Construção - Parte 5
Pego algumas revistas do Lee, caso o Tomás queira ver também. As chaves do carro estão em mãos e eu já tinha me calçado. Nem precisei falar nada, já sinto a presença do Lee logo atrás de mim, me acompanhando.
Mas a mulher não está se movendo. Ela ainda está encostada na pia da cozinha e olha admirada para o curativo em sua mão. Corro para o seu lado e falo o mais calmo que consigo.
— Vamos moça, você vem com a gente! — ela não se move e fica plantada no seu lugar, me encarando. — Por favor moça, não faz isso comigo. Não me faça implorar... Estou com um pouco de pressa. Já te disse que não vamos te fazer mal...
Quase dou um abraço nela, quando a mulher resolve concordar comigo e começa a nos acompanhar. Nem olho para trás antes de chegar na garagem. Vou quase correndo para o meu carro e o Lee me acompanha.
Olho para trás na metade do caminho e vejo que a mulher olha ao redor bem assustada. Vou na sua direção e ao me aproximar, percebo que a sua respiração está bem descompassada, ela parece ter dificuldades em encher os pulmões de ar.
Seus olhos estão tão arregalados e se os seus joelhos não tremessem tanto, acho que ela já deveria ter saído correndo dali.
Mesmo sentindo um pouco de pena da reação tão assombrada dela, não temos tempo para isso, por isso que seguro o pulso da sua mão que não estava machucada e a puxo com um pouco mais de firmeza até que ela está parada de frente a porta do meu carro.
Abro a porta e indico o caminho para que ela entre e se acomode no banco detrás, mas não teve jeito. Ela permaneceu plantada próximo a porta. Sua mão estava tão fria que me assustou.
Tentei argumentar com ela mais uma vez, afirmando que não a machucaríamos, mas dessa vez não deu certo.
— Eu já disse que tinha uma surpresa... O que eu faço agora Lee? — pergunto para o meu personagem que parece tão impaciente quanto eu para colocar as mãos na espada.
— Só consigo pensar em um jeito... e sei que você não vai concordar com ele Tessa — Lee desvia o seu olhar do meu e parece querer pensar em outra coisa.
— Com certeza seria mais fácil explicar tudo te mostrando para o Tomás... — digo mais para mim mesma.
Mas parece que a citação do nome do meu chefe chama a atenção da moça. Ela ergue o olhar e parece analisar alguma coisa em sua mente.
Pode parecer apenas impressão minha, apenas um engano dos meus olhos por conta da iluminação da garagem, mas ela me parece muito mais pálida do que o desenho do Tomás.
Um brilho diferente tomou conta do seu olhar e ela então ergue a sua mão, trêmula, alcançando a maçaneta do carro. Ela mordia o lábio de um jeito que estava me deixando nervosa e o seu peito subia e descia com rapidez, mesmo a sua respiração não fazendo nenhum som.
— Então você quer encontrar o Tomás? Você o conhece? Ele é o meu chefe, desenhista e... — ela me interrompe, colocando a sua mão sobre a minha e apenas concordando com a cabeça.
Okay, ela conhecia o Tomás, será que ela tinha uma relação diferente com ele? A minha relação com o Lee era diferente, ele era meu personagem, totalmente criado do zero, mas eu sei que muitos desenhistas muitas vezes desenham traços de pessoas que eles conhecem.
Mas ainda estava um pouco curiosa do motivo dela não falar.
Será que ela era muda?
E outra coisa: será que ela tinha algum trauma envolvendo carros? Pelo o olhar que ela deu para a garagem, não é como se ela não conhecesse o que a rodeava, mas aquele nervosismo não tinha como ser normal.
Ela puxa a maçaneta do carro, sem que eu precisasse dizer nada, deslizando para o banco do passageiro. Vejo quando ela puxa o cinto de segurança e o afivela do lado do seu corpo.
Fico feliz por conseguir que ela entrasse e não controlo o sorriso aliviado que vem. Corro para o meu lugar de motorista e espero o Lee entrar no carro. Travo as portas para que ela não mude de ideia. Ligo o carro, e pela segunda vez no dia, faço o meu caminho até a empresa.
