➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗜𝗜𝗜 ㅡ 𝗘 𝗙𝗿𝗮𝗰𝗮𝘀


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Laguna Overwind observava a paisagem nublada e rodeada de carros e prédios da Capital através da vista panorâmica enquanto descia de elevador no Edifício dos Tributos, indo do quarto andar ao Centro de Treinamento, no subsolo. O vidro transparente permitia a garota enxergar o ambiente cinza mas, ao mesmo tempo, vivo.

Seus olhos não despregaram um segundo sequer da vista lá fora, o cérebro ignorando ao máximo a informação de que estava presa dentro de menos de dois metros quadrados, ainda mais com a grande muralha chamada Heliodoro ao seu lado. O homem até tentou puxar assunto, contando algumas piadas e mostrando um bom humor, mas Laguna preferiu se manter reclusa.

Por baixo do macacão colado de treino, que mais parecia um collant de ginástica, a garota sentiu seus pelos se arrepiarem. Não era a presença de Heliodoro que a amedrontava, mas sim aquele maldito espaço apertado, que, a cada andar que descia, parecia estar encolhendo e se fechando mais e mais. E, para piorar tudo, o frio a atingiu de vez, a temperatura da Capital tendo caído e castigando a todos.

Por fim, o elevador parou. A porta metálica deslizou para o lado, permitindo que o ar aquecido do centro de treinamento entrasse. Heliodoro acenou com a cabeça e saiu, sendo seguido por Laguna.

O local já estava cheio, muito provavelmente todos os vencedores estavam ali para o segundo dia de treino. A garota seguiu Heliodoro com os olhos, atenta ao momento em que ele se juntou a Leonna, Saerom, Azrael e Orion. Com exceção do vitorioso do Dois, a aliança carreirista parecia mais um grupo de dança de meia-idade. Mas Laguna sabia que todos eram implacáveis e habilidosos, e foi justamente esse um dos motivos que a levou a preferir o isolamento do que alianças. 

Como fizera no dia anterior, seguiu para a ala de armadilhas e nós, comemorando mentalmente ao perceber que ninguém estava ali, ainda. Utilizando a mesma estratégia de seu primeiro Jogos, Laguna optou por se proteger a base de armadilhas, torcendo para que a arena fosse um local mais próspero para seus planos. 

Mesmo perdida em seus pensamentos, a morena percebeu instintivamente alguém se aproximando por trás, com passos suaves e quase inaudíveis. 

— Amarre esta corda mais firme. — Disse uma voz feminina. 

Laguna virou o rosto para trás, dando de cara com uma jovem de pele parda, da cor do caramelo, uma trança caindo sobre seu ombro. Katniss Everdeen. Laguna arqueou as sobrancelhas diante da afirmação repentina da menina.

— A não ser que queira pegar um coelho ou esquilo, essa corda não será de grande ajuda. — Explicou Katniss apontando para a corda atada a madeira por um nó.

— Não se preocupe, não sou tão burra assim. — Respondeu Laguna mantendo o nó do jeito que estava e prosseguindo com sua armadilha. — Estou apenas testando formas de conseguir carne.

— Não seria mais inteligente optar por algo mais versátil que pegue aves também, então?

— Já pensou que talvez essa seja apenas uma armadilha fraca feita de propósito? Que a real ideia é fazer com que minhas ameaças achem que já passaram por elas para abaixar a guarda? — Katniss olhou fixamente para Laguna enquanto a morena exercitava seus nós. — Tente não ensinar suas táticas a seus adversários, ou eles vão acabar usando-as contra ti.

— Tem razão. — Respondeu Katniss concordando com a cabeça e saindo da ala.

Laguna retornou a seus métodos e estratégias, tentando usar o máximo de sua criatividade para inovar em suas armadilhas e pregar os outros desprevenidos. Não era muito diferente de pensar em modos de usar as redes e lanças na água, buscando pegar mais e mais peixes.

