Duas horas da manhã, para mim é o melhor horário do mundo. Sei que parece um pouco esquisito falar isso. Principalmente se você for uma daquelas criaturas que eu não gosto de manter contato. Pessoas matutinas.

Simplesmente não consigo confiar numa pessoa que acorda cedo, super feliz e com um humor invejável, dando bom dia cheio de sorrisos até mesmo para o cocô do cachorro que ele pisa!

Isso não deveria existir! Meu dia só começa quando eu tomo no mínimo uma xícara fumegante de café e mesmo assim eu evito todo o contato social possível pela manhã.

Sou uma garota da noite e nunca escondi isso de ninguém. Minha mãe que não gostava muito, mas mesmo sabendo dos meus hábitos noturnos, ela insistia em me matricular na escola no período da manhã, dizia que era o melhor horário.

Só que não. Nem preciso dizer que a minha agenda escolar sempre voltava recheada de reclamações dos professores pelas minhas dormidas na hora da aula, o diretor nem perguntava mais o que eu estava fazendo na sala dele.

Lembro de uma vez que ele ficou muito bravo comigo, chamou até os meus pais, porque no dia que ele estava me dando o maior sermão, eu acabei cochilando sentada. Mas eu tinha dormido pouco mais de meia hora e estava esgotada, não queria escutar nem a aula entediante de Biologia, muito menos escutar um sermão que mais parecia uma cantiga de ninar.

Mesmo com todos esses problemas, eu nunca fui uma aluna ruim. Pra falar a verdade, eu fui sempre a melhor da minha série. Os professores ficavam malucos, a menina que sempre dormia em sala de aula, era a melhor aluna. A maioria deles não ia com a minha cara, mas eu dormia demais para lembrar do rosto de raiva de algum deles.

Como eu sou extremamente alerta de madrugada, aproveitava o silêncio do horário para estudar. Eu sabia aproveitar tanto o meu tempo de madrugada que até estudava as matérias adiantadas. No meu primeiro ano de ensino médio, eu já tinha lido todos os livros didáticos do segundo ano.

Não sei se foi por conta disso, ou por causa do meu excelente desempenho nas matérias escolares, mas eu acabei por conseguir me graduar um ano mais cedo do que o convencional na escola.

Meu período escolar foi bem-sucedido, mas quando digo bem-sucedido, eu digo apenas no quesito de notas, já que o meu departamento de amizades era uma bela de uma negação.

Quer dizer, eu ainda consegui fazer um amigo e ter uma "grande" paixão, mas não acho que conta muita coisa...

Gustavo é o meu contato com a sociedade. Mesmo a nossa amizade começando de maneira bem errada — com ele vindo falar comigo para que eu passasse as minhas respostas de química para ele — Gus foi tão engraçado e desesperado, que eu acabei me apiedando dele e passando as respostas.

Foi engraçado ver aquele menino estupidamente alto, com os cabelos ruivos numa bagunça terrível, incrivelmente magro e completamente desajeitado gaguejando para me pedir ajuda. Ele também não tinha muitos amigos, acho que por isso que nos aproximamos tanto.

Gustavo era sem a menor sombra de dúvida um exemplar do sexo oposto que pareceu sair bem errado, ele era bem feio, pra dizer o mínimo. Quer dizer, nem posso culpar ele, afinal, quando se tem treze anos, nossos rostos são parcialmente deformados pelas espinhas, nossos cabelos estão sempre de mal com o mundo e nossas bocas são tortas por conta do aparelho.

Ainda bem que o tempo fez imensamente bem ao meu amigo e hoje, com vinte e dois anos, Gustavo era o melhor exemplo de transformação que poderia existir no mundo.

Se bem que a sua aparência mudou mesmo quando eu estava no último ano do ensino médio. Ele perdeu a aparência cadavérica de magro e agora era esguio, com uns toques interessantes de músculos, totalmente sem barriga e com aqueles gominhos e caminhos que fazem as mulheres suspirarem pesado.

O rosto dele não tinha mais nenhuma espinha à vista e seus traços ficaram mais fortes e ganharam um aspecto mais másculo. Os olhos dele que antes eram sempre vermelhos por sei lá qual razão, começaram a brilhar num tom castanho claro bem encantador.

Os seus cabelos ruivos que antes pareciam um bicho de tão revoltos, ficaram calmos e caiam em ondas suaves e de um charme tão especial que não tinha como virar o rosto em muitas situações.

