➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩 ㅡ 𝗠𝗼𝗻𝘀𝘁𝗿𝗼𝘀

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Morrigan Murphy suspirou triste enquanto o tubo cilíndrico de vidro fechava a sua volta, seu estilista acenando para ela. Logo que a porta foi selada, o tubo começou a subir, saindo do subsolo para a superfície.

A luz fraca da iluminação artificial foi substituída pelo breu à medida que o tubo atravessou as paredes de concreto que sustentavam a estrutura subterrânea. Morrigan se viu cercada pela escuridão, os pensamentos divididos entre a preocupação com a filha, deixada no Distrito 3, e todo seu plano para fazer a revolução acontecer.

Aos poucos o escuro deu lugar aos raios solares, indicando que a arena estava próxima. A garota piscou os olhos várias vezes, tentando se acostumar com a luz que invadia todo o tubo cilíndrico. Morrigan olhou em volta quando o tubo estabilizou, o vidro descendo de volta para o subsolo e deixando a jovem na arena.

Então, finalmente, a ficha caiu. Morrigan começou a reviver sua primeira vez na arena, lembrando de cada maldito detalhe. Piscando, a garota passou a observar a arena. Todos os vinte e quatro tributos estavam posicionados em pedestais no meio de uma praia, a água rodeando tudo. No centro, uma ilha de rochas sustentava a Cornucópia, o bico do chifre apontado para o norte.

Em volta da água, a faixa de areia era contornada por uma densa floresta de carvalhos. As árvores eram tão altas e espessas que não permitiam que se enxergasse além delas. Morrigan arquejou as sobrancelhas, confusa com o relevo da arena. Em todos os seus desenhos, planos e scripts ela nunca havia incluído uma floresta de carvalhos, deveriam ser árvores tropicais. Algo estava errado.

Mordeu o lábio inferior, preocupada. Se eles haviam trocado parte do design da arena que havia entregue a Plutarch Heavensbee, talvez também tivessem tirado seu fio condutor que deveria estar posicionado na Cornucópia.

De repente, tirando a garota de seus pensamentos, a voz de Claudius Templesmith ecoou metálica e alegre, em alto e bom som. Todos os vencedores olharam instintivamente para o céu, como se o locutor dos Jogos Vorazes fosse aparecer lá em cima.

— É com imensa alegria que anuncio que a septuagésima quinta edição dos Jogos Vorazes, o Terceiro Massacre Quaternário, está prestes a começar! — Claudius berrava como se todos fossem surdos, parecendo não conter a sua ansiedade.

Morrigan inspirou fundo, esperando a temida contagem regressiva. Ela olhou para o lado, procurando o pedestal onde Aberforth estava. Precisava da ajuda dele para chegar a Cornucópia e pegar seu fio.

A sua direita estava Christian Labonair, do Distrito 5, tão envergado quanto um arco, o corpo todo tremendo e mal conseguindo se manter em pé. A esquerda, Heliodoro Larimar sorria se preparando para nadar, os músculos de seu braço quase rasgando as mangas do macacão de poliéster que todos os tributos usavam.

— Como já sabem, temos algumas regrinhas. Os Jogos só acabam quando apenas um vencedor restar, sendo este o campeão dos campeões! E vale lembrar que é estritamente proibido sair de seu pedestal antes que o canhão que indica o início dos Jogos soe, senão sofrerá as consequências! Vamos a contagem regressiva! — Disse Claudius.

— Dez... Nove... Oito...

Inclinando levemente o corpo para frente, Morrigan finalmente encontrou Aberforth, posicionado entre Joshua e Peeta a uns cinco pedestais a sua esquerda. Ela piscou para ele, atraindo sua atenção e indicando a Cornucópia com a cabeça. Aberforth concordou, os olhos tão penetrantes quanto os de uma víbora.

— Sete... Seis... Cinco...

Então, voltando sua cabeça pro lado direito, algo atraiu a atenção da jovem. Tosses invadiram seus ouvidos, e ela virou-se a tempo de ver Christian tão bambo quanto uma vara de bambu. Suas pernas não paravam de tremer, os joelhos prestes a ceder à medida que as tosses aumentavam.

— Quatro... Três... Dois...

Faltando apenas um segundo para o estouro do canhão ecoar, Christian cedeu. Ele tossiu forte, perdendo as forças nas pernas e caindo para frente. Num movimento rápido e desesperado, o vencedor tentou se segurar no pedestal, agarrando as duas mãos ao metal frio. Porém os membros fracos não aguentaram suportar o peso do corpo todo, derrubando o velho em direção a água.

— Não! — Berrou Yuna de algum lugar da arena, a voz trêmula.