Mesmo prestando atenção no caminho, ainda presto atenção nas reações da mulher no banco detrás. Como esperado de uma pessoa que sabe abrir a porta de um carro e colocar o cinto de segurança, ela não pareceu em momento algum espantada com tudo aquilo que a cercava.
A história do Tomás não deve ser tão antiga como a minha. Já devem ter carros, máquinas e tudo mais. O que era um verdadeiro alívio para mim, já que não precisaria explicar nada pra ela, assim como tinha "explicado" para o Lee.
Deixando um pouco a mulher em segundo plano, olho para o lado, assim que paro em um sinal vermelho, para ver como o Lee estava.
Ele olhava para os seus pés, parecia completamente perdido em pensamentos, pensamentos esses que tive até medo de perguntar quais eram.
Sua mandíbula estava completamente contraída e ele apertava com tanta força o cabo da espada que os nós de seus dedos estavam esbranquiçados.
Algo chama a sua atenção e ele ergue o seu olhar no meu.
Sua expressão abranda um pouco, mas ainda dá pra sentir a angústia dentro dele. Eu também estava angustiada, mas não queria que isso afetasse demais o meu estado de espírito.
— Eu também estou preocupada Lee, mas eu sei que com as duas espadas nós vamos conseguir dar um jeito em tudo.
— Queria ter a sua confiança Tessa.
— Ei! Não fala assim, você tem confiança sim, está dentro do seu peito! Não criei você para se abalar com alguns obstáculos.
— Sei disso, mas eu só vou conseguir me acalmar quando eu ver com os meus olhos que aqueles dois estão bem.
— Eles estão bem. Os dois são fortes. Tenha um pouco mais de fé neles, pode ser?
— Pode — ele puxa uma grande respiração e desvia o olhar para a janela.
Volto a prestar atenção no trânsito quando o apressado atrás de mim mete a mão na buzina com vontade, somente para me alertar que o semáforo já tinha ficado verde, provavelmente dois segundos atrás.
Não demora muito mais para que eu esteja entrando na garagem mais uma vez e procurando uma vaga para estacionar.
Estou um pouco surpresa ao ver o Tomás abrir a porta de acesso da garagem. O brilho dourado nada discreto em suas mãos me mostra que ele já veio com a espada em mãos.
O que ele fazia aqui embaixo?
Mas espera aí, do que eu estou reclamando? Bem melhor mesmo ele ter descido. Envolveria menos pessoas.
Consigo encontrar uma vaga e vou logo encaixando o carro. Tomás já tinha visto a movimentação na garagem e parecia alerta. Desligo o carro e respiro fundo.
Ajusto o espelho retrovisor a tempo de ver a mulher olhando para fora do carro e já desafivelando o seu cinto. Não sei o motivo, mas sei que ela já viu o meu chefe e parece estar contando os segundos para vê-lo mais de perto.
— Nem adianta eu pedir, você não vai ficar aqui dentro do carro, certo?
Seus lábios se apertam e ela pensa um pouco na minha resposta, balançando então a cabeça fervorosamente em negativa.
— Tudo bem então, mas será que você pode esperar um pouco atrás de mim, sei lá, pra que preparar um pouco o terreno antes de você aparecer, mesmo não tendo certeza de quem você é...
Ela concorda e então já vai saindo do carro.
Lee também abre a sua porta e quer sair do carro com a sua espada empunhada. Antes que ele saia, eu seguro com delicadeza o seu braço.
— Será que eu tenho como te convencer a deixar essa espada aqui dentro do carro?
— Mas porque Tessa? Pode ser perigoso...
— Não tem como descartar o perigo, mas a outra espada está tão perto... O meu chefe está com ela, e eu realmente não quero que ele tenha a ideia errada ao ver você empunhando uma espada...
— Você acha realmente necessário deixar a espada aqui? E se pegarem a espada? Melhor deixar sempre ao alcance...
— Será que você pode levar ela pelo menos dentro da bainha? Sei que você é veloz o suficiente para sacar a espada com agilidade caso algo de errado, mas não vai dar nada errado.
— Se você insiste...
— Obrigada por entender.
Ele engancha a espada atrás da sua calça jeans e começa a andar em direção ao meu chefe. A mulher vai nos acompanhando e o corpo alto e largo do Lee a esconde do olhar atencioso do Tomás.