Cresceu acompanhando diariamente o pai em seu árduo trabalho de pescador, por vezes enfrentando o mar, lançando a rede torcendo para que ela voltasse cheia. Depois de tantos anos, aprendeu que para capturar sua presa, é preciso dar uma falsa sensação de segurança a ela, fingir que o perigo já passou, para, enfim, acertá-la em cheio.

Novamente, passos vinham em sua direção. Ela virou antes que eles se aproximassem muito apenas para ver um homem de cabelos loiros escuros descendo até a nuca, quase como se fosse feno queimado, a barba cheia e bem aparada. Ele levantou a mão direita, acenando e permitindo que as unhas esmaltadas de preto, juntamente com os calos e cicatrizes, fossem vistas.  

— Está ocupada no momento, senhorita? — Indagou o homem chegando perto de Laguna.

— Quantas vezes eu já recusei sua oferta, Thadeus? Já disse que não serei modelo de sua marca.

— Como tem tanta certeza que venho aqui debater sobre este assunto? — Thadeus sorriu amistoso, esquadrinhando a menina de cima a baixo.

— Porque toda vez que você vem falar comigo é para oferecer a mesma coisa. Pode me deixar em paz? — Laguna deu as costas para o homem, voltando seu foco para os projetos de armadilhas.

— Olha, você é tão bela, faria um ótimo par com Azrael ou qualquer um dos outros modelos que tenho.

Thadeus se aproximou, encostando sua mão no ombro da garota, dando um leve apertão. Laguna se virou, possessa, desviando da mão do homem e o empurrando para trás.

— Nunca mais encoste essas suas mãos imundas em mim! — Disse ela limpando o ombro, a testa franzida e os olhos com raiva. — Tenho nojo da sua raça, quero distância.

— Não precisamos nos exaltar, senhorita. Apenas quero contratar seus serviços. Como disse antes, você é muito bela e popular dentro da Capital, se posar para algumas fotos vestindo minha marca vai lançar a última tendência entre os cidadãos. — Thadeus se recompôs, olhando para Laguna com suavidade.

— Você também deu escolha a mãe de sua filha? — Indagou Laguna respirando com mais calma, evitando causar alvoroço a atrair os olhares para si. Thadeus arregalou os olhos. — Sou rica, querido, e Snow tem a merda do controle da minha vida. Felizmente posso escolher outros modos de pagamento além do dinheiro, e aprendi muito bem como administrar minhas informações!

— Creio que não saiba do que esteja falando, senhorita. — Thadeus não deixou com que a moça voltasse a falar, ele começou a caminhar para fora antes da ala de armadilhas e nós. — Tome muito cuidado, com sua boca, ela pode ser seu túmulo.

Laguna suspirou enquanto o homem se afastava, cerrando os punhos. Ela odiava Thadeus e todo o império que ele construiu, toda a fachada de estilista bom samaritano que doa e emprega os pobres coitados de seu distrito, mas que não pensaria duas vezes em matá-los se fosse para continuar com sua vida luxuosa na Capital. 

Odiava aquela maldita hipocrisia, ainda mais vindo de alguém que, saiu do mais fundo poço e conseguiu vencer a própria morte. E odiava ainda mais o fato de que Thadeus era livre, Snow não ligava para ele, e mesmo assim escolheria mil vezes a Capital.


Joshua Mourrissette caminhava tranquilo pelo Centro de Treinamento, passando a mão levemente pela barriga e dando suspiros de alívio. Havia acabado de almoçar e estava estufado. Muitos dos outros vencedores ainda estavam fazendo suas refeições no refeitório ao lado, deixando o Centro quase vazio.

Olhando de longe, Josh observou Lychee treinando na ala de nós e armadilhas, Heliodoro descendo o cacete em um saco de pancadas e Yuna combatendo hologramas com uma espada. A garota lutava como ninguém, parecendo flutuar, segurando o cabo da espada com tanta leveza que parecia uma pena, enquanto dilacerava os guerreiros hologramas aos montes.

