Euphemism

Sugakook playlist - Gangsta - Kehlani
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[ Uma semana antes ]

Jungkook estava inseguro, suas mãos suavam, seu cabelo apontava para todos os lados de tanto que ele passava a mão.

Ele tocou a campainha da mansão onde nunca tinha ido antes durante o dia ou sem Jenny.

A governanta atendeu a porta, deixando Jungkook na sala de visitas enquanto ia buscar água com gás e gelo para o garoto apavorado à sua frente.

- Jungkook? - Lisa disse surpresa entrando na sala espaçosa, decorada em tons pastéis.

Jungkook secou as mãos na calça jeans antes de cumprimentar a garota, sorrindo enviesado para a loira.

- Desculpa vir sem avisar Lisa, eu não teria vindo se não fosse importante. - Jungkook disse um pouco afobado.

Lisa sorriu carinhosamente para o garoto, indicando o sofá para que ele se sentasse novamente.

Jungkook estava prestes a sentar, quando a governanta trouxe sua água numa bandeja prateada e ele se levantou um pouco desesperado por água, finalmente sentando depois de praticamente secar o copo recém colocado em suas mãos.

- Você não parece bem querido. - Lisa segurou ambas as mãos tensas de Jungkook e virou em sua direção tentando acalmá-lo.

- Eu não estou muito bem, realmente. - Jungkook soltou uma risada engasgada, suspirando aliviado assim que Lisa massageou um pouco mais forte suas mãos.

- A Jenny não pôde vir? - Lisa perguntou curiosa, tentando sondar o que estava acontecendo, mas tudo que Jungkook fez foi negar com a cabeça.

- O Ten foi resolver algumas coisas na agência. Quer que eu o chame ? - Lisa perguntou assustada e um pouco perdida.

- Por favor? - Jungkook pediu assustando ainda mais a garota. - Me desculpa, eu sei que estou atrapalhando, mas não sei mais o que fazer.

- Com licença. - Lisa disse ao se levantar já com o celular nas mãos.

Jungkook apoiou ambas as mãos em suas pernas, batucando os dedos na velocidade em que batia os pés no chão.

 Lisa não precisou falar muito para que Ten aparecesse desesperado pela porta enquanto Lisa se retirava com a desculpa de que estava com o dia cheio, mas na verdade tudo que ela fez foi correr para o quarto e ligar para Jenny, curiosíssima sobre a vinda inesperada de Jungkook em sua casa.

O casal já tinha saído algumas vezes juntos, mas a verdade é que Ten e Jungkook eram bons amigos por causa da rivalidade entre agências que eles tinham, acabando por resolverem juntos, assuntos pertinentes ao mundo da música em reuniões de escritórios por todo o globo.

Os pais dos meninos eram sim, terríveis inimigos. Jungkook no entanto nunca conseguiria olhar para Ten, o garoto que brincava com ele toda vez que seus pais se enfiavam em sala de reuniões durante um dia inteiro, com olhos de um verdadeiro inimigo. Aliás, em suas vidas adulta, apesar de raro as saídas sociais, pode-se dizer que se tornaram bons amigos.

Boa parte dessa amizade, se devia a inimizade entre suas famílias e o desejo em desagradar seus pais, mas ainda assim.

- Jungkook? - Ten entrou às pressas , olhando para todos os lados até encontrar o garoto na sala parecendo pálido e assustado.

Jungkook levantou do sofá tocando nas mãos de Ten antes de voltar a sentar.

- Lisa fez parecer que você estava morrendo ou algo assim. - Ten sorriu largo para Jungkook enquanto ia até o bar, preparar Gin e tônica para eles.

- Eu não quis te deixar preocupado. - Jungkook disse, um pouco mais consciente do seu exagero.

- Não estou mais. - Ten disse, entregando a bebida para Jungkook enquanto tomava um gole do seu próprio copo.

- Então? O que aconteceu? Eu sinto muito sobre seu casamento aliás. - Ten se sentou ao receber um sorriso fraco de Jungkook.

- Não é sobre isso que estou aqui.

Ten esperou Jungkook continuar.

- Jenny comentou que você e Lisa estão pensando em adotar uma criança? - Jungkook disse pegando Ten desprevenido.

- Sim, estamos.

Jungkook concordou com a cabeça, tomando mais um gole do seu gin.

- Por que? - ele perguntou quase engasgando com sua bebida.

- Não sei dizer ao certo. Nós acabamos de nos casar eu sei, mas uma criança nos faria bem, principalmente porque somos bem entediantes só nós dois, fora que eu vivo viajando e Lisa fica muito tempo sozinha.

