➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩𝗜 ㅡ 𝗤𝘂𝗲𝗯𝗿𝗮𝗱𝗼𝘀
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Laguna Overwind acordou, se é que chegou a dormir, antes do nascer do sol, descendo da árvore em que passou a noite enquanto a lua ainda era visível no céu escuro. Ela olhou ao redor, apenas se certificando que não havia ninguém em volta. Como sempre, estava sozinha.
Estava bem na orla entre a floresta de carvalhos e um descampado com uma enorme lagoa no centro. A calmaria do ambiente parecia prever uma tempestade, mas Laguna já não ligava. Ela empunhou o arpão que conseguiu na Cornucópia e começou a caminhar na direção da água, estando exposta a céu aberto.
Além do arpão, Laguna não pegou mais nada na Cornucópia. Nem mochilas, nem comida, nada. Mas não ligava para isso, conseguiu se virar bem em sua primeira edição, caçando a própria comida. Além de que, estando perto de um ambiente aquático, poderia usar os anos de pesca que aprendeu com o pai a seu favor.
“Acorde cedo!”, dizia ele. “Pegue os peixes desprevenidos, durante a madrugada, quando tudo está em silêncio!”.
A noite estava fresca, e Laguna caminhava como se estivesse pisando nas nuvens, sem emitir um mísero ruído. Sozinha. Completamente sozinha.
De certa forma, aquilo era reconfortante. A solidão sempre esteve ao seu lado, e ela já não se importava mais, especialmente depois de vencer uma vez. Aprendeu a escutar sua própria voz e apreciar sua companhia. No céu, a lua fazia sua jornada de volta, levando consigo as estrelas, as únicas confidentes a quem Laguna ousou demonstrar fraqueza e medo.
Se aproximando da lagoa, ela não se importou em tirar as botas. Entrou na água com calma, ficando parada por alguns segundos enquanto o líquido se acalmava novamente em volta de suas canelas. Seria difícil, ela não tinha iscas nem rações para atrair os peixes, e a água doce não parecia abrigar tantos.
Contou os segundos mentalmente, como aprendera com o pai, olhando em volta com serenidade, atenta a qualquer mínimo movimento na lagoa. Dez, vinte, trinta, cinquenta, cem. Cento e sessenta e sete segundos até que um vulto rápido se agitasse na água.
Imaginando que a brisa da arena fosse a maresia fresca que tanto ama, Laguna atirou o arpão com agilidade, fincando a arma no chão. Manchas vermelhas se espalharam pela lagoa à medida que a garota puxou o cabo de sua lâmina, revelando um peixe atravessado pelos dentes de aço.
O sangue escorreu pelo cabo do arpão, descendo para as mãos e braços de Laguna. Matar para não morrer, uma escolha que ela tinha de fazer diariamente. Em um mundo onde a morte dos outros assegurava sua sobrevivência, as pessoas não se importam em se tornarem monstros.
Coisa que antes a assustava, a jovem já não se importava mais com o sangue em suas mãos. Aprendeu a ignorar o sentimento de culpa, matando quem ou o que fosse preciso, tudo para sua sobrevivência.
Talvez em outra época, em outra realidade, em outro mundo, Laguna fosse ser julgada pelos seus assassinatos. Talvez todos os vencedores fossem condenados a prisões perpétuas ou penas de morte. Talvez fossem até considerados como monstros, olhados com escárnio, nojo, desprezo e medo. Mas agora, na situação em que viviam, os verdadeiros monstros eram aqueles que obrigavam os outros a viverem naquela situação.
Laguna apertou o arpão em seus dedos, iniciando sua caminhada de volta para a árvore em que estava alojada. Já era por volta das quatro da manhã e sua barriga não parava de roncar.
Com as botas pesadas e molhadas, a garota percebeu que a água estava batendo acima de seus joelhos. Estranhou aquilo, já que não tinha entrado tão no meio da lagoa. O caminho para fora parecia mais longo à medida que, quanto mais olhava, mais parecia estar afundando no mesmo lugar.
Então, sentindo a água correndo, já acima de seu quadril, ela entendeu o que estava acontecendo. Arremessou o arpão para cima e para frente, o mais forte que conseguiu, disparando em direção às árvores a todo vapor.
Ela não estava preocupada em se afogar, muito pelo contrário. Sabe nadar desde que se entende por gente, mas uma lagoa transbordando do nada não era algo natural. A água subia mais rápido do que Laguna conseguia correr, alcançando logo seus ombros e cabelos. Ela suspirou pesadamente, inspirando fundo e mergulhando.
Laguna nadava com velocidade, colocando os braços e pernas para trabalhar. A lagoa, antes pequena, agora já inundava todo o descampado. A água já estava a mais de dois metros do chão, obrigando a garota a nadar constantemente para cima em busca de oxigênio.
Ela parecia não sair do lugar, batendo os braços em direção às árvores. O corpo todo doía, devido à fome, os tímpanos quase explodindo devido a pressão. Emergindo, focou em bater os pés e boiar, respirando e recobrando o fôlego enquanto olhava em volta.
Já não sabia mais a quantos metros do chão estava. O fundo da lagoa agora parecia estar mais distante do que o céu. Em toda a volta, apenas água, nada mais que isso. Nem árvores, nem grama e descampado, nem nada. Apenas água.