Antes mesmo que Christian chegasse a se molhar, o pedestal onde estava explodiu. No segundo restante as chamas envolveram o corpo do idoso, lançando fumaça cinza em volta.

Morrigan arregalou os olhos no instante em que o sangue queimado de Christian respingou em seu rosto, um pedaço de carne caindo nos pés da garota. Ela segurou a ânsia de vômito, pronta para pular na água, o cheiro de ferro pútrido invadindo suas narinas.

— Um... Já! — Berrou Claudius no segundo em que o som do canhão ecoou.

Tentando ao máximo esquecer a cena que acabou de acontecer, a jovem saltou para dentro da água, batendo os braços e pernas o mais rápido possível. Abriu os olhos por alguns instantes, sentindo os arder devido ao sal, e tendo a péssima oportunidade de ver metade da cabeça de Christian afundando.

Fechando os olhos, Morrigan apenas pensou em sua filha e em como tinha que pegar aquele fio. Precisava dele para concretizar seu plano, precisava dele para sair da arena, precisava dele para ver Elysia e mantê-la a salvo. Se Morrigan morresse, a filha iria se tornar órfã novamente.

Sentindo os pulmões apertarem, a vencedora subiu a superfície, inalando o máximo de oxigênio que conseguiu e mergulhando novamente. Só mais algumas braçadas e estaria na Cornucópia. Se a sorte estivesse a seu favor, os tributos do Quatro não apareceriam em seu caminho.

Por fim, ao bater a mão numa rocha, Morrigan parou de nadar e subiu para a ilha. Saindo da água, ela chacoalhou o corpo rapidamente e correu para dentro do chifre dourado. Com a visão periférica, conseguiu avistar Heliodoro, Azrael e Orion já na ilha e com armas em mãos.

A cada instante mais e mais tributos chegavam, alguns entrando em combate, outros ajudando uns aos outros. Entrando na estrutura metálica, torcendo para que não fosse vista, a jovem começou a vasculhar o local. Achando uma mochila, colocou-a nas costas e voltou a procurar desesperadamente por seu fio condutor, escutando os gritos e o tinir de lâminas vindo lá de fora.

O tempo pareceu estar em câmera lenta, os milésimos se arrastando como se fossem minutos. Mor temeu que, assim como alteraram seu design de arena, os idealizadores também mudaram as armas e itens que colocaram na arena. O fio tinha que estar ali.

Então, depois do que pareceram horas em uma caçada sem fim, os dedos frenéticos da garota finalmente encontraram a textura emborrachada que cobria todo seu fio condutor. O pequeno rolo de metal estava envolto de metros e mais metros de ferro e cobre enrolados.

Morrigan se pôs de pé, mal contendo o sorriso no rosto. Ela abriu a mochila rapidamente e jogou o fio lá dentro, virando-se para fora da Cornucópia e iniciando sua rota de fuga. Entretanto, um mar de músculos surgiu em sua frente, portando uma faca militar, parte da roupa com rasgos e um pouco de sangue escorrendo.

— Perdão, senhorita, mas você não sairá daqui hoje. — Disse Heliodoro sem o costumeiro sorriso, uma feição mais séria e sombria tomando conta de seu rosto.

— Cai fora! — Mor respondeu agarrando a primeira lâmina que viu pela frente, adotando uma posição de combate. Ela segurou o cabo do facão.

Heliodoro investiu com velocidade, cortando o ar quando a garota desviou de sua faca. Morrigan recuou para trás, bloqueando o segundo ataque do Carreirista com seu facão. As duas lâminas se chocaram, espalhando faíscas.

O homem agiu rapidamente, se abaixando e, com a mão livre, acertando um soco no queixo de Morrigan. A garota cambaleou para trás, desnorteada e sentindo a cabeça começar a doer. O cabo do facão escapou de seus dedos e caiu no chão.

Aproveitando da confusão de sua adversária, Heliodoro atingiu o abdômen da vencedora com um chute, lançando-a para trás. Morrigan bateu as costas numa das prateleiras cheias de itens, caindo sentada e derrubando as coisas.

— Achou mesmo que poderia contra um Carreirista? — Indagou o homem se aproximando, a faca apontada na direção da garganta dela. — Tem alguma última palavra?

Morrigan tentou falar, mas sua cabeça, assim como todo seu corpo, não parava de doer e latejar. Sentiu a ânsia de vômito voltar a sua garganta, os olhos semicerrados mal conseguindo ver.

Heliodoro abriu a boca para falar novamente, mas tudo que saiu foram espasmos. Ele arregalou os olhos, soltando a faca e levando as mãos à garganta no instante em que sangue começou a escorrer. Logo a ponta de uma adaga abriu um buraco na pele do homem, terminando de atravessar seu pescoço.