Fez um lembrete mental, evitar ao máximo um combate armado contra Yuna. Joshua sabia manejar armas, lanças e outras lâminas, mas seu método de luta sempre foi o corporal. Confia mais em sua capacidade de socar alguém do que lutar com uma espada.

Sem que percebesse, com a atenção toda na jovem do Cinco, o rapaz deu de cara com uma parede. Grunhiu baixinho enquanto passava a mão pelo nariz, se recompondo. A sua volta, algumas árvores, pedras e terra.

— Você tá bem? — Indagou alguém. Joshua olhou em volta, procurando o dono da voz, vendo apenas uma mesa de metal cheia de folhas secas, pacotes de lenços umedecidos, tintas e pincéis. 

— Quem é que tá aqui? — Respondeu o moreno ainda confuso. Então, para seu espanto, o tronco de uma das árvores começou a se mover.

Pulando para trás instintivamente, Joshua arqueou as sobrancelhas e fitou o tronco, que agora abria braços e pernas e tomava uma forma humana e corpulenta, um par de olhos azuis flutuando no meio de tanto marrom.

— Desculpa se te assustei, não foi a intenção. — Disse o jovem dando um sorriso de canto, andando até a mesa e pegando um lenço umedecido. Ele passou o lenço no rosto, revelando uma pele branca como a neve. — Mas acho que significa que estou me camuflando bem.

— Peeta Mellark, presumo. — Falou Joshua sorrindo admirado. Peeta concordou com a cabeça enquanto terminava de limpar seu rosto. O moreno puxou uma parte do tecido que cobria seu braço e voltou a falar. — É um ótimo trabalho, cara! Conseguiu até pintar esses macacões escuros.

— Ah, não! Não pintei as roupas, não! — Peeta sorriu envergonhado enquanto coçava o cabelo. — Na verdade estou usando apenas uma cueca branca, a tinta não iria pegar no tecido escuro do macacão.

— Entendi. — Josh respondeu observando o corpo de Peeta de cima a baixo. Não era só uma pintura simples, cada detalhe estava feito com tamanha perfeição que, mesmo longe da árvore, ainda parecia um pedaço de madeira ambulante. Cada ranhura e rachadura feita com uma leveza impressionante para confundir qualquer um. Com exceção da região da virilha, onde o marrom estava um pouco mais fraco e sem tantos detalhes, tudo era uniforme. — Creio que Katniss não goste de saber que seu homem está apenas de cueca no meio do Centro de Treinamento.

Os dois rapazes gargalharam enquanto Peeta se abaixou e pegou um macacão embaixo da mesa. Ele começou a vestir a roupa pelas pernas.

— Ninguém vem nesta ala mesmo, além de mim e Nevada. Mas ela não apareceu aqui a manhã toda, decidi me arriscar. — Explicou-se Peeta terminando de vestir a roupa.

— Tome cuidado, cara. Sua mulher tem uma carinha de ser ciumenta e surtada. — Mais uma vez, Joshua caiu em risadas, respirando fundo tentando parar. — Mas isso é incrível, nunca vi alguém se camuflar tão bem assim!

— Obrigado. — Peeta pegou outro lenço, limpando dessa vez seu cabelo. Pouco a pouco os fios loiros se revelaram no meio de tanto marrom e cinza. — É algo bem trabalhoso, mas um ótimo meio de se esconder dentro da arena.

— Tenho certeza que sim, tomarei bastante cuidado com as árvores lá dentro! 

Os dois permaneceram alguns segundos em silêncio, apenas se encarando enquanto Peeta terminava de tentar tirar a tinta do cabelo. Joshua havia escutado que o rapaz era forte e corpulento, mas nunca imaginou ver um braço musculoso em alguém que nascera no Distrito 12.

