02. agente especial

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Agência do FBI - Seoul, 8h12.

Tiro meu copo de café do encaixe da cafeteira e viro tudo em só gole. Acordei com um torcicolo fodido e isso tá me dando incríveis dores de cabeça. Saio da sala, jogando o copo de isopor no lixo e caminho pelo extenso e gélido corredor. Cumprimento alguns colegas de trabalho com um breve aceno de cabeça e antes que pudesse entrar na sala de computadores, sinto finos dedos cutucarem meu ombro, justamente onde dói.

— O quê, porra? — resmungo para garota a minha frente e ela sorri.

— Bom dia pra você também.

— Não enche, Hani. Fala logo o que quer.

— Eu nada, mas o chefe quer te ver.

— O que é dessa vez?

— Vai ter que ir até lá pra saber, ele não quis me dizer.

Reviro os olhos e começo um novo caminho. Entro por outra porta, que me dava acesso a um cômodo com seis mesas, um agente em cada uma delas. Caminho até o final do cômodo, parando em frente a porta de vidro temperado e bato. Uma voz rouca vinda do outro lado me manda entrar e assim o faço.

— Chefe. — Cumprimento-o, fechando a porta atrás de mim e dou um passo à frente. — Queria me ver?

— Sim, Jeon. Tenho um caso especial pra você.

— Chefe... — Suspiro fundo tentando manter o controle e sinto a fisgada no pescoço. — As minhas férias...

— Eu sei! E peço perdão por isso, mas não tinha como ser outro.

Ele pega uma pasta bege e joga sobre a mesa virada pra mim. Me aproximo pegando a pasta e abro. A folha inicial continha dados de uma pessoa e uma foto 3x4.

— O que devo fazer?

Ele se senta na cadeira relaxando as costas e então aponta para a poltrona a minha frente. Me sento, ainda prestando atenção na ficha.

— Park Jimin, 23 anos, natural de Busan, Coreia. - Ele repete as informações da ficha e eu levanto os olhos o encarando. — Primo de Park Minho, o ator morto a dois dias atrás. Ele estava na casa quando tudo aconteceu, deu depoimento ao investigador do caso, que trabalha conosco, e nos passou o retrato falado do assassino. — Folheio o arquivo, chegando na segunda parte e então, vejo o desenho que continha uma incrível riqueza de detalhes.

— Ainda não entendo o que eu tenho a ver com isso.

— Esse moço é a testemunha principal de um crime quase perfeito, Jeon. Não existe outra pessoa que possa nos ajudar além dele, o sistema de segurança da casa não captou nada e não havia funcionários lá. — Ele suspira forte. — Ele viu o rosto do sujeito, a fisionomia, ouviu a voz, é a testemunha chave pra que isso seja desvendado.

— E?

— Park Jimin foi colocado no programa de proteção à vítima. E você, meu jovem... — Ele se debruça sobre a mesa de vidro, entrelaçando os dedos. — Você foi o escolhido pra ser o agente que o acompanhará, até que o sujeito seja preso.

Fecho a cara sentindo a dor de cabeça aumentar. Aquele torcicolo crônico, maldito, me impedindo de movimentar o pescoço da forma certa. Encaro de novo a primeira folha do arquivo relendo tudo novamente. O moço era bonito, jovem, a foto mesmo sendo tirada na delegacia estava incrivelmente charmoso. Um verdadeiro encanto para os olhos. Fecho o documento e encaro meu chefe.

— E o que eu tenho que fazer?

— Você cuidará de sua segurança. Garantirá que a testemunha não corra nenhum risco de vida, o acompanhará vinte e quatro horas por dia e irá zelar pelo bem dele. Até o caso ser encerrado e então você estará livre.

— E quanto tempo isso vai durar?

— Não sei. Ainda não espalhamos o retrato falado mas logo será feito. Com a ajuda da imprensa, que está em cima de nós o tempo todo, acharemos logo o assassino e o prendermos, então você estará livre.