A grande muralha caiu de joelhos no chão à medida que o líquido vermelho vazava pelo ferimento letal. Atrás dele, Aberforth arrancou a adaga do pescoço de seu adversário, limpando o sangue da lâmina em sua roupa. Ele olhou com desprezo para o Carreirista, passando por cima dele e ajudando Morrigan a se levantar.

— Obrigada. — Disse Morrigan ofegante, a voz fraca e a cabeça ainda zonza.

— Temos que dar o fora daqui. — Respondeu Aberforth passando um dos braços da garota por seus ombros e a pegando no colo.

Eles saíram correndo da Cornucópia, ignorando o caos e a revolta à sua volta e deixando Heliodoro para morrer, caído no chão, gorgolejando e engasgando no próprio sangue.

Lychee Hansen mancava mais do que conseguia correr. Depois de vários minutos nadando com dificuldade — e um grande aperto em seu coração —, ela conseguiu chegar à ilha de rochas e pegar uma alabarda a tempo de ajudar Peeta Mellark na água.

Depois de uma semana toda de conversas e intermédios, os tributos vencedores do Distrito 11 aceitaram se aliar ao par romântico do Doze. Na verdade, Joshua já tinha aceitado a proposta desde o ínicio, apenas Lychee ainda mantinha a mente fechada.

— Tem certeza que esse trombolho ai não vai enferrujar? — Perguntou Lychee a Peeta enquanto eles procuravam por Katniss e Joshua. Os dois haviam saído para achar um arco para Katniss e ainda não tinham retornado.

— Não tem problema, sempre tomo banho com ela. — Respondeu Peeta se aproximando da água, pronto para pular a qualquer momento. — Meu medo é ela desprender enquanto a gente nada.

— Fica tranquilo, os médicos da Capital podem ser idiotas mas, por incrível que pareça, são bem competentes! — Lychee levantou a alabarda no instante em que Thadeus começou a se aproximar, mas Célia passou correndo atrás do homem e o puxou para fora da ilha. — Cadê aqueles dois?

— Só espero que não tenham topado com nenhum Carreirista. — Peeta olhou em volta, preocupado. Os tributos presentes na ilha começavam a se dispersar, muitos fugindo em direção à floresta de carvalhos.

Alguns metros na frente da dupla, Azrael Mancini finalizava o homem do Distrito 6, agarrando e girando sua cabeça pro lado, o som do pescoço quebrando e ecoando. O jovem Carreirista do Dois virou-se na direção da dupla, sorrindo psicótico para eles.

— Eu sinto muito, padeiro, mas se eles não aparecerem em cinco segundos vamos ser obrigados a deixar sua mulher para trás. — Falou Lychee não ousando tirar os olhos de Azrael, que se aproximava a passos curtos.

De repente, atraindo a atenção deles, Joshua e Katniss apareceram correndo, com Leonna e Moon em seu encalço.

— Temos que sair daqui agora! — Gritou Peeta para eles. A dupla morena rapidamente se juntou a seus parceiros.

— Temos que nadar, rápido! — Lychee disse agarrando o braço de Joshua e o puxando na direção da água. Ela não ligava para o casal, o único com quem se importava era seu antigo mentorado.

Então, Joshua agiu.

— Me desculpe. — Sussurrou o garoto acertando um chute na perna manca da negra. Lychee arregalou os olhos e gritou de dor, sendo empurrada na água.

A mulher se debateu, a perna latejando como se estivesse deslocada, tentando boiar. A confusão dominou seus instintos e, nos segundos em que parou para observar Joshua, ela viu os Carreiristas olharem indignados para o rapaz. Especificamente nos olhos de Moon brilhava um ódio muito semelhante ao de Lychee. Traição.

Joshua se moveu rapidamente, agarrando a alabarda da parceira e enfiando a ponta de lança na barriga de Katniss.

— O que você tá fazendo? — Berrou Peeta a plenos pulmões, atraindo a atenção de todos para a cena.

Katniss caiu de joelhos no chão, sangue escorrendo por todo seu corpo enquanto o rapaz negro retirou a alabarda. Peeta se aproximou desesperado da amada, caindo de joelhos no chão, as lágrimas escorrendo aos montes. O garoto segurou a mão de Katniss, vendo o brilho da vida sumir de seus olhos aos poucos.

Todos os que estavam em volta pararam para observar. Os tributos presentes não estavam mais preocupados em fugir ou lutar uns contra os outros, eles apenas se permitiram ficarem surpresos pelo ocorrido inesperado.