Ele mesmo não poderia julgar, para um garoto nascido no Onze, seu físico era muito impressionante, quase como o de um Pacificador treinado no Dois.

— Achei bem legal a ação de vocês. — Disse Josh de repente. — Digo, quando se propuseram a doar parte de seus ganhos mensais às famílias de Rue e Thresh. Eu conhecia os dois, é algo que vai ajudar muito seus irmãos.

— Era o mínimo que poderíamos fazer. — O loiro respondeu sorrindo envergonhado novamente. — Claro que não podemos compensar o fato de que eles estão mortos, mas tentamos ajudar de alguma forma.

— Vai por mim, vocês ajudaram bastante. Tenho feito doações aos moradores do Onze desde que venci e cada vez que uma daquelas crianças sorri ao saber que os pais poderão comprar alimentos descendentes sinto como se todos que matei estivessem me perdoando. 

— Pois é. — Peeta rumou seu olhar para o refeitório, vendo que cada vez mais vencedores terminavam de almoçar e voltavam a seus treinos. — É melhor eu ir comer logo, senão ficarei sem almoço. Até mais!

— Até! — Joshua acenou enquanto Peeta caminhava rapidamente para o refeitório.


Célia Thornwood caminhava pelas ruas frias da Capital, aquecida em seu casaco de pele de urso, as mãos enfiadas dentro dos bolsos, desviando de qualquer criatura espalhafatosa que cruzasse seu caminho pela calçada. 

O sol poente lançava sua luz alaranjada e fraca nas ruas movimentadas, dando uma falsa sensação de calor. Todos à volta de Célia conversavam alto, por vezes gargalhando e sorrindo, buzinas e o cantar de pássaros também se fazendo presente. Era uma confusão sonora enorme, mas uma confusão reconfortante para os ouvidos da garota.

Com seus um metro e cinquenta e cinco, ela andava a passos rápidos. Depois de mais um dia inteiro de treinamento, enfiada no subterrâneo do Centro dos Tributos, sentir o ar fresco das ruas era como estar no paraíso. Em edições normais não seria permitido aos tributos sair do edifício, muito menos passear pela Capital.

Mas nesse ano as regras estavam mais flexíveis, já que todos ali já conheciam aquelas ruas e sabiam dos riscos de se tentar fugir dos Jogos. Ninguém tentaria uma fuga, mas aproveitaria a oportunidade para relaxar e viver da forma que quisesse seus últimos dias de paz.

Enfim, após cerca de quinze minutos de caminhada desde que saiu do Centro dos Tributos, Célia chegou a um edifício de dois andares, com as paredes pintadas em mosaicos coloridos e com uma xícara na fachada. Ela entrou na cafeteria apreciando o doce aroma de café com leite e o ambiente quente e aquecido.

Apesar da maior parte das mesas estarem cheias, não havia muito barulho lá dentro. As pessoas conversavam baixo e reservado. A jovem rumou para as escadas, já sabendo que encontraria uma mesa aconchegante para ficar no segundo piso.

Subindo os degraus rapidamente, Célia sorriu ao ver que, além do andar estar praticamente vazio, Liora O’Malley estava sentada próxima a janela panorâmica, observando a vista lá fora. A garota caminhou até a loira.

— Olá. — Cumprimentou Célia atraindo a atenção da mulher.

— Ah, oi! — Respondeu Liora voltando seu rosto para a morena e sorrindo enquanto ajeitava o enorme barrigão. — Quer sentar?

— Já está perto de nascer, não é?! — Célia indagou sentando no banco de madeira, permitindo o corpo relaxar no estofado macio e quentinho. 

— Ele pode nascer a qualquer momento, os médicos disseram. 

Uma garçonete de cabelos rosa se aproximou, vestindo um blazer roxo e segurando um tablet. Ela sorriu exibindo os dentes amarelados.

— Com licença, senhoritas. Gostariam de pedir alguma coisa? — Perguntou a garçonete, a voz grossa não combinando com sua aparência fina.

