Prólogo
Alison Grace checou sua aparência pela décima segunda vez no espelho antes de decidir descer as escadas para o jantar. Ela gostava de como os seus longos cachos dourados despencavam pelo seu ombro indo de encontro à fina alça de seu vestido floral amarelo, como não sairia de casa essa noite, decidiu que não precisaria alisá-los artificialmente com a chapinha como fazia costumeiramente.
Mesmo já tendo feito isso uma centena de vezes durante a semana, treinou seu discurso uma última vez, suas mãos estavam trêmulas e ela se sentia um tanto quanto nervosa, o que não era comum ou aceitável, quer dizer, não para Alison Grace. Daqui há alguns anos ela seria uma advogada renomada, se não soubesse impor sua defesa defronte aos seus próprios pais em uma mesa de jantar, como poderia fazê-lo perante a um juiz da suprema corte?
A garota deus alguns tapas leves no próprio rosto corado, calçou suas botas da sorte e então irrompeu pelo extenso corredor, desceu a escadaria encaracolada até o amplo hall de entrada, parando um segundo para observar a paisagem extensa que se via pela grande vidraça.
Embora soubesse que seus pais tivessem escolhido comprar essa cobertura no ano anterior pela localização privilegiada e pela quantidade de suítes que jamais seriam ocupadas, o que realmente lhe atraia ali era a vista panorâmica da cidade de Nashville que se tinha dali. Ela sempe se sentia mais calma observando o movimento frenético da cidade sob os seus pés.
Respirou fundo e seguiu rumo à sala de jantar, onde seus pais já lhe aguardavam sentados à mesa posta. Sentiu seu estômago embrulhar quando os olhos azuis repreensivos de sua mãe encontraram-se com os dela, chegou a pensar em desistir, mas se fizesse isso como viria a ser uma advogada?
− Querida o jantar é sempre às sete. – Sua mãe avisou levantando-se da cadeira. – Você está cinco minutos atrasada e sequer arrumou os cabelos?
Alison checou o relógio dourado em seu pulso e respirou aliviada.
− São sete em ponto. – constatou com um sorriso.
− Exatamente. – Sua mãe disse com um sorriso. – São sete em ponto, você sabe que deve chegar cinco minutos adiantada para todos os compromissos. Querida, você já tem dezesseis anos, logo, logo terá dezessete, já está na hora de assumir algumas responsabilidades.
Alison Grace estuda na Academia Montgomery, sem dúvida, o melhor colégio particular de todo o Tennesse, estuda em período integral para aproveitar todas as disciplinas extracurriculares que o colégio oferece, entre elas, o francês, o italiano, e o alemão, as aulas de debate, de democracia, legislação, política, empreendedorismo, arte clássica e a sua preferida, música, mas essa ela infelizmente precisou cancelar por falta de tempo.
Com tudo isso, Alison sempre chega no colégio às sete da manhã, uma hora antes do inicio do período, para rever as matérias do dia antes da aula começar, e sempre sai pontualmente às cinco da tarde, nunca fica um pouco mais pra se divertir com os amigos, como faz a maioria, talvez por isso ela não tenha muitos deles, pra não dizer nenhum.
Ela sabe que precisa cumprir com todos os seus afazeres e estar na mesa do jantar às sete em ponto. Nunca se atrasou, nunca tirou uma nota baixa, nunca perdeu uma aula (exceto por motivo de doença), nada disso é aceitável, não para Alison Grace.
− Você está certa Christina. – Ela admitiu com um sorriso, e sentou-se a mesa em seu lugar habitual, de frente para a mãe que, é claro, não admitia ser chamada desse modo. O pai sentado no lugar à ponta roçou os dedos pela barba grisalha e analisou as duas sem dizer nada, apenas pigarreou chamando a atenção da governanta para servir a refeição. – Me desculpe.
− Precisamos dar um jeito nesse seu cabelo... – A mãe observou. – Se não tiver capacidade para alisar sozinha com a chapinha teremos que apelar para uma escova permanente.
Alison arregalou seus olhos azuis e deslizou os dedos pelas próprias madeixas, recusava-se a deixar que uma única gota de química caísse ali.
− Eu gosto dos meu cachos. – Admitiu por fim, o que fez a mãe soltar um riso de escárnio.
− Gosta? – perguntou. – Além de pobre, você fica parecendo uma garotinha rebelde e irresponsável, e querida, nós já não conversamos sobre essas botas?
A garota roçou os pés de baixo da mesa. Sua bota de cowboy marrom bordada era sem dúvida o item favorito de todo seu guarda roupa, e mesmo já estando um tanto surrada, Alison não abriria mão por nada.
− Você disse que não era apropriada para ir à aula. – admitiu com um pouco de remorso. – Por isso estou usando pra jantar em casa.
− Elas são ridículas. – Christina riu, e encarou o homem ao lado. – Não são Bennet?