— Até lá vou ter que ficar brincando de Whitney Houston e o guarda costas com a Barbie? — Meu tom saiu um tanto rude e irritado.

— Desculpe JungKook, eu sei que não é a mesma coisa que sair por aí, atrás de bandidos na rua ou prender políticos ainda de cuecas, mas você é nosso melhor agente.

— Belo jeito de demonstrar isso!

— Ótimo jeito, na verdade. JungKook, estou confiando a vida de uma testemunha chave em suas mãos. Sei que tem competência o suficiente pra isso.

— Claro que tenho!

— Pois então está feito. Ele já está pronto, está te esperando no segundo andar subterrâneo, você deve levá-lo ao seu novo endereço.

— Terei que morar com ele?

— Como espera fazer a segurança estando longe?

— Ótimo! Vou ganhar meu salário pra brincar de casinha. — Ironizo.

— É por pouco tempo, espero...

— É bom que seja. — Me levanto abrindo a porta e o encaro pela última vez. — E é bom que depois disso eu tire férias de seis meses.

Ele ri alto e eu reviro os olhos.

— Chefe.

— JungKook. — Ele diz, por fim e eu saio.

Caminho dali até o elevador e desço até o segundo andar subterrâneo. Vou ao lugar que me indicaram e entro na sala.

— Park Jimin? — Pergunto mesmo sabendo a resposta e ele me encara.

O garoto tinha medo exalando pelos poros e seus olhos apavorados pairavam sobre os meus. Meu corpo se arrepia levemente, ele é bem mais bonito pessoalmente. Assente confirmando minha pergunta.

— Prazer, sou o agente especial Jeon, farei sua segurança a partir de hoje.

O garoto apenas concorda, apertando firme minha mão.

— Sei que já foi instruído mas preciso lhe passar as informações novamente para ter certeza se as entendeu, está bem?

Ele assente de novo e eu abro um envelope que estava sobre a mesa, tirando seus novos documentos de lá. Os espalho sobre o aço frio e vou apontando um por um enquanto explico.

— Você foi inserido no Programa de Proteção a Testemunha. Esse é um programa do governo, criado com o intuito de manter a segurança de vítimas diretas ou indiretas de crimes. Como você é a testemunha ocular principal do assassinato de Park Minho, tem motivos o suficiente para estar no programa. — Termino a sentença e ele resfolega. Franzo o cenho um tanto incomodado com suas lágrimas. — A partir de hoje, você será uma nova pessoa. Seu nome foi trocado por sua própria segurança, você irá se mudar para outro local onde não poderá entrar em contato com nenhum de seus amigos e familiares, a fim de manter a segurança deles também. Entendido? — Ele concorda, dolorosamente.  — Muito bem, aqui estão seus novos documentos. Seu nome a partir de hoje será Daiki Saito, data de nascimento é 10 de abril de 1995 e você é natural do Japão. Você será mantido com uma pensão mensal do governo, uma especial de auxílio salarial que garantirá seu bem estar. Tudo isso durará até o fim das investigações, quando, com sorte, o assassino for preso. Alguma dúvida até aqui? — Ele nega com a cabeça. — Muito bem. Agora temos que ir, sua nova casa está pronta pra recebê-lo.

Ele se levanta, calado e caminha a minha frente. Me sinto completamente incomodado com sua reação. O garoto parecia acuado, assustado, frágil e extremamente perdido. Sei que não há outra forma de se sentir quando você vê um parente sendo morto com um tiro na cara, mas porra, quase me senti mal por ele.

Coisa que é bem difícil.

Daegu- Coreia Do Sul, 16:50

Depois de algumas horas de viagem dentro de um trem, e mais uma hora e meia de carro, finalmente chegamos a fazenda aonde seria meu novo lar provisório. Desço do carro blindado, com o garoto em meu encalço, e encaro o local.

— Kim NamJoon, seu desgraçado. — Sussurro para mim mesmo, não acreditando no que meu maldito chefe havia feito.

