Memories one week

"Creia-me, o menos mau é recordar; ninguém que fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim. (...)"

Machado de Assis.

Vinte e um de setembro de 1888, sexta-feira (madrugada). Inglaterra.

Onde ela está? Maldita praga! Pensa que eu não ouvi o Gato dizer que ia encontrá-la a meia noite, sai assim, sorrateiramente e me faz ser seguido por esta mula! Já não me basta ter sido espancado pela insana, ainda tenho que aturar tudo isso?! Esse dia está horrível! Droga!

- Lorde Cain, nós rodamos a casa ela não está aqui dentro...

- Então onde mais ela pode estar?!

- Talvez ela tenha saído...

Criatura burra! Ninguém sai daqui! Como eles permitem que essa inútil permaneça nessa casa?! Droga.

"Filius Dei!"... A voz ecoa em meus ouvidos. Aquela louca me chamou assim enquanto me batia, mas ela não foi a primeira a fazer isso. Tsc, por que isso foi voltar a meus pensamentos? Estou cansado... Em um lampejo vejo olhos cinzentos em minha mente. Não, preciso afastá-los.

- Cain, o senhor está bem? – Escuto-a ladrar.

- Ela não pode ter saído senhorita Barbary. Obrigado por ter me auxiliado. Mas pode se retirar. – Sussurro.

- Mas... Mas... – Por que esse tom de voz totalmente enjoativo?

Viro-me para encará-la, de manhã ela é mais bonita. Agora seu estado é deplorável, os cabelos sem os cachos a fina camisola que mostra demais para meu gosto. Mas...

- Você tem peitos grandes. Devem ser ótimos para enfiar uma adaga neles... – Sussurro. Sem perceber.

- O QUÊ?! – Ela grita pousando uma mão sob eles.

- Desculpe. Apenas pensei alto demais, mas pode ir.

- O senhor...? Bem... Eu... Eu vou me retirar. Boa noite!

Consinto em resposta e ela sobe as escadas correndo. Droga! Não devia ter dito aquilo, mas estranhamente estou com sono, isso é raro já que eu quase não durmo. Filius Dei... Por que essas palavras ficam ecoando em meus ouvidos?

Et Il a dit, pas puni parce septuple qui vous attaquer, Caïn...

- Cain...? – Alguém diz pousando uma mão sob meu ombro.

Assusto-me e prendo a respiração, saía de minha mente. Viro-me lentamente e vejo quem fala:

- Lilith... – Sorrio. – O que a senhorita está fazendo aqui há essa hora?

- Estava sem sono e vim dar um passeio pela casa. E o senhor?

- Acordei e não a vi. Fiquei preocupado. Pensei que talvez a senhorita pudesse estar no corredor sombrio ou sendo espancada.

Ela ri, também parece estar cansada e preocupada. Encaro-a e ela não diz nada, apenas sustenta meu olhar, prefiro assim, odeio quando ela finge ser amável comigo quando me odeia tanto quanto eu para com ela. Depois de um tempo ela beija minha bochecha e diz:

- O senhor está cansado, vamos voltar para o quarto?

- Sim. Acho que eu preciso dormir...

XXX

"Filius Dei!"

Mais uma vez o chicote estrala e o sangue escorre.

Por quê? Por quê? Por quê?

Eu não pedi para ser filho de Deus!

Alguém por favor? Salve-me...? Eu rogo... Por favor?

"cAiN... jE T'aIMe"

NÃO, POR FAVOR, NÃO!!!!

XXX

Sento-me sobressaltado. Um sonho... Foi tudo um sonho. Droga! Aquele lugar. Eu não quero retornar para lá. Aquela Public school que na realidade é um purgatório! Nunca esquecerei. Todas as chicotadas que levei, pelo simples pecado de ser "Caim". Nunca... Hu, meu pai. Pergunto-me por que apenas eu fui para esse lugar, será que foi culpa do Abel? Ou da Lilith...?

Lilith... Aquela praga passou a vida toda em casa, tendo estudos particulares, empregadas para fazer companhia, uma vida normal, quanto a mim cansei de ser chicoteado, esquecido. Fui esquecido assim como ele... Engulo em seco, não vou me lembrar.

Deito-me novamente e fecho os olhos, sem perceber, acho que dormi.

XXX

A semana passa arrastadamente, em uma maldita alternância entre Barbie e Lilith. As duas me mimando, me tratando com carinho, e fazendo diversas coisas a meu favor. Bem, podia esperar isso da Barbie, mas Lilith?! Ela é um demônio! Como foi se tornar tão doce depois daquela noite?

