Parte 2

Antigas cortinas florais conferiam uma atmosfera melancólica aos ambientes ainda vazios. Apenas uma brisa gélida adentrava pelas frestas das novas janelas, com vidros límpidos e desprovidos dos antigos insufilmes escuros. Janelas que emolduravam a paisagem primaveril e testemunhavam a vida do lado de fora.

— Você não tem ideia do trabalho que isso vai dar, Sam — Bucky suspirou, enquanto passavam por um dos quartos —, mas vai valer a pena, é um recomeço.

Bucky comentava com Sam sobre a quantidade de reforma que o lugar exigia enquanto mostrava cômodo por cômodo e os detalhes que mais precisavam de atenção.

Sam assentiu em silêncio, mantendo a mãos aquecidas nos bolos da calça, observando os detalhes que Bucky apontava em cada cômodo e a quantidade de atenção que o lugar necessitava. A madeira do assoalho era escura e rangia sob seus passos e as paredes precisavam de uma pintura nova, mas o pé direito era alto e as janelas amplas. A lareira era de mármore antiga, mas havia sido reformada no último inverno, junto com toda parte elétrica e hidráulica da casa. Aquele lugar facilmente se tornaria um lar aconchegante.

— Com certeza, Bucky. É incrível pensar em como você conquistou tudo isso, considerando... bem, tudo o que aconteceu — disse, provocando um discreto sorriso nos lábios de Bucky.

— É, eu ainda me belisco as vezes — ele admitiu, reconhecendo os aspectos positivos que superavam as adversidades da sua nova casa. — Aliás, Sam, Steve teria muito orgulho de você. Carregar o escudo, seguir seus passos...

Sam pareceu ponderar as palavras por um instante.

— É uma honra, mas também uma responsabilidade imensa. Às vezes, sinto como se estivesse vivendo sob o olhar constante dele.

— Você está fazendo um ótimo trabalho, Sam — Bucky assegurou. — Ele acreditou em você por um motivo — acrescentou, palavras envolvidas por um tom orgulhoso.

À medida que exploravam a casa, Bucky conduziu Sam até as escadas, subindo mais um lance até o cômodo dos fundos, que estava espetacularmente preservado: a biblioteca. Prateleiras altas se estendiam pelas paredes, repletos de livros antigos cujos títulos evocavam histórias atemporais: "Orgulho e Preconceito", "Drácula", "Moby Dick" e "O Sol é para Todos", pareciam ter sido deixados pelo antigo morador. Sam admirou o ambiente com um sorriso cativo em sua expressão.

— Isso é incrível, Buck. Parece que você encontrou um tesouro perdido no meio de tudo isso – ele comentou, referindo-se aos materiais de reforma pela casa.

— É... — murmurou, seus olhos azuis vagando entre os inúmeros títulos que ele mal havia conferido até então.

Sam caminhou pela biblioteca de Bucky por mais alguns instantes, admirando as estantes repletas de livros. Seus olhos atentos se detiveram em um volume com um título específico. Ele pegou o livro e começou a folheá-lo, um sorriso irônico brincando em seus lábios.

Bucky ergueu as sobrancelhas em curiosidade para a expressão de diversão no rosto de Sam, e se aproximou para ver o livro que ele folheava, se deparando com o título "The Manchurian Candidate". Seus olhos se fixaram no título e, de repente, uma lembrança ecoou em sua mente.

Bucky fechou os olhos por um momento, transportando-se de volta à Sibéria, onde Tony Stark, com seu sarcasmo característico, o havia apelidado daquela forma. Um apelido dito em tom descontraído, pouco antes de Bucky se deparar com a amargura no olhar de Tony quando ele descobriu toda a verdade sobre o assassinato de seus pais. Enquanto sua mente se deslocava de volta ao presente, Bucky retornou sua atenção ao livro, sentindo uma onda de melancolia.

— Quer que eu me livre disso? — Sam perguntou, percebendo a expressão no rosto do amigo.