A inundação não dava sinais de que ia parar, sempre subindo mais e mais. Laguna puxou o ar, mergulhando novamente e nadando para o lado que julgava ser o certo. Nem mesmo as estrelas e a lua poderiam a ajudar a se localizar, estava tudo embaralhado num enorme emaranhado de luzes fracas.
Sentindo-se em uma tempestade, o que mais preocupava a garota era o fato daquilo não ser um mar tempestuoso e agitado, mas uma lagoa calma e serena, que transbordava em completo silêncio. Aquilo era assustador.
Nadou o máximo que conseguiu, a cabeça latejando e os pulmões implorando por oxigênio. Aquilo era diferente de tudo que já tinha passado, diferente de todas as experiências de tempestades e afogamento que já tinha sofrido.
Voltando à superfície, inalou todo ar que precisava. Então, Laguna bateu.
Sua cabeça doeu ao se chocar com algo em cima, algo que a impedia de continuar nadando, algo que delimita o limite que ela podia subir, como um teto. Como uma tampa.
ㅡ Não! ㅡ Berrou enquanto a água alcançava seu queixo, a comprimindo sobre o teto. ㅡ Abram isso aqui!
Laguna gritava socando a barreira invisível, o desespero tomando conta de si à medida que a água a submergia por completo. Inalando o ar pela última vez, ela afundou no instante em que a lagoa alcançou o topo.
Não fez esforço para nadar, nem tentou se manter no lugar. Laguna permitiu que seu corpo afundasse em direção ao solo a tantos e tantos metros abaixo. O corpo todo não parava de doer, latejando enquanto a pressão aumentava, quase explodindo seus órgãos.
Abriu os olhos, sem se importar com o sal ardente. A luz fraca da lua, vindo de lugar algum, iluminava sua descida até a morte. Talvez, enfim, esse fosse o julgamento do monstro. Os pulmões, apertando o peito em desespero, imploravam por ar.
Sentindo suas forças se esvaindo, Laguna parou de afundar. Algo levemente pontiagudo beliscou suas costas, se prendendo no tecido do macacão. Ela olhou para aquilo, percebendo que estava presa em um galho de árvore.
Parecia ser uma ilusão de sua mente já cansada, afetada pela falta de oxigênio, mas a árvore em que se enroscou se encontrava fora da água. Se agarrando àquele último feixe de esperança, Laguna apertou o galho em suas mãos e começou a se puxar na direção do carvalho, batendo os pés para nadar.
Não soube como aguentou, nem de onde tirou forças, mas, assim que sua cabeça encontrou a superfície, ela puxou todo o ar que seus pulmões aguentaram, o corpo sendo expelido para fora da água.
Laguna se agarrou desesperada ao carvalho, o corpo todo molhado, ofegante e respirando com dificuldade. Ela escorou as costas no tronco, sentada em um dos galhos e observando aquela imensa parede de água que se encontrava no local onde antes estava pescando.
Lychee Hansen queria muito se matar. Depois de tudo que passou em sua medíocre e fatídica vida, o suicidio já não parecia mais uma escolha tão radical. Entretanto, por mais que estivesse afundada na merda e no fundo do poço, a garota jamais tiraria sua vida, dentro ou fora da arena. Jamais daria a Snow e a seus cachorros o gostinho de saberem que eles venceram.
Se tinha conseguido vencer uma vez, não iria desperdiçar a chance de infernizar a vida dos idealizadores e do presidente, assim como eles fizeram com ela. Então, por mais que quisesse muito, Lychee não se mataria. Recusava-se a admitir a derrota.
Depois de passar todo o primeiro dia e a manhã do segundo vagando a esmo pela arena, explorando cada canto e relevo do local enquanto buscava por um lugar minimamente seguro para se entocar, ela já estava cansada de mancar por aí.
A perna machucada doía como nunca, o golpe dado por Joshua deixando severas consequências. Depois de vencer pela primeira vez, a mulher passou a fazer fisioterapia e exercícios a fim de exercitar o membro. Agora, depois de uma quase fratura, ela mancava como nunca, sentindo pontadas de dor a cada passo. A única coisa que a mantinha em pé era o ódio. Como sempre, desde que nasceu, Lychee se move na força do ódio.
O sol já se encontrava alto no céu, indicando que as dez horas da manhã se aproximavam. Cansada de caminhar, arrastando a alabarda no chão e deixando um rastro na terra, a mulher se encontrou dentro de um descampado com mangueiras esporádicas aqui e acolá, saindo da floresta de carvalhos que antes se encontrava. Por todo o descampado, bois se espalhavam, pastando em suas vidas despreocupadas.
Alguns grandes e gordos, outros magros e pequenos, a grande maioria com chifres em suas cabeças. Nenhum deles pareceu se importar com a presença da jovem negra. Ela levantou a alabarda, apertando o cabo gelado nos dedos, e apontou para o animal mais próximo.
Além da raiva que sentia, a fome tomava seu corpo, fazendo a barriga roncar alto. E agora, estando no meio de uma fazenda de churrascos serenos, ela não iria desperdiçar a chance de fazer um rango.
Depois de comer poderia recuperar suas forças e pensar no que faria quanto a Joshua. Apesar de saber que o destino do garoto seria a morte, ela ainda desejava traçar algo mais para ensiná-lo a não trair aqueles em que mais confia.
Lychee se aproximou do boi a passos curtos, levantando a alabarda e decepando o animal com a ponta de machado. Sangue jorrou no chão e manchou as botas da garota e a grama de vermelho.
