Prólogo
"Ser amada ou protegida por alguém, são coisas que nunca sentirei enquanto viver. Por mais que queira ou lute por isso, sinto que estão muito distantes da minha realidade". — Brooke Stamford
Em 1473...
Brooke
Não fazia ideia de que horas eram, mas sei que fui despertada bruscamente ao sentir os raios solares invadirem as pequenas frestas da janela da minha pequena caixinha, carinhosamente chamada de quarto no qual me abrigo quando não estou limpando a casa da minha família, ou simplesmente cumprindo as ordens de minha mãe, Margareth Stamford. Severa, seus mandamentos jamais poderiam esperar nem mesmo por um segundo, ou eu seria castigada, sem nem mesmo ter culpa de alguma coisa.
Por incrível que pareça, entretanto, não sou mais uma criança ou coisa do tipo para me tratarem desse jeito. Na verdade, já completei 22 anos e ainda moro com minha família, por motivos bem entendíveis socialmente falando, aliás: nunca recebi um pedido de casamento sequer dos homens do vilarejo que fui nascida e criada.
"Você foi o meu maior erro"
Era uma frase que nunca saiu da minha cabeça. Minha mãe sempre me dizia isso somada a cada decepção da minha, e de sua vida, e ainda justificava:
"Se você não tivesse nascido tão feia, pelo menos algum desesperado iria ter a coragem de pedir sua mão em casamento, mas do jeito que você és, nenhum homem gostaria de acordar e te ver todos os dias".
Isso doeu. A primeira vez que tive o desprazer de ouvir essas palavras o meu coração se despedaçou como um espelho caindo no chão, a ponto de até hoje me fazer fugir de qualquer coisa que possa mostrar a minha imagem.
Às vezes, não posso nem mesmo tomar uma xícara de chá e ver o falho reflexo de meu rosto naquele líquido amarelado, que me lembro dessas palavras e, como se fosse algo inconsciente, ainda ouço um certo som de vidros se quebrando dentro de mim.
Nos quais sinto que nunca serão colados novamente, pois, ouvir estas palavras saindo dos lábios de quem deveria amar-me mais do que a própria vida, doem e muito. Porém, eu a amo incondicionalmente e acho que este amor um dia será reconhecido por ela.
Mas não poderia viver nesta melancolia sem fim, já que tenho que levantar-me e preparar alguma coisa para minha mãe e os meus irmãos, James e Joseph. E tenho que deixares tudo preparado antes que eles acordem ou irei ser castigada severamente.
Então juntei toda a energia que fora renovada depois de uma ótima noite de sono, levantei-me. Prendi o cabelo em coque, para que os meus fios longos não atrapalhassem no que tenho que fazer hoje. E fui até a bacia de água que estava sobre uma simples e pequena mesa próxima a porta do meu quarto, coloquei as minhas mãos dentro do recipiente e levei o pouco de água que consegui sobre o meu rosto delicadamente.
De imediato, todo o sono que me restara se foi junto em cada gota de água que escorrera sobre o meu rosto pálido. E o percurso do líquido cristalino terminou na minha camisola branca que não tinha nenhum detalhe feminino.
Com isso, corri para trocá-lo por um vestido típico de quem não nasceu com o sangue azul ou melhor dizendo, uma nobre. Era um que a parte de cima era branco com três pequenos botões da mesma cor, a saia era longa e rodada da cor marrom com alguns detalhes azuis que nem os meus olhos.
Porém, os meus olhos eram no mesmo tom dos oceanos que provavelmente nunca irei os conheceres. Já que um dia, sinto que não viverei por mais algum tempo com a minha adorável mãe que cada dia sinto que estás se tornando mais agressiva e exigente com a sua filha mais velha.
Ao contrário de meus irmãos que tenho quase certeza que viverão até a velhice deles, já que a nossa mãe os protegem de uma forma que nunca soube como era. Já que para ela, nem deveria ter existido e como sei disso? Ela faz questão de falar sobre isso, desde quando eu era apenas uma garotinha inocente.
Meia hora se passou...
A mesa já se encontrava com quatro pratos de madeira, copos e talheres do mesmo material. Hoje preparei algo bem simples, já que não tínhamos condições para ter uma alimentação mais variada que nem as dos nobres ou dos comerciantes. Fiz uma sopa de batatas com o que sobrou da carne de ontem a noite e pães que não foram preparados hoje, mas que já serviam para matar a fome deles.