Bucky balançou a cabeça em negação, esboçando um sorriso nos lábios.

Descendo para a área mais completa da casa, que abrigava uma cozinha espaçosa com móveis e eletrodomésticos novos, além de uma ampla sala de estar e jantar sem móveis ou decoração, a campainha soou repentinamente. Bucky e Sam trocaram olhares surpresos, desviando a atenção dos mósveis para a porta, antes de Bucky se dirigir a ela. Ao abri-la, Ellie, a nova vizinha, estava do lado de fora, ostentando um sorriso tímido nos lábios brilhantes e, em suas mãos, um embrulho pardo envolto em um laço de sisal, amarrado sobre um ramo de alecrim.

— Oi... — ela murmurou.

— Oi... — Bucky respondeu, finalmente, depois de perceber que estava sorrindo por um tempo excessivo, absorto em seu sorriso brilhante.

— Am... isso é para você — ela disse, entregando-lhe o embrulho, observando seus próprios movimentos com cuidado.

Enquanto Ellie se desculpava por não ter feito aquilo antes, explicando sobre a semana agitada e o demorado processo de preparo do doce, já que ela mesma produzia as geleias em casa, Bucky, mais próximo dela agora, simplesmente obsorvia seus detalhes. Ela era deslumbrante. As ondas castanhas-douradas que terminavam levemente acima dos seios eram hipnotizantes. O rosto delicadamente desenhado agora apresentava uma maquiagem discreta, olhos suavemente delineados e bochechas acariciadas por um tom sutil de pêssego, além dos lábios, é claro, agora rosados e brilhantes. Toda essa sutileza se realçando em meio às suas roupas inteiramente pretas: sobretudo preto de tecido robusto, blusa justa que destacava sua silhueta, short de couro, meia-calça e botas curtas. Bucky estava fascinado.

— Isso é muito gentil... obrigado — Bucky disse, tentando puxar os olhos de volta para os dela, mas falhando miseravelmente.

— Não foi nada — falou antes de se despedir com um aceno rápido de mão e então deu um passo para trás e girou para descer as escadas.

Bucky a observou por mais alguns instantes antes de finalmente fechar a porta e se virar para ver Sam rapidamente se aproximando da janela, evidentemente observando sua vizinha através da cortina, enquanto ela atravessava a rua em direção ao carro, destravava as portas e partia pela rua úmida.

— O que foi isso? — Sam o olhou surpreso, as sobrancelhas arqueadas e um sorriso travesso nos lábios.

— Nada, Sam, ela é só uma pessoa gentil — Bucky respondeu, tentando transparecer naturalidade enquanto seu rosto se aquecia.

Sam deu uma risada nada discreta, fazendo Bucky corar ainda mais.

— Sei — disse com uma risada —, não se esqueça de que Steve falava muito sobre você, inclusive sobre como você era péssimo em esconder sentimentos por uma mulher.

Bucky revirou os olhos, com a sombra de um sorriso se curvando nos cantos da boca.

Curioso, Sam e Bucky se direcionaram até a generosa penínsola da cozinha e Bucky não demorou a abrir a caixa, deparando-se com uma sobremesa que mais parecia uma obra de arte de um restaurante refinado.

Olha só para isso! — Sam disse com uma risada, admirando o que via diante dos olhos.

A geleia de morango sobre os mirtilos e framboesas sobre o chessecake brilhavan sob as luminárias, refletindo a luz em suas texturas perfeitamente arranjadas.

— Parece... perfeito — Bucky disse, apreciando a perfeição da sobremesa.

— Acho que só tem uma maneira de descobrir isso — Sam sorriu de orelha a orelha, claramente ansioso para experimentar o doce.

Entre conversas e boas risadas, Bucky e Sam não só devoraram apenas uma, mas várias fatias do chessecake de Ellie. Não era apenas a decoração que havia sido feita com esmero, mas tudo – das frutas frescas à base de biscoito, tudo tinha um sabor verdadeiramente divindo.

