VI - Simplesmente Acontece

"às vezes eu sinto que meu coração está quebrando,   mas eu fico firme e aguento porque eu sei que vou te ver de novo" See you again - Carrie Underwood

Alison e John seguiram caminhando lado a lado pela beira da praia. A garota tirou os sapatos e carregou-o nas mãos durante o percurso e, assim, sentia a água gelada do oceano tocar os seus pés cada vez que o mar avançava sobre a faixa de areia.

John fitou a garota por algum tempo, e ela sentiu seu rosto corar sob o olhar atento do rapaz. Sequer podia desconfiar que a maneira como o sol refletia em sua pele excessivamente clara, e a maneira com o vento bagunçava os seus cachos dourados, a conferiam uma aparência descontraída e natural, duas coisas que John Rutherford desconfiava que aquela barbie de porcelana, metida à sabichona, pudesse ser.

Ela deslizou os dedos pelas madeixas volumosas e tentou contê-las em um nó frouxo, que logo se desfez.

− Você tem um cabelo legal – John admitiu, e Alison Grace sorriu um pouco embaraçada. Ela sempre houvera gostado dos seus fios soltos e cacheados, ao modo natural, mas sua mãe sempre lhe dissera o quanto isso lhe conferia uma aparência excessivamente informal e irresponsável, duas coisas que Alison não queria parecer. – Nem todo mundo tem a sorte de nascer loira mas com cachos ao mesmo tempo.

− Eles ficam mais comportados depois de um alisamento – ela reconheceu. – Mas mesmo assim obrigada.

Ele sacudiu os ombros e esboçou um sorriso torto que, embora Alison não fosse admitir, o deixava ainda mais misterioso e atraente do que o costumeiro.

− Então – ele desconversou. – Acho que é a sua vez de contar um segredo.

− O que você quer saber?

− Algo sujo Alison Grace – ele encarou-a com um olhar ávido. – Algo que você jamais contou pra ninguém.

− Tudo bem. – A garota mordeu os próprios lábios, ela sabia bem que existia um único detalhe da sua vida que poderia ser considerado "sujo", era a única coisa da qual, sem dúvida alguma, ela sentia que devia se envergonhar . – Uma vez, no ano passado, eu colei na prova de álgebra.

− O que? – John arregalou os olhos, impressionado.

− Em minha defesa, não foi de propósito. Aquele garoto Matt Greiner que se sentava ao meu lado deixou a prova dele cair e veio parar bem de baixo da minha cadeira, quando eu fui ajudá-lo a pegar, eu vi as respostas. Como eu disse, não foi de propósito.

Em qualquer outra situação, John teria protestado e dito que aquele segredo não era sujo o suficiente, mas quando se tratava de Alison Grace, ele precisava admitir que, colar numa prova, não é algo que ele tivesse esperado. Então apenas sacudiu a cabeça e enfiou uma das mãos no bolso da bermuda jeans.

− É a sua vez – Alison disse. – Qual é o lance com o seu pai?

− Eu fui criado pra ser o garoto perfeito Alison Grace – ele confessou enquanto sentia a areia molhada invadir o espaço entre os dedos dos seus pés a cada passada. – O filho do pastor e da professora de história, eu nunca fui como os garotos da minha idade, eu dedicava quarenta por cento do meu tempo à escola e, os outros sessenta, à igreja. Pra falar a verdade, por muito tempo, isso me impediu de fazer amizades. Ninguém queria ser amigo do garoto nerd que sempre andava carregando uma bíblia.

Aos poucos seus passos seus passos foram reduzindo de velocidade, até pararem totalmente. Alison esboçou um sorriso de lábios cerrados ao encará-lo. Ela sentiu algo em seu coração, uma espécie de conexão e, de alguma maneira, ela se identificava com aquilo que o garoto falava.

Alison não achou que aquilo fazia sentido, porque, até então, ela tinha certeza absoluta de que eles eram completos opostos, e agora, pareciam compartilhar algo mais do que só a cor dos olhos e dos cabelos.

− Eu também não tenho muitos amigos – acabou confessando na tentativa de mostrar um pouco de empatia.

− Eu frequentava todos os cultos, eu orava todas as manhãs e todas as noites. – A voz de John fraquejou um pouco, e ele sentiu os próprios olhos começarem a marejar. Ele não queria desabar na frente da garota petulante que, vez ou outra, o tratava com uma acidez desnecessária, então apertou os próprios lábios tentando, sem sucesso, conter o choro que insistia em escorrer dos seus olhos tão azuis quanto o céu limpo da Geórgia naquela manhã. – Deus não tinha um motivo pra me castigar, Alison.

A garota engoliu em seco. Ela nunca fora muito religiosa, tampouco fora boa em dar conselhos, sempre foi mais acostumada a recebê-los. E mesmo que não tivesse a menor ideia de qual o tamanho da dor que poderia estar afligindo John Rutherford naquele momento, sentiu uma vontade imensurável de abraçá-lo e de dizer que ficaria tudo bem. E foi o que fez.

Deu um passo em sua direção e puxou seu corpo quente de encontro ao dela. John correspondeu o seu gesto apertando-a forte entre os seus braços e, com o seu rosto enfiado entre aqueles fios loiros que tinham um cheiro doce de shampoo, ele se sentiu reconfortado. Não fez mais nada pra impedir a primeira lágrima de escorrer, ou a segunda que veio logo depois daquela.

Os dois ficaram assim por bem mais que poucos instantes, corpos colados sem dizer nada. Alison Grace não tinha muita experiência com abraços, ou com gestos de carinho exagerados como de fato era aquele, mas achou que a pele de John era quente e macia então deixou seus dedos finos deslizarem pelas suas costas nuas em um movimento lento de sobe e desce, na tentativa de acalmá-lo. E mesmo em sua curiosidade de desvendá-lo, ela não fez mais perguntas, apenas ficou ali e o abraçou.

