Frustração
Para todas as histórias que nunca terminei.
Eu estive por muito tempo procurando algo para narrar. É isso que eu faço afinal, narro coisas, pessoas, histórias, ações, sentimentos…
O trabalho de um narrador por vezes é estúpido. Quer dizer, vocês precisam mesmo saber quando Joãozinho coça a sua bunda? Ou que Mariazinha está lutando para engolir a comida da vovó?
Precisam saber de todos esses detalhes?
Sabem como é difícil passar três malditos parágrafos narrando a porcaria de uma cristaleira? Que nem se quer tem importância?
Claro, sendo narrador, sempre estou atrás de novas e revolucionárias histórias. Esse é o meu trabalho!
Procuro por personagens em todo canto, pequenas histórias que possam me render um trabalho divertido.
Estive focado em narrar histórias que mudassem o mundo, que emocionassem e trouxessem um pouco de beleza para a vida das pessoas.
Gostaria de poder tocar a alma do meu leitor, em uma experiência divertida para ambos.
Queria poder escrever as aventuras de Elizabeth pelas ruas de Reino Branco; contar como as bonecas Letty e Eny salvaram o mundo; e como Angela superou seus traumas do passado.
Mas eu não sou bom nisso.
Odeio todos esses floreios que deixam a narração bela.
Odeio esses temas sérios e monótonos que eu não faço a mínima ideia de como conduzir.
Odeio como estive tão focado em narrar essas histórias e ainda assim falhei miseravelmente em todas elas.
Ninguém nunca vai saber como Analice foi inocentada do caso Blackbird. Em como o Homem Torto foi capturado. Nem que Ethan morreu no casamento de Diego Meirelles e Charlotte Campbell.
Estou decepcionado.
Sou um narrador. Mas não sou nem um pouco bom narrando.
Minha narração apressada, a falta de detalhes, emoção, e o ritmo estranho. Tudo está em decadência.
Não tem como trocar de profissão!?
Eu vejo como as pessoas pulam os trechos que produzo. Como não se importam em ler minhas palavras. Em como reviram os olhos quando vêem mais linhas da minha tediante descrição.
Cara, eu estava afim de xingar alguém.
Não tinha mais o que escrever. Tudo estava acabado.
Desisti de publicar Fora da Gaiola, de continuar A Terra das Mentes Tortas e de se quer começar O Rio das Decepções.
É em meio a minha tristeza e incapacidade que André entra nesta história.
A maioria dos narradores, quando acabam de contar uma história, pulam para a próxima. Saem em busca de encontrarem algo que valha a pena ser contado. Em mundos, épocas e planetas diferentes. Nunca sabemos o quão grandes são nossos achados, nem quanto deles rendem uma boa história.
Encontrei André andando solitário pelas ruas de algum interior. O que foi? Querem saber como era a rua?
Era asfaltada.
Esses leitores, sempre buscando mais detalhes…
Eu não sei narrar. Se acostumem.
Acontece que André é alguém muito peculiar, claro quê, não na aparência.
Nós, narradores, geralmente buscamos pessoas com aparências que se destaquem das demais, que fiquem gravadas na memória. Todos sabemos quem é o garoto do cabelo esquisitinho que tem uma enorme testa. Ou a menina de olhos esbugalhados e vestido cor de limão elétrico. Fáceis de lembrar!
Todos saberíamos que Simón tem a pele e cabelos azuis também, caso eu não tivesse desistido dele. Saberíamos que Letty não possuí articulações, que Diego tem o olhar estrelado e que Murphy não é nem um pouco estiloso.
Mas André não, André é estupidamente comum.
Tem a cara cheia de espinhas como qualquer adolescente normal, cabelos castanhos e básicos, assim como os olhos.
Sem diferenciais, certo?
Entretanto, o que me chamou atenção nele foi o fato de estar sozinho, solitário pelas ruas de sua pequena cidade.
Quem volta da escola sozinho hoje em dia?
Certo, talvez vocês, seus antisociais, mas isso não é nem um pouco comum para a maioria dos adolescentes.
