DÉCIMO SÉTIMO CAPÍTULO
Radiante era pouco para descrever como eu me sentia depois de acordar com Harry Styles beijando suavemente minha nuca, sussurrando coisas bonitas para mim, sobre mim. Preguiçosos e ainda sonolentos por termos acordado mais cedo do que o horário normal, apenas nos levantamos para escovar os dentes e fazer nossas necessidades matinais antes de voltarmos a deitar, tendo uma sessão de beijos e carícias. Era íntimo e bom, principalmente depois da noite que tivemos.
Mas, querendo ou não, os deveres chamaram, fazendo com que nos separássemos e fôssemos lidar com nossas responsabilidades. Eu tinha que ajudar Ethan a consertar o telhado do barracão, passar a lista das compras do mês para Sally, organizar os quartos e, depois, eu estaria livre para cuidar das necessidades de Harry quando ele pedisse. Zayn tinha me mandado uma mensagem dizendo que me entregaria os remédios que eu pedira quando ele chegasse para a sessão de fisioterapia, o que me livrou de minhas preocupações.
Ainda que eu buscasse alternativas confiáveis para substituir temporariamente os complexos vitamínicos que eu precisava, como quando Niall preparava sucos e comidas estranhas, era perigoso ficar sem os remédios certos por muito tempo. Por sorte, Liam tinha conseguido uma brecha com o juiz para que as necessidades básicas que eu e Niall tínhamos fossem supridas pelo governo, então os complexos e anticoncepcionais não eram um problema.
O assunto do meu cio precisava ser resolvido, além de tudo. Acredito que pela manhã romântica — eu podia me referir a algo entre nós daquela maneira? — Harry não tinha nem pensado naquilo, mas eu sabia que em alguma hora aquele tópico viria à tona. Eu não fazia ideia se era seguro aceitar passar meu cio com ele, porque era uma coisa realmente delicada. Porventura, as relações dele poderiam ter sido limitadas a lobisomens ômegas comuns, porque o cio de um lobo Impuro era mais forte; nossos feromônios tinham um efeito maior nos alfas e qualquer desavisado poderia acabar se assustando com os nossos jeitos durante o sexo.
Não havia um meio de prever como as coisas decorreriam caso eu aceitasse deitar com Harry. Éramos almas gêmeas e, após ouvir por toda minha vida que o primeiro instinto de um lobo seria transformar-se no meio da cópula, e que isso deveria ser contido, admito ter ficado mais receoso. O problema era que, mesmo quando nos transformávamos por outras questões, como fugir, sentir raiva, medo ou qualquer coisa assim, já era muito difícil segurar o próprio corpo.
Isto posto, pedi para que Zayn também comprasse inibidores e supressores, como um meio de precaver-me contra acontecimentos indesejáveis. Eu bem sabia que aquela seria uma conversa complicada de ter com Harry. Porém, não era como se eu estivesse decidindo usá-los, apenas iria mantê-los. De toda forma, eu procurei não me preocupar muito sobre aquilo naquele momento e fui fazer minhas tarefas.
Foi bom ter um tempo com Ethan, porque nós conversamos bastante sobre a relação que o ômega tinha com Desmond Styles, e ele acabou por me contar que, na época, o alfa era bem mais novo que si, mas a amizade deles era tão forte como se tivessem se conhecido desde a barriga das suas mães. Tanto que, no casamento de Ethan, Desmond foi seu padrinho, assim como o ômega foi no do alfa também, anos depois.
— Nós descobrimos a campina numa missão de vistoria — ele contou enquanto martelava uma das telhas novas para o barracão. Estávamos sentados sobre o esqueleto de madeira que sustentava a estrutura do novo telhado, um de cada lado. — Des achou que o lugar tinha um grande potencial, e depois que voltamos para casa, alugamos um trator compactador de solo e um caminhão com uma caçamba grande. Foi assim que abrimos a trilha que leva daqui até a estrada.
O vento quente nos atingiu com força, fazendo com que eu me agarrasse mais à telha e prendesse minhas pernas em volta da viga de madeira sobre a qual eu me equilibrava. Ethan pareceu nem se mover. Estava calor, mesmo que estivéssemos perto do inverno, e eu queria apenas entrar na piscina depois daquele trabalho.
— Você também era do Exército? — Indaguei, curioso. Era muito difícil um ômega conseguir se alistar, eram tidos como inválidos por conta dos cios mais longos e natureza frágil.
— Equipe de saúde, mas, sim. Eu era usado como carregador de corpos e feridos na minha forma animal — Ethan sorriu e deu de ombros, mas eu senti meu corpo estremecer. — Eu os acompanhei para cá porque Des sempre tinha uma desculpa para o nosso tenente. Os homens pensaram uma vez que eu e ele tínhamos algum tipo de caso, mas pararam quando meu primeiro filho nasceu.
— Deve ter sido um pé no saco — eu murmurei ao entregar mais dois dos pregos compridos que o ômega estava usando. — Harry contou-me que a casa já estava aqui e que vocês a reformaram. Imagino que tenha demandado bastante gente.
Ethan parou com o martelo no ar, prestes a levá-lo à cabeça do prego, mas observou-me durante alguns segundos. Ele parecia surpreso, expressão essa eu quase não percebi se não fossem suas sobrancelhas levemente arqueadas. Perguntei-me se tinha dito algo de errado quando o observei repousar a ferramenta sobre a perna.
— Harry contou sobre a época em que reformamos a casa?
— Uh, sim. E sobre o que aconteceu com Desmond — eu encolhi os ombros. — Sinto muito.
— Por ele ter contado ou por meu melhor amigo ter morrido em batalha?
— Os dois, eu acho — dei de ombros, encarando meus pés suspensos no ar para dentro do barracão. Seria uma queda feia se eu me desequilibrasse. — É uma história que te diz respeito, também, e mesmo que tenha acontecido há anos, eu sei o quão difícil ainda pode ser.
— Não tem problema — Ethan disse, por fim. — Você me pegou de surpresa porque, geralmente, Harry não se abre muito acerca de Des ou quando reformamos o lugar. E respondendo à sua pergunta, não foram mais pessoas do que a nossa própria família.
Olhei para Ethan como se ele tivesse três cabeças porque, caramba, reformar aquela casa inteira somente com a ajuda da família? Era uma mansão, não uma casinha qualquer. Mirei meus olhos na propriedade logo atrás dos ombros do ômega idoso e reparei que, na verdade, os móveis pareciam antigos, de fato, e não aturdir-me-ia se eles tivessem levado alguns bons anos para concluir tudo. Tendo em vista todo o esforço posto na mansão, eu não ousaria esperar menos da completa afeição de Harry pela campina, sobretudo por seu pai e Ethan terem sido os causadores da existência daquele lugar.
Era compreensível que ele não quisesse sair dali para um lugar mais próximo da cidade. Acredito que, se na época em que Johannah, Félicité e Charlotte foram mortas, e alguma coisa delas restasse, eu nunca me desfaria, também.
