DÉCIMO QUINTO CAPÍTULO

      Quando eu acordei de manhã, senti o cheiro de torradas e panquecas no andar de baixo e perguntei-me se Meryl ou Sally teriam voltado. Eu me levantei, tomei um banho rápido e coloquei uma blusa branca de mangas compridas e uma calça confortável, descendo logo depois. Ainda que a dor irritante em minha cabeça permanecesse, causada pela droga e sono desregulado, o resto de meu corpo parecia funcionar normalmente. Quando eu estava passando pela sala de jantar, parei de andar por um instante quando ouvi uma panela cair e a voz de Harry exclamar em dor.

      Da porta da cozinha, vi o alfa se equilibrando em um pé só, enquanto segurava o outro para trás. A vontade de rir até brotou em meu peito, e um pequeno sorriso surgiu, mas as lembranças da noite anterior voltaram e aquela graça morreu em segundos. Não obstante, a sensação de dejavú por ver o alfa cozinhar também marcou presença quando me sentei no banco do balcão. Cocei minha garganta audivelmente, e Harry virou seu corpo em minha direção.

      — Bom dia, Louis — cumprimentou, sorrindo.

      A animação dele incomodou-me um pouco, pareceu que tudo tinha sido esquecido. Mas isso passou quando eu notei sua aura recuada e receosa, o que me fez baixar um pouco a guarda.

      — Bom dia, Harry.

      — Eu espero que você goste de panquecas com maple — apesar de exibir um belo sorriso, dava para ver ele vacilando em nervosismo enquanto colocava a travessa cheia das rodelas de massa frita em cima do balcão.

      — Eu gosto, obrigado — coloquei três em meu prato e derramei um pouco do xarope doce sobre elas.

      Harry apressou-se em terminar as torradas que fazia na frigideira para colocá-las sobre o balcão, e quando fiz menção de servi-lo, ele dispensou meu gesto com um aceno. Esperei o alfa terminar para começarmos a comer juntos, e não pude evitar de fechar os olhos e suspirar ao constatar o quão gostoso aquilo estava. Ao olhar para Harry, o flagrei sorrindo satisfeito com a minha reação antes de começar a comer, também. Nós ficamos em silêncio no começo, mas o cacheado começou a — tentar — puxar assuntos diversos; eu estava com a cabeça nas nuvens e não consegui prestar real atenção nas coisas que ele falava, então, em determinado momento Harry apenas ficou quieto.

      Observei o cacheado, que estava cabisbaixo agora, com a bochecha apoiada sobre a mão, e mordi meu lábio por dentro. Vê-lo daquela forma me fazia querer perdoá-lo mais rápido, entretanto não tinha muito o que eu pudesse fazer. Servi mais chá preto em nossas canecas e ele ergueu seus orbes verdes para mim durante alguns segundos, voltando a encarar os restos de sua torrada como se aquilo fosse a coisa mais atrativa do mundo, no momento.

      — O que acontecerá com Bartley? — Indaguei.

      Eu sabia que não era o melhor assunto a se puxar, principalmente sendo tão recente, entretanto minha curiosidade era verdadeira. Harry finalmente me olhou propriamente, e por um instante sua expressão foi receosa, porém ele relaxou um pouco os ombros e sua aura suavizou-se.

      — Eu mandei dois… Subordinados, por assim dizer, atrás dele. Vão investigar algumas coisas e compensar outras.

      — Compensar? Como assim? E o que eles irão investigar?

      — Você deve ser o ômega mais curioso que eu conheço, Louis — ele riu fraco. — Vão procurar por coisas como o verdadeiro nome dele, antecedentes e essas coisas — sua feição se tornou um pouco sombria. — E quanto a compensar, eles apenas não deixarão que Bartley saia ileso depois do que ele fez com você.