Joshua não terminou seu trabalho ali. Ele ergueu a alabarda mais uma vez, partindo para cima de Peeta. Josh levantou a ponta de machado sobre o pescoço do loiro, não demorando para descer a lâmina com toda a força.

Com a cena da cabeça de Peeta rolando no chão, Lychee cerrou os punhos, ainda na água. Ela passou a ignorar a dor na perna, tirando forças da raiva que estava sentindo e nadando para longe.

— A revolução está cancelada! — Gritou Joshua.

Yuna Kurosawa chorava em silêncio. Sentada no chão, escorada em uma árvore qualquer, ela deixava com que as lágrimas escorressem de forma involuntária, observando o mais absoluto nada, enquanto pensava em como queria o irmão ali.

"Não! Garota burra! Você não quer ele aqui, sua idiota. Você quer estar com ele, mas não aqui dentro da arena, burra!", dizia para si mesmo em pensamentos.

Depois da fatídica e cruel morte de Christian, a garota acabou ficando perdida. Tentou colocar a cabeça no lugar, dizendo mentalmente que precisava ficar viva, e focou em sair da Cornucópia ilesa, garantindo uma mochila com comida e água e um cinto com três facas.

Yuna tomou o controle de suas emoções, e de seu corpo, e se pôs a trabalhar numa maneira de sobreviver ao Banho de Sangue. Traçou rotas e planos de combate, saindo da ilha e nadando o mais rápido possível.

Não pensou de quem deveria fugir, nem para onde deveria ir. Apenas correu o máximo que pode, evitando qualquer sinal de combate, desviando dos outros tributos e se enfiando entre os carvalhos. Sem parar, sem descansar, ela continuou a perambular pela arena, esquadrinhando todo o local e buscando estar o mais afastada possível dos que restavam. Sempre em pé, sempre em frente, procurando um local seguro, na medida do possível.

Só parou quando os carvalhos deram lugar a gigantescos cedros, cada um espaçado do outro, e uma grama rasteira macia e verdinha. A floresta estava quieta e tranquila, uma brisa fresca fazendo as folhas farfalhar levemente, iluminada pelos raios dólares que entravam através das copas.

Naquele ambiente, calmo e um tanto quanto agradável, Yuna permitiu que seu cérebro descansasse e suas emoções assumissem o controle. Ela soltou a mochila próxima a uma das árvores e desabou de joelhos no chão, jorrando toda a pressão para fora.

A perda de Christian a acertou em cheio, só não mais dolorida do que se fosse Yunho no lugar dele. O velho fora a figura paterna que os irmãos não tiveram, ensinando e criando memórias e laços com os dois que não tinham com seus pais biológicos, mesmo eles estando vivos. Foi Chris que ajudou Yuna a superar a negligência de sua mãe, e agora ela estava sem ele.

E chorou, chorou em silêncio, contendo o grito mais doloroso de sua vida. Deixou com que as lágrimas levassem consigo toda a pressão que sentiu ao ser uma das escolhidas para formular um plano perfeito, toda a raiva que sentiu dos pais a vida toda, toda a saudade que estava sentido do irmão e, sobretudo, todo o luto em que se encontrava.

Não soube dizer quantos tempo ficou ali. Talvez minutos, talvez horas. Não ligava, ela tinha o tempo que quisesse dentro da arena. Nem mesmo seus ouvidos, geralmente tão atentos e aguçados, se importaram em ficar operando. Qualquer um que chegasse iria encontrar uma garota fraca e indefesa, dominada pelos sentimentos, descarregando tudo que sentia.

Por fim, Yuna se pôs de pé, cambaleou até o cedro em que estava sua mochila e sentou, escorando as costas no tronco. A garota abriu a bolsa, encontrando uma garrafa d'água pela metade, uma corda enrolada e três maçãs. Levou a garrafa até a boca, bebendo metade do líquido.

"Levanta, garota! Precisamos sair daqui, achar uma fonte de água!", dizia a voz da consciência. Mas o corpo não obedeceu, apenas relaxou, permitindo que as lágrimas remanescentes rolassem em silêncio, curando a dor do luto.

Desejava que Yunho estivesse ali, abraçando-a e consolando-a. O irmão mais velho sempre tivera jeito com conselhos. Ele com certeza a envolveria em um abraço apertado e diria algo engraçado, como em todas vezes em que Yuna acordou no meio da noite gritando e tremendo após um pesadelo.

A floresta, antes bem clara, começava a cair na penumbra. O sol enviava seus raios fracos, já não podendo mais ser visto no topo do céu alaranjado, indicando que iniciou sua jornada de descida. Provavelmente se aproximava das cinco horas da tarde.