ㅡ Você ficaria divino com um molho barbecue. ㅡ Lychee disse fincando a alabarda no chão e se preparando para puxar o boi morto até a sombra da árvore mais próxima.
Não seria um caminho longo, a mangueira estava a apenas alguns metros e o animal que Lychee matou não parecia tão grande e pesado.
Tudo estava tranquilo e normal.
Exceto pelo fato de que todos os bois em volta da mulher a encaravam sem parar, os olhos vermelhos. Todos eles haviam parado de pastar, virando seus corpos na direção de onde a negra estava.
ㅡ Ei, ei, ei. Que merda vocês tão pensando em fazer? ㅡ Indagou Lychee arqueando a sobrancelha e agarrando sua alabarda.
De repente, os bois começaram a mugir sem parar, numa sinfonia sem sincronia e tom. Os mugidos tomaram conta daquela área à medida que cada um dos animais passou a bufar e bater seus cascos no chão, apontando os chifres para Lychee.
Então, eles começaram a correr.
ㅡ Caramba! ㅡ Gritou a mulher disparando aos trancos, mancadas e barrancos na direção do pé de manga. ㅡ Vocês não me dão um segundo de paz, né?!
Os bois se aproximaram com velocidade, bufando com raiva. Lychee tentou fugir o mais rápido que podia, segurando a alabarda com força para caso algum dos animais a alcançasse. Ela precisava chegar logo na árvore e escalar.
Só não contava que iria pisar em falso com sua perna manca e desmoronar no chão.
A garota rolou para o lado, sentindo o gosto de terra e grama na boca, o corpo todo doendo com o impacto da queda. Um dos animais a alcançou, fincando seus chifres no chão segundos depois de Lychee desviar do ataque.
Levantando com dificuldade, Lychee cambaleou até sua alabarda, agarrando o cabo de metal e fincando a ponta de lança na barriga do boi. O animal mugiu alto, tropeçando nas próprias patas e caindo no chão.
Se não fosse por outro mugido, a vitoriosa teria sido atingida em cheio por um par de chifres. Felizmente o chifrudo era burro o bastante para avisar sua vítima que estava se aproximando por trás. Lychee girou e desviou do ataque, levantando sua lâmina e afundando a ponta de machado no pescoço do animal.
O boi mugiu de dor, caindo no chão de imediato e espalhando sangue por todo lado enquanto tinha espasmos de morte. Lychee arrancou a alabarda do animal e voltou a correr para a árvore, com cada vez mais gado em seu encalço.
Quando a distância entre ela e a mangueira não passava de poucos metros, um boi a atingiu. A negra foi arremessada para frente, batendo de frente com o tronco da árvore, a alabarda caindo ao seu lado. Para sua sorte o animal que a atacou parecia ser novo e não possuía chifres.
Então, aproveitando a chance que o destino lhe dera, Lychee reuniu todas as suas forças e se colocou em pé, começando uma escalada desesperada.
Desde pequena, em tenra idade, ela escalava árvores todos os dias. Árvores altas, baixas, com muitos e poucos galhos, com troncos escorregadios ou ásperos. Árvores das mais variadas espécies e características e nunca, em vinte e quatro anos, uma mangueira pareceu tão difícil de escalar.
Seus braços e pernas tremiam enquanto colocava força nas mãos e pés, se segurando em galhos e subindo o máximo que pudesse. Escalar árvores, que sempre fora uma coisa extremamente prazerosa e que Lychee fazia nas horas vagas, agora era algo agoniante.
Os bois chegaram quando a mulher estava cerca de um metro acima do chão, batendo seus chifres e suas cabeças contra o tronco e fazendo tudo tremer.
Lychee se agarrou ao tronco, encontrando galhos grossos e firmes o suficiente onde ela poderia apoiar seus pés e aguentou os tremores, memórias antigas percorrendo sua mente. O gado não parava de investir, não dando trégua para a vitoriosa.
Guiada pelo desejo insaciável de continuar viva, e sem querer dar a satisfação de ser morta por uma armadilha dos idealizadores, a mulher voltou a escalar, chegando em galhos onde pudesse ficar sentada e minimamente segura.
Ela agarrou a esperança e se manteve firme, presa e segura a mangueira enquanto os bois continuavam a atacar continuamente. Ao menos ela tinha mangas de sobra pra comer ali em cima.
Orion Grey olhava as chamas da fogueira perdido em seus pensamentos. Azrael e Leonna terminaram de assar dois esquilos que acharam nos carvalhos enquanto Moon picava alguns tomates para eles comerem. O sol do meio dia brilhava alto no céu.
ㅡ Precisamos sair para caçar. ㅡ Disse Leonna tirando um pedaço de carne no fogo e jogando dentro de uma vasilha de metal com as outras partes assadas do esquilo. ㅡ Já estamos na metade do segundo dia e só fizemos vítimas no banho de sangue.
ㅡ Calma, Leo. Não precisamos de tanta pressa. ㅡ Azrael sorriu se sentando ao lado de Orion. ㅡ De um tempo para eles, para se acostumarem e se recomporem. Fica mais legal quando a presa tem a falsa sensação de segurança, lembra?
ㅡ Isso é psicótico, criança. ㅡ Moon colocou os tomates picados ao lado da vasilha com a carne e começou a comer, sendo seguida pelos outros. ㅡ Não acho que precisamos caçar, vamos esperar que venham até nós, aí matamos quem nos atacar.
Moon e Orion trocaram olhares por alguns segundos, sendo percebidos pelos outros dois.