      Assenti devagar, processando aquelas informações. Era de se esperar que Harry tomasse alguma atitude sobre o que acontecera, mas eu definitivamente não esperava que seria algo tão sério, se é que eu podia me referir àquilo daquela maneira. De todo modo, terminei de comer e fui lavar minha louça. Ouvi o alfa se levantar e suavemente ele me empurrou com o quadril para limpar as coisas.

      — Acho que depois de ontem, o salão está precisando de uma faxina?

      — Não realmente. A equipe que eu contratei fez todo o serviço. Você está livre hoje.

      — Há piscinas no terceiro andar, certo? — Perguntei ao me lembrar do que Meryl me contara.

      — Sim, você pode ir lá sem problemas — o alfa deu de ombros ao que enxugava as mãos no pano de prato. — Para ligar o aquecedor basta acionar o interruptor de baixo, logo na entrada.

      — Certo — assenti. — Você precisa de ajuda com algo, Harry?

      — Gosto que agora já paramos com a coisa de “senhor Styles” — ele sorriu, mas não consegui acompanhá-lo, o que o fez parar. — Não, estou bem. Estarei em uma reunião até a hora do almoço, mas chamarei se eu precisar.

      Acenei com a cabeça, e antes de subir para o terceiro andar, peguei uma toalha do meu banheiro e uma troca de roupas para depois que eu nadasse. Quando terminei de subir as escadas, encarei as portas daquele andar e suspirei; eu devia ter perguntado qual delas era, mas acreditei que Harry já estaria ocupado, então fui abrindo uma por uma até achar a certa. Basicamente, o terceiro andar tinha dois quartos grandes e empoeirados, um deles tendo várias tralhas dentro e o outro sendo um quarto de visitas com três camas de solteiro e duas de casal; havia a biblioteca e, por fim, uma sala que fez meu queixo quase ir ao chão.

      Da porta, tinha um pequeno lance de degraus de madeira escura que levava a um cômodo amplo e com quatro piscinas de tamanhos diferentes — uma delas, um ofurô, ficava numa varanda coberta, que saía dos limites da parede formando uma espécie de baía, suas paredes e teto sendo de vidro e somente o chão e a estrutura do ofurô de madeira. Haviam janelas no alto e, diferentemente do resto dos cômodos da mansão, aquele tinha um estilo rústico muito bonito.

      Uma lareira ficava na extremidade oposta ao ofurô, e parecia ser o suficiente para manter tudo quente. Achei o interruptor que Harry falara, os aquecedores das banheiras fazendo um ruído surdo por começarem a funcionar quando o acionei. Por não ter ninguém além de mim no cômodo, eu tirei minha roupa depois de decidir ficar no ofurô e coloquei a bermuda de nadar rosa-bebê que eu tinha e entrei na água quente, sentindo meus músculos relaxarem.

      Encostei minha cabeça no estofado de couro preto que ficava na borda e encarei a paisagem através do vidro: era o jardim traseiro da casa, e as nuvens estavam bastante cinzas, dando a impressão que choveria dali algum tempo. Ri, por alguma razão, quando eu percebi as primeiras gotas caírem sobre o material transparente que me protegia, e aquele som foi me acalmando aos poucos. Eu podia ouvir Harry no escritório, ele estava conversando com alguém, mas não consegui entender suas palavras porque a chuva estava apertando. Acabei lembrando que fazia alguns dias desde que meus supressores e anticoncepcionais tinham acabado, contudo estávamos no final do mês e nenhum sinal do meu cio tinha surgido até então.

      Acho que não faz tanta diferença.

