Capítulo extra -- Uma história.
- Quero ouvir uma história!
Cain suspirou. Maldita pequenina, como ousava lhe incomodar? Lilith o encarava com o cabelo trançado repartido ao meio e os intensos olhos azuis curiosos. Segurava um livro, na capa os dizeres: "Contos da mamãe Gansa" em letras douradas.
- O que? – Cain indagou. – Já estou lendo, se quiser ler, leia sozinha.
- Mas não sei ler tudo. – Ergueu o livro acima da cabeça. – Tem palavras complicadas aqui!
- Quantos anos você tem? – Cain se revirou na cama a encarando.
- Nove... – Disse mostrando os dedinhos e derrubando o livro.
- Pois bem, já é uma jovem dama, vá ler sozinha.
Lilith abraçou o livro e pôs-se a choramingar, Cain revirou os olhos e se sentou a encarando.
- Peça a uma ama para lê-lo para você!
- Elas não querem ler! – Choramingou. – Eu queria a mamãe...
Cain fechou o livro estrondosamente. Ela tocou em um assunto que ele não gostava. Encarou a menina com olhos frios e sussurrou:
- Quer que alguém da família leia, é? – Lilith consentiu. – Peça ao papai.
- Mas ele não está! – Guinchou.
- EU SEI QUE ELE NÃO ESTÁ!
A pequenina recuou. E Cain sorriu friamente.
- Ele não está, pois foi tratar de assuntos meus. Você, praga, vive nessa casa, enquanto eu irei para algum lugar infernal chamado internato, por isso, deixa-me em paz!
Lilith piscou afastando as lágrimas. Não entendia tamanho ódio de Cain, ela também queria poder sair de casa como ele, e só retornar quando quisesse.
- Mas Cain... – Sentou-se ao pé da cama e abraçou o livro. – Eu queria que você brincasse comigo. Mas você não gosta de brincar, só de ler. Por isso eu trouxe o livro...
Deixou as lágrimas escorrerem. Cain ergue as sobrancelhas e suspirou. Arrancou o livro das mãos da pequena e disse:
- Eu escolho o conto!
Lilith sorriu afastando as lágrimas e consentindo. Cain sorriu diabolicamente e começou:
- O aprendiz de moleiro e a Gatinha...
XXX
Em um moinho muito antigo, viviam um velho moleiro e seus três aprendizes, ao sentir que a morte se aproximava, o moleiro desafiou os três aprendizes a lhe trazerem um cavalo, e aquele que encontrasse o cavalo mais belo herdaria o moinho, já que o moleiro não possuía filhos.
Afobados com a ideia os três partiram em busca do dito cavalo.
Porém o mais novo era dito como inútil, e menosprezado pelos mais velhos, chamavam-lhe "João bobo", e disseram-lhe que jamais herdaria o moinho.
Mas mesmo assim o pequeno João seguiu os mais velhos sonhando com o cavalo. Após andarem um dia inteiro a noite já caía e resolveram parar para dormir em uma caverna, assim que adentraram João caiu no sono e o mais velho disse ao outro:
- Vamos deixá-lo, João não terá chance alguma, morrer na floresta será o melhor que podemos fazer por ele.
- Pensei no mesmo, mas mesmo assim, sinto-me culpado ao fazer isso.
O outro então lhe envolveu o pescoço e sussurrou:
- Pense então em quando juntos herdamos o moinho, e dermos fim ao velho decrépito. Não será perfeito para nós dois?
- Sim, será... – Sussurrou de volta.
E juntos se levantaram e deixaram o pobre João a sonhar. Ao amanhecer João despertou e se viu sozinho. E acima de tudo perdido na floresta e logo se pôs a chorar.
- Aí de mim, o que irei fazer perdido nessa floresta e ainda mais sem o cavalo que queria... Aí de mim...
E sem perceber, João era observado por uma gata rajada do tamanho de uma criança. Ao ver o desespero do rapaz ela se pôs sob as patas traseiras e caminhou até tocar-lhe o ombro e dizer:
- Por que choras João?
- Estou perdido. – Fungou. – Abandonaram-me nessa floresta e não sei voltar, nem posso. Pois só poderia voltar levando um belo cavalo para meu mestre, e nem ao menos o consegui!
- Então venha, trabalhe para mim por sete anos que lhe darei o cavalo mais belo que tu há de ver. – A gata sussurrou com os olhos brilhando.
João a encarou, se dando conta só agora que se tratava de um animal. Ele já ouvira histórias sobre fadas que realizavam desejos, mas também já ouvira histórias sobre bruxas que devoravam inocentes.
E sem ter no que se amparar resolveu seguir a gata. Logo chegaram a um pequeno palacete, e nele só havia gatas, e mais gatas. João nunca vira tantos animais desse tipo reunidos assim, e logo se encantou ao ver as gatinhas em ação. Elas pulavam e subiam em móveis como em um belo espetáculo e João não conseguia desviar o olhar.
Após conhecer a habitação foi jantar com a gata, e enquanto o faziam as outras tocavam música pelo salão.
- Dance comigo, João? – Ronronou a gata.
- Com toda honra. – Respondeu-lhe João.
Os dois bailaram a noite inteira sem nem ao menos perceber, e quando o dia raiava a gata rajada deu a João uma machadinha uma cunha e um serrote de prata e disse-lhe:
- Vá picar lenha, ao anoitecer volta ao palácio!
E João foi picar lenha, ao fim do dia retornou ao palácio, adentrou-lhe e não viu a gata rajada. Receoso subiu as escadas e ouviu um canto. Aproximou-se de uma porta e viu uma bela princesa a escovar os cabelos rajados como os pêlos da gata, e arregalou seus olhos.
"Estou eu diante de uma benção? Ou será uma maldição?"