— Vou querer um capuccino com marshmallows, por favor. — Respondeu Célia.

— Certo, e a senhorita? — Indagou virando para Liora. 

— Ah, um suco de uva, apenas.

— Claro! Logo trarei seus pedidos, com licença. — A garçonete se afastou, indo para as escadas.

Célia suspirou esfregando uma mão na outra, olhando a barriga da mulher à sua frente.

— Por que não fez uma cesárea, já que o bebe está pronto para sair?

— Era o que eu mais queria. — Disse Liora sorrindo e fungando, algumas lágrimas brotando em seus olhos. — Snow não permitiu. Ele ameaçou matar minha criança caso ela não nasça de forma natural.

— Maldito…

As duas mulheres permaneceram em silêncio, Liora permitindo que as lágrimas escorressem enquanto sorria triste para a paisagem fora da cafeteria. 

Célia imaginava a dor de todas as mães que perderam seus filhos nos Jogos, elas ao menos tiveram a chance de tê-los por, no mínimo, doze tortuosos anos. Mas Liora não, ela nem ao menos tinha a opção de ter seu filho e garantir que ele ficasse seguro enquanto lutava por sua vida. Não. Muito provavelmente a loira seria jogada dentro da arena tendo que proteger não apenas a si mesma, mas  vida que carregava em seu ventre.

— Temos que fazer isso dar certo. — Disse Célia de repente. — Temos que fazer o resgate acontecer e essa rebelião ocorrer. Não podemos permitir que Snow e os Jogos continuem no poder.

— É o que já deveríamos ter feito há muitos anos atrás. — Liora respondeu fungando e limpando as lágrimas.

Então, atraindo a atenção das duas, passos ecoaram pelo andar à medida que uma voz fina e estridente se aproximava. Alguém subia os degraus pisando firme em seu salto e anunciando sua chegada.

Logo uma mulher de cabelos amarelos surgiu, vestida num vestido da mesma cor, seguida por uma jovem de trança e pele parda, o olhar sério e um tanto quanto confuso. 

— Este lugar não é magnífico, querida?! — Disse a mulher enquanto ambas caminhavam para uma das mesas vazias. — O café daqui é incrível, Katniss, tenho certeza que irá amar!

— Ah, claro. — Katniss olhou em volta, quase como se estivesse pedindo socorro. Ela mordia o lábio inferior e suas mãos estavam enfiadas nos bolsos do casaco. Então, os olhos castanhos de Célia cruzaram com os de Katniss e pareceram receber seu pedido de ajuda.

— Ei, por que não se sentam conosco? — Indagou Célia chamando a atenção de Katniss e sua assistente.

— Uau, é uma ótima ideia! — Respondeu a mulher empurrando Katniss na direção das duas vitoriosas. — Vá lá com elas, querida. Vou ali embaixo chamar um garçom e já volto!

A assistente deu meia volta e saiu com seus passos saltitantes, batendo firme o pé no chão, o baque do salto ecoando pelo lugar. A garota se aproximou da mesa e, com um pedido de licença, se sentou ao lado de Liora.

— Obrigada, acabei ficando um pouco sufocada. — Disse Katniss escorando as costas no estofado do banco.

— Não tem problema, sabemos como as assistentes podem ser irritantes, ainda mais nos primeiros anos. — Respondeu Célia.

— Normalmente eu consigo lidar com Effie, mas hoje ela está pilhada.

— São os nervos à flor da pele. — Falou Liora tirando uma mecha loira que caia sobre seus olhos. — Todos estão assim à medida que os Jogos se aproximam.

— Sim. — Katniss observou por alguns segundos a barriga de Liora, levantando a mão levemente. — Eu posso tocar?

— Claro!

A jovem aproximou sua mão calejada, tocando a barriga de Liora coberta por um vestido, tentando sentir qualquer mínimo movimento do bebê. 