Jungkook riu baixo, imaginando que uma criança correndo por aquelas escadas realmente daria uma vida para a mansão silenciosa.

- JK. O que está acontecendo? - Ten perguntou curioso.

- Tem esse garoto. Lucas. - Jungkook começou. - Ele está no orfanato Alaris Health. 

- East Boulevard? - Ten perguntou ao lembrar mais ou menos de um prédio recém reformado, para onde uma de suas doações foi enviada.

Jungkook confirmou com a cabeça, ainda pensando em como continuaria o assunto.

- O assunto entre eu e Jenny ainda é um pouco complicado, mas nós terminamos em bons termos. - Jungkook disse voltando a ficar nervoso.

Ten apertou um lábio contra outro, tentando não falar que Lisa tinha contado uma história um pouco diferente, mas aquilo não vinha ao caso agora.

- Enfim. Eu estou num relacionamento recente e ainda sem nome, mas ele está praticamente resoluto em adotar essa criança.

- Lucas.  - Ten disse, com mais vontade de perguntar sobre o “Ele” do que qualquer outra coisa.

Jungkook gay?! Essa é nova.

- Isso. - Jungkook confirmou. - Enfim, ele quer adotar o garoto por causa de outra longa história, boa parte confidencial demais para que eu saiba exatamente e eu… - Jungkook puxou o ar com força, os olhos lacrimejando.

- Você? - Ten o incitou a continuar.

- Nós acabamos de decidir a ficar juntos, eu larguei tudo por ele. - Jungkook encarou Ten com seu olhar torturado. - Lucas passou por muitos problemas, eu sei, mas … você entende?!

Ten nunca havia visto o amigo daquela forma. Ele concordou com Jungkook, que continuou a tagarelar de nervoso enquanto bebia curtos goles do álcool em sua mão escorregadia.

- Eu pensei que se vocês, que são recém casados, estão pensando em adotar, que deveria ser por um bom motivo. - Jungkook deu de ombros desanimado. - E talvez me fizesse enxergar dessa forma também. Egoísta eu sei.

- Ter uma criança por perto é sempre um bom motivo JK. - Ten sorriu, se aproximando para tocar no ombro do amigo. - Se você ama esse cara, seja lá quem ele for, você vai amar o garoto que ele quer adotar também. Como uma família entende?

Jungkook concordou com a cabeça.

- É que… eu queria morar com ele.

- Já? - Ten se pegou dizendo antes de conseguir se controlar. - Quero dizer, é muito cedo JK. As chances de dar errado são grandes.

- Você acha? - Jungkook o olhou aterrorizado.

- Principalmente com mais um membro na família. Se eu fosse você eu deixaria essa pessoa se acostumar ao garoto no qual ele está pensando em adotar, depois vocês pensam num passo mais sério como morar juntos ou algo assim.

- Não é nada certo ainda.

- Você e esse cara?

- Que? Não. - Jungkook riu sem graça. - Lucas, não é nada certo ainda.

Ten enrugou a testa.

- Mas o garoto está bem? Você disse que ele teve problemas. - Ten perguntou pela primeira vez preocupado com uma criança se enfiando num problema que não tinha nada vê com ele.

- Ele tá bem. Só teve uma infância complicada, mas o orfanato é excelente. - Jungkook disse sem pensar muito.

Ten confirmou pensativo e agora realmente preocupado.

- Vou dar um jeito. - Jungkook levantou às pressas fazendo Ten repetir o mesmo gesto automaticamente. - Obrigado pela ajuda.

- Espero ter realmente ajudado. - Ten coçou a cabeça, um pouco confuso e sobrecarregado de informações.

- Ajudou. Acho que estou acelerando muito as coisas.

Ten concordou ainda perdido em pensamentos.

Os dois se despediram, ambos distraídos com seus próprios pensamentos. Tanto, que não viram que Lisa tinha ouvido tudo da porta principal da sala e a primeira coisas que fez foi ligar para Jenny, assim que Jungkook partiu, agora um pouco mais tranquilo.

Lisa e Jenny não eram muito próximas, até suas datas de casamento serem perto um do outro. Foi quando se aproximaram para valer, decidindo bolos, decorações e convidadas juntas. Lisa odiou o escândalo que Jungkook provocou para ambas as famílias e não tinha como deixar aquela fofoca só para ela.


[ Atualmente ]

Suga chegou do orfanato sem nenhuma ideia do que fazer a seguir.