ㅡ Vocês dois amoleceram. ㅡ Leonna falou enquanto mastigava um pedaço da coxa do esquilo. ㅡ Temos que atacar e impor nossa autoridade, senão vão sair nos atacando achando que isso aqui virou baderna! Somos superiores e temos que mostrar isso.
ㅡ Não nos superestime, Leonna. ㅡ Respondeu Orion, sereno. ㅡ Se eles venceram uma vez é porque são fortes, alguns podem até ser ameaças.
ㅡ Vamos esperar até amanhã. ㅡ Impos Moon. Azrael sorriu vitorioso e Leonna arqueou a sobrancelha. ㅡ Então sairemos em dupla para caçar. Eu e Orion, Azrael e Leonna.
ㅡ E quem foi que te nomeou a capitã? ㅡ Leonna indagou jogando o osso que terminava de roer em Saerom. A vitoriosa olhou indignada para a outra, mas não fez nada. ㅡ Você se acha muito, só porque venceu um Massacre antes. Mas até que essa sua ideia é boa, mas vamos eu e Orion e você e o menino, faz mais sentido já que vocês são do mesmo distrito, não?!
ㅡ Tenho que concordar com a Leo, Moon. ㅡ O jovem estralou seu pescoço, pegando mais um pedaço de carne da vasilha. ㅡ Seremos você e eu amanhã.
ㅡ E para onde iremos? ㅡ Orion indagou. ㅡ Não sabemos o que tem depois da floresta de carvalhos, e ela contorna toda a nossa praia.
Orion olhou em volta, aproveitando a vista da ilha da Cornucópia. Aquela arena, apesar de se assemelhar com o protótipo que Morrigan e Yuna apresentaram aos rebeldes, não era de todo igual. E isso assustava o homem.
Dois dos cérebros mais brilhantes de Panem haviam criado uma arena três vezes mais mortal do que qualquer outra. E agora, aparentemente, os idealizadores tinham incrementado suas próprias idéias no protótipo.
Suspirando, Orion desejou estar em seu barco novamente, zarpando para o mais distante horizonte, como sempre sonhou. Dentro daquela arena ele estava perdido, sozinho, sem saber o que fazer, especialmente depois que dois símbolos foram mortos e um dos rebeldes se mostrou um traidor. Ele precisava dar um jeito de se encontrar urgente caso deseje sair vivo dali.
ㅡ Faremos uma caçada por dia então? ㅡ Leonna voltou a perguntar. ㅡ Sempre em dupla, certo?
ㅡ Se vocês quiserem assim, então vamos. ㅡ Saerom respondeu colocando alguns tomates na boca. ㅡ Mas uma dupla fica aqui na Cornucópia enquanto a outra está fora, só pra garantir que ninguém vá nos roubar.
Todos concordaram com a cabeça, terminando de almoçar enquanto o sol iniciava sua jornada de volta para debaixo da terra.
Orion coçou o cabelo loiro pensando em onde Laguna estava. Prometeu a si mesmo e aos pais da garota que a manteria segura e, no momento, estava tentando impedir dois psicopatas insanos de sair matando qualquer um que vissem pela frente.
Morrigan Murphy não sabia explicar direito tudo que aconteceu nas últimas vinte e quatro horas. Sua cabeça parecia explodir durante todo o caminho que Aberforth percorreu com ela nos braços. Não sabia como, mas, de alguma forma, o homem conseguiu nadar com ela desacordada e fugir ileso da Cornucópia, adentrando a floresta de carvalhos e ficando por lá.
Agora, quase uma hora da tarde, Morrigan e Aberforth caminhavam por uma área diferente, com árvores estranhas e desconhecidas, o solo quase que cinza, semelhante ao granito. Graças às mochilas que ambos pegaram na Cornucópia, comida e água não eram um problema, eles só não sabiam o que fazer agora.
ㅡ Temos que dar um jeito de achar os outros, especialmente a Liora. ㅡ Disse Mor mastigando uma maçã. ㅡ Se ficarmos longe do resto dos tributos, os idealizadores vão mandar armadilhas até nós.
ㅡ Faremos isso, mas antes quero terminar de explorar esse lugar. ㅡ Aberforth respondeu em tom sério, como sempre. O homem mirava o chão cinza com extrema curiosidade no olhar. ㅡ Passamos por muitas áreas enquanto você estava desacordada, mas nenhuma era semelhante a essa.
ㅡ Bom, vai ver só o fato de estarmos aqui já ativa uma armadilha. ㅡ Comentou Mor. ㅡ Temos que pensar como um idealizador.
Ela passou a esquadrinhar a área assim como seu parceiro. Morrigan tinha planejado aquela arena, ela deveria saber de cada centímetro quadrado ali dentro, e mesmo assim aquele terreno era desconhecido para ela.
Essa mudança dos idealizadores a amedrontava profundamente, ainda mais depois da traição de Joshua. Morrigan não viu a cena, mas Aberforth havia lhe contado sobre o ocorrido, restando apenas três de seus símbolos ainda vivos. Definitivamente o plano não estava saindo como o esperado, mas ela tinha criado situações para caso alguma coisa daquele tipo acontecesse.
Com cinco tributos mortos até agora, dezenove competidores ainda estavam no jogo, e muitos deles não sabiam do plano e nem da rebelião. Muitos deles estavam jogando para matar, visando a própria sobrevivência. Morrigan precisava achar Liora, Bart ou Pandora o mais rápido possível, e faria de tudo para que ao menos um dos três saísse vivo da arena, mesmo que isso signifique sacrificar sua própria vida.