Sem que ela notasse desceu as escadas e esperou no salão, até que a gata rajada surgiu descendo as escadas.
- Fez um bom trabalho, agradeço-lhe João. Podes dormir agora.
Sem lhe dizer uma palavra João partiu para seu pequenino quarto e pensou no que havia visto, quando caiu no sono, sonhos estranho vieram-lhe incomodar.
Sonhou com a gata rajada, e que ela era uma princesa que lhe pediria em casamento, mas após o matrimônio se tornaria uma bruxa que lhe arrancaria o coração.
Acordou assustado e sem entender o significado do sonho. Levantou-se e foi para seu trabalho.
E dia após dia, João picava lenha e retornava mais cedo para ver a bela princesa cantar. E a noite atormentado pelos pesadelos era. E assim cinco anos se passaram como se fossem apenas alguns dias. E a cada dia menos gatas se viam no palácio e João cada vez mais desconfiava da gata rajada.
Atormentado com os sonhos João decidiu dar um fim a suas dúvidas.
E enquanto picava lenha a gata rajada veio-lhe a seu encontro, e começou a dizer:
- Faz um bom trabalho João, sua recompensa será mais que um cavalo.
- E o que poderia ser senhora? – Indagou João.
- Algo que muito lhe apetecerá! – Respondeu a gata sorrindo.
Intrigado João resolveu adiar o que faria, e ao jantar notou que quase não havia mais gatas pelo palácio e indagou:
- Aonde foi parar as outras gatas, minha senhora?
- Ah, tolo João! – Respondeu-lhe a gata sacudindo a cabeça. – As gatas retornaram a seu devido lugar, logo isso se aplicará a você também.
João não bailou com a gata rajada e foi ao seu quarto como de costume, a noite saiu sorrateiramente e foi até a cozinha, onde a gata rajada estava cantando:
"Uma gata, duas gatas, três gatas!
Ao que eram devem retornar!
Baile comigo mais uma noite João.
E com as gatas se unirá!"
Arrepiado João correu para seu quarto e trancou a porta, e a noite inteira não pode dormir, de manhã saiu logo para picar lenha.
E enquanto o fazia a gata rajada veio a seu encontro, dizendo:
- Novamente fez um bom trabalho, venha comigo João, venha ver meus cavalos...
E juntos caminharam até a cocheira dos cavalos, e João jamais havia visto animais mais belos, foi então que tomou coragem e com a machadinha de prata degolou a gata rajada com um golpe só.
Ao tocar o chão ela se tornou a bela princesa que João havia visto cantar, e sem entender o que havia acontecido correu para dentro do palácio, onde encontrou belas moças mortas pelo chão.
Foi então que percebeu o que havia feito e pôs se a chorar desesperadamente.
A gata era uma princesa amaldiçoada, e as gatinhas suas servas que voltavam à forma humana graças à maldição que estava sendo desfeita por João.
Arrependido João enterrou os corpos de todas as garotas e levou o mais belo cavalo a seu mestre. Recusou o moinho e disse-lhe para que os outros dois o herdassem.
Retornou ao palacete, onde se enforcou. Perecendo pela simples desconfiança do ser humano. Que mesmo diante de uma benção, desconfia dos corações dos outros.
XXX
- NÃO É ASSIM!!!! – Lilith esbravejou.
- Você me mandou ler, eu li.
Cain soltou o livro que caiu no chão e sorriu logo seu sorriso se transformou em uma gargalhada. Lilith fungava ao seu lado ressentida.
- Isso é uma lição de moral para você, idiota.
- Não chame sua irmã de "idiota".
Os dois emudeceram. O homem alto parado na porta os encarava com olhos de estaca de gelo. Os cabelos negros penteados para trás e a barba espessa e já com alguns fios brancos, vestia-se todo de preto, o que fazia reluzir seus olhos de breu absoluto, e o anel com a pedra negra, enquanto coçava a barba despreocupadamente, sorriu para os filhos.
- Que bom que estão juntos, ao menos você aproveitou a vinda dessa vez, Cain.
- Certamente.
- Lilith. – A garota encolheu os ombros. – Recolha o livro e despeça-se de Cain, nós já vamos.
- Adeus Cain.
A pequenina abraçou o livro e passou correndo pelo pai, que apenas sorriu mais. Cain abaixou-se para pegar seu próprio livro, mas estancou quando o homem disse:
- Deixe-o, já tenho um melhor para você.
- Agradeço.
O garoto saltou da cama e caminhou sem hesitar sustentando o olhar do pai.
- Quanta determinação. – O homem riu e puxou a mão do pequeno congelando-o aonde o anel batia. – Logo será um perfeito conde, Cain Maurêveilles.
- Obrigado, senhor Oscar.
- Pai... – Corrigiu o homem.
- Aonde irei parar dessa vez, pai?
- St. Francis. – O homem sorriu. – Garanto que o apetecera. Raphael está instalado lá.
- Mas, meu pai... – Cain abaixou a voz. – Raphael está morto.
- Pois bem. – O homem sorriu encarando o filho. – Tinha me esquecido. Mas, vamos?
Cain consentiu saindo pela porta aberta. Mas não sabia que a sua história, aliás, a história das crianças Maurêveilles, se iniciava ali.
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YEP! Finalmente saiu, não é aquele conto, mas é um conto, a propósito a estória que o Cain conta realmente existe, só que possuí um final feliz (se parece muito com o Gato de Botas), a única coisa que ele não alterou foi o título, "O aprendiz de moleiro e a Gatinha" se você conhece essa relíquia comente \o/ se não, pesquise, recomendo ;) bem, é isso, promessa cumprida -- mas depois faço algo melhor, mas obrigada por ler \o/
Beijos >3<
Ass. FOX
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