Parte 1
Nova Iorque, EUA
Março de 2025
A sala espaçosa encontrava-se imersa na suave luz dourada do entardecer, lançando um brilho acolhedor sobre tudo o que tocava. Sentado no sofá, Bucky aguardava pacientemente, os olhos azuis fixos na paisagem além da janela. Através das frestas da persiana, podia-se entrever as janelas de outras salas e os ramos de uma árvore adornada com delicadas flores rosadas que encontrava-se no centro do edifício.
Bucky notou que pouco havia mudado no consultório desde sua última visita. O mesmo tapete macio sob seus sapatos, e o sofá, um fiel confidente de tantas confissões, estava posicionado exatamente no mesmo lugar. Ele olhou para a parede oposta e se deparou com a mesma paisagem de floresta, uma cena idílica que contrastava de forma intrigante com as histórias de luta que ecoavam nas quatro paredes daquele lugar. Por um instante fugaz, ele refletiu sobre as inúmeras pessoas com desafios e anseios únicos que compartilhavam aquele mesmo espaço e, a cada suspiro, podia sentir o eco da complexidade dos corações que ali se abriam.
As pessoas são tão complexas. Seus pensamentos fluturam, mas antes que pudesse concluí-los, o som abafado de passos do lado de fora do cômodo e da porta se abrindo romperam o silêncio. A figura da Dra. Raynor apareceu, a única que parecia compreender verdadeiramente as nuances do seu passado e das batalhas internas que enfrentava.
— James — a Dra. disse após um breve momento, antes de seguir em direção ao aparador no canto do consultório. Ela colocou sua bolsa e uma pequena caixa de papelão que parecia ser uma encomenda recebida recentemente sobre a superfície amadeirada. — Pensei que tivesse sido perdoado? — O tom de sua voz carregava um toque sutil de diversão, evidenciando a intimidade que havia entre eles.
— Você é mesmo uma terapeuta terrível — ele implicou, devolvendo o tom divertido. — Não pode atender um antigo amigo?
Bucky encolheu-se, desviando os olhos para suas mãos enluvadas, os dedos entrelaçados sobre o seu colo. Raynor apenas sorriu em resposta, pegando seu caderno e uma caneta em sua bolsa antes se acomodar na poltrona de frente para ele.
— Você deve saber que eu não mantenho nenhum relacionamento com meus pacientes, James — ela disse com um toque sutil de ironia e descontração.
— Ninguém precisa saber, Dra. — ele respondeu com um tom levemente malicioso entrelaçado em suas palavras. Ele brincava, fingindo que a conversa era sobre algo além da amizade que compartilhavam.
Raynor deixou uma risada baixa escapar e balançou a cabeça.
— Então, como posso ajudá-lo dessa vez, meu amigo?
— Estou tentando seguir o seu conselho — Bucky começou, sua voz carregada com um toque de hesitação —, tentando ser um civil normal... ser livre.
Raynor o observou atentamente, esperando por mais.
— E como você tem feito isso? E não me diz que é o cabelo — fez menção aos fios que haviam crescido desde a última vez que se viram.
Bucky desviou o olhar por um momento, perdido em pensamentos, enquanto considerava sua resposta. Ele sabia que não havia feito muito para se ajustar a essa nova fase da vida. O sentimento de poder caminhar livremente, desfrutar de conforto e finalmente ter um lugar que pudesse chamar de lar ainda o inundava de estranheza.
— Eu me mudei — ele disse finalmente.
A resposta pareceu surpreendê-la, suas sobrancelhas se arqueando com curiosidade.
— Você se mudou? — ela perguntou, buscando confirmar o que ouvira.
— Sim... Park Slope — ele respodeu, deixando uma pausa significativa. — Ainda é no Brooklyn, mas é diferente.
Definitivamente uma mudança significativa. Em outra época, Bucky jamais teria escolhido uma casa com janelas amplas e muito espaço em um lugar movimentado. Locais menores e discretos, onde poderia se esconder facilmente atrás de janelas cobertas por jornais,
parecia mais aceitável e, de certa forma, proporcionava uma sensação de conforto ao oferecer um certo senso de proteção e anonimato. Uma espécie de mundo privado diante do olhar curioso do exterior.
Um sorriso sutil se desenhou nos lábios da Dra Raynor. Progresso, talvez?
— É um lugar maravilhoso, James. Muitas árvores, parques e casas espaçosas — fez uma pequena pausa dramática. — E novas pessoas para conhecer.