ㅡ Venha ver isso! ㅡ Falou Aberforth de repente, arrancando Morrigan de seus devaneios. Ela se aproximou do parceiro que estava próximo a um amontoado de árvores caídas, uma fenda aberta no chão semelhante a uma escada.
ㅡ O que será que tem aí dentro? ㅡ Perguntou Mor com a curiosidade apertando seu peito.
ㅡ Não tenho nem ideia. ㅡ O homem se aproximou dos degraus, tirando sua lanterna da mochila e jogando a luz lá dentro.
Os degraus desciam aproximadamente dois metros, dando em um corredor escuro cercado por paredes. Morrigan suspirou pesadamente olhando para Aberforth, aquilo definitivamente não estava em seu protótipo.
ㅡ Quer descer? ㅡ Perguntou Aberforth, apesar de que ele parecia já ter se decidido.
ㅡ Não sei. ㅡ Morrigan cerrou os punhos enquanto pensava.
Seu plano já não estava saindo como foi feito, o que seria mais alguns desvios? Liora com toda certeza seria protegida a qualquer custo pelo marido, e a dupla do Sete não morreria tão facilmente.
Ela já não reconhecia a própria criação, por que não explorar um pouco e, quem sabe, destrinchar os mistérios da arena incrementados pelos idealizadores?
ㅡ Vamos descer! ㅡ Disse para Aberforth.
O vitorioso foi na frente, sacando um de seus punhais e mantendo a lanterna na outra mão, descendo cada um dos degraus cauteloso. Morrigan pegou seu facão, indo no encalço do parceiro e olhando em volta.
No final dos degraus um corredor escuro seguia em frente, se separando em três caminhos igualmente escuros. As paredes de rocha eram lisas e bem esculpidas, havendo portais esporádicos entre elas.
ㅡ Vamos seguir em frente? ㅡ Perguntou Morrigan.
Então, como se o subterrâneo a tivesse respondendo, tudo começou a tremer. Morrigan arregalou os olhos e grudou em Aberforth enquanto as paredes se moviam aleatoriamente, fechando o caminho até os degraus.
Terra caía do teto enquanto os pesados blocos de pedra se realocavam, o chão tremendo sem parar. Aberforth apontava a luz da lanterna para todos os lados, os dois vencedores juntos, tremendo que uma parede os separassem.
O local parecia que iria desmoronar a qualquer momento. Depois de quase um minuto de tremores de terra e deslizamento das pedras, tudo parou, voltando ao estado de penumbra e quietude de antes.
ㅡ Malditos. ㅡ Aberforth sussurrou para ninguém em específico. Ele apontou sua lanterna na frente, iluminando um corredor com diversos caminhos para se escolher. ㅡ Estamos presos dentro de um maldito labirinto!
Caroly Shadison estava sentada na sala dos mentores, sentada confortavelmente em sua poltrona, as pernas cruzadas e um prato com pão doce nas mãos. Ela assistia às câmeras ao vivo dos Jogos Vorazes com atenção, observando ao mesmo tempo o máximo de tributos que conseguia.
A sala dos mentores estava quase completamente vazia, exceto por ela, Anthony Abernathy e Yunho Kurosawa, que passou as últimas trinta e seis horas em uma pilha de nervos, preocupado com a saúde da irmã mais nova. Ele até chegou a enviar um pote com pomada para ela e uma garrafa de água, mas os patrocinadores não pareciam muito afim de investir na garota.
Nada de muito chamativo acontecia na arena. A maioria dos tributos estava perambulando pelo terreno, explorando os biomas e o relevo. Alguns, que estavam em grupo, até chegaram a dormir depois de comerem algo. De modo geral a arena estava calma e tranquila.
Laguna Overwind parecia estar se recuperando do caldo que levou. Depois que a inundação passou e toda a água escorreu para a pequena lagoa novamente, a garota desceu da árvore em que estava, encontrando seu arpão perdido no chão e indo pescar.
No momento, pensando no quanto Orion ficaria preocupado com Laguna caso soubesse da inundação, Caroly assistia a Morrigan e Aberforth andando pelo enorme labirinto em que se enfiaram, torcendo para as baterias da lanterna do homem não se esgotarem. Ao seu lado, Yunho roia as unhas enquanto Yuna dormia escondida no meio de um carvalho.
ㅡ Dá uma acalmada, amigão. ㅡ Disse Caroly mordiscando seu pão doce. ㅡ Ela está bem, já percebemos que os carvalhos são uma área segura.
ㅡ Cale a boca, coroa. ㅡ Yunho respondeu recebendo um olhar feio em troca. ㅡ Não tem nada melhor pra fazer não?
ㅡ Que isso, jovem. Pra que tanta agressividade? Eu acho que isso é falta de açúcar no seu organismo. ㅡ A loira estendeu um pedaço do seu pão doce para o garoto, que encarou o alimento com certa raiva mas o pegou, mastigando e engolindo logo em seguida. ㅡ Ela está cansada, não pregou os olhos desde que pisou na arena, deixe-a descansar um pouco.
ㅡ Só para de falar! ㅡ Yunho esbravejou ficando de pé, bufando enquanto ia até o frigobar da sala.