      Fechei meus olhos e escorreguei mais para dentro, cruzando minhas pernas até que a água chegasse um pouco acima da minha boca. Imaginei se Niall estaria tomando conta de si mesmo, contudo, do jeito que Liam e Zayn estavam caídos pelo irlandês, descartei a hipótese de eles deixarem algo faltar. Eu me sentia feliz ao pensar nos três juntos; parecia-me certo. Abri os olhos ao tentar imaginar-me ao lado de Harry, tendo um momento romântico e doce. Foi possível, tivemos essa experiência em alguns momentos, ainda que algo parecesse impedi-lo de aceitar-me. Seria um problema em mim? Ele alegara não ter nada contra minha raça, mesmo que tivesse me insultado anteriormente sobre isso, e de alguma maneira eu acreditava que era algo com a minha pessoa, e não sobre minha posição social.

      Abri as palmas de minhas mãos, que eu sequer tinha notado ter fechado em punho, e encarei minhas digitais já um pouco enrugadas. Há quanto tempo eu estava ali? Olhei para cima, vendo as gotas grossas e agressivas da chuva baterem contra o vidro da varanda. Eu teria medo daquilo cair, se eu ainda temesse temporais como aquele, mas eu apenas estiquei um pouco os braços para fora e enxuguei minhas mãos antes de pegar um cigarro do maço em minha bermuda, além do isqueiro. A primeira tragada sempre fazia meus olhos pinicarem, mas era bom depois. Os pensamentos sobre quase ter sido, possivelmente, sequestrado por Bartley voltaram e, quando a chuva parou cerca de uma hora depois, eu tinha acabado com todos os últimos quinze cigarros que eu tinha.

      Peguei o maço e comprimi os lábios ao amassá-lo. Estranhamente, eu me senti culpado ao que um lampejo do rosto de Niall se passou em minha mente enquanto eu me enxugava. Eu precisava parar de fumar logo. Quando acabei de me trocar, desliguei o aquecedor e apaguei a lareira, descendo para meu quarto logo em seguida. Tomei outro banho mais demorado e quente, me vesti com um suéter branco e calças, pus os chinelos e decidi seguir a voz de Zayn. Ele devia ter chegado fazia pouco tempo, e o alfa sorriu quando dei-me por presente na academia.

      Todavia, ele torceu um pouco o nariz ao me abraçar.

      — Por Deus, Louis, você por acaso comeu tabaco de café da manhã?

      — Você fuma? — Harry pareceu realmente surpreso, mas também havia algo além disso.

      — Você é lerdo para caralho, Hazz — Zayn deu risada antes de se virar de novo para mim. — Mas ainda assim, você precisa dar um jeito nisso.

      — Achei que o banho adiantaria — falei meio constrangido. — Vão precisar de mim logo no começo?

      — Não, ainda não.

      — Certo, eu já volto.

      Girei em meus calcanhares e voltei ao meu banheiro, escovando os dentes tão bem como quando Johannah ficava me vistoriando no banheiro para garantir que eu escovaria todos eles, sem exceção. Abri os armários até achar um enxaguante bucal e fiz bochecho por tempo o bastante para sentir que não havia mais resquício algum do cheiro de fumo em mim. Voltei para a academia, encontrando Zayn deitado sobre as costas de Harry, que estava numa posição estranha de alongamento no chão. O alfa de olhos castanhos tinha as pernas esticadas e olhava para o teto contando em voz alta, até terminarem e então me olhar e sorrir.

      — Agora sim.

      Com aquilo, eu comecei a ajudá-los nos exercícios e foi tudo tranquilo. Trabalhamos bastante a coluna de Harry e o alfa reclamava a cada novo movimento, mas Zayn sempre o incentivava e, palhaçadas à parte, qualquer um poderia facilmente notar o quão bom ele era em seu trabalho como fisioterapeuta. Afinal, se não fosse por Zayn, era provável que Harry sequer pudesse usar suas pernas. Como será?, tentei imaginar. Não poder andar, ou nem mexer as mãos. Acredito que, Harry sendo tão sério e ao mesmo tempo tão agitado, ele surtaria. 

