservava a pureza de confiar na bondade das pessoas desapareceu.
Eu mudei de uma forma irrevogável, e foi essa mudança que nos trouxe até esta história.
**********
Sentada nesta mesa, encarando esta multidão de admiradores das minhas obras, eu vi o encantador homem de cabelos revoltos e os marcantes olhos verdes-esmeralda me observando e sorrindo reservadamente enquanto segurava as pequenas mãos da Julie.
Contive o sorriso de boas-vindas, dando apenas um aceno de cabeça em reconhecimento à presença deles.
Esse homem, três anos mais velho que eu, é o namorado da minha melhor amiga e se tornou meu amigo mais confiável, depois da Julie, é claro.
Bryce Parker é um produtor e músico britânico responsável por administrar a produção das trilhas sonoras dos filmes baseados nos meus livros. Sua pele muito branca e elevada estatura forma um contraste adorável com a pele negra e o corpo pequeno da minha amiga. Eles são perfeitos juntos.
Mas nem sempre foi assim. Bryce e eu nem sempre fomos só amigos.
Ouvi a voz de um dos representantes da Editora dando oportunidade para quem quisesse me fazer perguntas.
A primeira veio de uma mulher de aspecto um tanto severo, que trajava um tailleur escuro.
— Srta. Grim, no oitavo capítulo do seu livro, você mostra uma personagem secundária complexa cheia de traumas e com uma clara aversão pela música. Ela é baseada em você?
Eu respirei fundo. Odiava quando tinha algum espertinho que fuçava meu passado para tentar fazer um paralelo com meus personagens.
A mídia toda conhecia a história da filha caçula renegada de Richard Grimmer, que se tornou escritora e preferiu usar um diminutivo de seus nomes do que expor para o mundo seu verdadeiro nome. Assim, de Evelyn Grimmer, eu me tornei mundialmente conhecida como Evie Grim.
— Primeiramente, eu jamais seria uma personagem secundária, sou linda demais para isso. — eu respondi e ouvi os risos da plateia, pois eu era conhecida por minhas respostas irônicas e até um tanto grossas para uma "moça com carinha de anjo". — Em segundo lugar, os acontecimentos que as pessoas acham que conhecem sobre a minha vida, na verdade não têm nenhum efeito sobre mim, quanto mais traumas. — dei de ombros, displicente. — E por último, eu adoro música. O fato de ter abandonado a carreira de musicista se dá apenas por eu ter uma boa percepção de mundo. Preferi me tornar uma escritora cujas histórias são mundialmente conhecidas e amadas do que ser uma cantora medíocre esquecida depois do primeiro hit.
— Mas... — ela tentou falar e eu interrompi.
— Muito obrigada. Próxima pergunta?
E assim se passaram os próximos quarenta minutos, em discussões sobre a complexidade dos personagens e os motivos que faziam a trama ser como era. De vez em quando eu soltava alguma resposta ácida ou engraçada, fazendo o público rir.
Depois do debate sobre a obra, fui acompanhada por dois seguranças até a mesa de autógrafo. Foram duas horas escrevendo dedicatórias e a minha assinatura nas contracapas dos livros. Tinham pessoas que carregavam boxes com até cinco livros para que eu assinasse, minha mão já estava dormente.
Quando as últimas pessoas se foram, um homem se aproximou.
— Por favor, escreva aí: "Para o meu amigo mais gostoso de todos os tempos, em quem eu dei um fora por ser insegura, Bryce Robert Parker". — ouvi a voz envolvente do meu amigo.
— Ok. Eu vou escrever: "Para o meu amigo mais chato no mundo inteiro, vai se danar, idiota".
Ele deu uma gargalhada, rodeando a mesa para me dar um abraço apertado. Flashes de câmeras dispararam loucamente.
— Hum... se eu não soubesse que você é louco por mim, ficaria com ciúme, Rob. — disse Julie, com um sorriso, enquanto o tirava do caminho para me abraçar também.
Ele a abraçou por trás carinhosamente, beijando seu pescoço.
— Você é o amor da minha vida, princesa.
Eu sorri.