− Você está legal? – perguntou finalmente quebrando o silêncio quando ele se afastou um pouco para encará-la.

Tão de perto ela conseguia ver os pequenos padrões desenhados nos azuis daqueles olhos, como se vê no fundo de uma piscina, e conseguia ver também a sua própria imagem refletida ali.

− Me desculpa por isso – ele pediu constrangido e se afastou um pouco mais, de modo que seus corpos perderam o contato um do outro, desviou o olhar antes de continuar. – O que eu dizia era que...

− Tudo bem John – ela o interrompeu. – Você não precisa me contar se não quiser.

− Eu quero – respondeu prontamente e voltou a encará-la. – É bom ter algum com quem conversar. Alguém que me responda de fato, porque eu conversei com deus muito tempo, como meu pai me mandava fazer, mas ele nunca respondeu minhas preces.

− E o que você pedia? – a garota ousou perguntar.

− Pela minha mãe – confessou. – Pela cura dela.

−Sua mãe está doente?

− Não, Alison, ela está morta – respondeu de uma maneira curta e direta que fez o coração da garota disparar.

− Me desculpa – pediu constrangida e desviou os olhos para os próprios pés que se afundavam na areia fofa da praia. – Eu não...

Antes que pudesse prosseguir, sentiu os dedos de John engancharem-se em seu queixo obrigando-a a voltar a encarar a profundidade azul de seu olhar.

− Você não precisa se desculpar Alison – ele disse com um tom de voz sério, quase fúnebre. – Você não matou a minha mãe, deus matou. – E no que disse isso ele se afastou em um gesto de desespero, virou-se de costas para Alison e deslizou os dedos pelos próprios cabelos. – Por que ele matou, Alison? Minha mãe era uma mulher boa, ela rezava, ela sempre levava brinquedos para as crianças órfãs no natal, ela nunca fez nada de errado.

− Eu não acho que tenha sido a vontade de deus, John – respondeu tentando acalmá-lo embora ela própria não soubesse bem se estava certa ou errada. – Eu acho que simplesmente aconteceu.

− Simplesmente acontece de você estar atravessando a rua e ser atropelado por um maldito caminhão! – ele vociferou. – Simplesmente acontece de você estar andando na calçada e cair um ar condicionado bem em cima da sua cabeça! Lutar contra um câncer por mais de dois anos pra depois morrer na batalha não é algo que simplesmente acontece, Alison, é a porcaria da vontade de deus.

O garoto gritava e as lágrimas insistiam em escorrer de seus olhos azuis, então esfregou o dorso da mão sobre o rosto para secá-las. Ele sentia vontade de bater em alguma coisa, ou em alguém, alguém que não fosse Alison Grace, ele jamais faria nada para machucá-la, então pegou uma pedra no chão e atirou com força em direção ao oceano.

− É isso Alison Grace – ele disse com um tom sarcástico e ergueu as mãos em direção ao céu como alguém que termina um espetáculo, ou que espera por uma intervenção divina, mas essa última ele já não esperava. – Eu era o filho perfeito, eu cantava no coral da igreja, tinha notas altas, jogava no time de futebol, até já tinha conseguido uma bolsa pra estudar direito na Vanderbilt, mas daí eu larguei tudo, Alison. E agora eu sou só esse fodido que você vê, que foi internado por causa da depressão e das drogas e agora não consegue sequer arrumar um emprego de jardineiro nessa maldita cidade, porque ninguém confia em você.

Ele atacou outra pedra.

Erros não eram algo aceitável, não para Alison Grace, e a cada palavra que ela o ouvia dizer percebia o quanto estivera errada ao julgá-lo antes de conhecer.

John Rutherford não era um garoto problema, ele era um garoto com problemas, e Alison acabara de descobrir isso eram duas coisas completamente diferentes.

− Eu confio em você – disse em um tom morno e calmo, que fez a tensão nos ombros do garoto se dissipar. – Me fala sobre a sua mãe, qual era o nome dela?

− Grace. – Ele sorriu e pareceu se acalmar um pouco enquanto se aproximou dela. – Ela se chamava Grace, assim como você, e você também me faz lembrar um pouco dela.

− Ela também tinha um péssimo gosto pra moda? – perguntou em um tom de piada e cruzou os braços na frente do corpo.

− Não, mas ela também gostava muito de estar com a razão.

Alison revirou os olhos. Ela não se considerava uma pessoa taxativa, pelo contrário, suas inúmeras horas de aula de debate a proporcionaram uma inigualável capacidade de absorver a opinião alheia, e também de elaborar argumentos para refutar.

−Eu não quero estar sempre com a razão – rebateu.

− Você sabe que o simples fato de achar que está com a razão em dizer que não quer estar com a razão, te torna uma pessoa que quer sempre ter a razão, não é?

Alison Grace mordeu os lábios contendo a raiva, ela sabia que aquele argumento era confuso e, ainda assim era válido. Tentar argumentar em seu favor só ia provar ainda mais a teoria de John Rutherford, então ela contradisse com o argumento mais tosco e descortês que poderia pensar em utilizar:

− Eu odeio você John Rutherford.

− Você não me odeia, Alison Grace – Ele esboçou um sorriso torto. – Você odeia as coisas que não consegue controlar.

Alison tinha que admitir, John Rutherford não era um fator que ela conseguisse manter sob o seu controle e, tal fato, conseguia assustá-la e intriga-la na mesma proporção.

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