The past behind?


"O passado fica na gente da mesma forma que açúcar de confeiteiro fica nos dedos. Algumas pessoas conseguem se livrar dele, mas os fatos e as coisas que as empurraram para onde estão agora continuam ali."

Erin Morgestern.

Quatorze de outubro de 1888, domingo. (manhã). Londres (Earls Court). Inglaterra.

Recuo novamente e puxo Lilith pelo braço, ele se debate e chuta desesperado, pelo quê, ar? Tropeço e caio, noto então que ela jogou o boneco da Meredianna no chão.

Encaro o boneco remendado e o outro desesperado e sorrio.

- Parado! – Ele estanca. – Como suspeitei...

- O que?! – Lilith me encara assustada. – O que é isso? Cain você...

- Cheshire e Meredianna, eu sinto cheiro deles nisso aí.

- Mas... Mas... Ele se mexeu! E ele também! – Ela aponta o bonequinho.

- Eu não entendo como, mas, com certeza foram os dois, e, creio eu, eles estão nos vendo agora.

Ela para e reflete depois se zanga e me encara indignada, não posso fazer nada se somos monitorados a todo o momento. Enquanto sustento seu olhar a criatura na árvore volta a se debater e a chiar.

- Ande. Solte-o. – Digo.

- Como? E por que eu?

- Cheshire disse que ele é seu, e que eu já tenho o meu...

- Nunca o vi com uma criatura dessas!

- Ande! – Digo entre dentes.

Ela recua e tenta subir na árvore, depois de tentativas frustradas, me levanto, e escalo-a. De cima a criatura não é tão assustadora, só uma versão maior do boneco remendado. Desato o nó que o prende e ele se estatela no chão. Lilith recua e o encara.

Melhor eu não descer da árvore agora, preciso ver se ele é "seguro".

Sento-me e observo, ele com seus dedos remendados tenta soltar a corda do pescoço, mas sem sucesso. Por fim ela puxa a corda delicadamente o libertando.

Encaro-os por um minuto. Ele leva os dedos à boca e desata os nós que a costuram, e creio eu, lança um sorriso a Lilith, que não esconde sua cara de nojo.

- Sou Stitch. – Ele diz com uma mesura que desprende um nó em seu pescoço. – Ah... Boa tarde, madame.

- B-boa tarde... – Ela sussurra me encarando.

- O que é você? – Indago de cima da árvore.

- Um servo de minha senhora. – Ele me encara com olhos bem humanos, e não botões como a miniatura.

- Meredianna? – Indago. – Ela o mandou nos espionar?

- Não. – Ele nega e fios escorregam mais de seu pescoço. – Senhora Lilith. Ela é minha madame.

Lilith ergue as sobrancelhas e sorri alucinada, mas eu não possuo um servo "boneco". Esse é o Bankotsu. Encaro-o e ele sustenta meu olhar, depois se vira para Lilith, porém, sua cabeça se desprende do pescoço e caí no chão.

Ela berra enquanto ele apenas pega a cabeça e recoloca no lugar, puxando os pontos.

- Desculpe-me, madame. – Ele se curva. E seu braço se desprende.

Que nojo... Faço menção de descer, mas escuto um silvo e encaro-o assustado, ele estreita seus olhos e me encara irritado.

- Ora. Ora. Controle seu animal, Lilith. – Digo com desdém.

- Não o chame de animal! – Ela cruza os braços e pensa. – Eu não chamo o Jared de aberração!

- E o que isso tem a ver? – Rebato.

- Ele é seu servo, assim como o Stitch é meu!

Ele suaviza seu olhar e encara Lilith "feliz". Mas assim que piso no galho ele volta a chiar.

- Deixe-o descer. – Ela suspira por fim. – Apesar de ser um covarde e ter preferido subir aí ao vê-lo de perto, ele ainda merece descer, e preciso dele para ir embora.

Bicho idiota, agora ela pode usar ele quando estiver irritada, desço por fim e o encaro irritado. Lilith sorri satisfeita. E depois seu rosto perde a pouca cor que tem.

- Como vamos sair daqui com ele?

- Venha pelas sombras, vamos até a carruagem, acho que já entendi.

- Entendeu o quê?

Ignoro-a e sigo em caminho a carruagem.

XXX

Paro em frente à carruagem, o cocheiro sorri, a aba de seu chapéu coco fazendo sombra sobre seus olhos, sorrio e começo:

- Gatinho de Cheshire. – Ele sorri largamente. – O que diabos você está fazendo aqui?