— Vocês são tão fofos juntos. Espera aí que eu acho que vou vomitar com tanta melação.
Julie revirou os olhos.
— Vaca. — disse, sorrindo.
— Ela só está com inveja, amor. Você está acompanhada desse deus grego e ela não. — disse Bryce, com um sorriso charmoso.
— Nossa, como você é modesto. — eu disse, mostrando o dedo do meio para ele.
— Ah, a Evie só fica sozinha quando quer. — respondeu Julie, me defendendo. — Garanto que se ela apenas desse um sorriso para qualquer homem nesse lugar, teria facilmente uma companhia para o jantar essa noite.
Eu havia esquecido totalmente que prometi sair com eles para jantar depois do lançamento do livro.
— Ah... não dá pra adiar? — eu perguntei, esperançosa. — Estou cansada, gostaria de ir para casa dormir.
— Às oito da noite? — perguntou minha amiga, com uma careta. — De jeito nenhum! Já falamos sobre essa coisa de ser antissocial. É sexta-feira, amanhã você poderá ficar na cama o dia inteiro se quiser. Mas hoje você vai conosco.
Ela saiu me arrastando para o restaurante na outra quadra.
Eu revirei os olhos.
— É bem a minha cara ficar o dia todo na cama. — eu disse, sarcástica.
Minha vida tinha uma rotina bem definida. Eu acordava todos os dias às seis horas, comia iogurte caseiro com granola, depois ia correr em volta da minha propriedade por uma hora, e daí passava mais uma hora fazendo musculação na minha academia particular.
Depois de um banho, eu tomava um café-da-manhã à base de frutas, suco, café e algum carboidrato. Às oito e meia eu começava a trabalhar no escritório, sentada em uma poltrona confortável, vestindo uma roupa leve e com o notebook em um suporte adaptado à poltrona. Escrevia até meio-dia, quando uma empregada vinha me servir o almoço, que consistia de salada, qualquer carne magra e arroz ou purê de batata e legumes para acompanhar.
Descansava por uma hora depois do almoço, fazendo qualquer atividade que não exigisse esforço físico e voltava a escrever pelo resto do dia, até as oito da noite, parando apenas para fazer um lanche às quatro. Imprimia o conteúdo produzido no dia e enviava para a minha revisora, depois ia jantar algo bem leve e, às nove, eu já estava deitada na cama, lendo ou assistindo alguma coisa antes de dormir. Às dez eu já havia apagado as luzes e dormia.
Essa era a minha vida em dias normais.
Essa rotina, porém, levou muito tempo para se concretizar.
Um ano depois da cena torpe no meu antigo apartamento, eu estava tão focada em obter sucesso, que nada mais importava. Meu primeiro livro foi concluído e contei com a ajuda de minha mãe para publicar. Ela tinha muitos contatos e já estava começando a espalhar sua empresa pelo Estado de Washington e rumando para a Califórnia.
Nesse período, eu não havia me relacionado com nenhum outro homem, era só trabalho e estudo. Seis meses depois de completar vinte e um anos, o meu livro publicado estava sendo vendido para publicadoras de vários países da América do Norte e Europa. Depois de três anos eu já era mundialmente conhecida.
Mas estou me adiantando de novo.
Meu livro já havia virado febre nos Estados Unidos quando, em uma tarde chuvosa, eu o conheci.
Naquele dia eu estava muito sobrecarregada com tudo que estava acontecendo na minha vida. Já estava escrevendo o segundo livro, havia assinado contrato com a Editora que publicara meu livro e estava vendendo os direitos para várias Editoras estrangeiras. De repente, minha conta bancária começou a ficar bem cheia e eu estava perdida, sem saber como investir todo esse dinheiro.
Julie estava estudando Direito em Harvard, campus de Cambridge, Massachusetts, então nos víamos apenas uma vez por ano, geralmente quando ela visitava a família em Ashland, a cidade onde tudo começou. Eu ia ao seu encontro sempre, visto que minhas condições financeiras eram bem melhores que as dela.
Então, sem minha amiga para me ouvir, eu passeava no Central Park para espairecer, tentar planejar minha vida, meu futuro, qualquer coisa que me deixasse menos perdida quando aconteceu a coisa mais estranha.
