Prólogo
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Era noite em Seul. Beirava meia noite.
A chuva caía intensamente. Gotas corpulentas chocavam-se nos telhados das casas, nas ruas um tanto quanto desertas, e até nas roupas de Jimin que já ficavam encharcadas. Não que o garoto ligasse de fato para isso, estava mais focado em não surtar com o que vinha lhe acontecendo nos últimos dias.
O chão do seu quarto vivia sempre molhado, as mãos andavam frequentemente molhadas de repente, ou com temperaturas tão baixas que uma camada de gelo se fazia, tornando-as de um cinza azulado. Simplesmente sem motivo algum tudo isso vinha acontecendo consigo.
No começo, tudo era sutil, passageiro, mas Jimin percebeu ver as coisas de fato perderem o controle quando ele se foi, sumindo do mapa, deixando o Park sem dar avisos. Sem dizer o porquê da sua partida.
Jimin vivia apenas com a mãe que, solteira, sempre se virou para dar o melhor para o filho com seus mil e um trabalhos. Quando atingiu a adolescência, Jimin se viu muitas vezes só em casa, pois a senhora Park vivia viajando a trabalho. Jimin não tinha amigos. Era introvertido demais para arranjar algum. Ele só tinha a ele. E ele se foi.
Foi logo depois daquela noite, onde ambos estavam juntos quando avistaram um meteoro passando perto demais num céu noturno decorado por estrelas.
O garoto que Jimin gostava mudou depois daquela noite, e o que era algo que parecia estar nascendo dos dois, começou a se deteriorar entre os dedos do Park, tornando-se areia que escorreu sem dó.
Agora o garoto tinha ido embora já fazia pouco mais de uma semana, sem nem lhe dizer algo. Jimin só descobriu quando recebeu uma mensagem dele, finalmente respondendo às suas, do porquê de ter se afastado de repente. Na mensagem, o outro garoto dissera apenas que tinha ido embora e que não voltaria mais.
E o que eram pequenos acontecimentos com água e gelo que cercavam Jimin depois da noite do meteoro, agora se convertiam numa tempestade sem fim.
Jimin tinha certeza, de alguma forma, que ele fora quem criara aquela chuva graças ao seu descontrole, pois sua mente estava atormentada.
— Se acalma, se acalma! — Gritou para si mesmo, enquanto passava por um beco. Os olhos fitaram o céu, conseguindo ver através da luz de um poste o quão intensa a chuva estava.
Jimin não sabia, mas era observado através de uma mesa que refletia sua imagem sutilmente se movimentando, já que a superfície dessa parecia se movimentar graciosamente como a água de um lago.
— É ele, não é, Namjoon? — O garoto com os olhos antes castanhos agora brilhando em azul incandescente, fitou o de cabelos platinados.
— Sim, é o garoto que vi na minha visão. — Namjoon respondeu, os lumes saindo do vermelho rosado vibrante para o tom castanho de sempre.
— É um beco de uma das avenidas. Eu sei qual é. — Foi a garota de cabelos também platinados, mas de um tom lilás, quem disse.
— Então você guia, Rosé. — O garoto de lumes brilhando em azul avisou.
— Tae, é melhor você chegar nele. Ele precisa ficar calmo. — A figura elegante de Seokjin se fez presente, já abrindo um portal.
— Eu? Tem certeza, hyung? O meu dom é... eu não consigo controlar ele direito ainda... posso assustá-lo. — O garoto afirmou, passando a mão nervosamente pelo cabelo preto.
— Eu acredito em você. E ele precisa de você. — Jin o assegurou.
Taehyung assentiu, mesmo que temeroso em fazer alguma besteira.
Em seguida, ele e Rosé entraram no portal.
Jimin estava nervoso, tentando a todo custo se acalmar enquanto caminhava sem rumo pela noite porque se sentia sufocado dentro de casa.
Ele não viu as figuras se aproximando, não até uma mão tocar em seu ombro e o fazer virar.
— O que um garotinho faz em um beco a essa hora? — O homem da frente, de bigode e cabelos com fios grisalhos se misturando aos escuros, lhe perguntou.
— Heo, ele até que é uma gracinha, não acha? — O homem mais atrás, com roupas tão sujas quanto o da frente junto a um sorriso tão nojento, falou.
Havia um brilho desprezível naquelas orbes direcionadas para si, lhe avisando dos pensamentos podres que rondavam a mente daquele homem.
Jimin recuou um passo.