Ele pegou uma garrafa de aguardente, abrindo e ingerindo dois longos goles de uma vez. Depois, voltou para frente do enorme telão onde as gravações estavam sendo transmitidas, ficando em pé.
Cerca de uns oito anos atrás, Yunho foi sorteado na Colheita. Na época ele ainda tinha o cabelo preto natural e lambido, e uma personalidade um tanto quanto mais agradável. Agora, com o cabelo cortado e pintado de verde, os braços musculosos cheios de cicatrizes e três furos na orelha, ele se estressa facilmente com qualquer um que não seja sua irmã.
ㅡ Sabe, ficar imaginando as dezenas de coisas que podem acontecer agora não vai te ajudar. ㅡ Disse Caroly puxando o rapaz pelo braço para a poltrona, recebendo um par de olhos fuziladores e algo como um rosnado. ㅡ Sei que é difícil, mas tenta relaxar.
ㅡ Cê é maluca, coroa? ㅡ Yunho indagou com deboche depois de tomar mais um gole de aguardente. ㅡ Minha irmã mais nova tá lá dentro e pode ser morta a qualquer momento. Para alguém com dois tributos vivos você tá relaxada demais.
ㅡ Eu confio nos meus tributos, Yunho. ㅡ Caroly explicou sorrindo marota. ㅡ Quando precisarem de mim, eu irei mandar um paraquedas em seu auxílio. Mas, enquanto não posso nem tenho nada pra fazer, não vou ficar me torturando enquanto penso em todas as hipóteses que podem acontecer.
Yunho abriu a boca para responder, mas Caroly o interrompeu arrancando a garrafa de aguardente de sua mão e bebendo alguns goles. A loira devolveu a garrafa, limpando os lábios e voltou a falar.
ㅡ Não sei se você lembra, mas eu faço esse fatídico trabalho há alguns bons anos. Se eu ficasse imaginando tudo de ruim que pode acontecer com cada um dos tributos que passaram pela minha mão, teria enlouquecido a anos!
O garoto encarou Caroly de cima a baixo, parecendo refletir as palavras que a loira acabou de dizer. Depois encostou as costas na poltrona, cruzando os braços e bufando e suspirando, parecendo ter se dado por vencido.
ㅡ Está bem, vou tentar relaxar. ㅡ Disse Yunho a contragosto, entregando a garrafa de aguardente para a mulher. ㅡ Mas, pelo amor de Deus, para de falar. Sua voz me irrita!
ㅡ Meu querido, não é minha voz que te irrita. ㅡ Respondeu Caroly sorrindo e passando a mão no cabelo do vencedor. ㅡ Você que é irritadinho por natureza, chuchu.
Liora Evans observava contemplativa o pôr do sol, admirando as belas cores alaranjadas e rosadas que o gigante de fogo lançava no céu azul. A luz na arena começava a ficar fraca, indicando que a segunda noite se iniciava.
A brisa leve estava mais fraca que o normal, mas ainda assim não deixava com que os fios loiros e ondulados da grávida ficassem parados. Sentada no chão, com as costas escoradas num carvalho, ela respirava com certa dificuldade, sentindo o peso da barriga.
As contrações, dores insuportáveis como cólica menstrual, iam e voltavam de tempos em tempos, sinal de que o bebê estava próximo de seu nascimento. Isso apertava o coração de Liora. Ela não desejava que o filho nascesse dentro da arena, nunca quis isso, mas seu direito de escolha fora revogado no instante em que seu nome foi sorteado novamente.
Durante sua vida toda, apesar do mundo cruel em que vivia, Liora sempre sonhou em ser mãe. O dom da maternidade fora algo que ela almeja mais que tudo, ansiando pelo sentimento de fazer tudo por algo que ela mesma criou. Entretanto, depois que alcançou a adolescência e se deparou com a realidade da Colheita, esse sonho se afundou num sentimento de culpa e repugna.
Como ela, alguém que tinha sido castigada tantas vezes pela vida, que desde nova teve que aprender a lidar com o luto após a perda da mãe, amadurecendo muito cedo para criar os irmãos mais novos, poderia sequer sonhar em colocar uma pobre e indefesa criança naquele mundo caótico?
Mas tudo mudou quando conheceu Rendrick. Quando o viu vestido naquele terno cinza, com a gravata azul que tanto gostava. Liora viu em Rendrick uma esperança de um futuro melhor, algo próspero, forte e seguro. Liora viu em Rendrick a chance de construir um lar cheio de amor, uma família. E agarrou essa chance com todas as suas forças.
Agora, presa na arena novamente, e dessa vez estando grávida, a loira repensava se tudo aquilo não teria sido um erro. Talvez devesse ter deixado seu desejo egoísta de lado e apenas desfrutado do amor de Rendrick.
ㅡ Querida, como está se sentindo? ㅡ Indagou Dick de repente se sentando ao lado da esposa e lhe entregando uma garrafa cheia de água. ㅡ Está com dor? Com fome?
ㅡ Estou bem, meu amor. ㅡ Liora respondeu abrindo a garrafa e tomando um gole. ㅡ Temos que poupar nossos recursos, ainda estamos no segundo dia.
ㅡ Não seja assim, Liora. ㅡ Rendrick assumiu seu costumeiro tom sério e mandão, cruzando os braços e ficando de pé na frente da esposa. ㅡ Comida não é um problema, posso caçar sem problema algum. Vamos dar um jeito de achar árvores frutíferas e…
ㅡ Querido, no meu estado, não é seguro ficarmos andando por ai. ㅡ A mulher puxou o marido pelo braço, lhe fazendo ajoelhar, e passou a mão em seu rosto, acariciando-o. ㅡ Você é um teimoso rabugento, mas não pode proteger nós três contra os Carreiristas ou grupos maiores.