Tudo o que ele queria, era socar qualquer coisa que se mexesse ao seu redor. E foi exatamente por isso que Jin o expulsou para o jardim dos fundos, assim que ele começou a estourar.

RM conversava com ele quando a porta foi aberta, trazendo um Jungkook sorridente e tranquilo.

- O que? - Jungkook perguntou assustado assim que viu o olhar de RM e Suga na sua direção.

Suga riu debochado enquanto o encarava.

- Você só pode estar brincando comigo.

- Suga, calma. - RM encostou a mão no ombro do menor antes de sair, para deixar os dois sozinhos.

Jungkook mudou o peso em seus pés, olhando para Suga em confusão.

- Amor?

- Sabe. Eu não sei o que você tem na cabeça, mas mexer com Lucas foi jogo baixo.

Jungkook enrugou a testa pensativo.

- Eu não sei do que…

- Não sabe do que eu estou falando? - Suga terminou a frase sem conseguir controlar o tremor em sua voz. - Era isso que ia dizer? Porque eu fui no orfanato visitar Lucas, mas ele não estava lá, porque estava visitando uma mansão de um produtor recém casado que quer adotá-lo.

Jungkook arregalou os olhos, buscando em sua mente algo que pudesse justificar aquilo.

- Coincidência? - Suga perguntou revoltado com a expressão de surpresa do menor.

- Eu não fiz isso. Eu juro…

- Então você não foi falar com o casal sobre Lucas pelas minhas costas?

- Que? Não. Quer dizer. Sim! Eu fui, mas não foi…

- Sabe, eu honestamente pensei que poderíamos dar certo, mas você continua fazendo merda atrás de merda.

- Eu não fiz isso.

- Eu mal sei se quero te ouvir. - Suga levantou do seu banco de piano, parando ao lado de Jungkook, olhando para nada específico enquanto Jungkook ficava rígido pela proximidade.

- Eu não fiz isso Yoongi. Você tem que acreditar em mim. - Jungkook implorou ainda sem conseguir se virar para encarar o mais velho.

- Lucas já têm uma família, você não precisava fazer isso. As chances de conseguir a guarda agora, são quase nulas. - Suga puxou o ar, engolindo a raiva que transbordava em suas palavras falsamente calmas.

- Eu não entendo porquê essa fissura no garoto. - Jungkook soltou do nada, sem se arrepender quando Suga deu alguns passos para trás como se tivesse levado um tapa do mais novo.

- Fissura? O garoto precisa de mim.

- Não Suga. Ele não precisa. O seu problema é que você quer por perto todas as pessoas que você salva, com medo de perdê-las novamente. Foi assim com Dahyun, é assim comigo, será assim com Lucas. - Jungkook gritou sentindo tudo aquilo de repente entalado na sua garganta. - Você confunde isso com amor, mas eu não sei se você realmente sabe o que amor significa.

Suga riu sem humor olhando desacreditado para Jungkook.

- E você sabe o que é amor?

- Eu pelo menos sei que o que eu sinto não é causado por nenhum trauma do passado.

- Não mete ele nisso.

Jungkook abriu a boca pasmo, antes de se recompor.

- Você age como se Dahyun fosse santo. É porque você não conseguiu salvá-lo? Se eu morrer você vai me amar desse jeito também?

- Para de ser ridículo Jungkook.

- Eu estou sendo ridículo?

- Desde o momento em que pisou aqui. - Suga respondeu aos berros.

Suga finalmente olhou nos olhos atordoados de Jungkook, que se calou sentindo seu corpo tremer com aquele olhar carregado de ódio. O mais velho nunca o havia olhado daquela forma, nem quando quase se mataram em seu apartamento.

- Me perdoa? - Jungkook pediu quase sem voz.

- É normal eu ter que parar pra pensar por qual das merdas você está se desculpando?

Jungkook mordeu o lábio inferior, os olhos lacrimejando enquanto vacilava, fisicamente lutando para não se aproximar e abraçar o mais velho, em busca de conforto.

- Suga. - Jungkook engasgou seu nome, soluçando em total desalento.

Suga parecia  entediado com o assunto e decidido em acabar com tudo aquilo, era o que parecia pelo menos. Jungkook jamais saberia a confusão em que estava a mente de Suga naquele momento.

Porém, Jungkook se desesperou com aquela expressão externa, porque  isso provavelmente significava que ele havia largado toda sua vida por algo que não existia. Suga não o queria mais, não depois de todas suas inseguranças e medos.