- Ora. Que rude, eu fui tão gentil...

- Calado. O que você está tramando?!

Ele retira o chapéu coco e se transforma, seu sorriso entretido se estreita e ele silva quando Lilith se aproxima com Stitches.

- Chess! É você? E...

- Ele fede. – Chess cobre o nariz e sibila. – Fede como um bicho morto.

Fede? Sinceramente, eu não senti. Lilith também respira fundo. Deve ser algo da cabeça dele. Stitch por sua vez estreita os olhos, agora com a boca costurada ele me causa calafrios.

- Você que o deu a ela, não reclame. – Digo irritado.

- Não fui só eu. – Ele diz indignado. – Mas e então? O senhor demorou a me notar. Como foi o passeio.

- Intragável.

- Bem, eu gostei. – Lilith encolhe os ombros. – Obrigada.

- Bem, cada um ganhou um prêmio, não foi? Lilith seu bonequinho e Cain sua marca...

- Você já sabia?! Isso é coisa sua?! – Grito.

- É e não é. – Ele estreita os olhos. – Você acha que é?

- Não faça gracinhas. O que significa isso?!

- Ora, que quem o ferir será punido sete vezes!

- Mas isso é idiota!

- Se quiser tratar de idiotices, trate com o Marcel. – Ele ri entretido.

- Você vai nos levar embora? – Lilith sussurra tristonha.

- Claro que não! – Ele ergue as orelhas da máscara. – Vamos a Trafalgar.

- Como? – Ergo as sobrancelhas. – Isso é verdade? Abel está lá?

- Eu disse que o circo vem aí.

- E por que você está nos levando até ele? – Lilith indaga.

- Porque eu quero. – Ele coloca o chapéu coco novamente. – E o Little count me prometeu um pagamento em dobro, por isso subam logo.

O que ele está tramando? A Nonsense ficará mais louca com ele, e ainda mais, por que ele está nos levando diretamente a ele? Bem, eu não sei, e não me importo. Vou encontrar meu querido irmãozinho.

XXX

A garoa começa a apertar, Lilith fica mais pálida quanto mais nos aproximamos do local marcado. O bicho medonho que ela recebeu segue sentado ao seu lado. Encaro-o de relance. Lilith nota meu olhar e sorri logo Stitches se vira em minha direção, droga de bicho asqueroso.

Apoio meu rosto entre as mãos e suspiro.

- O que houve?

- Não sei se quero encará-lo.

- Então vamos voltar?

- Não. – Encaro-a e recebo um rosnado. – Eu não fraquejo em minhas decisões, não recuo em frente ao medo.

- Ah claro. – Ela diz sarcasticamente.

- Calada mocinha. – Digo ríspido, mas recuo ao notar o movimento estranho. – E você nem ouse.

Ele rosna por entre a sutura.

- Deixe-o, afinal, ele é o Cain.

- Sim, eu sou Cain. – Afirmo sorrindo. – E Abel é Abel.

- Você é asqueroso. – Ela diz enojada. – E Stitch, sou Little Lady.

- Lady... – Ele rosna novamente, esse ser não sabe falar normalmente?

- Obrigado, pelo elogio. – Encaro a janela, odeio-te praguinha.

Ela encolhe os ombros e cruza os braços, Stitches rosna e se acomoda ao seu lado, he, a garotinha solitária encontrou um bichinho bizarro.

Suspiro e noto o trote do corcel diminuir. Lilith encara o teto, tento identificar algum ponto que mostre nossa localização, mas a névoa impede. Enquanto estamos confusos Chess abre a portinhola e sorrindo diz calmamente:

- Sinto muito, imprevisto.

XXX

- Como? – Disparo. – O que você quer dizer com isso?

- Desçam e vejam. – Ele ri.

Pulo da carruagem assim que consigo destrancar a porta, Lilith me segue, mas Stitches permanece no interior. Encaro a minha volta, quase não há transeuntes, estreito os olhos e vejo uma sombra negra cruzar minha vista, seguida de outra, sigo sua direção, e percebo que são corvos. Logo eles pousam nos braços de um homem parado a certa distância.

- Gatinho mal... – Matthew diz acariciando um corvo. – Ainda bem que eles o seguiram. Marcel não gostará nada de saber disso.

- Marcel não me controla. – Chess cantarola. – E vocês não têm o direito de encarcerá-los como aves. Nem mesmos seus "petiscos" ficam em gaiolas! Por que eles ficam?!

- Meus corvos são mais dignos de confiança que você. – Ele ri.