— Louis, a próxima telha — Ethan balançou a mão em frente ao meu rosto.
— Ah, certo, desculpe — eu disse.
Virei meu tronco para que pudesse pegar a telha grande atrás de mim, e entreguei-a para o ômega, arrastando meu traseiro cuidadosamente para trás. Ethan estendeu a mão e eu coloquei mais um prego sobre sua palma.
— Sabe, é perceptível que eu não sou o único com algum passado triste aqui — ele divagou, concentrado em ajustar o prego no lugar certo. — E não falo sobre Harry ter perdido o pai, também.
— Fala sobre mim — não tinha sido uma pergunta, porque dava para notar o rumo que aquela conversa tinha tomado.
Ethan apenas acenou positivamente com a cabeça antes de erguê-la para acertar uma sequência de marteladas sobre a cabeça do prego. O barulho alto fez com que eu tonteasse um pouco, contudo consegui manter-me firme sobre a viga de madeira.
— Não precisa dizer se não quiser, claro — Ethan disse ao que jogava o martelo na caixa de ferramentas e agarrou a garrafa de água que tínhamos pegado da cozinha.
Ele encheu os dois copos e entregou-me um deles, pelo qual agradeci. Encarei as gotículas que se formavam na parte externa do vidro, pensando sobre o que contar, exatamente, ou por onde começar. O único que sabia sobre o meu passado — um pedaço sucinto, ao menos — era Harry, e mesmo assim tinha sido doloroso voltar àquelas lembranças. Mas Ethan também não parecia exatamente bem ao falar sobre o seu passado, era mais como se ele estivesse conformado. Porque, afinal, os tempos eram únicos, certo? Não tinha como eu voltar a ser uma criança, em 1997, e simplesmente impedir aquilo de acontecer.
— Eu nunca tive escapatória de ser um Impuro, minha família inteira era formada apenas por lobos — comecei devagar, e pude sentir os olhos atentos de Ethan sobre mim. — Minha mãe decidiu que seria melhor me matricular em um acampamento especial logo cedo, e acabei por ser sempre o primeiro da turma.
— Lobinho especial — o senhor brincou, causando-me um riso ao lembrar do apelido bobo que Zayn tinha me dado.
— Eu era considerado uma ameaça para o governo, porque eu era o mais novo dos Impuros que conseguiam controlar seus instintos e cheiro, além da minha forma mutável... Você provavelmente ouviu falar sobre mim — olhei para o ômega quando ele assentiu.
— Todos do meu esquadrão — ele informou. — Alguns diziam que você poderia ser usado como uma arma, quando ficasse mais velho.
— É, a Coroa tinha esse medo também — eu balancei a cabeça e tomei um gole de água. — Por conta disso, eu sempre precisava jurar lealdade em qualquer lugar que eu entrasse, e também não podia ter contato com outras crianças que não fossem lobos. Era até normal para mim, porque nunca me afetou de verdade. Mas, no dia do meu aniversário de seis anos, os Contentores apenas invadiram a nossa casa e levaram todas elas, e enquanto eu fugia, eu ouvi tantos tiros…
Puxei uma respiração e engoli o bolo que se formou na minha garganta. Estava sendo libertador falar sobre aquelas coisas, mas ao mesmo tempo eu só queria parar, porque era como cutucar com sal e limão uma ferida que já deveria ter sido fechada há muitos anos.
— A partir daí eu comecei a viver majoritariamente nas ruas, junto com Niall, e ele é praticamente um irmão para mim — sorri para Ethan, que retribuiu num gesto pequeno. — Nós conhecemos uma senhora que nos ajudou muito, mas precisamos ir embora quando as coisas apertaram. E depois, nós conseguimos um emprego como entregadores.
— Entregadores?
Travei meu maxilar, reparando que, até o momento, nenhum dos funcionários da mansão Styles sabia o que eu fizera para sobreviver. De toda forma, não vi sentido em parar, e acabei acenando com a cabeça.
— Nunca tivemos muitos escrúpulos, entregávamos o que mandavam. O motivo pelo qual eu vim para cá é que um traficante nos contratou e eu fui pego com mais de um quilo de cocaína no banco de trás do meu carro.
Por um instante, eu achei que Ethan começaria a gritar comigo, xingar ou qualquer coisa do tipo. Entretanto, o ômega simplesmente deixou seu copo apoiado na viga onde ele estava sentado e, habilidosamente, conseguiu passar pelos vãos até chegar perto de mim. Ele sentou-se com as duas pernas suspensas para frente enquanto eu estava montado na viga, e puxou-me pelo pescoço até que eu encostasse a testa em seu ombro.
Sobressaltei-me um pouco ao notar que seus dedos começaram a fazer um carinho suave em minha nuca, e automaticamente senti meus olhos arderem. Eu não queria chorar porque eu já deveria ter superado todas aquelas coisas, mas ao mesmo tempo, meu ômega interior quis aconchegar-se naquele carinho, necessitado de tal conforto amigável, e foi o que fiz. Meu corpo pesou quando as lágrimas começaram a cair, e eu não me importei se estava sendo alto demais enquanto chorava. Senti um cheiro aconchegante de canela e eu soube que Ethan estava soltando feromônios para acalmar-me.
Com um lampejo de memórias, consegui enxergar-me como um garotinho no colo de Jay, chorando após um dia difícil na escola. Mamãe costumava ter um odor parecido, porém o dela lembrava-me de um toque de capim-limão. A última vez que eu passara por um dia complicado na escola dera-se por eu defender Niall de alguns garotos valentões no parquinho, e depois ouvir de lobisomens que minha espécie era uma ameaça, algo que deveria ser extinto.
Ethan era um Impuro igual a mim, e o fato de ter seu apoio era mais do que suficiente. Mesmo na eventualidade de que eu lidara com meios ilegais para salvaguardar minha sobrevivência, ele entendia, bem como eu, o que era levar a necessidade de sobrevivência ao próprio extremo.
Até que eu parasse de chorar e tremer, algum tempo considerável foi tomado. Ethan ajudou-me a beber água e esperou pacientemente enquanto eu me recuperava por completo daquele pranto; uma vez que fui capaz de acalmar-me, o ômega mais velho prometeu-me não contar para ninguém sobre aquela conversa e, após agradecê-lo, voltei a ajudá-lo com o telhado do barracão.
Estando livre de minhas tarefas por tê-las finalizado, decidi que o melhor seria livrar-me do calor nadando um pouco na piscina da varanda nos fundos da mansão. A água gelada foi um pequeno desafio para mim, a princípio, porém consegui acostumar-me rapidamente com a temperatura, relaxando meu corpo todo no primeiro mergulho. Nadar era uma das melhores coisas — senão, a melhor — para mitigar minhas dores ósseas posteriormente a eu ter ficado um tempo sem realizar a transmutação.
