08. eu te odeio!
#🕶️
Jimin
Ouço seus passos na madeira rústica, a cada segundo ainda mais próximos de mim. Me escondo entre as prateleiras, segurando minha respiração na garganta.
— Eu sei que você está aí... — Sua voz macabra preenchia o cômodo.
Viro uma esquina entrando em outro corredor. Tudo estava tão escuro e gelado.
— Tenho uma surpresa para você. — O som de metal arrastando sobre a madeira maciça faz meu estomago se revirar.
Vou até o fim do cômodo, me encostando na parede, agachada entre dois armários. E então tudo é um extremo silêncio. Ofego desesperado, ainda em choque e me assusto com as lágrimas quentes tocando minhas mãos.
Seus passos se aproximam.
— Jimin... — Cantarola meu nome e sinto um nó fechar minha garganta. — Jimin...
Daqui conseguia ver Minho caído no chão. Um buraco atravessava sua testa e outro seu peito. Havia sangue para todo lugar espalhado junto de sua massa cinzenta. Seus olhos estavam abertos assim como sua boca, me encarando. Fecho os olhos não querendo guardar sua última imagem daquela forma. Então sinto uma mão puxando meus cabelos.
— Achei você! — Ele diz sorrindo e então ouço um disparo.
— Não!
— Ei! — Ele diz, se afastando. —Calma. O que aconteceu?
Me sento na cama, ainda confuso. Olho ao redor, reparando no cômodo em que estava. O mesmo quarto dos últimos dias. A mesma poltrona marrom no canto. A porta aberta indicando o banheiro a minha frente. Era apenas um sonho.
— Jimin? — Sinto seu toque em minha perna e me assusto. — O que houve?
— Nada. — Me apresso em dizer, arrumando meu cabelo. — Só tive um sonho ruim.
— Entendo. — Ele diz, compreensivo. Mas será que entendia mesmo? — Vamos, o café está pronto. — Diz indo em direção a porta.
Me levanto rápido, colocando os chinelos de qualquer jeito e vestindo a camisa do moletom.
— Vamos? Aonde?
— Preciso dar uma passada na cidade e você vem comigo.
— Mas eu não quero ir. — Digo no topo da escada, cruzando os braços e ela me encara lá de baixo.
— Okay. Vou chamar Chanyeol e Donghyun para ficarem aqui com... — Ele mal termina a frase e desço os degraus da escada o alcançando.
— Esta bem, eu vou. — Digo o encarando. — Mas contra minha vontade.
Revira os olhos para mim e se senta no sofá, voltando a prestar atenção na tv. Vou até o balcão da cozinha vendo um prato com panquecas e um copo de café preto. Me sento no banco alto, dando um gole no café e sinto minha boca amargar.
— Você quem fez isso? — Pergunto me virando para ele e JungKook faz que sim com a cabeça.
— Gostou?
— Tá igual você. — Ele apenas me encara, com seus olhos brilhando.
— Então você gostou.
Quem revira os olhos dessa vez sou eu. Deixo o café de lado e corto as panquecas levando uma garfada cheia a boca. Estavam uma delicia, ao menos isso. Como sem pressa, observando os pássaros ao lado de fora. Em alguns momentos, nessas seis semana em que estive aqui, senti inveja deles. Sentia falta de me sentir livre, de ficar em casa por escolha própria. Sentia falta da liberdade e me arrependia de não tê-la usado completamente quando tive a oportunidade.
Me levanto, colocando a louça na pia e ouço a porta se abrir. JungKook e sua insuportável mania de sempre sair andando na frente, sem nem ao menos se importar se eu estava perto ou não. Sigo-o até o a picape, mal fechando a porta direito quando ele arranca com tudo, fazendo o motor cantar.
Como sempre, nosso pequeno passeio foi regado em tensão e estranheza. Eu não gosto de vir até a cidade com JungKook por vários motivos, e esse é o mais forte entre eles. Nós apenas nos sentávamos aqui, completamente calados, com o som ruidoso do rádio preenchendo o pequeno espaço enquanto ele dirige feito um fugitivo pela floresta que cercava a fazenda, com a cara amarrada até chegarmos na cidade. Não que eu quisesse ficar conversando, até porque tenho certeza de que não existe a menor possibilidade de termos algum assunto em comum. Mas ter que aguentar seu silencio nessa situação em específico era estranho.
