Rascunho - Parte 3
O elevador estava demorando uma pequena eternidade para chegar, então resolvo descer mesmo pelas escadas. O Lee me acompanha sem reclamar, mas vejo os olhos deles arregalados e assustados com tudo o que ele via. E olha que eram apenas escadas...
— Nós estávamos muito alto — ele diz quando ainda faltavam uns dois andares ainda.
— Hm, acho que estamos mesmo...
Finalmente abro a porta da garagem e vou direto para o meu carro. Deixo ele na porta do passageiro e vou logo abrindo a minha porta e entrando. E o Lee não entra.
Ah, mas é claro, ele não deve saber abrir a porta de um carro. Me estico no banco do motorista e abro a porta pra ele, mas nem assim ele entra.
— Entra Lee — peço pra ele.
Vejo a dúvida preencher o seu rosto. Ele está olhando bem desconfiado pra lataria vermelha brilhante do meu carro.
— Isso é algum tipo de carruagem? — ele pergunta se aproximando e vejo ele analisando o fumê dos vidros da janela. Seus longos dedos batem no vidro e no metal, como se testasse a resistência.
— Quase isso... Mas eu prometo que é seguro. Vou te explicar melhor onde estamos e o que eu sei, pode ser?
— Certo — ele parece convencido e então entra.
Lee parece lutar um pouco contra o espaço do banco. Ele é um homem alto, e eu tinha afastado o banco pra frente pra colocar algumas caixas na hora da mudança e ainda não tinha colocado o banco no lugar.
Pra melhorar o espaço para ele, me inclino um pouco sobre o seu corpo, pra alcançar a alavanca que fica abaixo do banco. Empurro para trás e agora ele tem bem mais espaço para acomodar as suas pernas compridas e musculosas na medida certa.
— Melhor assim? — pergunto erguendo o rosto e encarando um Lee que me olha com os olhos arregalados.
Só então que eu percebo como eu estou bem próxima da sua virilha. Sutil. Meu corpo inteiro se arrepia pela proximidade. Resolvo sentar direito, não quero dar brecha para o meu pensamento acompanhar o que o meu corpo parecia querer muito.
Engulo em seco e tento pensar em outra coisa.
— Quando eu perguntei se estava melhor, eu perguntei do espaço para você acomodar as suas pernas... — digo desviando o olhar do dele. Ah se ele desconfiasse dos pensamentos pecaminosos que estão povoando a minha mente, com certeza ia sair correndo desse carro.
— Está perfeito — ele diz baixo, com sua voz saindo ainda mais rouca do que usual. Tive muita vontade de voar nos seus lábios nesse momento. Essa voz rouca para mim era um indicativo que o pensamento dele parecia um pouco com o meu, mas claro que bem mais decente. — O espaço está perfeito.
Aquela divisão de felicidade e ciúme volta em mim. Fico feliz em saber que o afeto, mas não sou que o afeta assim, e sim a Tex.
Isso já está virando uma mentira muito grande. Eu tenho que insistir com ele que eu não sou a Tex. Mesmo que isso signifique nunca mais beijá-lo... Hm, não estou gostando, quem sabe somente mais uns beijos e quem sabe...
Não!
Vou esclarecer isso de uma vez por todas com o Lee.
Torço a chave na ignição e quase solto um suspiro aliviado quando o carro liga de primeira, o motor ganhando vida silenciosamente. Coloco o meu cinto de segurança. Merda! Eu tenho que colocar o do Lee também. Lá vai eu ficar perto dele e minha mente tarada trabalhar em mais algumas maneiras de beijá-lo.
Liberto-me do meu cinto e só agora percebo que ele está bem atento aos meus movimentos. Ele olha pro meu ombro observando a fivela de metal pouco acima da minha cabeça.
— Preciso colocar isso em você — digo apontando para o seu cinto.
Ele não responde com palavras, apenas assente com a cabeça. Então puxo o cinto e passo por cima do seu tronco, prendendo a fivela do lado do seu banco. Sei que me aproximei mais do que o necessário, mas fazer o que se ele tem um cheiro muito bom e não consigo controlar os meus impulsos?
— Se eu quiser tirar isso, basta apertar nesse botão vermelho, não é? — ele fala e aponta para o botão.
— Sim... — sorrio com a sua pergunta. Ele é perceptivo e observador. Acho que as perguntas que ele me fará depois que eu explique tudo o que eu sei para ele sejam mais difíceis do que o esperado. — Vamos indo então.
— Vamos sacodir muito? Por isso que estamos presos a essas cadeiras?
— Prometo que vou o mais devagar que posso e tentar sacodir o mínimo possível... — meu carro é novo, não vamos balançar quase nada.