Por algum motivo, eu sentia-me apreensivo quanto a mostrar minha forma animal desde que chegara à mansão Styles; quem sabe fosse por apenas ter um Impuro além de mim, lá. De todo modo, aquele pensamento não perdurou por mais tempo, já que as vozes de Liam e Niall chegaram aos meus ouvidos. Zayn tinha chegado uma hora antes deles, e ao cumprimentar-me, avisara que ambos viriam para visitar-me.
Fiquei feliz em saber daquilo pois a mansão ficaria mais movimentada e barulhenta, uma vez que Anne e Gemma saíam todos os dias para passear, dizendo que apenas ficar em casa era chato demais e que “a cara de bunda de Harry não era tão convidativa” — segundo a própria ômega Styles. Os outros funcionários eram muito ocupados com a manutenção das coisas na campina, fora o fato de que Sally começara a tirar folgas constantes para cuidar da namorada.
— Oh, meu Deus, por que eu nunca soube que tinha a porra de uma piscina nessa casa?! — Ouvi Niall exclamar, indignado, no salão principal.
Eu sorri quando dei algumas braçadas para chegar até a parte mais rasa e eu nem tive tempo de sair da água quando o corpo branquelo e magro do irlandês chocou-se contra o meu. Nós acabamos caindo de volta para o fundo e eu fiz um esforço considerável para levar-nos à superfície, já que Niall não desgrudou de mim em momento algum.
Pude olhá-lo melhor quando recuperamos o fôlego, o típico sorriso de um menino travesso brilhando em sua boca. Como seria possível ficar bravo com aquele demônio em forma humana? De toda forma, ele tinha sido rápido o bastante para tirar suas roupas antes de jogar-se na água, e agora estava só de cueca boxer, grudado em mim como um coala.
— Se você esfregar esse pau encolhido em mim, eu arranco ele com uma faca — eu avisei enquanto o passava às minhas costas.
— Você adoraria isso, Louis, pare de ser um filha da puta mentiroso — ele disse ao entrelaçar suas pernas na minha cintura e se agarrar ao meu pescoço com os braços.
Foi impossível conter uma gargalhada, e só desviei minha atenção de Niall quando senti o cheiro de Liam misturar-se ao nosso. O Contentor sentou-se na ponta de uma das espreguiçadeiras do deck de madeira, sorrindo para mim.
— Eu não sabia que ele ia fazer isso, sinto muito — falou. — Eu devia ter trazido uma coleira.
— Por que trazer nossos brinquedos para Louis ver, Lee? — Niall disse com uma voz sugestiva.
Na mesma hora, eu encarei alternadamente meu amigo e o Contentor, que estava tão vermelho como um tomate. Levou alguns segundos até que as engrenagens do meu cérebro entendessem — ou aceitassem, acho que essa seria uma escolha melhor de palavras — o que aquilo tinha significado, e levei meu indicador ao interior da boca, fingindo uma reação de vômito ruidosa.
— Que coisa nojenta, não preciso saber o que acontece entre quatro paredes — eu zombei antes de Niall puxar uma mecha do meu cabelo, fazendo minha cabeça ir para trás. — Irlandês! Porra, isso doeu.
— Vocês são como duas crianças — Liam falou e, ao mesmo tempo, eu e Niall mostramos a língua para ele. — Exatamente iguais.
Nós ficamos um tempo brincando na piscina e conseguimos puxar Liam para lá em dado momento, o que resultou em uma guerrinha de água entre três adultos de cueca — eu estava com um calção de banho, na verdade — e em algum momento nós decidimos brincar de cabra-cega. Numa decisão muito madura, resolvida por pedra, papel e tesoura, Niall foi o escolhido para ser quem tentaria nos pegar. Não tínhamos muito o que usar, por isso acabei me juntando a eles e fiquei apenas de cueca, uma vez que meu calção serviria de uma venda improvisada.
A questão era que o irlandês era péssimo naquele jogo, e estávamos esperando que ele pegasse um de nós fazia longos minutos.
Meryl e Ethan só sabiam rir quando passavam por ali e viam a cena, pois com certeza era o momento mais infantil que três adultos poderiam ter, sobretudo dentro da mansão Styles.
Em determinado momento, eu e Liam saímos da piscina e ficamos jogando água em Niall para provocá-lo, até que pensei em um plano. Indo para o lado de Liam, inclinei-me em sua direção para contar sobre a ideia.
— Como assim? — Ele quis saber, sussurrando, aproveitando que Niall estava puto enquanto continuávamos jogando água em sua cabeça.
— Eu vou para dentro d’água, e quando ele vier perto o suficiente, você me puxa para fora — expliquei, contente ao ver um sorriso levado nascer em seu rosto.
A passos rápidos, corri silenciosamente até a parte rasa da piscina, entrando com o máximo de cuidado para não agitar muito a água. Niall parecia um bocó com o meu calção amarelo-ovo na cara, mas controlei minha vontade de rir. Eu me posicionei perto do degrau da escadinha quando vi o ômega tentar pegar Liam na borda da outra extremidade, e sinalizei para o alfa vir mais perto de onde eu estava.
— Ei, irlandês! — Chamei, e na mesma hora a cara vermelha dele se virou. — Duvido você me pegar de uma vez por todas!
— Eu vou arrebentar com essa sua bunda bonita, Tomlinson — ele gritou de volta.
Ao que ele começou a — tentar — correr de forma desengonçada pela resistência da água, aproximei-me da parede e ergui os braços, pronto para que Liam puxasse-me para fora. O loiro chegou perto o bastante e, enfim, as mãos do alfa envolveram meus bíceps, mas, enquanto eu era tirado da piscina, uma risada alta soou do lado de fora e Liam acabou perdendo o equilíbrio. Nós dois caímos mais uma vez na água, e a dor do cloro entrando pelas minhas narinas veio na mesma hora.
De volta para a superfície, Niall se pendurou em Liam e em mim e gritou em vitória, arrancando meu shorts de seu rosto.
— Arrá! — Ele bateu os punhos na água, erguendo os dois dedos médios. — Eu peguei os dois de uma vez só! Seus perdedores.
— Se eu não tivesse me distraído com Zayn, eu e Louis teríamos conseguido — o Contentor bufou.
— Saiba perder, querido — Niall disse com um biquinho em falsa compaixão.
Levei meus olhos até a porta de correr que levava ao interior da casa, e encontrei Zayn e Harry ali. O alfa de cabelos cacheados estava na cadeira de rodas, e um alerta de preocupação soou dentro da minha cabeça. Agarrei meu calção amarelo que estava boiando perto de mim e saí da piscina para vesti-lo de forma desajeitada, deixando os crianções discutindo se a vitória de Niall havia sido realmente justa.
Escorreguei em meu caminho até os outros dois alfas, mas consegui recuperar meu equilíbrio quase na mesma hora.
— O que aconteceu? — Eu quis saber, parando na divisão da porta; apoiei-me nela, para não molhar o piso de dentro.
— É reação do corpo dele ao inverno — Zayn explicou. — Ele vai ficar bem, mas é melhor que continue na cadeira por algum tempo.