A famosa pontada na lateral do pescoço aparece, sinal de que minha irritação estava apenas começando. Pego as malas no porta malas do carro e caminho até a entrada, abrindo a porta da casa e entro. Coloco as bagagens no chão da sala e ouço os passos de Jimin logo atrás de mim. Ele para no meio do cômodo, observando tudo.

— Precisa de ajuda pra levá-las pra cima? — Pergunto e ele me encara, confirmando com a cabeça em seguida.

Pego as malas novamente e as seguro, ajeitando meu tronco. Percebo seu olhar sobre mim e quando o encaro de volta ele vira o rosto. Subo as escadas, sentindo a fisgada em meu ombro e resmungo baixinho. Aquela dor dos infernos não dava um segundo de paz.

Entro no quarto, abrindo a porta com o pé e deixo as malas ao lado da cama. Dou uma olhada no cômodo inspecionando cada canto, até que sinto a presença dele. Me viro, encarando o garoto. Ele segurava o próprio braço, enquanto mantinha os olhos fixos no chão. Sua boca estava em um linha reta e as pernas rentes ao tronco do corpo, claro sinal de nervosismo.

— Olha. — Me aproximo e ele me encara. — Sei que tudo isso pode ser demais pra você, mas é o necessário. Eu também não queria estar aqui, acredite, mas até que tudo isso passe, saiba que irei fazer de tudo pra te manter a salvo. Afinal, esse é meu trabalho. — Ele assente e então eu saio do quarto. — Qualquer coisa que precisar, basta chamar.

Fecho a porta atrás de mim sem esperar por uma resposta e cruzo o corredor, entrando em meu novo quarto. Minhas roupas já estavam em seus devidos lugares, então somente pego uma toalha e vou até o banheiro.

Ligo o chuveiro, tirando toda a roupa e o equipamento e entro no box, fechando a porta de vidro. Solto um gemido baixo ao sentir a água morna cair em meu pescoço, me livrando temporariamente da dor e tomo meu banho. Não demoro muito, faço o necessário e saio do box me enrolando na toalha. Encaro meu reflexo no espelho e bufo.

— Não acredito que adiei minhas férias pra ser babá.

Espanto tais pensamentos e saio do banheiro. Fecho a porta e caminho até a cama. Tiro do armário uma calça de moletom preta e uma camisa regata da mesma cor. No momento em que desato o nó da toalha a porta se abre e o garoto entra.

Ele me encara e eu pego a toalha de volta me cobrindo.

— Ei! Bata na porta! — Digo severamente tentando me cobrir com as mãos.

Ele arregala os olhos e então sai. Vou até lá trancando a fechadura e volto. Me seco por inteiro, vestindo a roupa logo em seguida e volto ao banheiro, pegando minha arma e guardando ela em minhas roupas. Saio do quarto, dando de cara com o garoto. Ele estava parado na porta, mexendo os dedos nervosamente e então me encara.

— Me desculpa. — Sua voz sai muito baixa e envergonhada. Respiro fundo sentindo a dor do torcicolo voltar.

— Na próxima, bata. — Minha voz sai mais áspera do que realmente queria e ele somente assente. — O que quer?

— É que... Tem um rato no banheiro. — A voz trêmula e com um leve resquício de nojo me faz sorrir por dentro.

Entro em seu quarto, já revirando os olhos para tal cena e vou até o cômodo indicado. Lá estava o bicho, morto, estirado no chão do box. Pego uma sacola em uma das gavetas do armário e ensaco a praga. Amarro bem e saio de lá descendo até a porta dos fundos, jogando na grande lata de lixo feita de metal. Volto para o segundo andar, onde ele continuava parada na mesma posição.

— Tome banho no meu banheiro se quiser, enquanto desinfeto o seu. — Digo com um gesto de mão qualquer.

Ele somente assente e pega sua toalha e uma muda de roupas.