Tudo começou na manhã do meu pesadelo, sábado, ela me acordou trazendo uma bandeja com a torta feita por ela e pela Chevonne. Não entendi direito e ela disse:

- É que o senhor ficou preocupado comigo ontem, é uma forma de retribuir. E o senhor gosta dessa torta não?

- Obrigado. – Disse sarcasticamente. – Mas não quero ser envenenado por essa falsidade.

E depois sai caminhando calmamente, ela então não desistiu e passou a me seguir e fazer várias coisas a meu favor. Tudo em que eu toco, ela está atrás, tentando, me auxiliar. Não aguento mais isso! Estou a ponto de explodir e estrangulá-la novamente.

XXX

Já a Barbie é puramente melosa e excessivamente carente, tem que estar falando algo ou sendo o centro das atenções, mas bem, aqui ela não é nada! É uma mera bonequinha entre os demônios dessa casa, não sei quando revelarão isso a ela, mas aqui não é um lugar normal, muito menos humano!

Mas... Creio eu, que os habitantes daqui gostam disso, do pânico no olhar dela ao ver Yue rosnar, ou uma hora ela ver o Marcel chato e elegante, e na outra sorridente e com máscara de gato. Queria poder ler aquela mente vazia dela, assim teria prazer em rir-me daquela criatura. Ou melhor, queria vê-la rolar o lance de escadas dessa casa, e assim acabar com a diversão de todos aqui.

XXX

Domingo à noite, estava divagando na sala de estar quando aquele anão surgiu, a cor de seus olhos nunca me passou confiança, para mim, ele sempre vai tentar nos matar, ou arrastar para outro lugar. Sorrio, é hora de atuar.

- Estava te procurando, Cain. Por que você sempre se esconde de mim? – Ele sussurra.

- Não sei... Instinto. – Sussurro.

Ele ri, e depois escuto o som de suas botas se aproximando, espero, mas ele não aparece. Viro-me assustado e vejo-o apoiado em cima de minha poltrona. Quando...?

- Seu instinto... Não é tão bom. – Sorrio novamente, e ele lentamente desliza sua mão por meu rosto. – Garotinho.

Arrepio-me e ele ri tsc. Que droga. Ele usa sua outra mão para revirar seu bolso e depois retira um anel negro.

- Esse anel... – Sussurro.

- Sim, era do seu pai, ou melhor... Seu.

Pegando minha mão ele coloca o anel em meu dedo anelar. E a beija. Tsc. Por que ele sempre age estranho desse jeito quando estamos a sós? Creio eu, que com a Lilith ele não age assim.

- Conde dos Maurêveilles. Sinto-me honrado.

- Conde Silverback, por favor. – Digo fingindo indignação. – Pare antes que eu vomite.

- Hu... Gosto mais assim, quando você mostra suas garrinhas. – Ele se levanta e caminha lentamente para a porta. – Filius Dei.

Cínico, traste, maldito! Um dia devolverei tudo isso em dobro para todos vocês!

XXX

Novamente é domingo. Entro em meu quarto e me jogo na cama, olho pela janela pelo canto do olho, está começando a escurecer e a garoa cai ininterruptamente lá fora. Levanto-me e caminho até a janela, aproximo meus lábios do vidro e vejo-o embaçar. Lentamente desenho um sorriso, longo e com vários dentes a mostra, um chapéu grande e desajeitado, um coração, de copas, claro! E por fim... Por fim uma coroa.

O som da porta se abrindo faz com que eu me assuste e apague o desenho, viro-me e vejo Lilith e Barbie entrarem correndo, estranho, elas se detestam. Mas logo estão se acotovelando para falar comigo.

- Cain! Cain! O Marcel e o Matthew disseram que podemos sair! – Lilith diz rindo. – E adivinha para onde vamos?

Logo Barbie a atropela e diz:

- Vamos para o Cremorne Garden! – Ela guincha.

- O "jardim dos prazeres"? – Indago. – Mas ele foi fechado há onze anos, lembro-me muito bem, como podemos ir lá?

- Sim! Mas hoje à noite, especialmente, ele vai ser reaberto ao público, em uma única apresentação, para ter suas portas fechadas para sempre! E vai ter uma apresentação de fogos de artifícios! Bem, se a garoa parar terá! E podemos vê-la! – Lilith diz esperançosa.

- Mas foi realmente o Marcel ou...?

- Sim! Eu tenho plena certeza! E quem irá conosco serão a Chevonne, Bankotsu e a Yue, bem, estaremos seguros.

Hu escolta, que maravilha! Então para que sair? O que querem nos afastando daqui? E ainda mais, Yue estará conosco. Bom, talvez eu consiga alguma vantagem, talvez uma conversa a sós com ela, talvez saber seus verdadeiros interesses comigo, talvez iludi-la?!