Assim que chegamos na cidade, ele para o carro em uma espécie de estacionamento e entra no estabelecimento ao lado. A loja era enorme e parecia vender de tudo. Caminho pelos corredores empurrando o carrinho e o observo. Ele estava a dez passos a frente. Olhava algum produto aleatório na prateleira e jogava no carrinho. Depois de cinco minutos rodando atoa na loja, ele para em uma estação de materiais de escritório. Não sei pra que precisava daquilo, já que não fazia nada além de dar tiros e torrar minha paciência o dia inteiro. Quando já estava começando a ficar entediado ele finalmente chega ao caixa e me encara.
— Vai querer alguma coisa dessa vez? — Pergunta com indiferença na voz.
Apesar disso, me surpreendo com sua atitude. Olho no stand ao lado e pego duas barras de chocolate e um pacote de balas de goma e jogo na esteira. Ele encara os produtos que escolho e volta a me olhar com certa descrença. Eu quase conseguia ouvir sua critica. "Ótimo, estou cuidando de uma criança". Era ridícula a forma como eu sabia qual seria seu próximo comentário afim de me menosprezar.
— Só isso?
— Sim.
Da de ombros, colocando as compras na sacola e paga tudo em seguida. Observo o palito de fosforo dançando em seus lábios, ele sempre insistia em mantê-lo na boca, algo meio Rambo, ou seja lá quem foi que inventou essa palhaçada. Quando termina de empacotar tudo, sai dali carregando tudo sozinho mais uma vez, sequer olhando para trás para saber se eu estava perto ou não. Deus, como eu odeio esse brutamontes.
Assim que termina de jogar tudo no banco de trás da camionete, me lança a sacola com os chocolates e vai até o lugar do motorista. Revirando os olhos, entro no carro e ele arranca com tudo novamente.
Alcanço o botão do rádio, trocando para um estação de músicas mais atuais. Ouço a batida conhecida e sorrio, essa música me trazia boas memórias. De repente a musica é interrompida pela interferência e ele volta a colocar na radio anterior.
— O que pensa que está fazendo? — Pergunto um tanto irritado.
— Ouvindo musica no meu carro.
— Primeiro: isso não é musica. E segundo: seu carro? Esse carro é do governo.
— Primeiro: isso é musica sim, você só não tem bom gosto. — Imita minha voz e eu reviro os olhos. — E segundo: meu carro sim! Não tem nada do governo aqui não.
— Você falando de bom gosto, me poupe. — Volto a trocar a estação e ele bate no dorso de minha mão. — Ai!
— Para de fuçar nas minhas coisas.
— Para de ser ridículo!
— Calado! — Levanta a voz, me encarando e desliga o rádio. Mesmo sem querer, acabo me encolhendo com sua rispidez e fecho a cara.
Quarenta minutos depois de um silencio ensurdecedor, estamos de volta a fazenda. Nem me dou o trabalho de perguntar se precisava de ajuda e simplesmente saio da garagem em direção a casa até meu quarto novamente. Me jogo na cama, já observando as nuvens cinzas e pesadas se aglomerarem no céu antes azul. Pelo visto, hoje, teríamos uma tempestade daquelas.
Encaro o teto do meu quarto, sem ter muito o que fazer e abro o doce que estava morrendo de vontade. A essa altura, começo a ter medo de quem me mataria primeiro, JungKook com suas lições de armas de fogo, o assassino de meu primo que ainda estava solto ou o tédio de ficar nesse lugar sem nada pra fazer, além de rezar pra que tudo isso acabasse logo para que eu pudesse voltar para minha vida.
Não me entenda mal, eu até gosto daqui, a fazenda, os animais, tudo isso me lembra um pouco a minha casa. A parte ruim eram os mais de vinte agentes do FBI que cercavam todo o terreno e nas horas vagas tentavam abusar de mim e ter que aguentar o carrasco que delegaram para me vigiar.