Assenti, estabelecendo mentalmente que eu não cederia caso Harry insistisse em ficar apenas com a bengala. Eu lembrava-me de uma das primeiras conversas com Zayn sobre como o corpo de Harry costumava reagir no inverno, tendo a imunidade enfraquecida e sua mobilidade debilitada. O mais novo, por sua vez, sequer parecia dar importância àquele assunto no momento, preferindo encarar-me de modo despudorado. Um sorriso ladino pendia sobre seus lábios e senti minha pele esquentar, mas não escondi meu corpo de seus olhos cor-de-esmeralda. Eu gostava da atenção que Harry me dava, a sensação gostosa das borboletas em meu estômago era impagável.
Virei-me para Zayn ao notar que ele nos observava. Estranhamente, um sorriso quase orgulhoso descansava em sua face.
— O que foi, Z? — Inquiri. A sensação quente dos orbes de Harry sobre meu corpo não abandonou-me, nem mesmo por um segundo.
— Não é nada — ele deu de ombros. — Só um bom pressentimento.
Fiz menção de insistir na pergunta, porém o fisioterapeuta saiu para ir até seus companheiros ao mesmo passo que Harry juntou seus dedos nos meus, entrelaçando-os, e um arrepio deleitoso percorreu minha coluna ao que coloquei meus olhos sobre nossas mãos unidas. Era claro que nossa relação tinha melhorado de maneira significativa, e que muito em breve poderíamos cogitar um relacionamento sério, porém não tínhamos feito demonstrações de carinho como aquela na frente dos outros garotos até então.
Eu reparei que minha tatuagem de corda no pulso combinava com a da âncora que Harry tinha, e sorri para aquilo. O alfa seguiu meu olhar e acabou por sorrir, também, antes de dar uma puxada em meu pulso para fazer-me cair sentado sobre seu colo, de lado. Era uma posição meio estranha porque minhas pernas ficaram por cima do braço da cadeira de rodas, mas não era desconfortável.
— Harry! — Guinchei baixo, olhando-o assustado. — Os meninos…
— Que mal há em sermos vistos assim? — Harry respondeu, inclinando sua cabeça para conseguir beijar-me no pescoço. Tentei levantar, porém suas mãos firmaram-me no lugar. — Não fuja de mim, Louis.
— Estou molhando suas roupas — eu resmunguei, agora sem realmente querer levantar enquanto seu nariz passeava pelo meu pescoço até a parte de trás da minha orelha.
— Você não está preocupado com isso, de verdade.
— Não, eu não estou — concordei ao tombar mais o meu peso para recostar-me em seu peito.
Estava sendo incrível ter aquela facilidade para entrarmos numa bolha invisível onde aqueles momentos íntimos vinham até nós. Deitei minha cabeça em seu ombro e deixei nossos dedos entrelaçados enquanto a outra mão de Harry fazia carinho em minha cintura desnuda. O cacheado andou com a cadeira de rodas até mais perto da piscina e parou, um pouco afastado, para que pudéssemos ver Zayn tentando fazer com que Niall e Liam parassem de discutir como duas crianças.
O alfa acabou por ser puxado para dentro também, com todas as roupas, e por mais que tentasse, ele não conseguia parar de rir para bronquear com eles. Senti o peito de Harry agitar-se e levantei o rosto para vê-lo, contemplando o riso livre sair alto de seus pulmões. Era tão lindo, e eu simplesmente não contive meu sorriso ao admirá-lo daquela forma.
Mesmo que seus olhos, agora, possuíssem olheiras e sua tez tivesse adquirido um tom mais pálido, Harry continuava magnífico. Ele tinha se tornado um alfa tão carinhoso e brincalhão que eu mal podia acreditar que era o mesmo lobisomem que eu conhecera há alguns meses.
— Eu tinha medo, quando você chegou — o cacheado confidenciou apenas para que eu escutasse, e só então percebi que ele me encarava de volta. — Depois de ser afastado do Exército, eu nunca mais tive grandes emoções na minha vida até que você chegasse, Tomlinson.
Diferentemente das vezes em que ele pronunciava meu sobrenome numa brincadeira ou quando estava irritado, agora parecia mais como uma coisa preciosa para Harry e sua expressão mostrava que era uma conversa bastante delicada.
— Eu achei que tinha nascido sem uma alma gêmea, um amor para chamar de meu — ele sorriu pequeno e eu senti meu coração falhar uma batida. — Mas aí você chegou, com sua língua afiada e todos os seus palavrões, e alguma coisa mudou. Você definitivamente é o ômega mais diferente que eu já conheci, e isso me cativou e me assustou ao mesmo tempo.
A suposição de que ele pudesse ter, de fato, deitado com outros ômegas fez meu estômago revirar, porém busquei afastar aqueles pensamentos. Eu mesmo tinha dormido com vários homens antes de conhecê-lo, portanto seria hipocrisia chatear-me caso o alfa tivesse feito o mesmo.
— Desculpe por ter sido um completo idiota desde o momento em que nos conhecemos, eu espero estar conseguindo mudar porque, Louis, você se tornou uma pessoa muito importante para mim.
Com as mãos meio trêmulas e o coração batendo como um louco dentro do meu peito, eu puxei o alfa para mais perto a fim de juntar nossos lábios num beijo apaixonado, porque era como eu me sentia. Não importava quantas vezes eu tentasse achar uma desculpa racional para aquilo, a explicação mais certa era que eu estava completa e perdidamente apaixonado por Harry Styles, e não havia nenhuma chance de eu me arrepender.
Saber que o alfa estava tão receptivo a mim e aberto a desenvolver sentimentos iguais aos meus fazia meu lobo interior querer uivar. O sentimento verdadeiro e palpável de ter uma alma gêmea não chegava nem perto das meras explicações que os adultos me davam enquanto eu crescia: poder tocar em Harry era tão intenso que em todos esses momentos íntimos e amorosos que eu tinha quase certeza de que poderia desmaiar; eu não trocaria aquilo por nada no mundo.
— Ei, pombinhos — ouvi a voz de Liam soar, e eu quis socá-lo. — Separem-se de uma vez, porque precisamos conversar sobre algumas coisas.
Harry pressionou mais suas mãos em minha cintura e rosnou baixinho, mas desgrudou nossos rostos para olhar para o amigo. Meu corpo já estava praticamente seco, e permaneci sentado no colo do alfa ao observar os outros garotos arrastarem cadeiras para perto de nós e se sentarem. Niall apoiou a cabeça no ombro de Zayn, como eu tinha feito com Harry, e eu murmurei para ele “vamos conversar depois” sem emitir som. Ele entendeu, porque acenou com a cabeça e me deu um sorriso amarelo.
— O que você quer, Liam? — Harry perguntou e eu instintivamente suspirei ao ouvir sua voz sair mais grave por causa do beijo que demos.
— Daqui a algumas semanas, um dos representantes da embaixada francesa dará uma festa em sua casa, e fez questão de nos convidar — o Contentor explicou enquanto chacoalhava seus cabelos com a mão. — E, você sabe, seria ruim recusarmos.