- Tudo bem, logo me aprontarei. – Digo calmamente.

- Vou vestir meu vestido mais lindo! – Barbie dá seu guincho final e corre para fora do quarto.

Lilith por sua vez fecha a porta sorrateiramente e diz:

- O Valete agirá essa noite.

Sorrio perante a informação.

- Por acaso, ele quer roubar as tortas de sua rainha novamente?

- Não sei, talvez. Mas Marcel e Chess afirmam isso com certeza, e nos vamos ter que servir de "tortas".

Não aceito muito bem essa última parte, mas bem, fazer o que?

XXX

A carruagem balança freneticamente enquanto avança pelas ruas de Londres, fazia meses que eu não respirava ar puro. Apoio meu rosto contra o vidro da janela, meus olhos roxos visíveis pelas fendas da máscara que fui obrigado a usar, estão cansados. Pisco e vejo o reflexo da Barbie me olhar, tsc. Ela também está de máscara, porém rosa, Lilith por sua vez está apenas com uma tira negra sob os olhos, bem, não acredito que esse "disfarce" ajudará muito, mas se somos obrigados.

- Està tan pensativo, Cain.

- Deixe-me pensativo então...

Ela ri, por que ela me acha tão "agradável"? Hoje ela está com um vestido vermelho longo, os cabelos loiros em um coque e o sorriso radiante. Bankotsu, por sua vez, está com seu habitual terno negro e novamente a máscara que cobre o olho esquerdo, realmente, naquela noite também era uma festa a fantasia.

- Maman! – Por que ela insiste nisso? – Quando chegarmos lá. Poderemos ver tudo? Poderei entrar na casa de espelhos? Ouvi falar que é incrível e eu queria poder ver com meus próprios olhos!

- Desde que estejá comigo, oui, poderra sim.

Ouvi sua risada e revirei os olhos, falsa.

- Cain... Se lá houver valsa, podemos valsar?

Resmungo algo e ela se cala, não estou de bom humor, nem ao menos queria estar aqui, tudo bem que eu sei que o Valete agirá, talvez podemos prendê-lo, mas mesmo assim, se eles nos liberaram para um "passeio" é porque, com certeza, algo acontecerá na casa Nonsense.

O que será que farão? Os mais importantes permaneceram lá. Talvez tramando algo, que em hipótese alguma nós podíamos ouvir. Já que eles sabem que a Lilith sabe andar por aí como eles, ela pensa que eu não sei, mas naquela noite, ela estava fazendo isso com o Cheshire. Por isso não podiam correr esse risco. E nos evacuaram, e bem, Barbie é sempre uma ameaça. Fecho meus olhos e deixo o ar noturno me fazer pensar com mais clareza.

Talvez estejam só nos usando como isca mesmo, afinal, o Valete tem que se motivar para matar. Talvez eu seja chutado pela coelha novamente, já que seu reflexo gosta de me bater, também.

- Onde está a Yue? – Lilith indaga.

- Estará nos esperando lá, fantasiada de loba...

- Oh ela tem mesmo cara de loba, já que é bruta e vive rosnando! Certo Devonne? – Santa ignorância!

- Oui! Oui! Carra de loup sim!

Chevonne e Barbie riem estridentemente, onde acharam graça nisso? Não entendo essas pessoas que riem por nada, eu não sou assim. E gosto disso, por que pessoas idiotas são fracas. Veja Lilith, ela pode se divertir, mas é muito mais madura que a Barbie, e tem dois anos a menos. Já Chevonne comparada às outras Nonsenses é a pior. Bem, talvez Meredianna ou a própria Fox sejam um pouco abaixo. Não! A Fox não é afinal se ela "herdou" a Nonsense de meu pai.

Meu pai... A Nonsense era do meu pai! Assim como esse anel! Logicamente ela é minha! Como não pensei nisso antes? Sorrio largamente e Bankotsu diz:

- Acho que alguém está se divertindo com um pensamento.

- O senhor nem imagina o quanto...

XXX

A carruagem agora corre próxima ao Tâmisa, vejo o reflexo da lua sob suas águas, e vejo os prédios e depósitos brilhando com suas luzes, nos recepcionando para uma cidade adormecida, a tanto tempo que eu não via essa paisagem noturna.

Mas agora ela não me passa nada, o triunfo do descobrimento me deixa deleitado, eu queria tomar a Nonsense para mim, mas ela já é minha! Minha por direito, basta apenas eu poder "destronar" a Raposa e ocupar seu lugar, me sentarei em sua cadeira vermelha e ordenarei todos os meus peões a fim do meu bel-prazer, rirei a cada conquista e poderei ser o rei de Londres.