Liora acariciou sua própria barriga com ternura enquanto Rendrick a cobriu com abraços e beijos, o sol, já escasso, lançando seus últimos raios sobre eles. O casal ficou ali por alguns segundos, apreciando a companhia e o calor um do outro.
ㅡ Eu sempre vou protegê-la, meu amor. ㅡ Rendrick disse beijando os lábios da esposa, depois levou sua cabeça para baixo e beijou a barriga. ㅡ Irei proteger vocês dois.
ㅡ Será que fizemos a escolha certa? ㅡ Liora indagou em meio a um soluço, lágrimas brotando em seus olhos. ㅡ Digo, sobre a gravidez, será que não foi uma escolha errada?
ㅡ Meu amor, não diga isso! ㅡ O homem sorriu compadecido para a mulher, segurando seu rosto com gentileza. ㅡ Uma criança, uma vida, jamais será um erro! Nós vamos dar um jeito de sair daqui, lembra? E então você poderá ver nosso menino crescer!
ㅡ Menino, é?! ㅡ Liora sorriu, deixando as lágrimas escorrerem. ㅡ Como tem tanta certeza?
ㅡ Não sei, só sei que essa criança vai ser um menino apaixonado por rodeios, igual o pai. ㅡ Rendrick selou os lábios nos de Liora em um beijo molhado e demorado.
ㅡ Vou ser a mãe que eu sempre sonhei em ter, e você vai ser o pai mais protetor e rabugento, querido.
ㅡ Eu prometo, meu amor!
Nevada Byrne estava ficando louca. Andando a esmo pela arena, ela não conseguia ficar parada em um só lugar sem ficar paranóica com tudo que poderia acontecer. Sem comida nem água, e muito menos armas, ela duvidava do quanto poderia ficar viva vagando sozinha.
Suas mãos e pernas tremiam feito bambu, não pela fraqueza, nem pelo sono, muito menos pela fome. A falta de morfina em seu organismo estava fazendo efeito. Nevada já não sabia mais o que era real e o que não era, o mundo parecia estar girando em câmera lenta enquanto ela caminhava em passos errados, quase que mancando.
Ela desejava, ansiava, necessitava de um miligrama que fosse da droga em seu organismo. Precisava da morfina para afastar tudo que mais temia, tudo aquilo que a aterrorizava. Agora, sem ingerir nada a mais de dois dias, a loira não parava de ver tributos a tanto tempo mortos correndo de um lado para o outro, gritando por socorro enquanto nada podia fazer.
A paisagem do local também não ajudava. Já não aguentava mais ver carvalhos por todos os lados, fosse onde fosse os carvalhos não paravam de seguir ela, como pacificadores vestidos de marrom, sem armas mas prontos para atacar a qualquer momento.
Aquelas árvores, aquelas malditas árvores, Nevadas a odiava. Depois de passar a vida toda em um distrito estritamente urbano, paisagens mais rurais e naturais lhe transmitiam raiva. Ela não gostava dos perigos que se escondiam por detrás daqueles gigantes de madeira, em meros animais fofos ou em plantas serenas.
Talvez, em algum lugar daquela maldita arena, Nevada pudesse encontrar um cantinho calmo e seguro, parecido com o quarto que possuía em sua casa, com uma cadeira, uma mesa cheia de tintas e pincéis e uma tela em branco pronta para ser preenchida por toda a criatividade presa dentro da mente da mulher.
A pintura, assim como a morfina, sempre foi sua fonte de terapia e relaxamento. Aprendeu ainda nova, com a mãe, que preencher os quadros com as mais belas cores era uma ótima forma de passar o tempo e ocupar a mente. Quando a mãe morreu, foram as telas pintadas em tons de azul que ajudaram Nevada a enfrentar o luto.
De repente, tropeçando nos próprios pés, Nevada caiu de joelhos no chão. Ela se apoiou com as mãos no chão e olhou para cima quando um par de pés ensanguentados se aproximou.
ㅡ Você não pode desistir, Vada. ㅡ Sussurrou a garota morena, estendendo sua mão para a loira.
A garota estava manchada de sangue por todos os lados, a jaqueta de couro, a calça camuflada, a pele escura. Até seus fios negros e escorridos estavam tingidos de vermelho. Um ferimento aberto e exposto em seu abdômen escorria sangue, a pele em volta necrosada e com tons de roxo.
ㅡ Não desista, querida. ㅡ A garota disse, dessa vez mais alto, ainda com a mão esticada para Nevada.
ㅡ Eu não posso, Ashleen. ㅡ Nevada disse choramingando, se recusando a olhar para a menina em sua frente. ㅡ Eu não aguento mais, não aguento mais essa vida.
ㅡ Você não pode desistir, acredite em si mesma novamente! ㅡ O tom firme e instigante de Ashleen fez com que a mulher no chão levantasse seu olhar até ela. ㅡ Você sobreviveu uma vez, aguente mais um pouco, tudo vai dar certo.
Nevada engoliu o choro e concordou com a cabeça, pegando na mão de Ashleen e se levantando. Ela ficou de pé, olhando firme nos olhos da garota.
ㅡ Eu sinto tantas saudades sua, Ash… ㅡ Nevada sussurrou, abraçando Ashleen.