Yuna suspirou, passando as mãos no rosto e limpando as lágrimas, sentindo suas bochechas inchadas. Estava escurecendo e ela não tinha uma lanterna e nem queria fazer uma fogueira. Passaria a noite acordada e, para isso, precisava achar um lugar mais alto e seguro, onde a luz da lua alcançasse melhor.

Olhou para cima, o tronco grosso se estendia nu por alguns poucos metros, talvez uns cinco ou seis, ganhando galhos espessos e firmes a partir dali. Parecia um bom local para passar a noite.

Ela inspirou fundo, colocou a mochila nas costas, pegou duas facas do cinto e se preparou para escalar. Atacando com força, Yuna cravou a primeira faca no cedro, na altura de seu braço esticado, e começou a fazer força para puxar o corpo para cima. Entretanto, ela sentiu seu corpo todo arrepiar.

Tirando a faca do tronco rapidamente, a jovem virou para trás a tempo de ver um raio atingindo um cedro a alguns metros de distância. A árvore explodiu em fogo, lançando chamas para todos os lados.

Yuna arregalou seus olhos enquanto sentia a eletricidade no ar, seus instintos de sobrevivência estando alertas a tudo. Ela olhou para cima, vendo que o céu, antes rosa alaranjado, agora estava coberto de nuvens negras prontas para liberar imensas descargas elétricas em sua direção.

Então, prevendo a desgraça, a jovem prendeu as facas de volta no cinto e começou a correr, disparando na direção onde achava estarem os carvalhos. E o céu começou a cair.

"Que merda tá acontecendo?", disse mentalmente enquanto corria.

A tempestade de raios despontou. Descargas elétricas acertavam os cedros sem parar, fazendo chamas e labaredas voarem para todos os cantos. A floresta, antes um ambiente agradável e hospitaleiro, agora se encontrava num verdadeiro caos. Suas cores verdes e vivas substituídas pelo vermelho infernal e o laranja, o fogo se alastrando por toda parte e consumindo cada tronco, folha e grama.

Em completa disparada, Yuna desviava das chamas e das árvores que despencavam, torcendo para que nenhum raio a atingisse. O calor e a fumaça faziam seus olhos arderem e lacrimejar, a visão embaçada atrapalhando na corrida.

A cada metro percorrido, mais perto um raio caia. Cada vez mais seus pelos se eriçaram ao sentir a eletricidade em volta, mente e corpo em um só objetivo: fugir dali.

Nem mesmo em seu primeiros Jogos Yuna precisou correr tanto. Em todas as suas fugas ela sabia do que estava fugindo e poderia lutar caso fosse alcançada. Desta vez seu inimigo era algo imprevisível, doloroso e mortal.

Finalmente, após longos segundos de uma corrida desgastante, os carvalhos apareceram em seu campo de visão. Os raios não eram algo natural e, por se tratarem de uma armadilha dos idealizadores, muito provavelmente não acometiam a arena inteira. O trabalho deles é atormentar os tributos e entregar cenas eletrizantes, não matar todos de uma vez.

Logo a distância se tornou de poucos metros. Yuna sentia o corpo todo como se fosse uma pluma, parecendo flutuar na grama a cada passo. O fogo ao redor transformou o ambiente todo num inferno, e os raios só dificultavam ainda mais a jornada.

Saltando por cima de árvores caídas e galhos quebrados, a garota pode sentir o alívio ao estar frente a frente com a fronteira de biomas. Então, seu corpo foi lançado para frente.

Com uma abordagem brutal, o raio caiu no exato lugar em que seu pé estava a meio segundo atrás, impulsionando Yuna para frente. A garota atravessou o ar, rompendo para dentro da área dos carvalhos e aterrisando no chão.

Seu corpo todo doía e a cabeça não parava de girar. A perna esquerda, membro mais próximo da descarga, absorveu a maior parte do impacto, estando agora cheia de queimaduras e com um aspecto horrível. A pele necrosada adquiriu tons de preto e roxo enquanto o sangue queimado contornava com um vermelho.

O cheiro de ferro queimado pairou sobre o ar e Yuna conteve gritos de dor ao despejar parte de sua água no ferimento, observando ofegante a tempestade de raios que continuou a assolar os cedros.

Thadeus Ariston caminhava com cuidado através dos carvalhos. A cada novo passo, a bota tocava o chão como se o homem estivesse andando sobre um campo minado cheio de minas escondidas. Agradecia mentalmente por estar de bota e seus pés não precisarem tocar a grama.

Já era noite e a lua guiava seu caminho na escuridão, iluminando seus passos duvidosos. Um pouco a frente, Célia cantarolava baixinho, caminhando tranquilamente. O cabelo escuro recém cortado caía sobre os ombros como se fosse um elmo, o macacão cinza ressaltando cada curva de seu corpo, com alguns detalhes em azul nas pernas e braços.

