XXVIII - Em Nome do Amor
"No escuro, no meio da noite, no silêncio, quando não há ninguém ao seu lado, você apelaria em nome do amor?" — In the name of love, Bebe Rexha
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Alison Grace juntou as malas e avisou pra quem quisesse ouvir que estava indo embora para Geórgia. Não refletiu muito sobre as consequências daquele ato, obviamente. Pra alguém que adorava planejamento, andava tomando muitas decisões precipitadas ultimamente, das quais jamais viria a se arrepender.
As melhores loucuras sempre foram àquelas cometidas em nome do amor. E os melhores erros sempre foram aqueles que mudam o rumo das nossas vidas para sempre.
— Então é isso? Você vai largar mão de tudo que queria? Todos os sonhos pelos quais tanto lutou? — Christina perguntou incrédula, vendo a filha atravessar a ampla sala de estar com a mala vermelha em mãos.
Entretanto, àquela altura, a jovem Grace já nem sabia mais o que queria ou o que sonhava. A única coisa da qual tinha certeza é de que ficaria até o último dia da sua vida ao lado de John Rutherford, e ela nunca estivera tão certa, mas ao mesmo tempo tão errada sobre alguma coisa.
Expectativas às vezes quebram como quebra uma taça de cristal caindo no chão. Estilhaçam.
Alison, ainda jovem, viveria tempo o suficiente para ver todas as suas expectativas se estilhaçarem. Ou será que não?
—Mais um único passo e pode dizer adeus a tudo, mocinha — foi a vez de Bennet tentar intervir. — Nada de faculdade, estágio, ou conta bancária recheada. Você estará sozinha.
Era um blefe, claro.
Até a mais perfeita das armaduras possui uma brecha. E o ponto fraco do advogado empresarial mais temido do Tennessee sempre fora o amor pela sua única herdeira. Jamais deixaria Alison Grace sem nada.
Pais às vezes acertam na criação dos filhos. Outras vezes, erram tentando acertar. Christina e Bennet erraram vezes demais, mas ambos amavam a filha acima de todas as coisas. E alguns erros — não todos — são perdoáveis se cometidos em nome do amor.
Sendo assim, Alison Grace perdoava os pais. Perdoou a ambos antes de embarcar no elevador. Disse que os amava, mas que precisava fazer aquilo: Partir. E tal frase teve um tom de despedida assustador.
Os dois juristas experientes, de repente, eram somente dois adultos perdidos numa sala de estar ampla demais, sem saber como protestar ou a quem recorrer, quase como se pudessem saber que a aventura da filha estava fadada ao pior dos fracassos.
Na rua, vinte andares abaixo, era John Rutherford que recebia a garota que amava nos braços, e, como se pudesse ver naquele par de olhos azuis seus piores temores, suplicou:
— Você não precisa fazer isso por mim, Alison Grace.
Mas Alison precisava.
Não por ele. Quer dizer, não só por ele. Por ela. Uma vez na vida, precisava se deixar guiar pelo próprio coração e instintos, não pelos seus planos perfeitos e medos paralisantes.
Talvez estivesse fazendo uma decisão estúpida. Era bem provável que estivesse, mas fez mesmo assim:
— Eu vou com você até o fim do mundo, John Rutherford, e depois dele.
Então, ele segurou a sua mão em um gesto de apoio que, mesmo silencioso, sinalizou: Faria o mesmo por ela sem pensar duas vezes.
Estavam com medo. Os dois estavam. De um lado, John Rutherford não tinha nada, sequer um teto sob o qual cair morto. Do outro, segurando sua mão sem hesitar, Alison Grace houvera acabado abrir mão do seu paraíso infinito de coisas em troca de todo o nada que ele jamais poderia lhe oferecer em retorno.
Bens materiais, entretanto, jamais faltaram à jovem aspirante a advogada. E o que John viria a lhe oferecer, embora ainda não soubesse, era muito mais significativo do que qualquer coisa que o dinheiro pudesse comprar.
Entretanto, embora quisessem se convencer de que o amor que os unia resolveria tudo, não resolvia. O dinheiro, ou melhor, a falta dele, seria um fator decisivo que mudaria o rumo da história de ambos.
O pouco que sobrou na conta bancária de Alison, de sua última mesada, não pagava um voo para dois, mas pagava o aluguel de um carro, o qual John se prontificara a dirigir.
A estrada era longa. 527 milhas, ou algo em torno de 850 quilômetros, que o GPS prometeu que poderiam fazer dentro de oito ou nove horas se o trânsito colaborasse.
Não colaborou.
As vias estavam lotadas. O tempo, fechado. A neve fina tornava o chão escorregadio. John pilotava devagar, seguindo a manada como um elefante motorizado, parando de tempos em tempos, como se o mundo conspirasse pela desistência de ambos.
Não desistiram, mas deveriam.