Mal saio da minha vaga da garagem, e vejo que o Lee está segurando com tanta força o banco do carro que os nós dos seus dedos estão brancos. Ele vai acabar furando o estofamento se continuar a apertar tanto assim.
— Lee? — chamo o seu nome para que ele olhe para mim. Ele está pálido. Agora estou preocupada.
— Como é que estamos andando se não há nada preso nessa coisa? Onde estão os cavalos?
— Isso é...
— Parece magia... Isso é magia? — ele arregala os olhos. — Você possui magia Tex? — ele fala num fio de voz.
— Não! Não é magia! Pode tirar essa expressão... Eu não tenho magia... — quer dizer, eu acho que não tenho, mas isso ainda pode voltar a discussão, afinal, magia é uma explicação razoável para ele estar aqui.
— Mas então como? — como é que eu vou explicar o funcionamento de um carro pra quem só está acostumado a se locomover usando cavalos?
— Dentro daquela parte da frente, tem um equipamento... — ah! Acho que isso pode funcionar! — O funcionamento parece com o de um motor a vapor, só que bem mais potente. Esse motor que dá força para que isso possa se mexer.
— Um motor a vapor... Hm, parece interessante.
— Sim, não sei exatamente o funcionamento do motor de um carro, mas te garanto que não tem nenhuma magia no meu carro...
— Nunca tinha visto esse tipo de transporte. O funcionamento deve ser fascinante... Bem melhor do que magia... — ele abre um sorriso fraco e os seus dedos param de apertar com tanta intensidade o banco.
Finalmente saio da garagem e mesmo dizendo que iria devagar, acabo dirigindo um pouco mais rápido do que o usual. Até que queria começar a explicar alguma coisa ao Lee, mas ele não para de olhar ao redor.
Muitas pessoas de cidades menores se espantam a ver a grandeza de uma grande cidade, imagina um homem que tem uns dois ou três séculos para se atualizar com as construções, pessoas e um mundo.
Faltando alguns quarteirões para o trabalho, me deparo com uma fila imensa de carros. Buzinas e xingamentos são escutados de longe. Maravilha! Tudo o que eu preciso agora é um engarrafamento... Só que nunca.
— Mesmo sendo de formatos e cores diferentes, esses carros se movem da mesma maneira que esse, correto?
— Sim... Basicamente é somente o exterior que muda, mas o funcionamento é o mesmo, tirando algumas diferenças nas velocidades que podem atingir...
— E qual a velocidade?
— Alguns são bem rápidos... Alguns andando com mais de trezentos quilômetros por hora... — porque eu tinha que mencionar os carros de fórmula 1? Sou uma péssima pessoa pra explicar o futuro.
— Trezentos? E é possível?
— Sim, não é muito seguro, mas é possível...
— Não sei se consigo imaginar...
— Lee, você veio olhando tudo o que passamos, com certeza você deve ter algumas perguntas para me fazer, não é?
— Sim eu tenho. Muitas perguntas.
— Eu também tenho muitas perguntas, mas acredito que você não vai ter as respostas para as minhas... Então nem adianta muito... Só posso falar o que eu sei... E te responder o que eu sei. Assim fica suficiente pra você?
— Sim...
— Mas antes que você me pergunte o que quer, eu tenho que falar algumas coisas... A primeira e acho que a mais importante que você aceite é que eu não sou a Tex. Nunca fui uma guerreira milenar. Eu sou apenas uma desenhista. Meu nome é Tessa. Preciso que você acredite em mim. E sim, eu sei que eu e a Tex somos muito parecidas, mas isso eu posso explicar. A explicação não é fácil de aceitar, mas é a verdade.
— Não tem como uma pessoa ser tão parecida assim com outra... Ou tem? Você é gêmea dela?
— Não, eu não sou gêmea. Sempre fui filha única.
— Mas então como você e a Tex podem ser tão parecidas?
— Aqui vai a explicação que não vai ser tão fácil assim de acreditar: Como disse, sou desenhista, e a Tex é uma de minhas criações. Eu desenhei os traços da Tex baseados em mim e no meu rosto, por isso que eu pareço tanto com ela... No caso é ela que parece comigo. Mas só somos parecidas apenas na aparência, não tenho a força de guerreira que ela tem. As nossas personalidades são bem distintas...
— Desenhos? Ela é um desenho? Mas como eu a tenho assim em minha memória?
— Aí é que está... Você também é uma criação minha Lee.
— Você está querendo me dizer que eu não passo de um desenho que você criou?
— Você sempre foi muito mais do que somente um desenho para mim Lee... Mas a princípio sim, você era apenas uma criação minha... Mas não digo isso num sentido ruim...