O homem revirou os olhos, jogando os sedosos cabelos para trás e os ajeitando. Aquele macacão era rídiculo! Ele com certeza teria desenhado roupas melhores para os tributos usarem, como fazia em todos os anos desde que se lembre. Mas não, naquele ano as roupas teriam que ser de outro fornecedor, já que o próprio Thadeus estaria na arena.

Os tributos já ficavam todos sujos e machucados durante o período dos Jogos, e ainda por cima teriam que morrer feios, vestidos em roupas ridículas! Aquilo era o cúmulo!

Obviamente não queria morrer, mas, só de imaginar seu corpo inerte usando aquele macacão cinza passando ao vivo nas televisões de todo o país, Thadeus já ganhava um forte incentivo, e motivo, para se manter vivo.

— Como está sua filha? — Indagou Célia de repente, parando de cantarolar.

— Ela está bem. — Respondeu Thadeus se aproximando da garota. — Ficou em casa acompanhada do marido.

— Que bom, faz tempo que não a vejo. — Célia disse.

— Rúbia está trabalhando na filial da Ariston's na Capital, administrando tudo por lá. Voltou para casa alguns dias antes da Colheita, para aproveitar as férias. — Explicou Thadeus enquanto estalava os dedos sem parar, as mãos visivelmente inquietas.

— Fico feliz que ela esteja gostando da Ariston's. Creio que será ela a herdar todo o seu império, não é?!

— Não tenho outros herdeiros, então sim. E, de qualquer forma, meu testamento já está escrito, deixei tudo para ela. Foi Rúbia que me ensinou como ser um pai e um homem melhor, ela merece ficar com tudo que eu construí e recebi.

— Tá tão confiante de seu desempenho na arena que já deixou o testamento previamente escrito? — Célia perguntou sorrindo enquanto Thadeus roía as unhas. Ele cuspiu um pedaço de unha e voltou a falar.

— Tenho o testamento escrito desde que Rúbia tinha dois anos, quando sua mãe faleceu. Eu cresci como uma criança órfã e sem nada, e, caso algo acontecesse comigo, ela seria órfã mas ao menos teria dinheiro. Agora já está com quase trinta anos, já sabe se virar sozinha.

O homem fez uma careta no instante em que mordiscou um pedaço de seu dedo e sentiu o gosto ferroso de sangue na boca. Ele cuspiu na grama.

— Mesmo assim, não pretendo morrer. Quero tentar vencer e voltar a ver minha filha, pode estar com ela nos próximos anos. Mas sou realista e enxergo que, perto dos outros, minhas chances caem drasticamente.

— Nós já sobrevivemos ao Banho de Sangue, a parte mais difícil já passou. — Célia piscou, observando a lua. — Vamos nos manter longe dos outros e esperar, se esconder é uma ótima forma de atacar, fiz isso da primeira vez.

— Eu me lembro, garota. — Thadeus respondeu dando risadas e parando de roer as unhas. Ele secou os dedos no macacão e, novamente, jogou os fios loiros escuros para trás, sempre mantendo o cabelo bem arrumado. — Não dava nada por você, toda pequena e fraca. E ainda assim conseguiu o incrível feito de ganhar sem ter matado ninguém.

— Pois é, sou uma ótima sobrevivente. — Célia respondeu num tom mais triste. Ela percebeu que o homem não parava de mexer as mãos e sorriu acolhedora. — Tá louco pra desenhar, não é?!

— Fazem muitos anos que eu não fico tantas horas assim sem desenhar uma peça. Sempre costumo andar com meu caderninho e um lápis, estou ficando louco já. — Thadeus respondeu rindo. — Faço peças desde que me entendo por gente, é um modo que achei pra esquecer meus problemas, principalmente depois da arena.

— Eu gosto de costurar, mas nunca tive muita paciência pra criar algo novo não. — Falou Célia.

— Ei. — Disse Thadeus se aproximando com um sorriso e encostando a mão em seu ombro. — Se você sair daqui viva, garota, peça a Rúbia que te deixe costurar alguns dos modelos que estão rascunhados em meu caderno. Seria uma honra para mim.

— Pensarei nessa sua proposta. — Célia respondeu perdendo seu olhar entre as estrelas.

Luke McGriffin respira calmamente enquanto observa o céu estrelado entre a copa dos carvalhos. A luz do luar ilumina fracamente a arena, o vento fresco traz a sensação de estar em casa.