ㅡ Eu também sinto, querida. ㅡ Ash retribuiu o abraço, não demorando muito para as separar. Ela segurou firme na mão da loira e começou a caminhar em frente. ㅡ Venha, vamos sair daqui.
As duas começaram a andar, com Ashleen na frente guiando os passos de Nevada. A luz fraca da lua mal iluminava o caminho pelo qual as duas percorriam, não passando das nove horas da noite.
A paisagem logo mudou, os carvalhos dando lugar a uma imensa clareira preenchida por metros e mais metros de plantações. Talvez milho, talvez trigo, talvez cevada. Nevada não soube dizer, ela não conhecia nada de grãos e odiava ainda mais estar em um meio rural como aquele.
ㅡ Por que me trouxe aqui, Ash? ㅡ Nevada indagou enquanto as duas se enfiaram dentro da lavoura, plantas tão altas que a ultrapassam.
ㅡ Olhe ao seu redor, Vada. ㅡ Ashleen soltou a mão da mulher e puxou uma das plantas, revelando uma espiga de milho madura. Ela arrancou a espiga e a entregou para Nevada. ㅡ Coma, isso vai te fortalecer.
Sem pensar duas vezes, com o estômago roncando alto, Nevada arrancou a casca da espiga e começou a comer os grãos crus. Usando os dentes agilmente, a loira mastigava desesperada, ignorando tudo e todos ao redor.
Não soube dizer quanto tempo ficou inerte em sua espiga, concentrada apenas em roer e mastigar, mas seus sentidos só voltaram a trabalhar quando percebeu que Ashleen havia desaparecido. Ela olhou em volta, procurando pela amiga a tantos anos morta, sem êxito.
No entanto, confundindo sua mente, a única coisa que entrou em seu campo de visão foi um gafanhoto, que veio voando até a espiga em sua mão, parando em cima do milho e encarando Nevada.
Então, vieram muito mais.
Gafanhotos surgiram de todos os lados, saltando e voando através das espigas e indo diretamente para a direção da loira. O primeiro animal a aparecer pulou na pele da mulher, abrindo sua boca e a mordendo com os dentes que não deveriam estar ali.
Nevada gritou, arremessando a espiga de milho na nuvem de gafanhotos que vinha em sua direção e esmagando o bestante que lhe mordia com a mão. A loira se pôs a correr desesperada, indo contra as plantas em seu caminho.
Cada folha e caule por qual passava cortavam sua pele como navalhas, respingando sangue no chão. A nuvem de praga se aproximava cada vez mais, com alguns gafanhotos mais ligeiros conseguindo agarrar a pele da vitoriosa e cravando seus dentes nela.
A dor percorria todo seu corpo à medida que mais e mais bestantes se acoplaram em seus braços e pernas, mordendo e mastigando sua pele. Nevada, perdendo o controle do próprio corpo, tropeçou em uma das plantas e caiu no chão, sendo engolida pela nuvem.
Os gafanhotos mordiam ligeiros, arrancando pedaços da pele de Nevada enquanto ela se debatia desesperadamente, balançando os braços e pernas e tentando afastar as pragas, gritando de dor.
ㅡ Socorro! Socorro! ㅡ Berrava Nevada à medida que sentia seu sangue escorrer no chão, sendo comida viva pelos gafanhotos.
A falta de comida e água finalmente estava cobrando seu peso. A mulher já não tinha mais forças para lutar, quase que se entregando a morte.
Sua mente girava, a vida passando diante de seus olhos. Toda a infância ao lado do pai e dos irmãos, a jornada que fez junto de Ashleen em sua primeira edição, os anos como mentora após sua vitória. Então, num respingo de esperança, todos os quadros que já havia pintado vieram em sua cabeça, cada um deles, guardados no quarto de pintura. E, de repente, a voz sussurrante de Ash, dizendo para que ela não desistisse.
Nevada se agarrou a todas essas lembranças, virando-se de bruços no chão e começou a se arrastar. O tempo pareceu congelar, andando em câmera lenta, enquanto a loira arrastava seu corpo no chão, buscando fugir da armadilha.
Cada mordida, cada pontada de dor, eram como combustível, dando um pouco mais de forças para que Nevada continuasse a se esgueirar em meio às plantas, misturando o sangue com a terra.
De repente, no instante em que conseguiu colocar a cabeça para fora da lavoura, a dor começou a diminuir. Ansiando pelo descanso, Nevada terminou de se arrastar, tirando os pés de dentro da plantação e deixando para trás a imensa nuvem de gafanhotos.
De volta aos carvalhos, a loira suspirou aliviada, sentindo cada parte do corpo doer, se esticando de costas para o chão e se permitindo descansar, ignorando todas as paranóias e alertas em sua mente.
001 ㅡ E temos o capítulo seis sim!!
002 ㅡ Leiam e esqueçam o primeiro dia do Enem, se distraiam com nossos tributos quase morrendo.
003 ㅡ E aí, tão gostando das armadilhas? Já pegaram o esquema?
004 ㅡ Em sua opinião, qual o personagem que mais se destacou nesse capítulo?? Diz aí, é pro meu TCC
005 ㅡ Deixe o feedback do capítulo, seu dedo não vai cair não, eu juro!
006 ㅡ Votos e comentários ou então a grávida vai de arrasta 🔪🔪🔪
Contagem de Palavras ㅡ 6617 palavras.
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