Ele tinha finalmente estragado tudo, depois de tantos abusos com a paciência do mais velho.

- Por favor. Não desista da gente. - Jungkook pediu finalmente se aproximando para tocar o braço de Suga em um estado de desespero.

Suga afastou as mãos geladas e trêmulas do seu braço, puxando os cabelos para trás enquanto negava com a cabeça.

- Eu preciso pensar. - Foi tudo o que ele disse.

- Não. - Jungkook negou com a cabeça ao mesmo tempo em que falava, como se apenas uma negação não fosse o suficiente. As lágrimas caindo por seu rosto enquanto assim o fazia. - Por favor, não. - ele repetiu baixo

Suga fechou os olhos, com a voz cortada do mais novo partindo seu coração em mil pedaços.

- Jungkook, volta para o seu relacionamento fútil ou algo assim, porque o nosso é volátil demais para ser saudável e eu não posso lidar com isso agora.

Jungkook soluçou surpreso e ofendido.

- Não pode lidar comigo?

Suga o encarou sem dizer ou demonstrar nada além de desconforto.

- Você não pode ou não quer? - Jungkook perguntou, pela primeira vez surpreso com a atitude de Suga.

- Isso faz diferença? - Suga não demonstrava nenhuma piedade em seu tom.

Eles passaram a maior parte em que estiveram juntos, brigando.

Brigando por milhões de motivos diferentes, mas em todos eles, Suga nunca tinha sido indiferente à Jungkook. Pelo contrário, ele sempre mostrou que o que sentia pelo mais novo, era mais forte e maior que qualquer situação contrária que eles pudessem enfrentar.

Dessa vez foi diferente. Dessa vez Suga não parecia interessado em tentar consertar isso, na verdade ele parecia esgotado e insatisfeito.

Jungkook não conseguia imaginar nada pior do que ver a expressão de tédio e indiferença no olhar de alguém que você ama. 

- Você disse que me amava. - Jungkook o acusou, tentando se agarrar às suas últimas esperanças, sem se importar  em parecer patético enquanto se humilhava.

Suga Negou com a cabeça, olhando para os próprios pés sem perceber que seus olhos também brilhavam com lágrimas que se recusavam a cair.

- Pela primeira vez Jungkook. Eu não sei mais se é o suficiente.

- Não. - Jungkook sussurrou enquanto procurava qualquer indício de que aquilo era uma espécie de brincadeira doentia. Qualquer coisa que não fosse a verdade.

- Eu sinto muito. - Suga disse, dessa vez sem conseguir encará-lo.

- Amor, por favor. Se… se eu ao menos pudesse me explicar… - Jungkook estendeu sua mão, tentando alcançar o vazio.

- Não faria diferença. - Suga disse seco e começando a demonstrar externamente sua irritação.

Jungkook engoliu em seco, trazendo sua mão estendida de volta para a lateral do seu corpo.

Era isso. Ele não queria enxergar, mas era realmente isso.

Não adiantava ele espernear, implorar ou tentar convencê-lo, não faria diferença.

Jungkook engoliu o restante de suas lágrimas, colocou as mãos no bolso para não correr o risco de tentar tocar em Suga de novo e sorriu com tristeza explodindo pelo peito em pequenas rajadas de batimentos confusos.

- Essas últimas semanas têm sido a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. - Jungkook disse sentindo seu peito doer ao lembrar que tudo entre eles estava prestes a acabar. - Apesar de que, do momento em que te vi pela primeira vez até agora, eu não mudaria nada, mesmo com todas as complicações em que eu te meti, você ainda conseguiu me fazer mais feliz do que eu jamais fui em toda minha vida.

Simples assim.

Suga concordou com o que Jungkook falou, mas não disse nada.

- Você… - Jungkook sentiu sua mão vacilar por um instante, mas não perdeu a coragem. - Você pode me dar um último beijo? - Jungkook engasgou com a palavra “último” saindo falha, mas se aproximou mesmo assim.

- É melhor não bebê. - Suga tentou se afastar, mas Jungkook o segurou pelos braços, os olhos pedintes variando entre seu olhar impertinente  e aquela boca que já lhe era tão familiar.

- Por favor?! - ele sussurrou indeciso.

 Jungkook estava prestes a se afastar com o silêncio os rondando, quando Suga o puxou pelo pescoço e colou suas bocas num beijo desesperado.