O velho vez ou outra olha para os lados, à procura de alguém que se aproxime. Em uma de suas mãos jaz o cabo de uma das foices que conseguiu na Cornucópia, enquanto a outra acaricia os cabelos macios de Annete, que dorme em um sono profundo

A imagem traz a lembrança de Saher, cinquenta anos atrás, deitada ao lado de Luke, já acometida por sua insanidade, tomada por uma mente que insistia em pregar peças em si mesma. O homem abriu um sorriso triste, sentindo algumas lágrimas se formarem em seus olhos.

Ele desejava, por um mero minuto, poder retornar no tempo em encontrar Saher novamente. Desejava abraçá-la e dizer que tudo ia ficar bem. Desejava impedir que o garoto com a tatuagem de dragão lutasse contra ela e acertasse o gatilho de sua loucura. Queria poder voltar e fazer diferente, proteger Saher até o fim, já que ela era a única dentro daquela maldita arena que merecia sair viva.

Mas nem mesmo cinquenta anos passados são fortes o suficiente para curar o luto e a dor deixada pela perda de um verdadeiro amor. E, mesmo que Saher estivesse viva, logo ela iria descobrir o que Luke fizera àquelas pobres garotas. E, mesmo sabendo de toda sua monstruosidade, Saher não iria deixá-lo, pois ela enxergava e fazia aflorar o lado bom das pessoas. E era isso que mais machucava Luke.

Ele não era digno de Saher, não era digno do amor de Saher. E mesmo assim ela confiou sua vida a ele durante aqueles cinco dias. Agora, cinco décadas depois, a história parecia estar se repetindo, dessa vez com Annete.

Luke não estava e nem desejava se apaixonar pela mulher, mas conseguia enxergar nela todos os traços e trejeitos de sua amada. Faria de tudo para protegê-la, iria seguir até o impossível para fazer com que Annete saia viva da arena, do jeito que não fez com Saher.

Não conseguiu proteger a primeira tanto tempo antes, mas agora entregaria sua vida sem pensar duas vezes para completar sua missão.

Saher e Annete eram o preço a pagar pelos pecados que cometeu ao abusar e matar três jovens naquela festa. E a arena, o inferno pelo qual ele tem que vagar até se redimir e chegar ao purgatório.

As estrelas jamais o perdoariam, sabia disso. Elas eram as eternas testemunhas de seus crimes hediondos, buscando justiça pelas vidas ceifadas, sempre buscando castigar Luke.

O velho bocejou alto, beliscando a própria perna a fim de afastar o sono com a dor. Ele não podia se dar ao luxo de dormir, tinha que manter Annete segura. A lua, em toda sua grandiosidade, subia ao mais alto ponto do céu, indicando que a meia noite se aproximava, juntamente com o fim do primeiro dia.

Os minutos foram passando, e logo o hino da Capital começou a tocar por toda a arena, a enorme insígnia em forma de pássaro estampada em branco nos céus. Annete se mexeu, assustada, mas Luke continuou acariciando seu cabelo a fim de confortá-la e voltar a dormir.

O primeiro rosto a aparecer foi de Heliodoro Larimar, do Distrito 1. Luke arregalou os olhos, surpreso. Não achou que o tanque de guerra dos Carreiristas morreria logo no primeiro dia. Christian Labonair, do Cinco, foi o próximo, consolidando Luke como um dos vencedores mais antigos vivos.

O homem do Seis veio logo em seguida, dando lugar, por fim, a Katniss Everdeen e Peeta Mellark do Distrito 12. O casal desafortunado, recém casados e grávidos. Ninguém achou que eles morreriam tão cedo, ainda mais depois da ótima campanha de Katniss nos Jogos anteriores. Um verdadeiro choque.

A luz branca sumiu e o hino cessou, indicando que apenas cinco morreram no primeiro dia do Massacre Quaternário. Luke voltou a encarar as estrelas. Elas, que estavam lá em cima durante todas as noites, confidentes testemunhas silenciosas, entretidas em sua própria imensidão, guardando os mais depravados segredos.

Malditas estrelas.

Anthony Abernathy estava ansioso. Passou o dia todo nervoso, pensando em como aquilo foi acontecer. Durante todo o caminho por baixo da antiga arena, atravessando os túneis subterrâneos da Capital, ele não parava de pensar naquilo. Joshua Mourrissette havia traído os rebeldes e matado os dois maiores símbolos da rebelião: Katniss e Peeta.

Agora, na sala de reunião dos rebeldes, Anthony encarava Eulália, Caroly e Plutarch, sem saber o que fazer ou dizer. Ele foi pego de surpresa em cheio.

— Fizemos bem em restringir o conhecimento do plano somente a mim e as duas que o formularam. — Disse Plutarch quebrando o silêncio. — Joshua pode ter matado dois símbolos, mas agora são menos pessoas para proteger e ainda podemos prosseguir sem medo de sermos previstos.