Entro no banheiro e pego uma garrafa de água sanitária, detergente e uma esponja. Jogo os líquidos no local e esfrego com força, enxáguo o chão e repito o processo mais duas vezes, até me dar por satisfeito. Guardo tudo no lugar e lavo as mãos. Vou até meu quarto e estendo minha toalha, que estava jogada em cima da cama. Quando estava pronto para sair, ouço um som agradável vindo do banheiro. Caminho até lá com calma na ponta dos pés e olho pela fresta.

— Eu não deveria estar fazendo isso, mas ele me viu nu então... Direitos iguais.

Estreito os olhos tentando ver melhor e o garoto estava lá, como veio ao mundo, atrás do vidro, cantarolando enquanto se ensaboa.

Devo admitir, ele é lindo. Cabelos loiros, pele bem clara e até um pouco rosada na parte do rosto, tinha um corpo lindo e todo definido e uma tatuagem de lua na parte do seu pescoço. Me afasto da porta, quando ele entra embaixo do chuveiro pra se enxaguar e saio do quarto. Desço até a cozinha afim de procurar algo pra comer e acho somente alguns ovos, farinha, leite e açúcar. Resolvo fazer panquecas e meu celular toca.

— Alô?

Ei Jeon, como foi a viajem?

— Diga logo o que quer, NamJoon.

Calma cara, só estou preocupado. — Respiro fundo mantendo a calma.

— A viagem foi longa e exaustiva. Já chegamos à fazenda e estamos instalados. O garoto está a salvo.

Sabia que podia contar com você, Jeon.
— Seu tom era um tanto animado e eu reviro os olhos.

— É, sei. Agora, que porra de ideia foi essa de me mandar justamente pra esse lugar?

Ele ri do outro lado e eu reviro os olhos.

Pensei que seria mais fácil com você se sentindo em casa.

— Essa não é minha casa.

Não diga isso, JungKook...

— Escuta chefe, além de de ser babá também terei que fornecer as compras da casa? — Digo, cortando de vez aquele assunto.

Ouço sua risada do outro lado e trinco a mandíbula.

Desculpe Jeon, achei que os agentes tinham se encarregado disso. Bem, a primeira compra seria nossa, mas você teria que arcar com elas. Daegu fica nos confins do mundo, a cidade é pequena portanto não correr riscos aos sair de casa. Inclusive aconselho a conhecer novos ares, a sair um pouco da toca.

— Eu faria isso se estivesse de férias. — Digo usando meu tom debochado e ele ri sem humor.

Sempre certeiro.

— Por isso sou o melhor. Pode deixar chefe, eu faço o papel de marido dedicado e promoverei a comida pra donzela indefesa.

Certo, JungKook. Como quiser.

Ele encerra a chamada e eu bufo, jogando um pouco de massa na frigideira quente. Depois de alguns minutos, termino tudo e arrumo a louça. Me sirvo de algumas panquecas com um copo de suco e ouço alguns passos na escada.

Assim que me vê, o garoto para nos degraus e me encara. Nossos olhares travam um no outro. A luz que entrava na janela e batia em suas costas, davam a ele um ar angelical. Observo a cena à minha frente e me permito assumir o óbvio: Ele é lindo.

— Fiz panquecas. — Digo quebrando o silêncio e o momento. — Quer?

Ele assente e se aproxima.

O garoto se senta a minha frente. Pego um prato e sirvo algumas panquecas pra ele, encho um copo com leite e arrasto até sua mão, que estava repousada em cima da mesa. Ele pega os talheres e começa a comer. Percebo que seus gestos eram um perfeito reflexo dos meus e me sinto um tanto estranho.

— Você não é de falar muito né? — Pergunto, tentando quebrar a tensão que se fazia ali e ele somente nega com a cabeça. — Eu também não. Acho que vamos nos dar bem.