— É muita coragem da sua parte, sorrir em uma situação como esta. É incrível. — Disse Katniss olhando para a loira.

— Obrigada! — Respondeu Liora enquanto mais lágrimas brotavam em seu olhar.

Yuna Kurosawa sabia como impressionar alguém. Geralmente uma simples piscadela, uma jogada de cabelo e um sorriso seria o bastante para arrebatar corações e olhares por onde passar. Entretanto, mesmo estando entre tantas pessoas que já haviam presenciado de tudo nesta vida, ela ainda conseguia se destacar.

Nascida em uma família rica no Distrito 5, teve tudo ao seu alcance desde cedo, inclusive o treinamento necessário — e clandestino, já que só eram permitidas academias no Um, Dois e Quatro — para se tornar uma carreirista. 

Infelizmente, para ela, o dinheiro que possuía não compensava a falta de amor paternal. Ano após ano a relação com seus pais só se deteriorava à medida que eles se mostravam cada vez mais a favor da Capital e dos Jogos. Foi em Christian Labonair, o vencedor da vigésima oitava edição, que ela pode encontrar uma figura paterna.

Christian havia perdido a filha alguns anos antes da vitória de Yuna, e, após mentorear a garota, eles se tornaram como pai e filha. Foi Yuna que ajudou Christian a suportar a perda de Aurora, foi Yuna que ajudou Christian a controlar seus problemas de raiva, foi Yuna que deu um novo sentido à vida daquele homem. 

E agora, no meio do Centro de Treinamento, entre tantas pessoas experientes, era Yuna que ajudava Christian a treinar. O homem, já idoso, não possuía mais o corpo musculoso e a força de antes, substituídos por uma tosse sem fim e tremores na mão. Apenas as cicatrizes em suas costas ainda permaneciam.

Talvez não fosse uma boa opção estar ajudando aquele velho, a garota sabia disso. Estava demonstrando sua fraqueza no meio de todos, expondo seu calcanhar de Aquiles como um pote cheio de ouro pronto para ser roubado. Mas ela não ligava, faria seu papel como filha para aquele que fez o papel de pai para si.

— Vamos lá, Chris! Força nessa mão! — Encorajava Yuna enquanto Christian tentava brandir a espada na direção dos hologramas que o atacavam. 

O vencedor segurava a lâmina com certa dificuldade, as duas mãos apertadas ao cabo, tremendo. Sacudindo a espada para lá e pra cá, ele acertava alguns dos hologramas por pura sorte.

— Sabe, a oferta ainda está de pé. — Disse Saerom Moon surgindo ao lado de Yuna, as mãos cruzadas atrás do corpo, observando Christian. — Temos uma vaga para você na Aliança.

— Valeu pela consideração, Moon, mas eu continuo recusando. — Respondeu Yuna piscando atrevida. — Ainda tenho cicatrizes da última aliança que fiz.

— Sabe que ele vai ser um empecilho para você lá dentro, não é?!

— Luke está mais velho que ele e mesmo assim ninguém tá dizendo a Annete para evitar se juntar a ele.

— A diferença é que Luke está saudável, Christian não, correto? — Moon voltou seu olhar para a garota. A expressão preocupada de Yuna a entregava, ela sabia que Saerom estava certa. Moon suspirou diante aquela menina, de apenas vinte e três anos, já carregando um peso tão grande. — Laguna não vai se juntar a nós, a vaga dela será sua, basta vir até nós em qualquer momento, aqui fora ou lá dentro.

— Agradeço. — Disse Yuna sorrindo e acenando para Christian quando este começou a caminhar para fora da arena de hologramas.

O olhar do homem fixou-se em Moon, expressando uma pura e surpreendente raiva. Ele pareceu se tornar mais jovial, caminhando a passos duros e segurando a espada com apenas uma das mãos. Não demorou muito para que Christian começasse a investir na direção da vencedora do Segundo Massacre.