Sendo assim, minhas opções de entretenimento eram quase nulas, a não ser comer qualquer coisa que tivesse na casa e assistir a tv antiga que só tinha três canais abertos que realmente funcionavam. A sensação que tinha era que o mundo inteiro havia parado para mim enquanto todos estavam vivendo. Eu só queria sair lá fora, respirar ar puro e sentir a brisa batendo em meu rosto sem o medo de morrer a qualquer momento. Eu só queria voltar para o mundo real ao qual eu estava acostumado.
Suspiro fundo, sentindo minhas costas doerem um pouco. Consequência de ficar tanto tempo deitado. Jogo o chocolate na mesinha de cabeceira e me ajeito melhor na cama. Eram nesses momentos que gostava de lembrar como minha vida era. Cercada dos amigos e familiares, aprendendo coisas novas na faculdade, a felicidade de poder organizar meu dia que era sempre tão corrido. Me lembro de Hoseok com suas brincadeiras que as vezes passavam dos limites. Meus colegas da faculdade que não perdiam uma única festa nos fins de semana. Meus pais que sempre ligavam duas vezes por dia "só pra checar". O livro que não terminei, salvo em meu notebook, na qual não tinha ideia se um dia iria terminar.
JungKook não me dava noticias sobre o andamento do caso e eu também não queria saber. Porém tinha certeza de que se ainda estou aqui depois de um ano e meio, significa que o assassino ainda esta solto. E isso é o que me da mais raiva. Saber que ele está vagando por aí, sem nem ao menos se preocupar com o que fez enquanto eu, o inocente da historia, está preso nesse fim de mundo. Isso me deixa fora de mim.
Bufo, esfregando os olhos enquanto tento dispersar todos aqueles pensamentos. Me irritar com minha situação não me ajudaria em nada. Solto o ar, cansado demais para fazer qualquer coisa além de dormir e me ajeito melhor na cama, puxando o edredom sobre minhas pernas. Meu corpo se arrepia quando a costura da calça se arrasta sobre o tecido de minha cueca. Refaço o mesmo movimento de antes, sentindo a sensação novamente e prendo o gemido na garganta. Era bom. E eu não sentia algo tão bom assim a tempos.
Olho pela janela novamente, vendo o céu escuro se iluminar com o brilho dos raios que cortavam as nuvens. Respiro fundo, descendo a mão direita por minha barriga, invadindo a calça de moletom e driblando o cós da cueca até chegar na cabeça do meu membro. Toco levemente sentindo o mesmo arrepio e fecho os olhos. Uau, quanto tempo fazia?
Começo a sequência de movimentos que estava acostumado e minhas costas se arqueiam. Com a outra mão, arranho levemente a parte interna de minha coxa, me deixando ainda mais sensível. Jogo a cabeça para trás quando aumento a velocidade da minha mão e um gemido baixo sai de minha garganta. Mordo o lábio inferior, sentindo meu corpo leve.
— Escuta, eu tenho.... — Ouço sua voz rouca surgir e me assusto. — Ei!
— Sai daqui! — Grito, tentando me cobrir e caio da cama.
— O que você tá fazendo? — Seu timbre era uma mistura de curiosidade e diversão.
— Só sai daqui!
— Você tava se tocando?
Fecho os olhos sentindo meu rosto queimar de vergonha. Me levanto do chão, me recompondo enquanto ajeito a roupa e o encaro.
— Você não sabe bater?
— Você não sabe trancar a porta?
— O errado é você! Não tem porque entrar no meu quarto do nada assim, tenha mais respeito.
— E você tenha mais noção! — Diz irritado, seu tom voltando ao normal, ríspido como sempre. — Não quer que te peguem com a mão no pau? Se cobre, bota uma meia na maçaneta, sei lá.
— Você realmente acha que está certo, não é? — Digo, começando a me irritar também. — Eu não entro no teu quarto a hora que quero, invadindo sua privacidade como você adora fazer. O mínimo que eu esperava era a noção básica, mas vejo que nem isso você tem!
— Ai garoto, não começa...