Dito isso, continuamos a comer em um completo e estranho silêncio. Após terminar minha refeição vou até a sala e me jogo no sofá. Ligo a TV e tento sintonizar alguns canais, mas a maioria estava fora do ar. Bufo, sentindo a pontada em meu pescoço e me levanto. O garoto continuava na cozinha, ainda sentado no balcão, mesmo depois de já ter terminado de comer. Vou até os fundos da casa e pego uma escada de metal. Subo nela chegando até o telhado e caminho com cuidado sobre as telhas. Desenrolo algumas linhas e folhas que estavam presas na antena e giro um pouco, seguindo meu instinto. Desço e guardo a escada no lugar. Quando entro na sala, ele estava sentado na ponta direita do sofá.

— O sinal melhorou. — Sua voz sai baixa e ainda muito envergonhada. Aceno com a cabeça e vou até lá.

Me sento na outra ponta, deixando um grande espaço entre nós. Encaro a TV e um desenho bobo qualquer passava ali. Estico a mão, tentando pegar o controle que estava ao meu lado e sinto algo quente. Encaro o local e minha mão estava posta sobre a dele. Ele também quis pegar o controle. Levanto os olhos encarando o garoto e ele estava vermelho feito um pimentão. Ele tira rápido a mão debaixo da minha e encara o chão. Não sei porquê, mas senti vontade de rir. Ele parecia estranho e completamente envergonhado na minha presença e aquilo me deixava um tanto incomodado, porém satisfeito. Gosto de ser temido. Porém o que me incomoda é que, apesar de não parecer, não sou uma ameaça ou algo do tipo. Deixei pra lá tudo isso e peguei o controle, mudando de canal mais uma vez até que deixei parado em um filme qualquer. Meu pescoço ainda doía, mas eu me recusava a tomar mais um remédio.

Não sei quanto tempo se passou, mas o sol já começava a se pôr lá fora. Ouço um barulho alto, como um ronco e encaro o garoto. Sua mãos estavam sobre a barriga e ele tinha uma cara de dor.

— Fome? — Minha voz se sobrepõe a TV alta e ele apenas assente que sim.

Me lembro que não havia comida em casa e me irrito com a idéia de ter que sair pra buscar. Eu não queria ir.

— Preciso ir no mercado. Não tem nada aqui pra comer.

Me levanto, calçando os chinelos e vou até meu quarto. Tiro da gaveta do móvel, que ficava ao lado da cama, minha carteira e o cinto, que tinham meu distintivo e o coldre. Tiro a pistola das minhas costas, uma Taurus 92 AF e dou um leve beijinho nela, a colocando na bainha. Saio do quarto e volto a sala. O garoto permanecia no mesmo lugar.

— Vamos? — Digo parando ao lado do sofá e ele me encara com o cenho franzido.

— Eu vou também?

— Claro! Não posso te deixar sozinho aqui.

Ele assente e se levanta.

Caminhamos até a garagem e assim que o portão automático sobe, meus olhos brilham. Aquela mesma Ford F150 Ranger 1975 preta, estava estacionada ali. A lataria brilhava como sempre, reluzindo a pintura perfeita. As rodas novas, com aros prata confirmavam que ainda era novinha. Me sento no banco de couro preto, sentindo aquele cheiro conhecido, maravilhoso e vejo a chave na ignição. Giro, escutando o ronco poderoso que o motor fazia e inspiro o ar com força. Encaro o garoto e ela me olhava como se eu fosse um et.

— Quê?

— Você gosta mesmo desse carro.

Só então percebo que estava sorrindo.

— É.

Acelero ao mesmo tempo que coloco o cinto e saio dali fechando o portão. Vou andando pela pequena estradinha de terra que tinha na entrada e um dos agentes abre a cerca de madeira.

— Vou no mercado e já volto. Fiquem de olho. — Digo saindo dali sem esperar resposta.

Faço um caminho ligeiramente pequeno até que finalmente chegamos em um mercadinho singelo. Desço da caminhonete e caminho até a entrada. Empurro a porta de vidro entrando ali e olho ao redor. Haviam algumas pessoas no local, uma meia dúzia talvez, todas me encaravam com uma expressão confusa.