— É... Eu ainda estou conhecendo a área — ele murmurou.
— Você tem móveis dessa vez? — ela perguntou, arqueando uma sobrancelha de forma inquisitiva. — Além de um sofá, um tapete e uma TV? Como uma cama, por exemplo?
James franziu a testa, surpreso por ela ter aquela informação. Ele inclinou a cabeça, e estreitou os olhos para ela em um questionamento silencioso.
— Sam Wilson — ela disse simplesmente, respondendo a pergunta não dita. A expressão no rosto de Bucky se transformou instantaneamente em um sorriso apertado e irônico e um olhar distante.
— Claro. E sim, eu tenho uma cama — ele respondeu com orgulho —, mas eu me mudei recentemente. Eu ainda não... decorei o lugar.
— É um começo. E quanto aos pesadelos, você ainda os tem?
Imediatamente, as perturbadoras imagens de uma memória antiga do Soldado Invernal assombraram Bucky em plena luz do dia – a sensação da mão de carne e osso interrompendo os últimos suspiros de Maria Stark, logo depois de ter arrancado brutalmente a vida de Howard com a sua antiga prótese de metal. Uma lembrança real o suficiente para arrancar Bucky de seu atual estado aparentemente tranquilo, até a década de noventa, quando ele ainda era o Soldado Invernal, um experimento bem-sucedido do Dr. Arnim Zola e a arma assassina predileta da Hydra.
— Eu ainda não sei como lidar com toda essa liberdade, Dra. — ele disse, interrompendo seus próprios pensamentos e esquivando-se do questionamento de Raynor.
Raynor suspirou fundo e abriu seu caderno, clicando a caneta e se preparando para escrever.
— O lance do caderninho, sério? Pensei que tivéssemos superado isso. — Bucky reclamou, pressionando os lábios ao balançar a cabeça e olhar através da janela mais uma vez. — Eu ainda tenho os pesadelos, está bem? E eles me lembram que parte do Soldado Invernal ainda vive em mim.
— Seus pesadelos são fragmentos das memórias do Soldado, James. Eles não são suas lembranças. — Ela fez uma longa pausa, soltando um suspiro profundo. — O soldado se foi, e não retornará — disse pausadamente.
— E se alguém pudesse trazê-lo de volta... de alguma forma?
— Ainda que isso fosse possível, todos os que tinham interesse em trazer o Soldado Invernal de volta já se foram.
— E se isso não for verdade?
— James — ela o repreendeu sutilmente, prendendo a sua atenção. — Eu entendo que se adaptar a essa nova vida após tudo que você passou é um desafio, mas lembre-se que agora você tem a oportunidade de moldar a sua vida da maneira que desejar.
. . .
Sob o frescor do clima frio da região onde agora morava, a carícia suave do ar tocava o rosto de Bucky enquanto pilotava a moto, fazendo os fios do cabelo recém-crescidos dançarem ao vento. Ele seguiu pela 1st St. e estacionou na vaga diante de sua nova casa: um clássico conjunto de brownstones, típicos do Brooklyn. A fachada histórica, adornada por ornamentos esculpidos em seus vários pavimentos, emolduravam e acolhiam as amplas janelas que permitiam a entrada generosa da luz natural. Próximo aos degraus que se elevavam até a entrada da casa, um pequeno jardim acrescentava um toque verde ao cenário urbano, um sussurro de harmonia compartilhado entre a natureza e a cidade.
Tinha grama viva nos canteiros... O murmúrio das árvores dançando suavemente ao vento se transformava em uma melodia serena, perfeita para dormir. A nova vizinhança era tranquila, com famílias passeando com seus filhos e animais de estimação, pessoas cuidando de suas flores e carros passando vez ou outra em velocidade baixa.
Raynor estava certa, a região era bem arborizada e agradável.
Enquanto apreciava os detalhes e a beleza do local, observando os últimos raios de sol do dia cintilarem através das folhas das árvores, seus olhos foram atraídos para a cena que se desenrolava do outro lado da rua: uma mulher de estatura modesta, com cabelos castanhos em ondas que caíam sobre o sobretudo claro, lutava para erguer um imenso saco de ração. Com muito esforço, ela desceu degrau por degrau cuidadosamente e carregou o saco até o porta-malas aberto do Range Rover estacionado em frente a casa. Em seguida, seu olhar se voltou para a própria residência, em um testemunho silencioso do trabalho que a aguardava: a tarefa de levar os outros três sacos no alto da escada até o seu carro.