Vejo o reflexo da lua novamente, logo esse rio será meu, juntamente com tudo aqui, enquanto observo-o um vulto bate a minha janela. Assusto-me e instintivamente recuo, mas a fraca luz ilumina o rosto sorridente do Pierrô na janela. Resmungo e abro-a, mas Barbie se antecipa e gritando recebe o balão oferecido pelo mesmo.

- Obrigada senhor palhaçinho! – Ela finaliza sorrindo largamente.

- Não devia aceitar presente de estranhos. – Resmungo.

- Own ele està com ciúmes! Que coisá adorravel! – Chevonne ladra para mim.

- Não é questão de ciúmes senhorita Chevonne, mas sim de precaução.

- Concordo plenamente com Cain. Maman!

- Sim, veja até uma criança nota isso, e a senhorita devia saber o mesmo. – Finalizo a discussão.

O clima na carruagem decaiu, o ar se impregnou de raiva, bem, talvez só a minha, mas mesmo assim. Ela é de uma organização secreta, o próprio nome já diz: segredo, precaução, sigilo! Como essas criaturas podem conseguir algo se são tão despreocupados, se fosse eu no comando tudo já teria terminado, eu já seria o Jaguadarte, Lilith já seria a Rainha de Copas, Alice estaria lambendo minhas botas e Abel ardendo no inferno!

Hu. Não devo me precipitar em ficar irritado assim, isso logo ocorrerá, em pouco tempo vou fazer tudo isso, e juro, serei o melhor de todos.

- Oh! Chegamos! – Lilith arfa passando por mim e se apoiando na janela para ver as luzes espalhadas pelo local.

- O jardim dos prazeres. – Sussurro.

Bem, faça-me ter uma noite prazerosa ou seu nome não o fará jus.

XXX

O cheiro agridoce impregna o local, talvez pelo vinho derramado próximo a mim, ou pelos doces nas barracas. Caminho lentamente até que sou surpreendido por alguém tocando meu ombro.

- O que um lindo garotinho está fazendo andando sozinho por aqui?

- Nada que interesse uma prostituta! – Digo me desvencilhando.

- Hn não use um termo tão hostil, ainda mais, proferido por essa linda boquinha, meu nome é Elizabeth Stride, mas pode me chamar de Long Liz, mas qual é seu nome?

- Jeremy, Jeremy Lauderlade. – Minto.

- Um belo nome pequeno. – Ela ri e divaga.

- Posso pagar algo, assim a senhora me deixa em paz?

- Hu... Não quero ser comprada por alguém tão jovem, fique com seu dinheiro e faça algo de bem, vou te deixar em paz Jeremy.

Resmungo e ela sai. Não devia ter me afastado dos outros, me perdi... Caminho até uma barraca e me sento no balcão o atendente ruivo me olha de cima a baixo e diz:

- O que o conde deseja? – Com sarcasmo explícito em sua voz. – Um bom vinho?

- Pode ser... – Digo irritado.

- Ora que bravura... Já bebeu vinho uma vez na vida?

- Melhores que os daqui. – Minha voz aumenta devido a meu humor.

- Pois bem... – Ele ri e desliza um copo pelo balcão.

O líquido quente me faz tossir, não devia ter bebido tanto, não sabia que o gosto era tão nojento. Não irei beber o resto de jeito nenhum. Descanso sob o banco, onde será que eu posso achar aqueles loucos aqui? Bem, Lilith disse algo sobre casa dos espelhos...

- Apreciando um vinho Conde?

Minha surpresa não é grande ao ver Yue ao meu lado.

- Sempre... – Digo cansado.

- Pensou em minha proposta? – Ela pega meu copo e vira o restante do liquido prazerosamente. – Mais um aqui!

- Nem ao menos, me lembro mais dela. – Digo ironicamente.

- Não precisa mentir para mim. – Ela ri e se balança no banco.

- Quero ir embora...

- A liberdade não é boa? Ficar naquela casa é sempre fatigante!

- Não penso isso. Yue. Diga-me por que você faz isso?

Ela sorri e bebe mais um gole, fazendo uma gota vermelha escorrer por sua boca. Estranhamente isso me remete a uma gota de sangue, ela ri novamente, talvez efeito do álcool, e se abaixa sussurrando:

- Abaixo a tirana de Copas...

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Olá, venho lhe informar alguns pequenos detalhes. 

Bem, o Cremorne Garden citado no capítulo realmente existiu, mas foi fechado em 1877 e nunca foi reaberto. A prostituta citada (Elizabeth Stride) realmente existiu, também, mas nunca esteve no Cremorne Garden (não que eu saiba *risos) logo saberá porque ela está aí.  Desde já o agradeço. 


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