Limpo a garganta e pego duas cestas, entrego uma ao garoto atrás de mim e caminho entre as prateleiras. Começo pegando coisas essenciais, pães, feijão, açúcar, macarrão e afins. Vou colocando item por item na cesta em meu braço e entro em outro corredor. Pego algumas caixas de leite, pacotes de bolacha e alguns salgadinhos. Quando minha cesta fica cheia, troco com o garoto e vou até as geladeiras do local. Dois engradados de soju, algumas garrafas de refrigerante e alguns congelados. Encaro as cestas e me dou por satisfeito. Caminho até o caixa aonde havia uma senhora, ela me encara sorrindo amigavelmente e eu apenas aceno com a cabeça.

Coloco as duas cestas em cima do balcão e ela começa a passar tudo pela maquininha, calmamente. Encaro o movimento em volta e olho a rua pela janela de vidro, haviam algumas pessoas ali, alguns senhores conversando em frente a uma barbearia, mulheres jovens andando de um lado pro outro conversando, alguns adolescentes andando de bicicleta.

Tudo muito calmo e pacato.

— Você pode levar um desse? — Ouço aquela voz baixa e suave me puxar de volta e a encaro.

Ele segurava um potinho de chicletes na mão.

Hesito em responder. Se fosse qualquer pessoa eu diria um não redondo e sonoro, mas seus olhos castanhos e intensos tinham um brilho que me fazia fraquejar.

— Tá. — Digo e ele agradece, entregando o produto para a senhora.

Finalmente ela termina de passar tudo e eu entrego o dinheiro. Pego as sacolas e as coloco na caçamba da caminhonete. Entro novamente no veículo e o garoto vem logo atrás, se sentando no banco do carona. Faço o caminho de volta e assim que chegamos na fazenda, tiro tudo de lá e levo pra cozinha.

Meu pescoço doía muito, me fazendo ranger os dentes de ódio. Guardo tudo, separando somente o macarrão, o molho e a carne. Começo a preparar o jantar e me perco no tempo. Quando percebo, o garoto descia novamente, com outras roupas e os cabelos molhados. Seu perfume invade meu olfato sem pedir licença, me deixando inebriado.

— Comer? — Pergunto e ele assente se sentando a mesa. Nos sirvo e comemos naquele mesmo silêncio de sempre.

Me dando por satisfeito, lavo toda a louça e subo, afim de tomar um banho rápido. Me troco novamente, ficando apenas de cueca boxer branca. Me jogo na cama de casal sentindo o cheiro de lavanda nos lençóis e o cheiro dele invade minha memória.

Era um cheiro bom, muito bom.

Fico alguns minutos encarando o teto e me lembrando que, se não fosse por ele, agora eu estaria de férias, socada em algum lugar com praia, sombra e água fresca, bebendo um pouco, conhecendo alguns garotos e aproveitando o pouco tempo de vida que teria, se não estivesse sendo babá.

Sinto um enorme estado de relaxamento tomar conta de meu corpo e respiro fundo, deixando o sono me levar.

[...]

— JungKook? — Ouço uma voz suave me chamar e aperto o travesseiro.

— Isso doce, fala meu nome...

— JungKook? — A voz repete e agora um leve toque em meu braço. Eu simplesmente amo sonhos conscientes. — JungKook! — A voz se altera e o toque vem mais forte.

Abro os olhos devagar e vejo o garoto a pouquíssimos centímetros do meu rosto.

— Aí caralho! — Me levanto rápido e ele pula pra trás com o susto. — Que merda! O que foi? —Pergunto exaltado e ele estremece.

— Desculpa! Eu não queria te assustar! — Ele estava afobado mexendo as mãos nervosamente, mas seu tom ainda era bem baixo.

Seus olhos migram de meu rosto até minha cintura e só então me lembro de estar somente de cueca. Puxo o travesseiro me cobrindo.