— Certo, quem é esse representante?
Aquele assunto não era de meu interesse, então saí do colo de Harry dizendo que queria conversar um pouco com Niall e Zayn antes de puxá-los até uma mesa de piquenique nos fundos do quintal. O ômega ainda estava vestido apenas com a sua cueca vermelha, mas Zayn puxou-o para cima de suas pernas e eu sorri com a cena. Sentei-me no banco oposto ao que eles estavam.
— Então, é de verdade agora? Decidiram tentar? — Eu perguntei.
— Yeah — Niall respondeu parecendo meio encabulado. — Nós conversamos bastante, acabamos não vendo mal em testar e ver aonde isso dá.
— Tudo bem até agora — Zayn concordou ao tirar uma mecha meio dura pelo cloro do cabelo de Niall da frente de seus olhos. — Niall é maravilhoso, e eu sei que apenas Liam pediu sua permissão, então eu também queria fazer isso, mesmo depois de já termos… — Zayn arqueou as sobrancelhas sugestivamente. — Você sabe, transado como animais.
— Malik! — O loiro exclamou ao dar um tapinha no ombro do alfa, que apenas riu e beijou sua bochecha corada.
Eu ri com aquilo e balancei a cabeça. Era mais do que claro que os três eram felizes juntos e eu esperava que tudo desse certo para que eles construíssem um bom relacionamento juntos. Fazia pouco mais de dois meses que eu conhecia Liam e Zayn, mas era o suficiente para saber que Niall estava em boas mãos.
— Mas, como as coisas estão entre você e o Harry? Parecia tudo bem — o alfa falou depois de acalmar o irlandês.
— Sim, nós estamos bem. Ainda tem dias onde ele é complicado, mas está bem mais fácil de lidar que antes — eu disse com um sorriso.
— Entendi — Zayn assentiu e ficou sério de repente. — Não conte para ele que eu disse isso, mas Harry e eu conversamos depois daquela briga estúpida e, bom, eu descobri que ele não aceitou se deitar com você porque... Digamos que ele ficou assustado.
— Eu tenho ouvido bastante essa palavra — resmunguei e senti um vinco se formar entre minhas sobrancelhas. — Mas o que eu fiz de errado, então?
— Você não fez nada de errado — Zayn suspirou e então abaixou o volume da voz para falar. — Louis, acredite ou não, mas Harry é virgem.
Meu cérebro pareceu entrar num pequeno pane, e eu só pude encarar o fisioterapeuta com a boca entreaberta e as sobrancelhas arqueadas, sem demonstrar nenhuma reação real. Harry Styles, o mesmo alfa convencido que eu conhecia, nunca tinha tocado em nenhum outro ômega em toda sua vida? Peguei um fôlego para acalmar os ânimos e não berrar. Aquela revelação causou um certo alívio em mim.
— O quê?
— É verdade — Zayn assentiu. — Ele nunca nem namorou. Foi por isso que ele ficou tão assustado naquela noite, mas infelizmente ele agiu como um babaca.
Balancei a cabeça e sorri minimamente enquanto caçava os cachos que eu aprendi a gostar tanto. Harry estava conversando com Liam, porém ele pareceu saber que eu o observava e direcionou seus olhos verdes para os meus, fazendo uma sensação estranha brotar em minha barriga. Apesar de fechado e carrancudo na maioria do tempo, eu não conseguia ver o mais novo como outra coisa senão uma alma parcialmente inocente e ferida.
A vontade de pegá-lo no colo era real, e por um instante eu me lembrei da maneira com que ele parecia encolhido confortavelmente contra o meu peito na madrugada anterior. Como um filhote, pensei comigo mesmo. É, Harry se parecia bastante com um filhote às vezes, fosse demonstrando sua rudeza e sarcasmo para se proteger ou nos momentos vulneráveis. De qualquer maneira, eu podia sentir meu peito arder com a necessidade de tê-lo seguro e bem.
Pisquei para o alfa e ele sorriu para mim, voltando a prestar atenção no que Liam dizia.
Eu, Zayn e Niall conversamos por mais algum tempo sobre o encontro que eu tivera com Harry, e eles vibraram como adolescentes ouvindo sobre o primeiro namoro da melhor amiga. O casal também comentou mais sobre como as coisas estavam funcionando entre os três, e em algum momento Niall acabou por pegar no sono ainda no colo de Zayn; decidimos que seria melhor eles voltarem para casa, portanto o fisioterapeuta ajeitou o corpo molenga do irlandês em seus braços e voltamos para onde Liam e Harry estavam.
Depois de nos despedirmos dos meninos, o alfa cacheado pediu minha ajuda para deitar-se, porque ele estava com bastantes dores pelo corpo. Eu encaixei a cadeira de rodas nos trilhos das escadas e subi devagar enquanto o acompanhava. Harry parecia realmente abatido e aquilo doeu um pouco em mim; eu sabia que ele melhoraria com as recomendações de Zayn, entretanto.
Quando entramos em seu banheiro, o ajudei a despir-se e não olhei quando forcei meus braços em cada lado de seu corpo para servir de apoio enquanto o alfa tirava sua cueca. Eu o deixei sozinho depois disso, realmente constrangido por termos ficado tão próximos enquanto Harry estava nu. Não que eu não quisesse vê-lo daquela forma, porém existiria, ocasionalmente, um momento mais apropriado para aquilo. Logo, fui para o meu quarto tomar um banho rápido e colocar roupas confortáveis antes de voltar e ajudar Harry a fazer o mesmo.
— Pode se deitar comigo até eu dormir? — Ele pediu, após cobrir-se. — Seja a concha maior.
— Claro — sorri em adoração.
Com cuidado, deitei-me ao lado do cacheado quando ele me deu mais espaço, e seus lábios vieram para mim como um rogo para que eu lhe beijasse, e não pude recusar. Era sempre bom beijá-lo, mas parecia que toda vez que acontecia de novo, só melhorava. Ao afastarmos nossos rostos, olhei no fundo daquelas esmeraldas reluzentes, tendo a certeza de que não faltava muito para o alfa cair no sono, até que sua voz ressoou tão linda que mantive-me um pouco mais desperto, apenas para ouvi-la:
— He’s a good boy, loves his mama, loves Jesus and America too. He’s a good boy, crazy ‘bout Elvis. Loves horses and his boyfriend too — ele sorriu pequeno, parecendo meio quebrado, triste. — I’m a bad boy for breaking his heart, and I’m free fallin’.
O fato de ele ter trocado todos os pronomes da canção causou em mim certa vontade de chorar. Entretanto, segurei as lágrimas.
— Você não quebrou o meu coração, Hazz — ofeguei, me virando de frente para ele. Aconcheguei-me mais perto de seu peito e cruzei nossas pernas.
— Hazz? — Ele repetiu, agora num tom um pouco mais divertido. Seus olhos, porém, continuavam brilhantes em morbidez. Eu biquei seus lábios, fazendo o alfa suspirar. — E não minta para mim, Louis, eu sei que não é nada fácil lidar comigo.