Seus lábios tremiam tanto que seus dentes bateram de leve um no outro em algum momento. Jungkook agarrou Suga pela camisa, mordendo seu lábio inferior no desespero em se manter perto daquele gosto que ele considerava, até então, parte dele próprio. Ele não tinha pensado nisso antes, mas já tinha um tempo em que ele pensava que Suga era uma espécie de extensão de si, como se fossem partes separadas de um mesmo ser.

O mais velho suspirou surpreso com o gosto salgado das lágrimas de Jungkook e então interrompeu o beijo, antes que perdesse seu autocontrole e desistisse do que era o certo a se fazer.

Pelo bem dos dois.

Jungkook foi o primeiro a realmente se afastar. Não porque queria, mas porque era difícil demais abraçar a pessoa que ele amava, sabendo que não poderia mais fazer isso.

- Se cuida. - Jungkook soltou antes de se virar e ir embora, chorando de soluçar, assim que bateu o portão da casa ao sair.

- Cadê o Jungkook? - Jin perguntou  receoso ao abrir a porta que dava para o quintal dos fundos.

- Já foi. - Suga resmungou.

Jin ia falar mais alguma coisa, na verdade ele estava com a boca aberta e as mãos no alto, mas então tudo ficou confuso, assim que barulhos de automóveis derrapando, chegaram aos seus ouvidos.

- Jungkook. - Suga soltou ao som de uma respiração enquanto o barulho da pancada de metais ecoava pelo quarteirão.

Ele correu muito. Muito mais do que suas pernas eram capazes. Os olhos embaçaram a medida que se aproximava dos carros colididos na esquina de sua casa.

Suas esperanças de aquilo ser só uma infeliz coincidência, morreram ao reconhecer o carro de Jungkook no meio de toda aquela fumaça e partes espalhadas de metais.

Em algum lugar na sua mente, ele formulava um jeito de Jungkook não ter entrado naquele carro, ou saído descontrolado de casa por sua causa.

- É tudo minha culpa. - ele sussurrou se aproximando da SUV que derramava óleo por todo o asfalto perigosamente.

Suga  se ajoelhou, encontrando Jungkook ainda respirando com dificuldade e de ponta cabeça.

O carro tinha feito um giro de 180° em torno do próprio eixo, as rodas agora no ar, ainda giravam lentamente.

- Não. Não. Não. - Suga puxou a placa estraçalhada de vidro da janela, cortando suas mãos sem ao menos perceber ou sentir dor.

Jungkook não virou a cabeça, mas sorriu olhando Suga de canto de olho.

- Aguenta firme bebê. - Suga alisou o rosto do mais novo com as costas da mão direita enquanto que com a esquerda ele tentava soltar o cinto de segurança.

- Suga. Quando vai cansar de me salvar? - Jungkook perguntou sorrindo entre uma tosse com sangue, extremamente aéreo e com um corte feio na cabeça.

- Nunca, amor. Nunca.

Suga sabia que não devia tirar Jungkook do carro antes dos paramédicos, mas o óleo se esparramava com velocidade pelos carros batidos, formando uma piscina inflamável entre eles. Qualquer faísca atearia fogo em tudo em questão de segundos. Ninguém, além de Suga, atreveu se aproximar.

Jungkook caiu no braço em que Suga soltava o cinto de segurança ao redor do seu corpo. O mais velho o segurou enquanto o girava para tirá-lo do carro, que fazia barulhos estranhos com a diferenciação de peso.

No momento em que Jungkook se afastou o suficiente do acidente, duas ambulâncias chegaram no local. Uma equipe afastou Suga de Jungkook agora inconsciente, para imobilizá-lo, enquanto a outra equipe tirava o passageiro do outro carro.

Suga não conseguia tirar os olhos de Jungkook. Em algum momento alguém o abraçou de lado, oferecendo apoio para o seu corpo vacilante, mas até isso parecia distante, como se tudo aquilo estivesse acontecendo embaixo d'água e ele fosse só mais um telespectador distante no meio daquele silêncio ensurdecedor.


Suga foi carregado para o hospital em que Jungkook foi encaminhado. Suas mãos escorriam sangue e pedaços de vidros pinicavam sua pele, mas nada disso parecia importante.

Ele só foi para a sala de autoatendimento, quando o socorrista foi até ele dizer que Jungkook iria para mesa de cirurgia e não havia nada que eles pudessem fazer a não ser esperar.

Suga não tinha entendido o porquê do garoto ter que passar por aquilo, só sabia que estava relacionado com a pancada na cabeça, mas essas palavras eram tudo que significavam para ele, palavras.