- Cain sabe o que fazer? – Chess sussurra. – Sabe qual caminho seguir?

- Estamos em Trafalgar...? – Sussurro e encaro em volta. – Sim estamos, mas então...?

- National Gallery. – Chess diz mais alto. – Não é o que você procura, mas vai te ajudar.

- O que...? – Recuo. Lilith me acompanha. – Não é Abel?

- Abel?! – Matthew indaga. – O que você está fazendo?

- Não é ele, desculpe, mas corra, e trate de usar seu espantalho.

- Espantalho...? – Tento entender o que ele quer dizer, mas Lilith entende mais rápido.

- STITCH!!!

Ele salta da carruagem e corre em direção ao alvo, Matthew é claro, viro-me e puxo Lilith pelo braço e corro sem nem olhar para trás, salto por entre uma cerca-viva e escuto-a reclamar.

- Corra idiota, seu bicho estranho não vai segurar Matthew por muito tempo, e com certeza Chess não achará chance melhor que essa.

- Mas não é Abel! – Ela gane enquanto corremos pelo campo aberto sob a garoa. – O que você quer?

- É uma pista! Pistas são sempre bem vindas, e estamos bem parados desde o começo desse pesadelo.

Derrapo ao virar uma curva e ela cai sobre a lama, ah droga. Puxo-a com força e ela se levanta choramingando.

- Não pare agora! – Grito apertando o passo.

Uma sobra negra cobre minha visão e sinto uma dor aguda e logo o filete de sangue escorre por minha bochecha. O corvo investe novamente, mas dessa vez o alvo é ela.

Abraço-a e sinto a dor aguda nas costas, animal estúpido! Tento acertá-lo, mas antes que minha mão o toque ele grasna e voa longe caindo no chão, ensopado.

- Ele morreu? – Lilith sussurra assustada.

- Punirei sete vezes aquele que o atacar. – Recito. – Creio que não.

- Obrigada. – Ela sorri. Solto-a e corro em disparada. – EEEEIII!!!

- Agradeça-me depois, vamos logo!

Derrapo e paro levantando lama, mas vejo. Sobre as escadas da National Galery, a pouca distância, protegidos sobre pesados guarda-chuvas negros um pequeno grupo encara absorto a figura encapuzada que dança. Ela se vira e seus olhos encontram os meus, e vejo as duas ametistas me encarando.

Olhos roxos como os meus sob o capuz negro.

XXX

Encaro-o boquiaberto, a figura sustenta meu olhar, mas é tudo que vejo, o resto de seu corpo está coberto pela manta. Assim que ela para de dançar os poucos que o observam se afastam, ao notar isso ela se vira e corre pelas escadas.

- Acho que sua pista está fugindo. – Lilith diz.

- Quer correr? – Indago rindo nervosamente.

- Você é mais rápido, eu seguro o Matthew.

- Estamos quites.

Viro-me e corro seguindo seu rastro, a névoa proporcionada pela garoa dificulta minha visão, mas o manto negro me guia. Ele vira em uma curva e some por entre os arbustos, corro mais rápido e atravesso os arbustos, e meu chão some.

XXX

Rolo pela relva molhada. Tento me manter em pé, mas a queda é íngreme demais, ou o fugitivo sabia disso, ou assim como eu, ele caiu pelo barranco.

Chego a uma parte mais plana e me sento preparado para correr, mas noto o manto molhado caído ao pé da árvore, levanto-me e paro em frente a ele.

Está vazio... Minha pista correu parque afora.

XXX

Sorrio, não, não é possível...

Continuo encarando pasmado, mas meu olhar se direciona a uma pequena poça de água, que está pigmentada de vermelho. Sangue!

O rastro de pequenas gotas já está sendo incorporado à água da chuva, mas se eu correr mais um pouco. Sigo o rastro que segue ziguezagueando por entre as árvores, até que enfim escuto um arfar baixo. Já me perdi, e estou bem longe da National Galery, e bem mais longe de Matthew e Chess. Estou sozinho com "isso". Não é Abel, pois não possui um olho verde, mas quem é então? Quem mais teria olhos roxos como os nossos?

Engulo meu pânico e sigo a passos firmes, ao me aproximar escuto um choro baixo caminho lentamente e encaro por entre os arbustos mais altos.

Ombros finos e frágeis vestindo roupas coloridas, curvados em uma posição tão indefesa enquanto chora, com o rosto sendo coberto pelos fios dourados como ouro. Se um dia imaginei um anjo, era assim, seu rosto está pintado por uma máscara branca, mas suas pupilas roxas deslizam lentamente e ele me encara assustado.