Vamos nos aproximando lentamente dele. Assim que ele me vê em meio aos carros, Tomás abre um sorriso lento. O sorriso dele permanece o mesmo ao olhar para o Lee e perceber que andávamos lado a lado.
Fico um pouco apreensiva ao imaginar a reação do meu chefe. Nem sei como eu posso começar uma conversa para que ele consiga acreditar no que os olhos dele vão ver.
Quer dizer, eu até que queria pensar em algo, mas a mulher que se escondia timidamente atrás do Lee, ao ver o Tomás, é tomada por uma força que eu desconhecia e sai de seu esconderijo, correndo em disparada na direção dele, o que não era muito rápido, mas nem poderia imaginar que ela tinha esse vigor dentro de si.
Pouco antes dela passar por mim vejo sua boca se curvando em um belo sorriso e seus olhos brilharem de uma genuína alegria.
Minha atenção agora vai para o Tomás.
Deu para perceber o exato momento em que ele viu a mulher correr em sua direção. Suas sobrancelhas se ergueram, os olhos arregalaram, seu queixo caiu. O que era susto aos poucos foi se transformando em confusão.
Faltavam poucos passos para que ela o alcançasse quando vi a cor fugir completamente de seu rosto. Ele a olhava como se ela tivesse duas cabeças ou algo pior.
Seu olhar vai perdendo o rumo aos poucos e vejo o seu corpo tremer.
Não sabia como ele reagiria, mas deveria imaginar que ele teria uma reação muito parecida com a minha... Ele desmaia bonito, caindo completamente desacordado no corrimão da pequena escada atrás dele. Ainda bem que ele tinha ficado meio torto em cima do corrimão, não batendo a cabeça no chão.
A espada dourada faz um barulho quase ensurdecedor quando atinge os degraus. Ela arranca um pedaço do cimento do degrau. Minha nossa, se essa espada faz isso com cimento, nem quero imaginar o estrago que ela fará quando encontrar uma pessoa de carne e osso.
Todos nós apressamos o passo para alcançar o homem desacordado.
A mulher chega primeiro, visivelmente mais preocupada com o Tomás, sentando no chão, puxando o corpo dele para ela, colocando a cabeça dele em seu colo. Ela parece procurar algum ferimento mais grave nele, e quando não encontra nada, sorri e começa a afagar o cabelo dele com um carinho que escorria por todos os seus poros.
Lee chega quase em seguida e vai logo apanhando a espada dourada do chão, testando o seu peso na mão e vendo se ela tinha sido danificada por ter caído no chão, mas vi um lampejo de alívio ao ver que a espada ainda estava inteira e sem nenhum arranhão mais grave.
Assim que me aproximo o suficiente percebo que a mulher chora. Mas não são lágrimas tristes, de alguma forma, parece que a mulher foi liberada de alguma maldição, que um peso enorme saiu de seus ombros.
Tomás, mesmo desacordado, começa a esboçar um sorriso. Acho que de alguma forma o corpo dele estava reconhecendo o carinho que estava recebendo.
Mesmo com a certeza que estão faltando muitas informações para completar o quebra-cabeça que estava sendo montado na minha cabeça, não tenho como não ficar feliz ao presenciar aquela cena.
Não tenho o que dizer, nem acho que seria cabível a mim falar algo.
— Eu já peguei a espada. Acho que esses dois tem muito o que conversar... Que tal darmos espaço para os dois resolverem o que quer que tenha entre eles? — Lee diz baixo, se aproximando de mim.
— Acho uma boa Lee, não quero atrapalhar os dois...
— Calma Tessa, não vá ainda! — me espanto ao escutar a voz do Tomás. Nem sabia que ele já tinha despertado.
Olho em sua direção e mesmo com a cabeça ainda no colo da mulher, ele já estava de olhos abertos. Ele parece um pouco atordoado, mas acho que menos do que eu.
— O que está acontecendo? — ele me pergunta completamente desnorteado.
Ah Tomás, por onde eu começo?
Oi! Mais um capítulo e terminamos a terceira arte do livro. O que estão achando? Não se esqueçam de deixar um comentário e o voto se estiverem gostando.
Até o próximo capítulo ❤️
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