— Não foi, mas você mudou. E eu estou falando a verdade, você não quebrou meu coração. Brigas acontecem e são normais, além de que eu não decidi perdoá-lo porque você é minha alma gêmea.
— Por que, então?
— Porque eu estou apaixonado por você, Harry — falei, e mesmo com a sensação de meu coração estar em chamas, eu não retirei aquilo.
A aura do alfa alargou-se, expandindo-se por todo quarto enquanto parecia dançar num sinal de adoração. Seus olhos, antes tão sonolentos, arregalaram-se e ele puxou meu corpo para mais perto antes de chocar sua boca na minha. A felicidade que eu senti com certeza não poderia ser facilmente descrita, mas eu podia dizer que parecia que vários fogos de artifício estouraram por todo o meu interior.
— Eu planejava dizer isso primeiro, caramba — ele murmurou entre o beijo e eu ri, fazendo com que nos separássemos. Suas esmeraldas passearam por todo o meu rosto. — Você é bom demais para ser real, Lou.
— Não sou o único com apelidos, pelo visto — eu caçoei e Harry deu risada. — Posso garantir que sou real. Mas você precisa descansar agora.
Ele assentiu e virou-se de costas enquanto bocejava, aconchegando-se em mim para que eu pudesse abraçá-lo melhor e ser a concha maior. Dei um beijo suave em sua nuca, ouvindo-o suspirar. Foi questão de poucos minutos até que o alfa se embalasse em um sono profundo, mas eu ainda permanecia acordado.
O sol tinha uma coloração alaranjada enquanto banhava o mundo e o quarto com sua luz, era confortável observar a paisagem da janela de Harry por cima de sua cabeleira cheirando a maçã-verde. O odor dele em si se assemelhava mais a algo frutífero também, sendo uma boa combinação com o aroma adocicado que eu tinha. Reparei que, na estante baixa com vários nichos embaixo da janela, havia um livro grande e dourado, isolado dos demais objetos contidos no móvel.
Devagar, afastei-me do corpo pesado de Harry para conseguir chegar àquele livro. Sentei-me com as costas apoiadas na lateral da cama depois de tê-lo em mãos e então pude notar que se tratava de um álbum de fotografias. FAMÍLIA STYLES estava gravado na capa com letras pretas e cursivas e, ao abrir na primeira página, vi um recado:
Dei risada baixinho da criancice dos dois irmãos e folheei as páginas seguintes. Várias fotografias com aparência antiga estavam presas com fita e adesivos dourados, sendo todas de Anne grávida ou segurando uma Gemma bebê nos braços; avançando um pouco mais, cheguei nas que Harry já tinha nascido. Desmond parecia estar na maioria das fotos, sempre sorrindo e sendo recebido muito amorosamente pelos irmãos Styles. Havia algumas imagens onde um outro homem estava com eles e mais um garoto, ambos se chamavam Robin e Mike Twist. Essas, porém, eram poucas e datavam somente de 2013 a 2017.
Parei em uma imagem que acendeu sob meus olhos, onde Gemma e Desmond estavam sentados no balanço do jardim enquanto Harry pendurava-se na barra de metal onde as correntes estavam presas. Todos estavam sorridentes e o alfa era bem mais novo, com aquele cabelo cheio e com cachos um pouco mais definidos, flexionando seus braços como um fisiculturista faria. Só percebi que eu estava sorrindo quando minhas bochechas reclamaram de dor, então levei meus olhos para o homem dorminhoco sobre a cama.
Vendo-o daquela forma, meu coração aqueceu-se como se fosse tocado pelo sol de fim de tarde, e perguntei-me as razões do universo ter feito com que ele sofresse todas as coisas que tivera de enfrentar. Definitivamente, eu tinha feito a melhor escolha da minha vida ao decidir amar Harry Styles.
Deixei o álbum no mesmo lugar em que o tinha pegado antes de resolver cozinhar algo para nós, uma vez que a noite começava a tomar o seu lugar no céu. Fechei minimamente as cortinas grossas antes de sair do quarto, indo para a cozinha; lá, eu separei as coisas para preparar um macarrão à carbonara e assim que eu liguei o fogo para ferver a água para cozinhar a massa, os primeiros respingos de uma forte chuva bateram contra o vidro da janela.
Acabou que um temporal atingiu em cheio a campina e, uma hora depois, eu estava lavando a louça para, depois, subir e chamar Harry. Era uma boa notícia que ele tivesse conseguido dormir por um tempo razoável. Contudo, antes que eu sequer finalizasse com as louças, os braços tatuados do alfa me circundaram, abraçando-me por trás. Em primeira instância, sobressaltei-me, mas consegui reconhecer seu cheiro e relaxei.
— Você deveria ter me esperado para eu ajudá-lo a descer, Harry — repreendi. — Você ouviu o que Zayn disse sobre usar a cadeira.
— O que esperava que eu fizesse quando acordei e notei que o ômega mais bonito do mundo não estava do meu lado, onde ele devia estar? — Ele murmurou ao enfiar o rosto no vão do meu pescoço e suspirou. Meus pelos se arrepiaram. — Não fique bravo, Lou, vai te dar rugas.
— Então não me estresse, bobo — belisquei de leve seu antebraço quando coloquei a faca de volta ao faqueiro. — Vamos comer, eu fiz macarrão, OK?
— Tudo o que você faz sempre é bom — Harry sorriu ao me virar e grudar nossos peitos. — É um dom.
Eu dei risada e fiquei na ponta dos pés para conseguir alcançar seus lábios com os meus. Beijá-lo estava se tornando um vício, e eu não via problema nenhum naquilo. Desgrudei-nos quando a necessidade de tomar ar fez-se presente, e aproveitei a brecha para ajudá-lo a sentar em seu lugar costumeiro à mesa de jantar, levando tudo para lá ainda que Harry insistisse que poderíamos comer na bancada da cozinha. Eu justifiquei que suas costas teriam um apoio maior na mesa da sala de jantar, e isso pareceu funcionar.
Comendo juntos, começamos a conversar sobre tudo e nada ao mesmo tempo.
Se fosse possível contatar o meu eu do passado, logo quando eu chegara na mansão Styles, e pudesse dizer que, depois de alguns meses morando lá, uma boa convivência surgiria e que estaríamos apaixonados pelo alfa, muito provavelmente ele me mandaria calar a boca. Entretanto, ali estava eu, com minha bochecha apoiada no punho depois de comer, admirando o cabelo bagunçado e embaraçado pelos cachos, os braços fortes cheios de tatuagens contrastando com a tez pálida.
— Você tem um navio — eu aleguei quando vislumbrei os contornos do bíceps de Harry.
Ele encarou-me um pouco confuso enquanto mastigava, e acompanhou meu olhar para o próprio corpo.
— Sim, fiz esta quando estava bêbado em um dia de folga de uma missão na França. Liam me disse que eu ficava falando sobre um papo besta de sentir-me como um barco sem rumo, precisando de algum norte na minha vida — ele deu de ombros e voltou a enrolar o macarrão no garfo. — Ou alguma merda assim.