— O quê você quer?

— É que... E-eu escutei um barulho no meu quarto...

— E eu com isso, porra?

— Eu... — Ele intercala seu olhar entre mim e o corredor. — Eu... tô com medo. — Ele diz abaixando a cabeça e escondendo as mãos.

Sinto um leve aperto no peito.

— Espera ali no canto.

Ele se vira para a porta do banheiro, encarando o cômodo a sua frente e eu vou até o armário, pegando uma calça qualquer de moletom.

Saio do meu quarto entrando no dele e começo a procurar sabe lá Deus o quê. Faço uma varredura completa, abro a janela e vejo a lanterna de um dos agentes apontar pra mim. Ele faz um sinal indicando que tudo estava limpo.

— Não tem nada aqui.

Ele coloca a cabeça pra dentro.

— Mas eu ouvi...

— Deve ter sido impressão sua.

— Não era! Eu juro que ouv...

— Eu já disse que não tem nada! — Minha voz sobe dois tons. — Já olhei em tudo, o agente disse que o terreno tá limpo.

Ele me encara com aqueles olhos tão intensos.

— Ok. — Diz colocando o resto do corpo dentro do quarto. Ele caminha até a cama, olhando em volta como se conferisse tudo e então suspira pesado. Dou um passo e sua voz me faz estacar no lugar. —Pode ficar aqui? — Encaro o garoto. — Somente até que eu durma. Por favor.

Me sinto contrariado. Eu queria voltar pra minha cama e pro sonho que ele havia interrompido, mas seu pedido pareceu mais uma súplica. Inspirei o ar e caminhei até uma poltrona que ficava no canto esquerdo do quarto, perto da cama.

— Ok. Pode dormir.

Ele hesita. Me encara por alguns segundos e então finalmente se dá por vencido. Se deita embaixo do lençol, virado pra mim e então fecha os olhos. Me recosto na poltrona, relaxando um pouco e fico ali o observando.

Meu corpo relaxa novamente e perco a briga com minhas pálpebras, que insistiam em se manter fechadas.

— NÃO! — Acordo em um pulo com o grito. Ainda meio zonzo, encaro o garoto na cama. — Não! Minho... — Ele gritava, chorando e se debatendo. Por impulso vou até ele e me sento na cama ao seu lado, segurando seus pulsos.

— Ei! Calma!

— Não...

— Jimin, acorda! — Eu o chacoalhava inutilmente, porque ele se recusava a abrir os olhos. — Jimin! — O chamo ainda mais alto e ele finalmente me encara. — Calma, Foi só um sonho.

— Não...— Ele dizia entre lágrimas. —  Ele morreu... Ele matou meu primo. — Sua crise de choro começa a se agravar e sinto meu corpo agir de uma forma que nunca fez.

Como se não pudesse mais me controlar, o envolvo com os braços em um abraço apertado. Ele me abraça de volta e chora copiosamente, com o rosto enfiado em meu pescoço. Sinto minhas mãos fazerem um carinho em suas costas e não me reconheço.

— Calma, Eu sei como é, mas você precisa ter calma. — Estranho ao ouvir minha própria voz dizer aquilo com certo carinho.

Sem saber o que fazer, empurro ele na cama, o deitando novamente e me deito junto. Ele ainda estava agarrado a mim, feito um bebê coala. Suas mãos me apertavam forte, seu corpo tremia e seus soluços eram altos e sôfregos. Fico um tempo fazendo um "Shhhh" na tentativa de acalmá-lo enquanto fazia um carinho em seu cabelo cheiroso. Muitos minutos depois, ele já havia parado de chorar, somente soluçava sem som, como se estivesse no automático. Mais alguns minutos e o garoto já ressonava tranquilamente enquanto eu ainda mantinha o carinho.

— Eu sei como é. — Digo baixinho, mesmo sabendo que ele não podia me ouvir. — Mas vai passar. Um dia vai passar.

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