— Você! — Berrou Christian erguendo a espada e a apontando para Moon. — Você matou minha filha!

— Merda, o que ele tá fazendo? — Saerom se afastou a passos rápidos no instante que Chris pisou fora da arena e brandiu a espada contra seu corpo. 

A mulher desviou da lâmina por milímetros, saltando para trás e buscando com o olhar algo que pudesse usar para se defender.

— Chris, pare! — Ordenou Yuna se aproximando de seu mentor e o segurando por trás.

O homem esperneou e socou, deixando a espada cair no chão e tentando se livrar dos braços de Yuna. Apesar da idade avançada, sua força física descontrolada ainda era muito para a jovem vencedora.

— Eu vou matá-la, Saerom Moon Lee! — Berrou Christian com força, os olhos vermelhos tomados pela raiva. — Vou vingar minha querida Aurora!

— Se controle, Chris! Você não é assim! — Pedia Yuna tentando conter a força de seu mentor.

Não demorou muito para que mais vencedores se aproximassem, observando a confusão e formando um círculo em volta dos três. Saerom encarava a situação ofegante, com uma certa dose de dó no olhar. 

Então, chegando como um tanque de guerra, Heliodoro abriu caminho entre os vitoriosos, se aproximando de Yuna e sorrindo caloroso para ela.

— Se afasta daí, menina. Pode deixar que eu seguro ele, a ajuda já tá vindo! — Falou o vencedor do Um.

Relutante, Yuna aos poucos soltou Christian, que, apesar dos protestos, rapidamente foi contido por Heliodoro. A jovem se recompôs, ficando ao lado de Moon até o momento em que socorristas chegaram e aplicaram um soro calmante em Christian. Em poucos segundos o vencedor já estava desfalecido.

— Tem certeza que ainda quer recusar a Aliança? — Tentou Moon mais uma vez.

— Tenho! — Respondeu Yuna com convicção. Ela sabia no que se aliar com alguém resultava, e só estava ajudando Christian por seu amor e consideração por ele.


Pandora Chandler sempre gostou de observar o céu noturno. Desde que encontrou a mãe morta no tapete da sala, após a garota recusar ser uma prostituta de Snow, Dora adotou as estrelas como suas melhores amigas e a lua como uma irmã.

Cada um daqueles pontinhos brilhantes no céu eram como um milhão de realidades diferentes, um milhão de destinos diferentes, um milhão de possibilidades. Possibilidades essas em que Dora poderia imaginar por horas e se perder em sua própria mente, afastando os pensamentos desgraçados de sua dura vida.

Ao longo dos anos, Pandora já se imaginou vivendo em cada uma das cinco estrelas do Cruzeiro do Sul e das Três Marias, tentando adivinhar que tipo de atmosfera, solo e seres vivos que encontraria lá. 

E a lua, a encantadora lua, o maior alvo da garota. Um dia, quando fosse mais rica que qualquer ser vivente, Pandora financiaria um projeto para ir à lua, sua mais antiga e confiável confidente.

Bocejando, Pandora percebeu que mais uma vez ficou, por horas, entretida em seus pensamentos. O enorme satélite já se dirigia ao chão, descendo cada vez mais em sua caminhada noturna. Talvez fosse uma hora da manhã, talvez duas, ela não sabia.

Apertou a mão em volta da garrafa de whisky ao seu lado e levou o bico até sua boca, sentindo o líquido descer rasgando por sua garganta, queimando seus órgãos internos até chegar ao estômago.

Ingerir álcool, mais um vicio que adquiriu após o assassinato da mãe. As bebidas, ao contrário das pessoas, não a machucam, apenas lhe confortam. Pandora sabia que deveria estar dormindo, aproveitando a maciez de sua cama e seus grossos cobertores, se preparando para as apresentações individuais e as entrevistas do dia que chegava.