Não sei como os dois meses de férias podem mudar tanto assim uma pessoa, mas fiquei feliz pelo o meu amigo. Quando o vi depois da sua transformação, até pensei que o tivessem trocado por uma versão 2.0 dele, mas como ele ainda gostava das mesmas coisas de antes, e não parecia ter mudado nada por dentro, então nem me importei com a sua mudança exterior.

A única coisa que mudou entre nós foi o fato era que ele tinha menos tempo para conversar comigo, já que as meninas do colégio caíram matando em cima dele. Mas nem assim nós deixamos de ser amigos.

Gus acabou virando um cara extremamente popular na escola e eu virei uma nerd por me adiantar uma série. Gus fez novos amigos, e eu mantive apenas o Gus no meu círculo de amizade. Mas nem assim nós deixamos de ser próximos.

Você pode até pensar que era engraçado um dos caras mais populares da escola ser amiga de uma das maiores nerds, mas na verdade, se você não estiver em algum filme clichê por aí, ninguém liga de quem você é amigo.

Os amigos do Gus apesar de não falarem comigo, sabiam quem eu era, e em nenhum momento algum deles me desrespeitou ou zombaram de mim. Claro que tinham os boatos desagradáveis, mas que as pessoas que os inventaram que engasgassem neles!

Mas eu disse que o que eu consegui fazer um amigo e ter uma "grande" paixão correto? E você pode estar se perguntando. A sua paixão é o Gus? Não! Ele é meu amigo, sempre foi e sempre será assim. Só porque eu conheço o cara há tempos, ele é bonito e somos solteiros não quer dizer que eu goste dele...

Quer dizer, eu gosto, mas não nesse sentido.

Mesmo a minha paixão não sendo o Gustavo, ela me foi apresentada por ele.

Foi por causa de um mangá que estava dentro da bolsa do Gus que eu fiquei completamente apaixonada pela arte de desenhar. Linhas e traços que quando coordenados tem o poder de contar uma história.

Ele riu da minha cara deslumbrada enquanto tocava com a ponta dos dedos a imagem de um personagem que mesmo em preto e branco pareceu ganhar vida diante dos meus olhos.

— Quer que eu te empreste? — Gus me pergunta ainda sem conseguir esconder o sorriso.

— Sim! — mal sabia eu que passar a madrugada inteira lendo, relendo e analisando os traços daquele mangá mudaria completamente o que eu achava que queria para o meu futuro.

Passei a dedicar parte da minha madrugada para aprender mais sobre a cultura e como eu poderia fazer desenhos daquele. Não cheguei a prejudicar os meus estudos por conta da minha busca por conhecimento e conteúdo de desenho, pelo contrário, aquilo me ajudou a focar num ponto de onde eu queria chegar.

Adorava usar o silêncio da noite para me ajudar a fazer os meus primeiros traços numa folha de papel. Não foi fácil no começo, mas ao conseguir replicar de forma meio torta um dos meus desenhos favoritos, percebi o quanto aquilo me fez bem e o quanto eu queria criar coisas somente minhas.

Não foi difícil escolher a faculdade de design gráfico para continuar a aperfeiçoar as minhas técnicas. Falta muito pouco para que eu me forme. Fiz mais cursos de desenho que eu possa contar. Gus sempre me ajuda, procurando por cursos que ele sabe que eu vou me interessar.

Não sei bem como começou a minha paixão por mangás onde o traço masculino era particularmente bonito. Sou uma grande curiosa pelo corpo masculino, em todos os seus atributos. Do primeiro fio de cabelo até a sola do pé. Nem sei quando foi que eu passei a desenhar mais homens do que mulheres e cenários.

Vou dizer isso uma vez somente, uma vez apenas. Morro negando, mas é a verdade: sou completamente tarada por homens de mangás/anime. Pronto, falei. Admito.

Minha obsessão por eles é completamente controlada. Não tem como saber apenas de olhar para mim.

E quando eu digo isso, não quero que pensem que eu fico apenas olhando para os desenhos e fantasiando sobre eles, esquecendo de tudo o que acontece ao meu redor. Eu admiro os traços em 2D, mas eu sou completamente consciente dos homens ao meu redor.

Já entrei em alguns relacionamentos e não sou uma completa virgem quando se trata em interações com o sexo oposto. Ok, virgem eu ainda sou, mas eu já beijei uns quinze caras, isso deve contar como alguma coisa, certo?