- Pare! – Estanco.

É um garoto...! Encaro-o sem palavras, o que isso significa? Ele aperta o braço ferido enquanto tenta conter as lágrimas. Dou um passo em sua direção, mas ele grita recuando.

- Eu já disse para me deixar em paz! – Ele guincha batendo as costas em uma árvore. – Não paguei bem seu oficial?

- Oficial? – Repito.

- Não é da Yard? – Ele indaga descrente.

- Polícia? Eu? – Repito ironicamente.

- Mas... Mas... – Seu olhar desliza por mim. – Você... Não estava de uniforme? – Ele aperta os olhos. – Droga, eu não enxergo bem de longe, agora que vejo você está tão esfarrapado quanto eu.

Encaro-me e vejo que minhas vestes se rasgaram e se sujaram na queda, estou quase como Jared quando o encontrei. Totalmente irreconhecível, pareço um pobre pedinte. Sorrio me encarando, isso é uma ótima fantasia, agora eu preciso atuar.

- Desculpe, estava fugindo da chuva e ao vê-lo dançar não pude não ficar encantado, porém quando você correu, enchi-me de preocupação. Desculpe pelo que fiz...

- Ah é que de longe parecia um homem fardado. – Ele ri, aproximo-me mais. – Pois não?

Rasgo o que restou de minha camisa e delicadamente envolvo seu corte, ele me encara enquanto amarro o ferimento.

- Precisa tratar... – Sussurro docemente. – Queria poder ajudá-lo mais.

- Não precisa. – Ele sorri e coro. – A culpa foi minha por ser idiota. Mas... Você pode pegar meu manto? Ele é precioso, e eu me perdi.

- Na verdade, eu também.

Ele sorri frustrado e afasta as mechas loiras que caem sobre os olhos. Hu. Você caiu em minhas garrinhas, agora abra o bico, ave-do-paraíso. Estendo minha mão e sorrio, ele me encara e a aceita. Ao se levantar ele é bem mais alto que eu, e pelas calças, é mais velho também.

- Vamos voltar juntos. – Ele dá umas batidinhas em minha cabeça. – Você está perdido?

- Sim... Corri e...

- Digo no sentido geral. Você é da rua?

Encaro-o por um segundo, devo mentir mais? Ou dizer a verdade?

- Sou. – Digo o encarando. – Eu, minha irmã, e meus amigos.

- Ah pobrezinhos. – Ele segura meu rosto entre as mãos. – Eu queria poder ajudá-los, mas de necessitados já bastam nós.

- "Nós"? – Deixo-o me tocar e deito minha cabeça em suas mãos.

- Sim, meu pequeno. – Ele ri e sua risada parece um tilintar de sinos.

- Mas... – Abro os olhos.

- Nossa! – Ele se abaixa e aponta em minha direção. – Seus olhos são roxos como os meus! É a primeira vez que vejo isso!

- Eu também! – Sussurro fingindo um susto.

- Caramba! – Ele dá um tapinha em sua testa. – Estou chocado, você veio de lá também? É imigrante?

- Não, sou inglês! – Digo me afastando, você está sendo um bom menino.

- Ah... Que sorte, sabe? Eu vivo fugindo do raio da Yard, eles são decididos a me caçar, bem, a maioria.

Ele encara o chão com olhos tristonhos. Ergo minha mão e afago seu rosto, a maquilagem sob seus olhos escorre por entre meus dedos.

- De onde você é? – Indago num sussurro.

- Índia. – Ele sorri e desliza a mão pelo rosto.

Onde seus dedos passam deixam exposta a pele branca como marfim, indianos tem a pele tão alva assim, e cabelos de ouro?

- Ei. – Ele sussurra. – Você... Eu gosto de você, talvez possa ajudá-lo.

- Como? – Indago fingindo uma descrença doce.

- Quer vir para meu circo?

- Circo? – Repito agora realmente atônito.

- É... – Ele ri. – Era uma surpresa, sabe? Estamos vindo para a Trafalgar, nossa trupe vai armar a tenda essa noite, eu era apenas um "chamariz".

- Circo? – Repito.

- É você pode trabalhar nos bastidores, mas te garanto um prato de comida! – Ele faz um X sobre o peito. – E que é melhor que a rua que eu sei muito bem.

- O circo... Vem aí...? – Sussurro rindo.

- O circo vem aí! 

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