Suga olhou para suas mãos que eram pinicadas por uma pinça Spencer,  tirando o cacos de vidros com precisão cirúrgica.

Ele sentiu um dejavù estranho com aquela cena, mas nada realmente justificável, então ignorou, voltando o pensamento para seus arrependimentos das últimas horas.

Horas se passaram e a madrugada se fez presente com uma rapidez assustadora. Suga tinha as mãos enfaixadas, os olhos cansados e o corpo dolorido pelo tempo sentado na cadeira desconfortável. Nada disso fez diferença quando um médico vestido com roupa cirúrgica veio na sua direção, tirando a máscara do rosto enquanto limpava o suor da testa.

- Bom dia. Eu sou o Dr. Kim. Quem é da família do Sr. Jeon? - O médico perguntou curioso.

- Eu sou seu irmão. - Jimin disse rouco enquanto os meninos olhavam com curiosidade para os pais de Jungkook se aproximando do grupo.

Jenny estava abraçada com a mãe de Jungkook  e chorava exageradamente, causando uma dor de cabeça irritante em Suga que permaneceu sentado, fingindo se distrair com a movimentação da praça de alimentação do lado de fora da janela de vidro, enquanto ouvia o médico falar sobre o mais novo.

- Seu irmão sofreu um traumatismo craniano, ele precisou passar por um procedimento cirúrgico para drenagem de um coágulo e foi colocado em coma induzido, na espera de diminuir o volume de líquido em seu cérebro, agora só nos resta esperar.

- Mas ele está bem? - Jenny perguntou com a voz fina e trêmula pelo choro agudo.

- Seus sinais vitais estão estáveis e sua recuperação é positiva, mas só iremos ter certeza quando ele acordar.

Um silêncio incômodo surgiu entre a roda mal formada.

- Agora, se me dão licença. - Dr. Kim estava prestes a sair quando Jenny tocou em seu antebraço, soluçando seus suspiros afobados.

- Quando posso vê-lo Dr. ?

Dr. Kim olhou para roda um pouco assustado com o contato da garota, mas se recompôs rápido o suficiente.

- Assim que o efeito da anestesia passar a visita será liberada, mas somente para membros da família e um por vez, até que eles esteja totalmente recuperado.

- Eu sou noiva dele. - Jenny se apressou em dizer.

Dr. Kim apenas acenou em concordância e se retirou, depois de deixar claro pela milésima vez que uma enfermeira os avisaria quando fosse o horário de visita.

- Você consegue ser mais ridícula garota? - Jin disse para Jenny quando o médico se afastou.

Jenny comprimiu os lábios em desgosto, olhando Jin dos pés a cabeça antes de fazer um bico triste com seus lábios brilhantes enquanto fungava uma lágrima resiliente.

- E o que você tá fazendo aqui. Você não ouviu o que o Dr. Kim disse ? A visita é só para “ família” . - Jenny disse  olhando de canto de olho para Suga, que em nenhum momento se levantou de onde estava sentado ou olhou na sua direção. - Isso serve pra aquele ali também. - Jenny disse desgostosa apontando para Suga com a cabeça.

Suga girou a cabeça lentamente, se levantando para caminhar fluidamente na sua direção.

- Vamos Jenny. Não vale a pena. - A madrasta de Jungkook disse agarrando a garota pelo braço enquanto seus olhos tensos analisavam com precaução a proximidade de Suga.

Jenny se soltou do aperto da mulher em empinou o nariz para enfrentar Suga, que parou a centímetros do seu rosto, com a expressão neutra, sem parecer notar a tensão ao redor.

- Licença. - Suga disse seco e impaciente fazendo todos repararem pela primeira vez que Jenny bloqueava o corredor principal.

Jenny foi para o lado, o corpo tremendo  pela presença sufocante que Suga proporcionava. Todos pareceram relaxar quando o garoto virou o corredor, saindo do hospital.


Jimin passou pela porta automática do hospital, como se estivesse numa passarela do desfile do ano. A jaqueta de couro jogada no ombro, apoiada pelo seu indicador, a calça jeans colada em suas coxas grossas e a camiseta com um decote em V ressaltando o osso da clavícula.

 Ele passou a mão por suas mechas, agora loiras e voltou a mão no bolso, sorrindo torto assim que encontrou Suga apoiado em uma das pilastras na área aberta do hospital.

- Achei que ia rolar a briga do ano lá dentro. - Jimin disse sorridente estendendo um cigarro para Suga.

- Desculpa decepcionar.