E no copo continua com o único líquido que podíamos desfrutarmos à vontade, a água que sempre pego no poço que fica em nosso humilde jardim. Parece ter sido mais castigado ou abandonado do que eu. Se eu tivesse o dom de cuidar das plantas e principalmente das flores, talvez elas estariam em melhores condições.
Meus pensamentos foram interrompidos quando ouvi os gêmeos já brigando, enquanto saíam de seus quartos que ficavam ao lado da cozinha no qual me encontro neste exato momento. O órgão que bate dentro de meu peito, estava super agitado por conta do susto que tinha levado.
Entretanto, percebi que o motivo do susto era algo que já tinha se tornado uma rotina em nossa vida. Já que eles brigam desde que estavam na barriga de nossa mãe, pelo menos era isso que sempre pensava. E quanto menos esperava, Joseph e James, já estavam comendo ou melhor dizendo, devorando como se as suas vidas dependessem disso.
E eu podia jurar que eles estavam competindo em quem termina de comer primeiro. Isso me fez lembrar-me que eles estão com a vida em risco. Já que em alguns dias atrás, os gêmeos gastaram tudo que nós tínhamos em jogos de apostas em um lugar que és desconhecido por mim.
Confesso que senti o meu sangue ferver ao ter esta informação novamente em minha mente. Como eles tiveram coragem de fazerem isso? Era a única coisa que se passava na minha mente, porém, não posso fazer nada contra isso, já que não tenho condições para ajudá-los e muito menos, tenho autonomia de castigá-los. Pois, tinha certeza de que daria-me muito mal no final, como sempre...
Enfim, minha mãe não apareceu até agora e os meninos já tinham saído de casa para fazer alguma coisa que provavelmente irão comprometer mais ainda as vidas deles. Aposto que a matriarca da casa, Margareth, mais conhecida como a mulher que assusta até os mais corajosos de nosso vilarejo. Deve estás tentando salvar os pescoços de seus filhos caçulas mais uma vez.
Por isso, que os meus irmãos saem de casa tranquilamente, já que sabem que nada de ruim irá acontecer com eles de fato. Queria eu ser tão protegida que nem eles são. E não, não estou com ciúmes deles e sim, só queria saber o que és sentir amada por quem a gerou.
Algumas horas se passaram...
A manhã já tinha ido embora e encontrava-me terminando de limpar a casa, só faltava o quarto da mamãe. Mas era fácil de arrumar, já que ela sempre foi uma mulher cuidadosa de suas coisas. Hoje só iria arrastar a cama com o colchão branco e super confortável ao contrário do que tenho lá no quarto. Para limpá-lo com mais precisão ou até onde conseguisse.
Assim que o arrastei, peguei a vassoura que sentia que já estavas com os dias contados já que ameaçava a partisse ao meio a qualquer momento. E comecei a varrer até que o meu pé esquerdo pisou em uma parte do chão que parecia estás oco.
No começo, busquei-me ignorar e continuar no que estavas fazendo. Porém, a minha curiosidade adora dominar-me todo o meu ser quando queria. E quanto menos esperava, tinha-me deixado a vassoura encostada na parede perto da saída do quarto.
Agachei-me e dei algumas batidas com a mão direita na parte que aparentava estás oca. Percebi que tinha uma pequena fresta e então, posicionei os meus três dedos da mão e o puxei para cima, porém, sem sucesso. E depois, o arrastei e encontrei uma pequena caixa de madeira que estavas quase toda desgastada por causa do tempo.
O abri delicadamente para não correr o risco de quebrar, assim que os meus olhos repousaram em algumas cartas amareladas. Os abri e agradeci aos céus por ter aprendido a ler e a escrever com a ajuda do comerciante, Benedict Warren. Um velho senhor que tinha e ainda tens, um coração enorme e o considero um avô que sempre desejei ter.
Enfim, comecei a ler a primeira carta que parecia ser uma de amor e fores escrita por um homem. Uma letra linda e chega a ser um colírio para os amantes da leitura. Enquanto o lia, um trecho chamou a minha atenção:
"Meu grande e eterno amor, eu a amo tanto que sinto que posso ser o melhor homem a cada dia que passo ao teu lado. Prometo-lhe que ireis sempre amar-te e que seremos muito felizes juntos. De seu amado, AW".
Estas iniciais não são do pai dos meus irmãos, Anthony Stamford. Mas de quem serão? Provavelmente, nunca sabereis disso porque a nossa mãe sempre fores bastante discreta sobre o teu passado que ela insiste em titulá-lo como "espelho quebrado".