— Não fale assim! — Esbravejou Caroly. — Não fale como se Katniss e Peeta fossem meros objetos simbólicos. Eram pessoas, eram crianças!

— Pandora, Bartholomew, Liora e o bebê também são, e mesmo que Snow não saiba de nossos planos, ele provavelmente sabe quem são os outros. É arriscado prosseguir! — Argumentou Eulália recebendo um aceno de cabeça da loira como concordância.

— Mas não podemos simplesmente parar o plano por aqui. O resgate ainda é a melhor chance de salvarmos o máximo deles possível, e se a Capital sobreviver a essa guerra, Snow fará vista grossa para se certificar que nunca mais surja alguém com a potência de incentivar as massas como Katniss! — Respondeu Plutarch cruzando seus braços. — O resgate é nossa melhor chance!

— Precisamos minimizar os riscos, especialmente para Liora. — Caroly parecia contrariada com os argumentos do homem de cabelos grisalhos. — E você, Anthony, o que acha?

Anthony demorou para responder, ainda perdido em seus próprios pensamentos. Plutarch estava certo, não podiam perder essa chance, é algo que demora muito para acontecer novamente, se acontecer. Mas, por outro lado, ainda tinha quatro vidas podendo estar diretamente na mira de Snow.

— Heavensbee, em algumas das versões de Morrigan e Yuna existe uma para caso Katniss e Peeta morressem no Banho de Sangue? — Indagou Anthony.

— Temos algumas sim, e todas elas são executáveis a essa altura do campeonato. — Plutarch respondeu.

— Então temos que segui-las. — Anthony percebeu as sobrancelhas arqueadas de Caroly e Eulália e prontamente se pôs a explicar seu ponto de vista. — Elas pensaram em tudo, fizeram dezenas de versões desse plano para cada situação diferente. Tenho certeza que em alguma delas consideram um traidor e a morte do casal logo no começo. O trabalho do plano é manter o máximo de símbolos vivos e executar o resgate com sucesso. Ou seja, se seguirmos o plano, estaremos mantendo Liora, Bartholomew e Pandora em segurança.

— Acontece que as pessoas são imprevisíveis, Thony! — Respondeu Eulália se impondo. — Mesmo as mentes mais brilhantes não podem traçar todas as infinitas realidades. E se tiver mais um traidor? E se alguém desistir do plano lá dentro? E se algum dos símbolos estiver do lado da Capital, assim como Joshua? E se algum de nós quatro for um espião do Snow? Creio que não temos planos para tudo isso, certo?!

— Você está certa. Mas, se desistirmos de tudo, então significa que só um deles vai sair vivo. — Falou Plutarch. — Fora que não sabemos o que Joshua contou à Capital. Ele pode até mesmo só ter feito um ato por si mesmo, sem estar necessariamente aliado a alguém, apenas para tentar evitar seu ponto de vista do futuro.

Os quatro voltaram a se encarar, as luzes fracas das velas e lamparinas lançando sombras sobre o rosto de cada um, realçando as curvas e escondendo seus olhos.

— O que acho é que devemos prosseguir com o que Morrigan e Yuna planejaram, e tentar fazer com que o resgate dê certo. É melhor do que só ter um vivo e o vencedor ser alguém como Azrael ou o próprio Joshua. — Concluiu Plutarch jogando seu cabelo para trás e olhando o relógio em seu pulso.

— Bom, já arriscamos em seguir em frente até aqui. O que custa apostar nossas últimas fichas no melhor futuro possível? — Falou Caroly suspirando, se dando por vencida. Anthony olhou para Eulália, esperando uma resposta da mulher.

— Tudo bem. — Eulália cedeu revirando os olhos. — Vamos em frente. Mas se Joshua for resgatado ou vencer a bagaça toda, eu mesma faço questão de dar uma machadada nele!


001 ㅡ CAPÍTULO CINCO SAIUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU

002 ㅡ Séculos sem publicar pra vir esse capítulo de tirar o fôlego, e já começamos com lapada seca pra acordar quem tava dormindo!

003 ㅡ Yuna já começa os Jogos estando só o pó da rabiola, coitada foi pega pra Cristo nesse capítulo

004 ㅡ O que achou das mortes? Esperava ou não? Cinco hoje, temos 19 tributos vivos ainda.

005 ㅡ Deixa o feedback aí, me fala o que tu gostou, o que não gostou, o que posso melhorar! Isso ajuda muito a construir a história!

006 ㅡ Votos e comentários ou a Liora morre 🔪🔪

Contagem de Palavras  ㅡ 5711 palavras.

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