Eu dei risada e balancei a cabeça, suspirando quando os orbes questionadores de Harry miraram de novo em mim.
— Eu tenho esta — levantei a manga do pijama para mostrar a tatuagem de um bússola. — Quase a mesma história, mas eu e Niall estávamos experimentando êxtase pela primeira vez e o tatuador disse que eu não calei a boca durante nenhum segundo sobre eu precisar achar alguém para não morrer sozinho.
Harry sorriu para mim de uma maneira diferente, mas não foi ruim. Apenas... Pareceu-me que ele tinha se perdido por alguns segundos dentro da própria mente, antes de seus olhos voltarem a ficar tão brilhantes quanto costumavam ser.
— Acho que o universo entende bem das merdas que faz — ele riu. — E eu não poderia ser mais grato por isso.
Meu sorriso, apesar de suavizar-se, permaneceu em meus lábios conforme um silêncio aconchegante pairava, a única luminosidade sendo a pouca luz da despensa da cozinha, passando pelo outro cômodo até nós, além do barulho gostoso da chuva batendo contra a casa. Fechei meus olhos por um tempo, desejando ser capaz de guardar aquele momento em um lugar especial e inquebrável de minha memória. Ouvi quando Harry terminou de comer e fez menção de se levantar, porém fui mais rápido em sair de minha cadeira e recolher as coisas. Lavei nossos pratos, e então ele pronunciou-se de novo:
— Lembra-se daquele evento que Liam comentou conosco mais cedo? — Eu assenti. — Quero que vá comigo. Será uma festa um pouco mais sofisticada do que a que eu dei, mas acredito que podemos ir com roupas mais casuais. Vamos fazer compras no mesmo dia, para não gastarmos muito tempo, OK?
— Não é mais fácil pegarmos algo que já tenhamos? — Falei, sentando-me novamente em sua frente e torci o nariz. — Você me deu muitas roupas.
— Você não gostou? — Harry perguntou, parecendo preocupado e triste.
— Não é isso, Hazz — falei depressa e o alfa relaxou um pouco. — É que eu realmente tenho bastantes coisas lá no meu armário, não quero que gaste dinheiro à toa comigo.
— Não é à toa, Louis — ele sorriu. — Eu amo te dar presentes, e apenas as compro porque você fica lindo em tudo.
Senti minhas bochechas corarem e, quando eu concordei com a cabeça, Harry comemorou dando um soco no ar. Palhaço, zombei mentalmente, e dei risada antes de ajudá-lo a voltar para seu quarto para escovarmos os dentes. Nós também dormimos juntos naquela noite, e em algum momento da madrugada, eu fui a concha maior outra vez.
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Algumas semanas depois, o dia da festa chegou. Iríamos até a região mais nobre de toda Londres, Kensington e Chelsea, e mesmo que eu insistisse em irmos com alguma roupa que já tivéssemos, Harry insistiu para que comprássemos novos conjuntos. Obviamente, fiquei indignado, e disse que não fazia sentido nenhum visitarmos lojas extremamente caras quando tínhamos a opção de vestir coisas mais casuais.
— Lou, qualquer loja que eu te levasse teria coisas caras.
E, fácil como tirar doce de criança, Harry conseguiu me calar. Porém, fiz questão de me manter emburrado durante todo o trajeto, mesmo quando o alfa tentou fazer com que eu acompanhasse na letra de Iris, do Goo Goo Dolls — talvez, apenas talvez, eu tenha cedido um pouco e me juntado a Harry num refrão. Mas não teve nada a ver com a carinha de cachorro pidão que Harry fez, foi porque eu apenas gostava muito da música.
De qualquer modo, não demoramos muito na loja — que na verdade era uma boutique onde os cintos custavam duas mil libras e as calças chegavam às cinquenta mil — e conseguimos achar roupas realmente bonitas e confortáveis. A festa seria dali algumas horas, então procuramos não enrolar muito dando beijos quando chegamos, mas como o esperado, falhamos miseravelmente. Isso resultou em uma hora de desvantagem antes de decidirmos nos separar para que pudéssemos tomar banho.
Enquanto eu me enxugava no banheiro, consegui sentir o cheiro de Harry em meu quarto e me perguntei se sempre seria daquela forma. Sem reclamações, porém. Como eu imaginei, o alfa estava jogado sobre minha cama, abraçando um travesseiro enquanto mexia no celular, mas o aparelho foi logo esquecido quando ele me viu ali.
— Você tem um corpo incrível, sabia? — Harry apontou, com um sorriso ladino.
Às vezes, eu precisava fazer um certo esforço para lembrar que o alfa mais novo ainda era virgem, e que todo aquele charme vinha dele naturalmente. Era confuso o fato de que ele podia parecer um anjo inocente e belo e, noutro instante, simplesmente se transformar no maior incentivo que eu tinha para querer pecar.
— Você está lindo, H — falei, como se fosse preciso lembrá-lo.
Harry estava vestido com uma calça de alfaiataria preta, uma blusa de gola alta e mangas compridas na mesma cor e um blazer com algumas estampas de folhas retorcidas e vermelhas, além da típica correntinha de prata com o pingente de cruz. Eu não fazia ideia se Harry era cristão mas, particularmente, achava bem legal ele ter algum tipo de fé.
Peguei uma cueca da gaveta do guarda-roupa e a coloquei por debaixo da toalha, ouvindo Harry murmurar que eu era um “sem graça”. Balancei a cabeça em descrença, e simplesmente tirei a toalha da cintura porque, bem, qual era a diferença de uma cueca para uma sunga, afinal?
— Retiro o que eu disse — ouvi ele dizer enquanto eu pegava as peças de roupa que eu tinha selecionado para mim.
Revirei os olhos com um sorriso enquanto vestia a calça social azul-marinho, optando por colocar a camisa de botões e mangas compridas por dentro dela. Era uma roupa bonita, num azul-claro com estampas florais em creme; calcei os sapatos sociais que eram iguais aos de Harry, olhando-me no espelho após ter juntado todas as peças, e senti-me um pouco nervoso, ainda mais quando reparei que o alfa também me encarava.
— O que acha?
— Sério, Louis? — Ele respondeu, com um tom indignado. — Você está magnífico.
Mordi o lábio inferior, mas não consegui conter o sorriso que tomou conta de meu rosto. Sem mais demora, ajudei Harry a sentar-se de volta na cadeira de rodas, uma vez que ele enfim havia parado de teimosia, aceitando usá-la, e fomos para a garagem. Escolhemos o Volvo, pois seria mais fácil levar a cadeira do alfa num porta-malas maior.
Acredito que tenha se tornado um ritual escutarmos músicas sempre que saíamos com de carro, porque foi bastante natural o modo com que eu simplesmente entreguei meu celular para Harry sem que ele precisasse pedir, e então as primeiras notas de Free Fallin’ começaram a tocar. Olhei-o de esgueio, lembrando do dia em que ele cantara aquela música para mim.