Quando a noite caiu, eles já estavam na Geórgia, mais ou menos perto de Atlanta. Ainda faltavam vários quilômetros, então resolveram encostar para um breve descanso na beira da estrada.
— Eu posso dirigir um pouco se você quiser — Alison sugeriu, mas John negou sem sequer cogitar.
Não que duvidasse da capacidade da amada, mas sabia que Alison estava mais acostumada a andar com motoristas particulares e carros automáticos, o que não era o caso do veículo alugado.
Além disso, estava escuro e o pavimento molhado. Não era seguro para uma motorista pouco experiente aquele cenário.
— Vamos só descansar até o sol nascer e então continuamos — ele sugeriu em resposta. — Chegaremos amanhã de qualquer jeito, não tem porque se apressar.
Ela concordou.
— E chegando faremos o que? — perguntou sentindo uma urgência quase patológica de traçar planos.
O universo, entretanto, já havia traçado os planos por ela. E os planos universais, John mais do que qualquer um sabia, nem sempre saiam conforme o esperado. E não sairiam também dessa vez.
— Bom, acho que eu vou procurar um emprego, ou um bico, qualquer coisa. Preciso alugar um lugar pra morar. Não quero mais ficar atrapalhando na casa da vó Judith.
— Você acha que eu vou atrapalhar? — perguntou receosa.
John soltou um suspiro longo e segurou a mão dela.
Sabia que a presença da neta jamais seria considerada um incômodo para a doce senhora, que já não aguentava mais o silêncio da sua velha casa solitária. Tampouco a dele causaria desconforto. Também era neto. Senão de sangue, de coração. Ou talvez de ambos.
Mesmo assim, e lutando contra o desejo mais intenso de levar Alison consigo para onde quer que ele fosse, confessou:
— Devíamos voltar.
Porque o futuro que ele já não via em si próprio: Órfão, sem dinheiro e sem chance de estudo; ainda via nela.
Os olhos de Alison Grace vibravam no tom de azul do seu próprio futuro brilhante.
Não tinha quem olhasse para a jovem sentada no banco do carona, perdida naquele meio-de-nada, e não visse: Ela tinha uma longa trajetória de sucesso pela frente.
Só que as trajetórias mais longas, muitas das vezes, vêm com interrupções inesperadas.
Como pausas para descanso numa noite de estrada molhada.
E, às vezes, quando a noite está escura demais, você não consegue ver o final do caminho. Não vê que a trajetória "longa", é na verdade a mais breve. Às vezes, acaba logo depois da próxima curva.
E com todas as estrelas da Geórgia encobertas pelas nuvens densas numa noite de inverno, no escuro, ninguém jamais poderia adivinhar o que vem depois da curva em questão.
Se pudesse, talvez Alison Grace tivesse concordado em voltar.
E, mesmo que fosse impossível prever, John Rutherford jamais viria a se perdoar.
Naquela madrugada gelada, depois que Alison Grace dormiu, John saiu do carro só por um instante. Só pra tomar um ar. Caçou o cigarro no bolso, mesmo sabendo que não deveria.
Às vezes, quando a ansiedade ficava maior do que ele era capaz de lutar, precisava de um maldito trago anestésico.
E aquele único trago teve o preço mais caro.
Se tivesse olhado para trás, teria visto o exato momento em que o carro, vindo na pista contrária, rápido, perdeu a direção depois da última curva.
Se tivesse visto, de nada teria adiantado. Não teria tido tempo hábil de reação.
Mas não viu, só escutou o barulho alto no exato momento em que o seu carro fora atingido, sendo jogado para fora da pista.
No escuro, ele mal viu a maneira como a lataria rodou, capotando colina abaixo, até parar bem aos pés de uma árvore seca.
Tão repentino quanto qualquer acidente teria sido. Tão inesperado que ele demorou longos segundos em silêncio com o cigarro na boca para dar-se conta: Alison Grace estava do lado de dentro do veículo capotado.
Correu até lá, como se a sua própria vida dependesse daquilo.
E, na hora do desespero, até a mais cética das almas encontra uma pitada de fé. Enquanto corria entre a mata seca e gélida, em nome do amor, John rezou para o deus do seu pai, mesmo sabendo que ele não iria escutar.
O velho pastor, se é que estava no céu assistindo àquilo, teria dito que tudo se tratava de um plano divino.
John Rutherford se recusava a acreditar.
Ele se recusava a perder mais alguém.
Não perderia.
Não dessa vez.
Não Alison Grace.
♥
Olá, amores.
Demorei um pouquinho pra atualizar porque fiquei doente, com bloqueio criativo, e com muita dó de escrever esse capítulo, mas enfim, era necessário.
O próximo capítulo é o penúltimo do livro (serão 30 no total).
Obrigada por seguirem aqui firmes e fortes, sofrendo mais que John Rutherford na vida.
Amo vocês, não esqueçam de votar!
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