— Me pergunto se sua mãe te criou assim ou se o desvio de caráter foi só culpa sua mesmo.
— Você dobra a língua pra falar da minha mãe, eu caipira! — Diz, dando dois passos a frente, parando bem perto de mim.
Antes que pudesse pensar em qualquer coisa, ouço o som de algo estralando e minha mão queima. Pisco, vendo seu rosto virar com força para o lado. Ele me encara, fogo saindo por seus olhos.
— Você esta louco, seu pirralho? — Segura meu braço, me empurrando contra parede e eu gemo baixinho sentindo o impacto da madeira contra minhas costas. — Nunca mais encosta a mão em mim!
— Nunca mais me chame de caipira! — Grito de volta em sua cara, segurando o choro que ameaçava sair. — Tenha mais respeito com as pessoas que convivem com você.
— E você acha que eu quero conviver com você? Acha que eu quero essa merda?
— Se é tão ruim assim, porque não vai embora logo?
— Vontade é o que não me falta.
— Então some! Volta pro inferno de onde você saiu.
Gritávamos a todos pulmões um com o outro. A cada palavra que saia de sua boca, mais forte ele me prendia contra aquela parede e mais eu me debatia tentando me soltar de suas garras.
— Você ainda tem muito o que aprender. — Diz entredentes, apertando meus pulsos e sinto uma lágrima teimosa rolar.
— Eu não quero aprender nada. Só quero que me deixe em paz!
— Você é insuportável.
— E você é um monstro! — Forço mais uma vez tentando me soltar e ele me prensa com seu corpo. Minha respiração estava ficando cada vez mais pesada.
A chuva caía forte lá fora, trovões bradando sua força, o vento balançando o topo das árvores, um verdadeiro show da natureza, mas não se comparava a tempestade que acontecia dentro desse quarto. Seus olhos brilhavam, banhados em ódio e eu tinha certeza que os meus não estavam diferentes. Seu hálito mentolado batia contra meu rosto, suas mãos segurando meus pulsos ao lado de meu corpo e suas pernas me prendiam, me deixando imóvel. Era inútil qualquer tentativa de sair dali, mas eu não desistiria tão fácil.
— Eu odeio você!
— Eu odeio você! — Respondo com toda a raiva que sentia.
Seu rosto estava colado ao meu, nossas respirações se misturavam. Meu olhos estavam inundados de lágrimas mas eu não derramaria uma sequer. Não queria lhe dar essa satisfação. Foi então que por três míseros segundos, seus olhos se abaixam rapidamente, encarando minha boca e sinto algo formigar entre minhas pernas. Algo como a sensação que tive antes dele entrar em meu quarto. Por puro reflexo, encaro seus lábios também, notando o quanto eram bonitos. O formato, a cor...
Quando volto a encará-lo, percebo que seu semblante se suavizou. Seus dedos já não estavam mais em meus pulsos mas nossos corpos ainda estavam colados um no outro. Ele aproxima mais o rosto, nossos olhos grudados. Os dele brilhavam intensamente, dessa vez com algo diferente neles, que não soube identificar. Quando milímetros nos separavam, fecho os olhos sentindo uma certa dificuldade em manter minha respiração. E então um toque de celular surge e ele se afasta abruptamente. Sinto a brisa gelada me tocar, depois de seu calor se esvair e ele sai do quarto da mesma forma que entrou.
Fico ali, encostado na parede, encarando o chão, completamente paralisado. Tentando entender o que tinha acontecido, percebo que minhas mão tremiam. Não sei se de raiva ou...
O que foi que aconteceu aqui?
[...]
Saio do box me enrolando na toalha branca felpuda, apesar da tempestade que ainda caía precisei tomar um banho gelado afim de conseguir me recompor e colocar a cabeça no lugar. Volto ao quarto separando uma roupa quente e confortável, penduro a toalha na porta do banheiro e vou até a porta, respirando fundo. Fecho os olhos por alguns segundos, criando coragem para sair do quarto e abro uma fresta da porta. Encaro o corredor e parecia vazio. Saio dali, um pé atras do outro, pronta para correr de volta ao cômodo a qualquer mínimo sinal dele.