Começou a chover, até aí tudo normal, então fui derrubada por um cachorro enorme. E não estou exagerando, ele era muito grande mesmo.
Fiquei atordoada, sentindo o peso daquele dogue alemão em cima de mim, o fedor de sua boca, cuja língua estava para fora, babando.
Tentei empurrá-lo, pois não conseguia respirar, mas ele era grande demais. Foi nesse momento que ouvi uma voz de barítono que vinha de algum homem que parecia estar correndo, pois estava ofegante.
— Sansão! Cachorro mau! Sai de cima da moça, já!
O cachorro me olhou por um instante, depois me deu uma grande e nojenta lambida no rosto e saiu de cima de mim, ficando com a cabeça abaixada e cara de arrependido, enquanto seu dono o alcançava.
Vi uma mão grande se estender para me ajudar a levantar e aceitei, ainda atordoada pelo impacto repentino. Meus ouvidos zumbiam.
— Me desculpe por isso. O Sansão não é um cachorro levado, mas passou ali uma cadela que, aparentemente, está no cio. Ele deve ter sentido o cheiro e por isso ficou louco. Você estava no caminho.
— Ah, que ótimo! — eu disse, irritada, ainda sem olhar para o homem, limpando a sujeira da minha roupa. — Se você não é capaz de controlar seu cão, deveria castrá-lo! Ele quase me fez ter uma concussão!
— Não seja tão dura com ele. Você gostaria de ser castrada?
— Claro que não! Mas eu sou humana.
— E ele é um animal que sente dor e desejo, assim como os humanos. Ele também merece se divertir, não acha?
Eu finalmente olhei para o homem à minha frente, pronta para dar uma resposta malcriada, e fiquei muda. Na verdade, eu devia estar de boca aberta, porque ele riu, divertido.
Droga.
Esse homem era lindo demais. Provavelmente o homem mais bonito que eu já tinha visto, e eu já tinha visto alguns realmente interessantes. Mas esse era muito lindo.
Cabelos castanho-acobreados bagunçados, com mechas loiras queimadas de sol, olhos esmeralda e lábios rosados em um rosto viril, a pele era tão branca quanto a minha e ele estava apenas de bermuda, deixando expostos o peito forte e a barriga plana, com uma trilha de pelos aloirados que descia até abaixo do cós da bermuda.
O fato de estar suado não o deixava menos sexy.
E eu não era a única observando-o. Ele também me analisava.
Constrangida por causa da minha explosão, eu me recompus e me apresentei, suspirando.
— Tudo bem, esquece isso. Estou bem agora. — eu disse, corando. — Eu me chamo Evie.
Estendi a mão para cumprimentá-lo, ficando confusa quando ele começou a rir descontroladamente, me puxando pela mão até ficar bem próxima de seu corpo esculpido, então tirou uma toalha de rosto do bolso de sua bermuda e começou a passar suavemente no meu rosto, aproveitando que as gotas de chuva caíam, ajudando a limpar.
— Parece que o Sansão gostou de você instantaneamente. — ele riu, e eu senti uma fisgada no ventre com o som. — Lamber o rosto de alguém é uma forma de ele dizer que quer ser seu amigo.
— Oh.
Eu fiquei envergonhada e olhei para o cachorro, que se aproximou e começou a balançar o rabo, olhando esperançoso. Cautelosamente aproximei minha mão de sua cabeçorra para acariciá-lo. Não sabia como fazer isso, nunca tive um bicho de estimação.
Vendo minha hesitação, seu dono disse:
— Pode tocar nele sem medo. O tamanho pode ser assustador, mas ele é tão dócil quanto um bebê. Aqui, eu te ajudo.
Ele colocou a mão macia sobre a minha e levou até a cabeça do cão, que parecia contente com o carinho.
— Aliás — ele disse, próximo ao meu ouvido —, meu nome é Bryce. E é um prazer conhecê-la.
Oi! E aí, gostaram de como o Bryce e a Evie se conheceram? Bryce é um bebê. O personagem que eu mais gostei de criar. Espero que vocês também gostem. Beijos no coração.
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