E não foi por falta de opção. Não fico comparando ninguém na minha mente, eu simplesmente não quis avançar as relações. Não é pecado nenhum recusar um compromisso!

Quem sempre morre de rir com as minhas desventuras amorosas é o Gustavo. Tenho vontade de arrancar pelo menos um tufo daquele cabelo de fogo quando ele ri dos foras que eu dou ou dos que eles me dão.

Não que ele possa falar muita coisa, afinal, os relacionamentos dele nunca duram mais do que uma noite. Se bem que eu também morro de rir dos esquemas dele, então acho que é olho por olho.

Já até conheci uns caras legais, mas nunca consigo ficar com eles por muito tempo. Fazer o que se eu nunca senti por nenhum homem de carne e osso o que eu sinto sobre alguns homens em 2D?

Tinha acabado de voltar de um jantar quase obrigado com os meus pais e estou prestes a me jogar na cama, quando escuto o meu celular tocar. Era o Gustavo.

— Oi Gus!

— Tessa minha salvadora! Preciso de um grande favor seu!

— O que você quer?

— Vou sair agora, e queria que você me ligue daqui a umas duas horas mais ou menos, só pra saber se eu ainda estou vivo...

— Duas horas? Vivo? Dá tempo de te matar umas mil vezes e te jogar no mar nesse tempo seu tonto... Fala, você tem que fugir de quem?

— Não tem mesmo como te enganar, não é? Vou sair com uns amigos meus e eles ficaram de levar umas meninas pra tentar formar uns casais, mas não tenho muita certeza...

— Sobre as meninas?

— Sim. Você pode fazer isso por mim?

— Tudo bem...

— Pensando melhor... Você não quer vir? Acho que deve ter algum dos novos caras da minha sala que você não vai achar um completo tédio.

— Passo. Jantei com os meus pais e estou cansada.

— Você tem que arrumar um namorado. Deprimente você estar em casa numa sexta-feira a noite e muito provavelmente pronta pra dormir...

— Nem acho...

— Sei não viu Tessa... Reforço aqui o meu desejo que você arrume logo um namorado e pare de ficar tanto tempo em casa.

— Espero que você também arrume uma e pare de me encher a paciência!

— Claro, claro. Vou indo aqui então sua chata!

— Vou por o despertador do meu celular, somente pra não esquecer de te ligar! Te amo seu insuportável!

— Também te amo criatura da noite! Não vá virar a noite hoje novamente desenhando!

Desligo a ligação e mal desligo, meu telefone já volta a tocar. Mas dessa vez era um número desconhecido. Atendo.

— Alô?

— Boa noite. Tessa Martins?

— Sim, é ela — meu coração acelera.

— Olá. Estou entrando em contato com você em nome da TL animações — pronto, bastou dizer isso pro meu coração querer saltar pela boca.

Eu fiz uma entrevista de estágio nessa empresa. Uma das vantagens de morar um uma grande cidade eram as oportunidades, mas a desvantagem era a concorrência. Fiquei sabendo de tinham mais ou menos umas cinquenta pessoas querendo a vaga, por isso nem tinha ficado muito esperançosa, mas essa ligação me fez voltar a ter esperanças num piscar de olhos.

— Ah sim, claro — bom trabalho mantendo a voz calma.

— Então, gostaríamos de lhe parabenizar já que você foi uma das selecionadas para o nosso elenco — suprimo um grito extremo que quis sair de dentro da minha alma.

Ao invés de gritar e muito provavelmente explodir o ouvido da moça que veio me dar a notícia, eu agradeço imensamente e anoto com atenção as instruções e documentos que ela deseja que eu leve para a empresa.

Nem acredito. Segunda-feira eu vou oficialmente trabalhar com desenhos! Provavelmente no começo vão ser mais cafés e coisas pequenas do que desenhar propriamente dito, mas vou estar lá dentro!

Estou um passo mais perto de fazer o que eu sonho pelo resto da minha vida.

E então, comecinho de livro... O que acharam da Tessa? Estou bem curiosa para saber as primeiras impressões de vocês, então, por favor, não me deixem aqui morrendo de curiosidade, deixem um comentário aqui para que eu saiba o que esperam desse livro.

Ainda tem um monte de coisa pra acontecer e eu mal posso esperar para que vocês também vejam acontecer! Obrigada pelo apoio de vocês <3

Até breve :*