— Você realmente gosta dessa, não é?
— É uma das minhas favoritas. É especial.
— Devo me sentir especial por quando você cantou ela para mim? — Brinquei.
— Não consegui deixar claro o quanto me importo com você?
E, mais uma vez naquele dia, eu só não pude pensar em mais nada para responder. Harry realmente estava demonstrando a Deus e ao mundo o quão feliz era comigo, e para ser honesto, eu pensava que nunca me acostumaria com todas aquelas demonstrações de carinho, elas sempre sendo maiores ou mais intensas conforme chegavam.
Ainda que estivéssemos relativamente atrasados, o anfitrião da festa — um beta francês muito simpático e risonho — fez questão de nos receber tão bem quanto os outros convidados, e logo na entrada parou um garçom para que pegássemos algumas bebidas e petiscos. O beta até mesmo havia providenciado uma rampa removível para que Harry pudesse subir com sua cadeira de rodas. Zayn, Niall e Liam já estavam lá e quando nos vimos, eu quase chorei ao reparar no quão bonito o irlandês estava com roupas sociais e caras.
Era tudo muito chique naquela mansão e, apesar das pessoas exalarem o cheiro de dinheiro, fui tratado muito bem por todos. Nós bebemos, rimos, conversamos e Harry até mesmo disse que "me puxaria para dançar, se suas pernas não estivessem sendo tão filhas da puta no momento". Era bom vê-lo descontraído, principalmente quando Liam confidenciou-me que o alfa de cabelos cacheados não costumava ser tão enérgico naqueles eventos.
— Você está virando o mundo dele e cabeça para baixo, Louis, e isso só o faz mais e mais apaixonado por você — Zayn concordou com o marido.
Eu tentei fingir que aquelas palavras não tinham me afetado, mas eu corei na mesma hora e quis socar Niall por ter rido tão alto da minha cara. Ainda assim, a noite estava ótima e apesar de eu nunca ter frequentado uma festa parecida além da que Harry dera, foi relativamente fácil me adaptar ali; talvez, pelas pessoas serem gentis e animadas — era bem mais informal do que eu supusera.
Bom, nem todas as pessoas eram tão legais assim.
Em determinado momento, onde a maioria já estava meio "alegre" pelo alto fluxo de vinho, champanhe e uísque que circulava sobre as bandejas dos garçons, eu estava com Harry e Zayn quando uma ômega chegou num vestido preto e brilhante. Ela era muito bonita, com lábios grossos revestidos num tom carmesim pelo batom, e seus cabelos estavam firmemente presos em um coque baixo e cheio. Porém, seu cheiro era pouco amigável, semelhante ao de ameixas secas, sem contar que Zayn, na mesma hora que a viu, soltou um rosnado baixo.
Ela simplesmente ignorou a nossa existência, chegando perto — perto demais — de Harry.
— Olá, Harry querido — seus dentes perfeitamente brancos e alinhados arreganharam-se num sorriso. — Não sabia se você viria quando meu primo disse que tinha te convidado.
— Não acha que é falta de educação para uma pessoa da sua classe não cumprimentar os outros, Nicole? — Zayn grunhiu irritado.
A tal de Nicole nos olhou com falsa surpresa, e na mesma hora pensei o quão ruim seria caso ela decidisse ganhar a vida atuando. A ômega demorou um pouco mais seu olhar sobre mim, mas fingi ignorar seu nariz sendo torcido em desgosto.
— Olá, Javadd — ela se referiu ao alfa por seu nome do meio antes de voltar-se para mim. — E você é?
— Louis Tomlinson — estendi minha mão, que ela apertou com rapidez.
— Nicole LaCroix — resmungou a contragosto. Tão de imediato quanto um tiro acerta alguém, ela se virou para Harry, radiante, como se nada tivesse acontecido. Nicole inclinou-se para exibir o decote fundo. — Então, o que dizíamos antes de sermos interrompidos?
— Se eu fosse você, teria mais cuidado ao falar com o meu companheiro, senhorita LaCroix — o cacheado se limitou a responder.
Uma pontada forte de satisfação e orgulho brotou em meu peito quando eu vi o sorriso de um milhão de dólares dela falhar, tornando-se algo mais similar a uma careta.
— Companheiro?
— Eu mesmo — me pronunciei ao ficar ao lado de Harry, que segurou minha mão. — E acredito que o homem com quem eu vi você ter momentos… Românticos, há alguns minutos, não gostaria de saber que você está aqui, mostrando seu lindo busto para alguém acompanhado.
As bochechas maquiadas dela ficaram vermelhas e seu rosto se contorceu em raiva, e eu mantive minha postura ao notar a aura de Harry vibrando em divertimento enquanto ele tentava não rir — Zayn, por outro lado, não disfarçava nem um pouco suas gargalhadas altas e escandalosas. Notei que seus dedos se atrapalharam ao que ela tentou cerrar as mãos em punho, mas suas unhas eram grandes demais para que Nicole conseguisse fazer isso.
— Acredito que ter um companheiro tão petulante assim deva ser um inferno — ela disse com desdém.
Eu estava prestes a retrucar, porém o aperto suave de Harry em minha palma me impediu.
— Honestamente, e sem ofensas, senhorita LaCroix, mas nenhum outro ômega poderia chegar aos pés de Louis — ele disse com um sorriso relaxado nos lábios.
Nicole bufou alto e saiu de lá batendo os saltos finos ruidosamente no chão de cerâmica polida, mas eu nem consegui me importar, porque eu estava tão vibrante pelas palavras de Harry que só consegui rir alto ao que ele me puxou para seu colo, na cadeira. Zayn disse que procuraria por Liam e Niall, porque aquela festa já tinha lhe dado nos nervos, segundo o próprio fisioterapeuta, e perguntou se também iríamos embora. Harry respondeu que sim, e que só dançaria um pouco comigo até que os meninos se reunissem.
Então, ele nos guiou para o meio dos outros casais que dançavam juntos no meio do salão e começou a rodar lentamente a cadeira para lá e para cá, nossas testas e narizes grudados.
— Sabia que você fica sexy para caralho quando sente ciúmes? — O mais novo sussurrou em minha orelha.
— Harry! — Repreendi baixinho enquanto ria.
Quando os outros três meninos voltaram, nós fomos embora. Foi uma ótima noite e, mesmo com uma sensação estranha e incômoda, Harry conseguiu tirar risadas de mim com algumas provocações sobre como seria ruim se algum guarda nos parasse, porque ambos tínhamos bebido e aquele carro era caro.
De toda forma, nem precisamos perguntar um para o outro se dormiríamos juntos porque, aparentemente, eu ser a concha maior quando ficávamos naquela posição já tinha se tornado algo especial entre nós dois, como as músicas durante as viagens de carro.
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Até o próximo capítulo, EU AMO VOCÊS! ♥
OBS.: roupinhas que eu escolhi para o Lou e o Hazz abaixo.
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