      Depois que acabamos todos os exercícios, Zayn disse que precisava ir embora e perguntou se eu queria algo. Pedi por meus remédios e mandei uma mensagem para o alfa saber os nomes certos quando os comprasse. Ele se foi, e eu acompanhei Harry até seu quarto para ajudá-lo a despir-se (deixei a cueca para que ele a tirasse no banheiro), saindo logo em seguida para recolher os documentos que ele tinha usado na reunião daquele dia. Minha mente estava agitada demais enquanto meus dedos eram rápidos em separar e organizar os documentos sobre a cama de Harry, tanto que não notei quando ele voltou do banho. Estando de costas para a porta do banheiro, sobressaltei-me por sentir os braços do alfa segurarem meu torso, abraçando-me por trás.

      — Harry — falei em um tom de aviso, mas meu corpo estava relaxado e o cheiro dos cachos alheios era tão agradável que minha aura praticamente desmontou.

      — Não seja mau, ômega — fechei os olhos ao ouvi-lo e seus cabelos molhados gelaram minha nuca. — Deixe-me abraçá-lo.

      Por algum motivo, eu fiquei ali, parado. Ainda que ele estivesse só de toalha e tivesse acabado de sair do banho, exposto, Harry permanecia quente e confortável, o que fazia meu coração se acalmar.

      — Posso te pedir uma coisa?

      — Uh-hum — murmurei extasiado e sentindo meus olhos flutuarem.

      — Pare de fumar. Faz mal para você e eu detesto não poder protegê-lo de si mesmo — Harry disse baixo com seus lábios agora encostando em minha nuca.

      — Harry — arfei. Era estranho como seu nome agora parecia-me tão natural e bom. — Eu não…

      — Não peço isso por mim, Louis — cortou-me. — Peço isso por você. Por Niall, que seja. Mas pare de se matar, é cruel. Muito cruel, ômega. 

      Um estranho prazer subiu-me à cabeça, pela segunda vez sendo chamado daquela maneira, e meus olhos marejaram. Eu conseguia ouvir meu lobo interior uivar, clamando para sair, e somente uma mordida e um nó fariam isso. Mas nós, Harry e eu, não podíamos ter aquilo. Não ainda, mas era compreensível que ele já tivesse todo o perdão necessário. 

      — Alfa — chamei, e senti seu peito parar por um instante. — Alfa, olhe para mim.

      Harry virou-me em seu aperto, e as mesmas copas verdes e primaveris me encararam. Eu quis rir em paixão ao reparar que, mesmo com aquela chuva torrencial que voltava a chapiscar a mansão e as janelas, as cores dele continuavam vivas com um verde intenso. Sorri minimamente ao que a mão grande e cheia de anéis de Harry encontrou com minha bochecha molhada pelas lágrimas e afastou elas dali, permanecendo em minha pele.

      — Vai parar? — O alfa insistiu, e quando a única coisa que eu pude fazer foi concordar, um sorriso lindo se abriu em seu rosto. — Obrigado, ômega.

      — Não — falei e seu rosto murchou. — Me agradeça por decidir te perdoar, alfa bobo.

      Definitivamente, aquele foi o sorriso mais bonito que eu já vi Harry abrir.

      A sensação de assisti-lo foi como ver o sol surgir em meio às nuvens de chuva numa tarde de verão, iluminando tudo ao redor da forma mais esplendorosa e egocêntrica possível. Senti meus pulmões esvaziarem pelo suspiro que eu dei e, logo, desvencilhei meus braços apenas para colocá-los sobre os ombros de Harry e beijá-lo. Ele apresentou-se surpreso, pois, a princípio, não retribuiu, até que finalmente cedeu e apertou-me contra si pela cintura. Pude jurar ter ido ao céu e voltado.

      Porventura, as coisas poderiam dar certo dali para frente.

Por favor, VOTE e COMENTE para que eu saiba o que está achando da história até aqui, isso ajuda a fanfic e deixa uma autora muito feliz :)

Beijos, até o próximo e eu amo vocês! ♡

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top