Não entendi muito bem o que aconteceu no quarto. Em um momento sentia meu corpo ferver de ódio por aquele estúpido e no outro, o sentia arder de... Desejo!? Não. Não podia ser isso. Eu não desejava JungKook. Nunca poderia fazer isso. Ele é um monstro, um bruto, desalmado, insensível e grosseiro. O único sentimento que conseguia despertar em mim era ódio. Mas naquele momento... Naquele momento algo diferente aconteceu. Não sei explicar bem o quê, mas aconteceu. Foi como se tivesse perdido o controle de meu próprio corpo, de minha própria mente.
Desço os degraus da escada vagarosamente, pedindo aos céus para que ele não estivesse na sala. Chego no cômodo, vendo-o completamente vazio. Solto o ar preso em meu pulmões sentindo um certo alívio e me dirijo até a cozinha, meu estômago estava roncando fervorosamente. Abro a geladeira e pego um pouco de suco de laranja e ingredientes para me preparar um sanduiche. Ao menos a comida aqui era boa. Pego o pão na prateleira do armário e monto o lanche. Tiro a casca do pão de forma, deixando ao lado do prato e guardo tudo em seu devido lugar. Me sento no banco em frente ao balcão e quando finalmente me preparo para dar a primeira mordida, ouço o som da porta se abrindo. Sinto sua presença atrás de mim e me esforço ao máximo para ignorar. Continuo comendo meu lanche e ele entra na cozinha, abre a geladeira tirando uma garrafa de cerveja dali de dentro e pega um saco de batatas fritas no armário. Nossos olhos se encontram por alguns segundos e sinto meu rosto queimar. Ele também parece constrangida.
Passa por mim, se sentando no sofá e liga a tv. Por conta da tempestade o sinal da antena estava ruim, deixando a única distração que tínhamos, indisponível.
Jeon come em silêncio, da mesma forma que eu. Os únicos sons que preenchiam o cômodo era o de sua mastigação ruidosa e seus gemidos de dor. Ele mexia o pescoço e o ombro em um mesmo ângulo, talvez tentando encontrar uma posição agradável. Termina a cerveja em questão de minutos e volta a cozinha, colocando a garrafa vazia dentro de uma caixa, e abrindo a geladeira novamente. Pega outra cerveja e passa por mim, não dizendo uma única palavra.
Sinto a pressão em dizer algo, mas o quê?
— Sobre mais cedo...
— Não precisamos falar sobre isso. — Ele me corta, dando longas goladas na garrafa de cerveja.
— Eu só quero me desculpar.
— Não tem motivo pra isso.
— Não podemos ignorar o que aconteceu...
— Nada aconteceu! — Seu tom se levanta e me encolho no banco. — Só... Esqueça isso, ok? Não foi nada demais.
Apenas aceno, concordando. Brinco com as cascas de pão sobre o prato, já havia terminado de comer o lanche que preparei e ele permanece na sala, sentado no sofá e massageando o ombro enquanto xingava baixinho. Encarava a televisão desligada a sua frente como se fosse a coisa mais interessante do mundo. Por mais que tente, e estou tentando mesmo, eu não conseguia parar de encará-lo.
— Antes, quando entrei no seu quarto... — Ele diz, quebrando o silêncio constrangedor e me viro, encarando-o. — Entendo o motivo de sua irritação. — Era incrível a forma como ele não sabia simplesmente dizer "me desculpe". — Eu queria te dar isso. — Pega uma das sacolas que trouxe da loja em que fomos mais cedo, em cima do sofá e se levanta.
Joga o pacote em cima do balcão, ao lado de meu prato. A encaro e abro a sacola logo em seguida. Ali, haviam dois pacotes de folhas de papel sulfite, três rolos de tinta para máquina de escrever, algumas canetas, lápis e borrachas e uma pequena caixa dourada. Pego a caixinha, observando as inicias gravadas na superfície, revelando uma linda caneta tinteiro dourada, com detalhes cravejados e uma ponta tão fina quanto uma agulha. Dentro da caixinha também havia um frasco com tinta.