Mas ficar lá em cima, de forma clandestina, no terraço do Centro dos Tributos, sozinha, apenas com a companhia da garrafa de whisky e das estrelas, era bem mais reconfortante e relaxante.

Então, quebrando seu sossego, o habitual bipe de anúncio do elevador soou e ela escutou as portas metálicas deslizando pro lado, seguidas por passos suaves.

— Ah, merda. — Exclamou uma voz atrás de Dora. Ela se virou apenas para encarar a sombra de Laguna Overwind, os olhos semicerrados e uma garrafa de vidro verde em suas mãos. — Não achei que teria companhia.

— Pode ficar tranquila, filhota. Vou ficar bem quietinha no meu canto. — Respondeu Pandora com a voz embargada, arrotando logo em seguida. Ela se encolheu na direção de uma mureta, encostando as costas e pendurando os pés para fora da cobertura. 

Laguna sentou apenas alguns metros de distância, imitando a pose da outra jovem e olhando para o céu, abrindo a garrafa que trouxe consigo.

— O que vai beber? — Perguntou Dora bebericando seu whisky.

— Não disse que ia ficar quietinha no seu canto? — Respondeu Laguna tomando o líquido. A menina fechou os olhos, ingerindo longos goles de uma vez. — É vinho.

— Ah, que chato. Combina com essa sua fuça empinada. — Pandora sorriu atrevida para a outra garota, piscando logo em seguida.

— Sabe o risco que tá correndo, não é? — Laguna ficou em pé, levando a garrafa de vinho até a garota e tomando um gole de seu whisky.

— Por você eu corro o risco de você. — Pandora mordiscou o lábio inferior e gargalhou logo em seguida em reação a careta de Laguna.

— Ficarei desapontada se esse não for seu comportamento normal, odiaria ter que flertar com uma bêbeda.

— Acha mesmo que meia garrafa pode me derrubar? — Dora agarrou a garrafa verde, virando o vinho em sua garganta. — Garanto que aguento mais que você, chuchu.

— Você cairia antes de eu ficar com sono.

Laguna se sentou novamente, olhando no fundo dos olhos da outra. Pandora piscou, lambendo e mordendo o lábio inferior. As duas gargalharam, tomando o líquido de suas respectivas garrafas.

Não demorou muito para que tanto o vinho quanto o whisky se esgotassem, a brisa suave começando a castigar à medida que o horário avançava. Os olhos de Pandora se tornaram cada vez mais pesados, mas ela insistia em ficar ali, encarando as estrelas. Com sorte iria adormecer ali, sentada na beira do edifício, e cair com a cabeça no chão. Laguna parecia a imitar.

— Por que está aqui em cima? — Indagou Pandora de repente, não contendo a curiosidade dentro da boca.

— Não te interessa. — Laguna permaneceu com os olhos fixos no céu escuro, perdidos em todo aquele imenso e assustador breu. — E você?

— É algo fora da sua conta, dondoca. 

Laguna levantou uma das mãos e apontou o dedo do meio para a outra. Dora mostrou a língua, desejando responder com algo tóxico a altura, entretanto o sono já pesava em suas pupilas. 

Mas ela não podia dormir, tinha que continuar acordada e lutar contra o sono, não poderia admitir a derrota. Dormir era como um lembrete eterno das desgraças que passou em toda sua vida, cada maldito sonho a lembrando diariamente dos terrores da arena.

Pandora não podia se dar ao luxo de dormir e ver o irmão sendo apunhalado pelas costas novamente, não queria correr o risco de ser atormentada por Aeron. Ela não tinha que dormir, só precisava tomar mais álcool.

001 ㅡ Capítulo três postadoooooo, finalmente!

002 ㅡ Espero muito que tenham gostado de ler tanto quanto gostei de escrever. Semana que vem volto com mais!

003 ㅡ Deixa o feedback aí por favor!

004 ㅡ Votos e comentários se não o Peeta morre 🔪🔪

Contagem de Palavras ㅡ 4763 palavras.

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