Os olhos azuis de Alison encararam seu pai com ar de súplica, mas o mesmo sacudiu a cabeça em negação.
− Grace, querida, você precisa seguir os conselhos da sua mãe se quiser se tornar uma mulher de sucesso como ela.
Alison teria bufado, se não soubesse que bufar é um gesto completamente grosseiro e inaceitável pra ser feito à mesa. Então apenas sorriu e concordou. Ela queria ser uma advogada de sucesso como os seus pais, mas não entendia como as suas botas da sorte poderiam atrapalhar.
− Falando no assunto. – Alison disse ao mesmo passo que a governanta servia à mesa com saladas e um cordeiro assado, ela precisava aproveitar a deixa. – Eu estive pensando na vovó e...
− Nada disso. – Seu pai lhe interrompeu imediatamente. – Eu já lhe disse, sua avó está bem. O furacão apenas passou perto da costa, destelhou um pouco a casa e derrubou algumas arvores, não foi nada grave. Nós já enviamos algum dinheiro à ela para a reforma, não tem com o que se preocupar.
− Eu sei. – disse tentando se lembrar de todos os argumentos que houvera praticado. – Mas a vovó já está com seus setenta e poucos, como pode reformar a casa sozinha? Eu poderia ajudá-la.
− Nós enviamos dinheiro. – O pai disse enquanto serrava a carne em seu prato. – Tenho certeza que foi suficiente para ela contratar alguma mão de obra. Além do mais, como você poderia ajudar? O que entende de reformas querida?
− Eu não entendo nada. – admitiu. – Mas seria uma boa oportunidade para aprender alguma coisa nova, além do mais eu terei o recesso de verão do colégio, seria uma ótima maneira de aproveitar esse tempo. Já faz tanto tempo que eu não a vejo.
− Eu pensei que tínhamos conversado sobre você visitar algumas universidades durante as férias. – o pai relembrou-a, mas Alison não havia se esquecido desse detalhe, Alison Grace não se esquecia de detalhes.
− Eu sei o que conversamos, mas por que eu deveria visitar? Seria desperdício de tempo. Eu vou estudar direito na Vanderbilt, como vocês, farei estágio no escritório mais renomado do Tennesse, que por acaso é o seu, me tornarei uma advogada de sucesso, e futuramente serei uma juíza como a mamãe. Está tudo planejado.
− E como uma visita à sua avó se encaixa nesses planos?
Não se encaixa, Alison sabia disso, mesmo assim preparou argumentos convincentes.
− Eu sempre vivi aqui em Nashville. – Iniciou seu discurso e apertou as mãos sob a mesa, não admitia esse estado de nervosismo, ela havia se preparado, sabia o que falar, então prosseguiu. – Sempre as mesmas pessoas, sempre as mesmas situações, você sabe que não é assim a vida de um advogado. Eu preciso estar preparada, enfrentar novos desafios, conhecer um novo ambiente, novas pessoas, tenho certeza absoluta de que isso deve fazer alguma diferença na minha carreira.
Alison Grace jamais admitiria que sentia saudade da avó, e que gostaria de visitar a pequena cidade de Tybe Island na costa da Geórgia, onde seu pai havia sido criado. Sabia que estes eram argumentos que jamais seriam levados em conta pelos pais.
Christina e Bennet se encararam por alguns instantes, as trocas de olhares intensas deixavam Alison um pouco aflita.
Sua mãe poderia ser juíza no trabalho, mas em casa, era sempre seu pai a dar o veredito.
− Tudo bem. – Ele disse e Alisson comemorou internamente. – Mas teremos que rever a sua grade quando voltar.
− Rever a grade? – perguntou abismada.
− Acho que você precisa fazer mais algumas horas de ciência política ou talvez legislação. – Esclareceu.
− Não foi pra isso que cancelamos as aulas de violão?
− Cancelamos as aulas de música pois você andava muito preocupada com isso e, convenhamos, querida, saber dedilhar umas cordas não vai te levar a lugar algum.
Se não fosse sempre tão educada, Alison estaria revirando os olhos.
− O que você sugere.
− Bom, você pode aprender sobre artes visitando museus, isso não deveria ser matéria para se estudar na escola.
− Tudo bem pai. – Ela concordou. – Trocamos as aulas de artes por mais algumas horas de legislação e eu posso passar as férias com a vovó?
− Sim. Acho que será uma experiencia importante pra você. – Ele admitiu. – E veja se consegue convencer aquela velha a mudar-se para Nashville ou, ao menos, uma cidade descente que tenha um aeroporto.
Alison concordou sentindo-se satisfeita, ela achou que havia feito um excelente trabalho como advogada de seu próprio caso, e, no fundo, estava aliviada por poder se dar umas férias da rotina desgastante de Nashville, ela não tirava férias há tantos anos que já nem se lembrava mais do que era relaxar.
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