Suga inclinou para o pequeno para que ele acendesse seu cigarro com um isqueiro decorado em ouro batido.

Ele fez cara feia para a fumaça que saía por sua boca acompanhada da gargalhada de Jimin.

- Que porra é essa? - Suga falou xingando baixo o menor que batia em seu braço enquanto ria.

- É herbal. - Jimin disse com seu eye smile encantador no rosto.

- Que? Parece que eu tô fumando flor. - Suga jogou o cigarro no chão com uma carranca no rosto.

- Tô tentando parar de fumar Hyung. - Jimin se defendeu fingindo estar ofendido.

- Tá, tanto faz. Me dá nicotina. - Suga estendeu sua mão, feliz quando Jimin tirou o maço contendo cigarros mais prejudiciais a saúde possível e o colocou em sua mão.

Suga sorriu agradecido, mas nem esse sorriso alcançou seus olhos.

- Dói? - Jimin perguntou apontando para  as mãos enfaixadas do maior.

- Não tanto quanto deveria. - Suga respondeu, aliviado com um cigarro decente adormecendo sua língua.

Jimin acendeu seu cigarro herbal, rindo de mais uma cara feia de Suga.

Os dois viajaram num silêncio confortável enquanto o dia clareava e a margem do céu cinza azulado se tornava cada vez mais laranja.

- Você o salvou. - Jimin disse baixo e pensativo. - O paramédico disse que ele teria engasgado com seu próprio sangue se tivesse ficado mais alguns segundos de ponta cabeça.

A fumaça dilatou as narinas de Suga enquanto seus olhos lacrimejavam com a fumaça pesada. - Ele não teria batido o carro se não tivesse de cabeça quente por minha causa.

- Você não sabe disso. - Jimin olhou desanimado para Suga.

Uma coisa que Suga deixou claro desde o momento em que se conheceram, é que era difícil convencê-lo a não se culpar quando o excesso de responsabilidades que ele carregava nas costas, agiam contra seu melhor julgamento.

- Sobre a Jenny. Espero que não tenha ficado chateado, ela só está machucada com o término. Eu vou dar um jeito de você visitá-lo.

Suga riu com escárnio para o menor.

- O que te faz pensar que alguém me impediria de vê-lo?

Jimin segurou um sorriso bobo, vendo o quanto Suga devia amar seu irmão.

Suga estava uma pilha de nervos e era visível e assustador para quem quisesse ver, ainda assim, quando o nome de Jungkook se iniciava em uma conversa, era possível sentir o carinho tomar conta de sua expressão cansada.

Jimin só queria que um dia pudesse encontrar esse tipo de amor, porque não devia existir nada melhor do que ser amado naquela intensidade.

- Vocês se amam. Certo?! - Jimin perguntou mesmo que já soubesse a resposta.

- Eu fui tão idiota Jimin. - Suga jogou o cigarro de suas mãos, a voz engasgada com sua angústia.

Jimin tocou em seu braço e sorriu carinhosamente, o que era exatamente o tipo de conforto que Suga precisava no momento.


Só existia escuridão e silêncio, então Jungkook  abriu seus olhos, um cano obstruía sua garganta, as luzes brancas o cegavam e sua cabeça parecia prestes a explodir.

 Ele estava indo bem, acordando aos poucos depois da suspensão dos medicamentos em seu soro. Era para ser algo descomplicado, mas então suas memórias ficavam voltando no acidente e a briga que teve com Suga e sua pressão subiu por causa disso, a saturação começou cair  drasticamente fazendo o monitor apitar descontrolado.

Os médicos invadiram o quarto quando Jungkook estourou o acesso em seu braço tentando tirar o cano de sua garganta assustado por não conseguir respirar ou falar.

Minutos depois tudo ficou turvo e sem dores. Era mais uma vez escuridão.

A segunda tentativa foi menos torturante, apesar de Jungkook ter arrancado a sonda nasoenteral junto com o respirador de sua garganta, puxando o ar em desespero até se acalmar aos poucos, provavelmente devido a medicação pesada na sua corrente sanguínea.

Uma enfermeira entrou afobada no quarto, aferindo a pressão de Jungkook enquanto o ajudava a se ajeitar na cama.

- Você não devia ter despertado tão rápido. - ela disse olhando a bomba de soro na velocidade correta. - Impressionante. -  sussurrou distraída.

- Vou chamar o médico responsável pelo seu pós cirúrgico.

Cirúrgico?

Jungkook enrugou a testa, confuso enquanto tossia tentando falar.