— Droga — ela murmurou em meio a um suspiro profundo e Bucky deixou uma risada escapar.
Ainda sobre a sua moto, ele dirigiu o olhar em direção à sua casa antes de voltar a prestar atenção na cena do outro lado da rua. Com um suspiro resignado, ele desceu do veículo, checou os arredores e em seguida atravessou a rua na direção da mulher.
Ao alcançar o limite entre a sua propriedade e a calçada, ele arriscou uma tosse discreta, esperando chamar atenção dela.
— Talvez eu possa ajudar?
A mulher demonstrou surpresa ao finalmente perceber a presença de Bucky. Seus olhares se encontraram e um breve silêncio se instalou antes que ela o desfizesse com um tom envolvido por surpresa e familiaridade.
— Sargento Barnes? — Sua voz carregava uma gentileza e afeição quase palpáveis, enquanto suas feições denotavam surpresa – as bochechas enrubesceram e os olhos castanhos vagaram pelas características do rosto de Bucky.
— Bucky — ele murmurou, devolvendo o olhar curioso que ela tinha sobre ele, intrigado com a forma como ela pronunciou seu nome, como se já o conhecesse há tempos. Além disso, não pôde deixar de notar como as maçãs do seu rosto ganharam um tom rosado adorável sob o suave rubor, enquanto a luz dourada do sol fazia seus olhos castanhos brilharem, tornando-os hipnotizantes, assim como os lábios delicados, cobertos por um brilho sutil.
Com um sorriso acanhado desenhando-se em seus lábios, ela assentiu.
— Bucky — ela repetiu. — Hm... Seria maravilhoso se você pudesse...? — Ela virou-se em direção onde os outros sacos de ração estavam e depois voltou a olhar para Bucky, deixando a pergunta suspensa no ar. — Isso deveria ter ido para o abrigo... — explicou brevemente, as mãos na cintura.
Bucky esboçou um sorriso e, com um gesto, indicou a escada como se estivesse pedindo permissão para entrar. Subiu os degraus em direção a casa, pegou um dos pacotes com facilidade e retornou de volta até ela.
— É aqui? — Ele perguntou, desviando o olhar para o porta-malas.
— Isso, por favor — ela respondeu timidamente. — Obrigada...
Bucky não precisou de muito tempo ou esforço para por todos os sacos no porta-malas, e quando terminou, parou por um momento para observar a organização que havia feito. Seus olhos percorreram pelos detalhes do interior do veículo, parecia imenso, maior do que qualquer um em que havia entrado, diferente até mesmo dos carros do Stark, que era fã dos modelos esportivos. Um lampejo de pensamentos o fez involuntariamente contrair os ombros, como se buscasse afastar o rumo que seus pensamentos estavam tomando.
— Obrigada, Sarg-Bucky... — o tom meigo de sua voz o trouxe de volta à realidade, às árvores, ao vento fresco e aos lábios delicados e brilhantes.
Um riso contido escapou dos lábios de Bucky enquanto ele a observava com um sorriso gentil. Ao voltar a atenção para os sacos no porta-malas, ele começou a realizar pequenos ajustes em seu braço biônico – girando o pulso como se estivesse recalibrando. Os dedos se movimentaram com fluidez, e o sutil giro do ombro emitiu sussurros mecânicos, provenientes da prótese de vibranium sob a manga da camisa, do tecido macio do moletom e da luva.
— Quando precisar... — Bucky disse, desviando a atenção da sua mão de vibranium e inclinando a cabeça em direção à sua casa.
Após desviar discretamente a atenção dos braços musculosos e da cena que presenciou, o olhar dela se direcionou para a casa do outro lado da rua.
— Então você é o vizinho novo?
Bucky confirmou com a cabeça.
— É, eu sou... — murmurou para si mesmo, seus olhos fixos em sua casa que, à primeira vista, não parecia muito diferente das outras da rua, exceto pela cor mais escura da fachada.
— Legal, Bucky — ela disse com o tom amigável e os olhos azuis voltaram a encontrar os olhos castanhos.
— Desculpa, eu não perguntei o seu nome.
Um sorriso surgiu novamente nos lábios delicados e brilhantes.
— Ellie. Ellie Fleming — disse docemente em meio a um sorriso.
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Tenho nem palavras por estar aqui de novo postando pra vocês 🤍
Espero que tenham gostado do primeiro capítulo e sejam bem-vindos!
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