— É sim. — O da frente concordou, o olhar se prontificando a correr pelo corpo do garoto que se encolheu. — A gente pode se divertir, não acha, garoto? — E deu um passo em direção a Jimin que negou com a cabeça, os olhinhos se esbugalhando, o medo o tomando. — Ah, vamos lá, não se faça de medroso. Você vai gostar.
Jimin sentiu o coração pular, parecendo querer sair do seu peito enquanto recuava um passo e outro mais.
Precisava sair dali, precisava fugir.
Mas o beco não tinha saída.
O homem mais à frente tocou em Jimin que procurou recuar mais, mesmo não enxergando tanta coisa por boa parte do espaço não conter luz.
— Não me toca. — Suplicou, sentindo medo e raiva consumir seu interior numa velocidade assustadora.
— Se você ficar quietinho, a gente te deixa ir quando acabarmos. — Disse, sorrindo podre enquanto já tentava tirar o casaco fino do garoto.
Jimin sentiu o ar escapar com força dos seus pulmões uma única vez, sentindo um tipo de dor psicológica lhe tomar pelo vislumbre que tinha das atrocidades que aqueles homens desejavam fazer consigo.
A garganta se fechou, e ele precisou apertar os olhos também, sentindo vontade de chorar.
A raiva cresceu, o medo também.
E isso refletiu em um raio caindo poucos metros atrás dos três.
O som foi ensurdecedor, e o clarão os cegou por um momento.
— Puta que pariu! — O cara de trás praticamente gritou, os olhos esbugalhados. — Isso foi um raio?!
Os três olharam para a entrada do beco, onde a marca do raio se fez presente.
— Caralho. — O da frente soltou, distraído também.
De alguma forma, em meio àquela pouca luz, ao terror que sentia e toda aquela chuva lhe encharcando, o deixando com frio, Jimin conseguiu raciocinar rápido e usou a oportunidade para correr, passando por entre os dois homens e então chegando até a entrada do beco
— Filho da puta! — Um dos dois gritou mais atrás antes de saírem correndo atrás dele.
A chuva parecia ter piorado, tomando maior eco, impossibilitando as pessoas em sua casa de ouvir o lado externo claramente.
Jimin gritou algumas vezes por socorro, mas ninguém parecia ouvi-lo.
Continuou correndo pelas ruas mais estreitas, iluminadas pelos postes de luzes amareladas, encontrando uma enorme escada para mais casas acima.
Estava prestes a chegar aos primeiros degraus quando o homem conseguiu alcançá-lo, pegando-o pelo pulso.
— Você não vai escapar! — Gritou, possesso, acreditando estar prestes a conseguir o que queria.
Jimin, num reflexo, se virou com o olhar convertido em pura raiva, presenteando a noite e aqueles homens com as orbes tomadas por um tom de amarelo incandescente que deixou o estranho atordoado.
— Já disse para não me tocar! — A voz do Park ecoou um grito furioso, ao que sua mão livre foi usada para empurrar o homem para longe, mas assim que o tocou, acabou por ter uma surpresa.
Diante de si, desde as pontas dos seus dedos, o gelo nasceu e se disseminou pelo peito do estranho, o envolvendo, trazendo pânico à face envelhecida que também foi tomada pela camada branca azulada, como se essa fosse uma praga.
Assombrado, mas quase que em transe, Jimin o assistiu até que o estranho fosse envolvido por completo e assim aprisionado em uma pedra de gelo.
— Mas que porra é essa? — O homem que sobrou tinha o semblante convertido sob o mais puro horror, logo fitando o Park como se fitasse o Demônio. — O que você fez? O que você é? — A voz estava tomada por medo. Ele deu um passo e outro para trás.
Jimin então viu que não estavam sozinhos e sim sendo assistidos por duas figuras ao longe, uma de um garoto e a outra de uma garota.
— Eu... Eu... Me desculpe... eu... — O ar pareceu faltar em seu peito. Jimin tentou afastar a mão do homem que tinha congelado, mas acabou por ricochetear a ponta dos dedos, fazendo com o que agora era uma estátua de gelo caísse para trás e se desfizesse em vários pedaços.
Jimin abafou um grito alto com as mãos.
O outro homem o encarou como se estivesse de fato vendo uma aberração, se apressando segundos depois em correr para bem longe do garoto.
Jimin não queria, mas seus olhos curiosos vagaram até o chão, encontrando os pedaços do indivíduo que há pouco tentara lhe abusar.
— Eu matei um homem... — Sussurrou, sentindo vontade de vomitar com a imagem que tinha. A visão estava se tornando embaçada.
— Taehyung, faz alguma coisa. — Rosé disse, vendo o Park se virar para a enorme escada e começar a subir os degraus de pedra às pressas.