- Não tente falar. Eu já volto. - A enfermeira saiu do quarto deixando Jungkook sozinho.

Ele tossiu mais uma vez, sentindo um enjoo quando forçou sua voz, sem sucesso.

O médico não demorou muito, mas o olhar confuso para a bomba de soro injetada em Jungkook, foi bem parecido com os da enfermeira de minutos atrás.

- Sua recuperação é impressionante. - O médico disse sorridente enquanto anotava algo em uma prancheta.

Jungkook engasgou mais uma vez, o sono tentando levá-lo mais uma vez para a escuridão silenciosa.

- Yoongi. - Jungkook sussurrou quase vomitando com o esforço.

- Água. - o médico disse para enfermeira atrás dele.

Jungkook tomou um gole de água, agradecendo com a cabeça para a enfermeira, mas não perdeu muito tempo antes de tentar de novo.

- Eu preciso vê-lo. - ele disse olhando para o médico com nada além de súplica no olhar.

- Yoongi? - O médico perguntou, notando que Jungkook estava chamando alguém. - É o seu irmão? Sua noiva está lá fora, parece desesperada. Devo chamá-la?

Jungkook negou, apoiando a cabeça no travesseiro, cansado pelo simples ato de falar.

- Min Yoongi. - ele suspirou sentindo o peito arder pelo corpo dolorido das centenas de contusões que conquistou com o acidente.

O médico virou para enfermeira, confirmando com a cabeça o pedido de Jungkook e voltou a anotar as condições do paciente em sua avaliação.

Suga tentou não parecer surpreso quando foi chamado na sala de espera. A discussão sobre isso ficou para trás enquanto ele acompanhava a mulher na sua frente.

Ele parou em frente a porta, as mãos trêmulas e suadas sendo esfregadas nervosamente. Sua boca machucada pelas mordidas e os olhos injetados de vermelho sangue.

- Talvez ele devesse receber a visita de sua família. Não é só familiar que é autorizado? - Suga disse atropelado e inseguro.

- Seu nome foi a primeira coisa que ele disse quando acordou. - A enfermeira disse condescendente.

Ele concordou com a cabeça, mas prendeu a respiração ao atravessar a porta do quarto.

Jungkook estava deitado numa cama de hospital, alguns equipamentos eram retirados conforme Suga se aproximava.

Ele parecia cansado e muito machucado. Uma faixa branca amarrada na cabeça, seu olho esquerdo roxo e com uma bolsa de sangue logo acima da bochecha.

Suga se aproximou em modo automático, chocado com a cena do mais novo todo machucado. Ele só parou quando sua mão apertou firmemente as de Jungkook e seus olhos se conectaram em uma conversa ausente de palavras.

- Desculpa. - Jungkook disse com a voz quebrada em um esforço descomunal para formar cada som entoado. - Ele ultrapassou o sinal amarelo, eu fui tentar desviar… eu sinto muito.

- Shhhhh…Tá tudo bem, não foi culpa sua. - Suga disse calmo enquanto alisava os cabelos soltos atrás da orelha de Jungkook.

- Eu sei que dizem que quando coisas assim acontecem você não consegue pensar em nada, mas não foi bem assim. - Jungkook tossiu esticando a mão para o copo de água que Suga alcançou para ele.

- Não tenta falar amor, você está se machucando. - Suga olhou para o corpo de Jungkook com tristeza. - ainda mais. - completou fazendo carinho em sua bochecha.

O médico ao lado deles se mexeu desconfortável por presenciar uma cena tão íntima, mas não conseguiu se afastar, curioso enquanto fingia verificar mais uma vez o aparelho ao lado do seu paciente.

- Eu sei que deve estar se culpando por isso também, por favor não faça isso.

Suga prensou um lábio no outro tentando não sorrir pelo quão exato Jungkook estava.

- Descansa. Depois nos falamos, ok?! - Suga tentou mais uma vez.

Jungkook já estava exausto e não parecia mais em posição de argumentar contra o mais velho.

- Promete que não vai me deixar? - Jungkook sussurrou fechando os olhos.

- Vou ficar ao seu lado o tempo todo. - Suga acariciou a mão fria do mais novo, tentando tranquiliza-lo.

- Promete que não vai me deixar nunca. - Jungkook pediu lutando contra sua inconsciência.

- Vou ficar ao seu lado pra sempre. - Suga disse, suspirando aliviado logo em seguida quando viu Jungkook sorrir em reflexo às suas palavras.

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