— Isso não pode ser. Se eu sou apenas um desenho seu, um personagem, como é que eu estou aqui agora? Eu não posso ser real, certo? Eu deveria apenas existir na sua imaginação, ou no papel...
— Por isso que eu disse que o que eu sei não era fácil de ser aceito... Ainda não consigo aceitar isso...
— Magia?
— Não tenho conhecimento de nada sobre isso. Mas dizem que existem muito mais coisas entre o céu e a terra do que diz a nossa vã filosofia. E sinceramente, vivendo tudo isso, concordo plenamente com essa afirmação.
— Você realmente não soa como a Tex... A sua voz transmite mais paz do que a dela... O modo que vocês se expressam é bem diferente...
— Acho que a Tex consegue se expressar com mais clareza...
— Os dois modos têm os seus méritos... E ainda tem a questão dos beijos... Com certeza senti algo de diferente no beijo.
— Mas um diferente bom ou diferente ruim? — não consigo controlar a minha língua que já vai perguntando essas coisas vergonhosas.
— Com certeza um diferente bom — ele diz e então desvia o seu olhar do meu. O rosto dele estava vermelho ou era impressão minha?
— Eu posso perguntar uma coisa?
— Acredito que sim Tessa. Se eu puder responder a sua pergunta... — sorrio amplamente ao escutar ele pronunciar o meu nome.
Acho que aquilo era um tipo de progresso, e todo progresso é bom. Ele falou o meu nome, e inferno, aquilo foi melhor do que o esperado.
— Qual a sua última lembrança?
— Como assim?
— A última coisa que você lembra antes de acordar no meu apartamento...
— Ah. Então, lembro de guardar a minha espada e ir dormir olhando para as estrelas. Quando acordei, já estava perto de você.
— E você não ficou assustado quando acordou num lugar que não sabia onde era, com algumas coisas que você não conhecia e sem lembrança de como tinha ido parar lá?
— Não tenho como negar e dizer que assim que abri os olhos estava quase entrando em desespero. Não reconheci o ambiente que me rodeava e não tinha nada para me proteger. Foram segundos bem preocupantes.
— Segundos?
— Sim... Assim que eu virei para o lado, com o intuito de me levantar daquela cama macia, fui tomado pelo cheiro que me lembrava a Tex, o seu cheiro eu suponho. Foi somente sentir o seu cheiro que a preocupação foi embora...
— Somente isso?
— Claro... Só precisei fechar os olhos e seguir o cheiro para te encontrar, eu sabia que iria te encontrar. Claro que eu esperava outra pessoa, mas eu somente segui o cheiro.
— Nossa, eu estava fedendo tanto assim? — ele falou tanto em cheiro que fico um pouco preocupada em aparecer no trabalho cheirando mal.
Levanto o meu braço, procurando algum tipo de odor, mas só consigo sentir o cheiro do meu desodorante. Cheiro o meu braço e não sinto fragrância alguma. Esqueci de passar perfume.
— Não é isso! — ele diz um pouco alarmado. — O seu cheiro é bem distinto, mas bem agradável. Uma mistura de chuva e flores.
— Ah, entendi — sorri por conta desse elogio. — Obrigada Lee. Você disse que tinham muitas coisas para perguntar para mim. Pode perguntar...
— Tenho mesmo, mas antes quero te pedir desculpas Tessa...
— Desculpas? Mas porquê? Você não fez absolutamente nada de errado...
— Eu não deveria ter te beijado tanto assim. Você me disse algumas vezes que não era a Tex e eu não acreditei.
— Não precisa se desculpar por isso Lee... Eu também tenho a minha parcela de culpa... Por favor, não precisa ficar preocupado com isso...
— Preocupado eu estava, e muito, mas arrependido, nem um pouco — ele diz com o sorriso enigmático que eu tanto amo desenhar.
Uma buzina atrás de mim me traz de volta ao trânsito e eu vejo que o engarrafamento está se dissolvendo e voltamos a andar. Mais algumas dessas frases e sorrisos do Lee e tenho a certeza que o meu cérebro vai virar mingau.
Também vou virar mingau se o Lee continuar tão tão assim ❤ não tenho estruturas pra esse homem maravilhoso! Um dos personagens mais inteligentes que eu já tive o prazer de conhecer!
Mas mesmo inteligente, sei que ele ainda tem muitas perguntas a serem respondidas hahaha.
E então, o que acham que vai acontecer agora? A Tessa está esquecendo que está indo pro trabalho? Como ela vai fazer com o Lee? Bem, isso e muito mais nos próximos capítulos ❤
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