Taehyung, que até então assistia tudo junto a platinada, suspirou em meio a chuva e seguiu, indo atrás de Jimin.
— Ei! — Chamou, sendo ignorado.
Jimin não queria falar com ninguém. Ele estava numa guerra interna, sentindo que estava manchado por ter tirado a vida de uma pessoa.
— Ei! Pare! — Ouviu novamente. Já nos últimos degraus, se apressando mais.
— Me deixa em paz! — Gritou, sem olhar para trás, correndo em direção as casas que ficavam bem mais afastadas o do centro.
— Me escuta! — Tae pediu, correndo atrás dele. — Você vai se machucar se continuar fugindo assim!
— Não, eu vou acabar é machucando mais gente! — Jimin se virou por um momento e gritou, mal vendo direito o garoto de cabelos pretos que o seguia.
— Você não teve culpa do que acabou de acontecer!
— Como não? Eu matei um homem! Eu matei alguém! — Gritou, sentindo a voz falhar ao fim, parando de repente, quase tropeçando nos próprios pés. O choro veio, trazendo lágrimas para a noite que limpava com gotas que caíam fortes demais do céu.
Taehyung também parou há alguns metros, vendo o garoto de costas para si, ouvindo o choro dele.
— Você viu. Eu sou uma aberração. — Jimin disse para si mesmo.
Taehyung suspirou.
— Se você é, então eu também sou. — Afirmou, encolhendo-se ligeiramente.
Sua fala fez efeito, pois logo o Park se virou e o encarou, a respiração abalada, o peito subindo e descendo rápido demais, o olhar confuso e triste.
Ele tinha conseguido sua atenção.
Cuidadosamente, Taehyung ergueu as mãos e então deixou essas serem tomadas pelo azul incandescente de suas chamas. Era fogo, fogo em suas mãos e então nos seus olhos que antes castanhos, agora brilhavam no mesmo tom.
Os olhinhos de Jimin se esbugalharam.
— Vê? Eu sou como você. — Afirmou, dando um passo temeroso lento em sua direção, não queria assustar o garoto.
— C-como? — Jimin se sentia tonto, a mente parecia estar prestes a explodir e o corpo a desabar. Havia uma bagunça grande demais dentro de si e ele estava exausto.
— Eu posso responder as suas dúvidas. — Afirmou, dando outro passo e então outro ao perceber que Jimin continuava parado, quase hipnotizado pelo fogo em suas mãos. Logo ele estava bem perto. — Se você vier comigo.
— Para onde? — Jimin nem reparou, mas sua voz saiu como um sussurro, seu corpo estava ficando molenga, pois a sensação de adrenalina havia se dissipado quando algo dentro de si, a força ainda desconhecida, compreendeu de alguma forma que poderia confiar no belo desconhecido a sua frente.
Taehyung notou, agora mais de perto, como os lábios do garoto estavam arroxeados e a pele estava ficando acinzentada.
— Você está com frio... — Sussurrou também, o fogo desaparecendo das mãos, mas o calor não, deixando esse se manter presente quando a palma da destra tocou timidamente o rosto de Jimin. — Deixe-me aquece-lo.
Um suspiro, tão pesado e aliviado deixou Jimin, quando fechou os olhos instantaneamente ao ter aquele toque. Fazia dias que ele sentia frio porque não sabia controlar a temperatura da água ainda.
Jimin se sentiu aquecido pela primeira vez em dias, já Taehyung se sentiu mais quente do que nunca ao tocar naquela pele gelada e ter a visão do garoto se rendendo ao seu toque, parecendo ter encontrado um momento de paz ali.
A chuva agora diminuía consideravelmente. Dando a ambos uma melhor visão um do outro. Mas Jimin apenas conseguiu abrir os olhos por um momento, revelando as orbes agora douradas para o azul das orbes de Taehyung antes de desmoronar em exaustão, sendo acolhido prontamente pelos braços do moreno.
— O que houve? — Rosé perguntou, ao aparecer um pouco mais atrás, no fim dos degraus.
— Deve ser apenas cansaço. — Respondeu o Kim, arrumando um Jimin adormecido em seus braços e logo começando a carregá-lo. — Vamos voltar. Quero que ele acorde só na Academia, assim poderá conhecer os outros e se sentir mais confortável com o que ele é. — E olhando para a face agora serena do Park, ele completou baixinho: — Um Trickster.
A garota assentiu, rapidamente ficando ao lado de Taehyung para então ambos caminharem juntos.
A chuva agora não passava de uma garoa.
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