— Quando acabar sua tinta, me avise e eu compro mais. — Ele diz atrás de mim, me assustando. — Quando entrei era pra te dar isso.
— É linda. — Digo girando a caneta nos dedos, ainda encantado com cada detalhe.
— Era do meu avô.
Miro seus olhos e ele parecia sorrir. Não soube dizer, já que seu rosto parecia a mesma rocha de sempre.
— E porque está me dando?
— Porque ele também gostava de escrever. Usava a caneta pra isso, inclusive. — Abaixa a cabeça por alguns segundos, parecia um tanto... tímido. — Quando você falou sobre como se sente quando escreve, eu... Bem, quis te deixar mais confortável aqui de alguma forma. Então... Aí está.
— Obrigado! — Respondo, mal conseguindo conter meu sorriso. Era estranho saber que ele se importava com meus sentimentos, mas também era bom saber que tenho alguém para me ouvir. — Agora só preciso da máquina de escrever...
— Você terá. — O encaro de volta, com certa esperança se acendendo em mim. — Quando terminar seu treinamento.
Reviro os olhos e guardo tudo novamente na sacola.
— Não sei porque essa droga de treinamento a essa altura.
— Nunca é tarde para aprender...
— Aprender a se defender. Eu já sei Jackie Chan.
Digo me levantando do banco e quando me viro, tentando ir em direção as escadas, dou de cara com ele. Parado a milímetros de mim, ele me encara profundamente e então... Sorri.
— Jackie Chan? — Me pegou de surpresa. Não sabia que seu rosto conseguia fazer aquilo. — Gostei. Isso faz de você o que? Chris Tucker?
— Não enche! — Empurro seu corpo para trás, com a mão espalmada sobre seu peito, mas não me mexo. Meus dedos sentiam o calor de sua pele, me deixando arrepiado. Havia uma certa descarga elétrica que passava de seu corpo para o meu. Nunca havia sentido algo como aquilo antes.
— É só uma piada. — Diz com a voz perigosamente baixa. — Só uma brincadeira.
Engulo em seco, sentindo meu corpo esquentar quando ele se aproxima um pouco mais. Encosta os dedos em minhas costas, coberta pelo tecido grosso.
— Tem notícias sobre o assassino? — Digo o encarando. Ele suspira, assumindo a posição imponente de antes quando se afasta.
Sabia que aquele assunto seria o único capaz de fazer com que o clima que se instalara fosse quebrado.
— Assunto confidencial.
— Confidencial? Até mesmo pra mim?
— Principalmente pra você.
— Posso saber o porquê?
Ele suspira, se virando e se jogando no sofá assim que o alcança.
— Quanto menos você souber, melhor. Acredite.
— Me diga ao menos se já sabem onde ele está.
— Não posso.
— Por favor! — Imploro, me aproximando dele.
Sento ao seu lado, tocando seu joelho. Ele encara minha mão, mas não me atrevo a tirá-la dali.
— Já receberam algumas ligações sobre o paradeiro dele. Pessoas que viram o retrato falado afirmaram tê-lo visto. É só o que posso dizer.
— O viram aonde?
— Não insista.
— Aonde?
— Seoul ! — Eleva o tom de voz mas não me movo. Já havia me acostumado com suas explosões.
— Ele não saiu da cidade?
— Não. Depois de tudo o que aconteceu a polícia colocou escolta em todas as saídas e entradas estradas da cidade. Ele sabe que não pode fugir.
— Certo. — É só o que consigo disser àquela altura. O desgraçado ainda estava a solta.
— Não comece a pensar besteiras, okay? Sei como se sente ao saber que ele ainda está à solta, mas precisa nos deixar fazer nosso trabalho.
— Ok. — Respondo no automático, me levantando,
pegando a sacola em cima do balcão e vou até as escadas.
— Você tá bem?
— Não. — Paro no primeiro degrau e a encaro. —
Mas vou ficar.
Subo enfim, as escadas chegando em meu quarto. Jogo o pacote na poltrona do canto e me deito na cama, me cobrindo até a cabeça com o edredom grosso, vendo a chuva do lado de fora e mais uma vez, pedindo para que tudo aquilo não passasse de um sonho horrível.
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