André andava com as mãos para trás e cabeça muito para frente. As vezes olhava para os lados como se estivesse se certificando de que não estava sendo seguido. Ele parou para pular em cima de algumas folhas secas. Cutucou um formigueiro e sapateou por toda a rua quando as formigas subiram em cima dele.
Realmente muito peculiar.
Talvez rendesse uma história? Pensei.
Mas não havia tempo para esse tipo de pensamento, eu queria descontar todo meu ódio em alguém, e não trabalhar.
Esse alguém não seria André, eu juro, ele era chato demais para isso. Entretanto, algo me fez mudar de idéia.
O garoto resolveu tirar um frasco de cola da mochila. Sorriu como um verdadeiro psicopata enquanto derramava o líquido branco sobre a mão, para logo o espalhar.
Um ser humano que faz isso, no meio da rua, merece ser odiado, não?
Você sabem o quão horrível é o cheiro de cola? Eu, que sou onisciente, quase passei mal.
E para que isso? Apenas pelo seu simples e peculiar prazer de deixar a cola secar e tirá-la das mãos. Você sabe, já deve ter feito isso alguma vez.
De qualquer forma, decidí passar mais um tempo acompanhando André, vendo o rapaz tirando a cola seca das mãos.
Ele tinha algo que me chamava atenção. Uma pequena e sabia voz que dizia no fundo de meu ser: "Ei, não acha esse moleque realmente odiavel? Vamos xingá-lo!". Simples assim.
André continuou caminhando com seus sapatos grandes demais para seus pés, apontando para todo palito de pirulito que via no chão.
André chegou em casa com as mãos sem cola e cheias de papéis de bala que encontrou pela rua. Abriu seu portão muito vermelho e entrou em sua casa esquisita. Jogou suas estúpidas chaves em cima de uma estúpida mesa de sua cozinha igualmente estúpida.
André mora em uma casa estranha com sua mãe estranha. O teto de seu quarto é muito baixo, enquanto o banheiro parece alto demais. A cozinha é um estreito corredor e a sala circular. Ainda existem duas janelas que dão para a parede e uma das lâmpadas que só acende quando o chuveiro é ligado.
Subiu as escadas do beliche pegando um caderno de um time de futebol qualquer. Catou a cola de sua mochila, os papéis de bala e se sentou em cima de seu tapete cor de rosa.
Notem que, colecionar papéis de balas é o hobbie preferido do garoto.
Haviam papéis de tudo quanto é tipo de bala. Seu caderno estava quase completo.
Depois de colar todos e passar mais um pouco de cola na mão achou que seria divertido se sentar em uma das cadeiras da cozinha para observar sua mãe.
E foi o que ele fez.
Ficou lá, sentado o tempo todo. Vendo cada movimento que a mulher fazia, ignorando qualquer conversa que tentasse iniciar.
Na verdade ele estava apenas ocupado demais pensando. Gostaria de ter seu celular de volta. Sua mãe tomou o dele quando viu a quantidade de porcaria que tinha baixado. Drogas, sexo e Rock and Roll. Tudo que seu filhinho não deveria ver.
A cena parecia um desses filmes de terror com alguma criança macabra, que fica observando os adultos, arquitetando planos maquiavélicos. A diferença é que André gosta apenas de ver sua mãe cozinhar, sem nenhum motivo maldoso por trás, por mais surpreendente que isso pareça.
Tem o sonho de ser boleiro. Não, não confeiteiro, boleiro.
Mas convenhamos, o garoto sequer sabe ligar o fogão, então fica apenas observando a mais velha.
Vocês devem estar pensando que André é um garoto normal, não é? Que ele apenas tem manias e costumes estranhos.
O que acha de descobrirem mais um pouco sobre ele e tirarem suas próprias conclusões? Porque, meus caros leitores, eu decidí contar para vocês sobre ele.
Eu decidi ser o narrador da vida de André.
Mas não se assuste caso eu desista dele também.
Espero fazer vocês entenderem duas coisas:
Primeiro: Ser narrador não é nem um pouco fácil.
Segundo: Escolher narrar a história de alguém tão sem conteúdo como André, faz você sofrer bullying dos outros narradores.
Mas aqui estou eu, introduzindo vocês na mente louca, ainda que fascinante de, André Ponche da Silva.
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