Nunca conseguimos entender isso, ela nunca nos explicou e quando perguntávamos como era a vida dela. Digamos que ela se transformava em um monstro e ficava assim até se trancar em seu quarto no qual ainda me encontro.
Teve um dia que podia jurar que a ouvi chorar aqui, mesmo sendo um choro baixinho e nada escandaloso, eu conseguia ouvi-la. Mas não me atrevia a entrar para acudí-la já que sabias que seria expulsa imediatamente.
Agora tenho que guardar antes que ela chegue, pois, não estou afim de levar bronca ou até mesmo, apanhar da pior forma possível. Feito isso, arrastei a cama para o lugar de antes e saí do cômodo, e fui até ao jardim para guardar a vassoura em seu devido lugar.
Andei pelo nosso jardim que lutava para sobreviver mesmo não tendo nenhuma ajuda dos humanos que moram nesta casa. Mesmo eles sendo assim, sentia-me bem com eles já que éramos parecidos de uma certa forma.
E soltei o meu cabelo que fora recebido com o vento um pouco gelado, com isso, toda a extensão dele voou para trás e no meu íntimo, sentia uma certa inveja de meus fios. Pois, eles podiam sentir o gosto da liberdade no qual nunca sentirei sequer o sabor.
Minha mãe adorava e ainda adora, lembrar-me de que não sou digna para nenhum homem por conta de minha aparência. Não lembro da última vez que vi o meu reflexo, porém, sei que os meus cabelos são pretos, lisos e ondulados nas pontas.
Tenho um corpo magro, porém, não exageradamente. Sou um pouco alta se comparado com as demais jovens de nosso vilarejo, mas não consigo discernir o formato de meus lábios que estão ressecados por falta de cuidados necessários. Pois, minha mãe não deixava que usasse nenhuma maquiagem por achares desperdício de moedas de prata que continham o rosto de nosso herói de guerra, Harry Lancaster.
E falando nele, amanhã à noite terás uma festa em homenagem ao guerreiro que matou os nossos inimigos de outros países e que também libertou os prisioneiros de guerra. Contudo, isso aconteceu há cem anos e até hoje, buscamos agradecer mesmo não estando mais entre nós.
Os seus descendentes são muito respeitados por todos nós e eles aparentam ter muito orgulho dele também. O nosso vilarejo que antes não tinha um nome na época dele, acabou o recebendo em homenagem ao nosso salvador, Lancasville.
No início, as pessoas daquela época não tinham gostado muito deste nome. Por acharem estranho demais, mas com o tempo acabaram gostando e se orgulhando mais ainda. Temos até uma estátua do senhor Lancaster e que fica localizada no centro de nosso vilarejo.
Meus pensamentos foram interrompidos bruscamente, quando senti alguém puxar-me pelo braço direito e quando olhei para trás. Vi que era a minha mãe, ela estava vermelha de raiva e dizia algumas coisas que não conseguia discernir muito bem. As únicas palavras que consegui ouvir depois de alguns míseros de segundos, foram:
— O que estás fazendo aqui, sua maldita? Não lhe falei para nunca sair para fora de casa e muito menos, ficares no jardim. Não quero que ninguém saibas que tu és minha primogênita. Tu és uma vergonha para a minha vida, por tua causa que sou tão infeliz. Você foi o meu pior erro e nunca se esqueça disso. — Ditou cada palavra que podia sentir o ódio que ela nutria por mim a cada dia que se passava.
Ela puxou-me sem se importar com nada e muito menos, se estavas me machucando e muito. Antes de pisar em nossa casa, eu acabei caindo no chão que continha alguns pedacinhos de vidros que provavelmente era uma garrafa antes.
Que acabou provocando alguns cortes nas minhas pernas e na mão direita. Aposto que este objeto de vidro estava com a minha mãe quando chegou e o jogou no chão assim que me viu lá no jardim. Ela levou-me até ao sótão que acabou se tornando o meu quarto desde quando era pequena, trancou-me.
Disse-me que ficarias presa até que o humor dela melhorasse e a dor de cabeça provocada pelo conteúdo da garrafa, passasse por completo. Assim que parei de ouvir os passos dela, permiti-me que as lágrimas me fizessem companhia nesta tarde que não demorarás para ir embora.
Joguei-me no chão de uma forma no tanto dramática, encostei os joelhos ao meu corpo e apoiei os braços sobre eles, ignorando totalmente os cortes que ganhei agora a pouco. Pois, a dor que estou sentindo de ter sido tratada daquela forma mais uma vez, doía mais do que qualquer dor que possas existir neste mundo tão desconhecido por mim.
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