— Honestamente, você acha que ela faz isso para todos os novos vizinhos? Ou foi só para você? Porque, você sabe, você é o cara do braço de vibranium, um herói... é quase um chamariz irresistível — Sam provocou, com um sorriso maroto.

Bucky riu, revirando os olhos novamente.

— Claro, Sam, porque todas as pessoas normais vão à procura de ex-assassinos como vizinhos para desejar boas vindas. Você realmente entende como a psicologia humana funciona... — disparou, lançando um olhar rápido para o amigo antes de enfiar outra fatia de cheesecake na boca.

Um breve silêncio se instalou no ambiente, e por um momento, os dois apenas se deliciaram com o quanto a vida podia ser simplesmente simples e doce. Como um novo lar, uma gentileza de um vizinho e um doce para aquecer os corações.

— Você acha que ele conseguiu? — Bucky murmurou a pergunta, rodando um mirtilo com a ponta do garfo pela geleia de morango espalhada pelo prato. Seus olhos azuis encontraram os de Sam, buscando uma resposta para uma questão que o intrigava há muito tempo. — Acha que Steve realmente conseguiu a vida que merecia ao lado de Peggy?

Sam refletiu por um instante, sua expressão séria enquanto ponderava sua resposta. Depois, balançou a cabeça com um suspiro, seu olhar distante fixado em um canto aleatório.

— Deve ser reconfortante pensar que ele encontrou a paz que tanto buscava depois de tudo... Sim, eu acredito que ele tenha conseguido.

Bucky sorriu, sua imaginação pintando uma cena delicada em sua mente. Podia ver Steve, com seu cabelo arrumadinho e barba feita, dançando em uma bela sala de estar, de uma bela casa, ao som de "It's A Long, Long Time", com Peggy Carter em seu vestido escarlate e batom de mesma cor. Steve merecia aquilo.

— Eu costumava desejar isso para mim — Bucky confessou —, viver uma vida tranquila ao lado de alguém especial.

Sam sorriu, demonstrando compreensão. Ele colocou a mão gentilmente no braço de Bucky, transmitindo apoio silencioso.

— Você tem mudado bastante, Bucky. O passado não precisa definir quem você é hoje — disse com um olhar gentil, enquanto rodava uma framboesa no ar, presa na ponta do garfo. — E você ainda pode encontrar alguém especial.

Bucky sentiu uma leve correnteza de calor em seu peito, uma mistura de gratidão e esperança. No entanto, seu rosto corou quando Sam lançou um olhar rápido em direção à janela, fazendo uma referência sutil à sua educada vizinha.

O que? Não... — Bucky gaguejou, o constrangimento o invadiu novamente com a sugestão de Sam. — Você viu como ela estava, provavelmente foi encontrar alguém...

Sam não pôde evitar uma risada, um sorriso sacana cativo nos lábios.

— Então está interessado? — Sam provocou com uma risada, saboreando a chance de implicar com o amigo.

Bucky deixou uma risada escapar, rendendo-se às brincadeiras de Sam, mas logo suspirou, sabendo que era uma presa fácil para as pegadinhas do amigo.

— Não — disse, sua voz repleta de negação, mas Sam continuou rindo, provocando-o.

— Eu vou adorar jogar isso na sua cara um dia, você sabe, não é? — Brincou, mantendo seu sorriso cativante, apesar do olhar irritado de Bucky.

— Eu te odeio.

~

Vocês acharam que essa história ficaria sem o nosso passarinho?

E pra quem não se lembram do apelido "Manchurian Candidate", ele foi mencionado no filme Capitão América: Guerra Civil. No filme legendado, Tony chama Bucky por esse apelido.

"The Manchurian Candidate é um livro escrito por Richard Condon, sobre o filho de uma poderosa família com tradição política nos Estados Unidos que sofre lavagem cerebral para se tornar um assassino involuntário a serviço do Partido Comunista".

Música do capítulo

It's a Long, Long time - Harry James

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