Prólogo: Wilhelmina


Maio de 1998

Se existem duas coisas que podem romper um coração é a ausência de quem mais amamos, a maldade humana, e a terceira da qual ninguém jamais deveria provar, a perda de uma parte nossa. Não se tratava de apenas uma perda de memória, a diagnosticada Amnésia dissociativa. Associava-se ao ato mais cruel que um ser humano poderia cometer, separar a mãe de um filho.

Era um mês de maio qualquer e os preparativos estavam em estágio avançado para apresentar a mais nova dos três herdeiros Mitchel, no entanto, havia um enorme empecilho na vida de Samuel Mitchel, sua caçula, Gerda, estava grávida aos dezesseis anos. A jovem que apesar de bela e delicada, havia sido seduzida a estar naquele estado, presava pelo nome da família, e aceitava ainda que contra a sua vontade, ser mantida escondida dos olhos do mundo, na casa em que morava, quase sempre trancafiada em seu quarto, para esconder sua gravidez. A menor associação do caso ao nome da família, poderia jogar na lama, tudo o que a família vinha construindo a três gerações.

Mas, não se tratava apenas do nome popular de uma família respeitável e rica. Tratava-se do desejo sem fim de poder do chefe da família, do senhor Samuel e suas regras absurdas, e a ambição de estar ainda mais acima de todos.

O que jamais viera a desejo de Gerda ou de Blanca, nem mesmo de Genevive, que presavam apenas pela paz e a conservação do que já tinha.

Mas, o escândalo de Gerda, fora o ápice de um tormento para a família, que na manhã do décimo oitavo dia de Maio, trouxera uma das maiores tragédias da família. Fora em uma manhã qualquer, a jovem Genevive descia para o café da manhã, seguida mais atrás de Gerda, ela estava nos últimos meses, e além de começar a se irritar com os inchaços, a mudança de humor naquela fase era constante, a "menina", não sabia o sexo do bebê, então tudo o que tinha eram as atingas peças de roupas brancas, de tecidos finos, que sua mãe guardara de seu enxoval, quando pequena. Agora, tudo que restava a ela, era encarar a enorme mesa da sua sala de jantar, com seu pai enfiado detrás das folhas de jornais, que ele lia, sua mãe, que brincava com o café da manhã, e seu irmão Carlo, que mantinha-se cego em seu livro de contabilidade da faculdade, que ficava a vinte minutos de onde morava. Todos estavam em silêncio, quando as duas mulheres mais jovens da família ocupara os seus assentos. Ninguém além de Blanca, dirigira o olhar para elas, embora, ouviram Samuel suspirar. Elas encheram seus pratos como de costume, e passaram a seguir com suas refeições, trocando breves olhares.

Olhares estes cúmplices, de quem havia se sacrificado a levar mais do que uma bronca do pai, com as travessuras românticas que ambas aprontavam. Tudo estava ligado a Genevieve, Gerda, o pai do bebê, e uma carta imensa que ele enviara a jovem.

Naquela carta, onde Genevieve mentira sobre onde estaria naquele fim de tarde, ele dizia que sentia a falta dela, que desejava logo tirá-la de casa, enquanto ganhava o suficiente para sustentá-los. Ele soubera recentemente da gravidez, e ficara ainda mais preocupado, do que qualquer um poderia imaginar. Porque ele amava Gerda, e dissera isso, dezenas de vezes na carta.

Mas, naquela manha, Gerda já não carregava mais o mesmo sorriso da noite passada, porque ao invés, de queimar a carta, deixara a mesma dentro da gaveta do criado -mudo, que naquela manhã, já não a possuía mais. Como e para que, ela fora tirada de lá, não sabia, muito menos quem poderia ter feito, embora, devesse ter sua lista de suspeitos, dentro de sua própria casa.

Não poderia ser a senhora Constatin, porque, era boa demais e muito confiável para cometer tamanho atrevimento, também, não seria sua mãe, porque naquela noite, ela jantara com Madeline Suzete, e jamais poderia suspeitar de Carlo, porque ele passava as noites em qualquer lugar além daquela casa, e jamais se importara com ela, o que incluía o fato de nem mesmo perceber, que ela estava grávida. E tal absurdo era tão real que ele sempre dizia, misericórdia Ge, você está imensa de gorda, todas as vezes que a via por perto, o que eram raras as vezes.

E por fim, só restava seu pai, Samuel, o senhor Billien, o mordomo e o motorista o senhor Jackson. Ambos os funcionários, eram completamente manipulados por Samuel, enquanto, a senhora Constantin, era leal a dona Blanca, como ela gostava de falar.

Genevieve e Gerda, viram que assim que Samuel cansara-se do jornal, ele o depositara com delicadeza sobre a mesa, depois olhara para as duas, com uma expressão impassível, suspirara e voltara seu olhar para o pão com creme de avelã, que nem tocara.

— Por favor, Blanca, Carlo— ele os chamou— retirem-se por favor, preciso conversar com as meninas, a sós.

— Mas, eu ainda não terminei— protestou Carlo, enquanto abaixava o livro, enquanto segurava um pedaço de bolinho.

— Entretanto, eu disse que sim— impetuosamente, Samuel o encarou com ferocidade, o fazendo resmungar e sair da mesa, junto de sua mãe.

Gerda continuara tomando seu suco de morango, enquanto Genevive servia, outra xícara de chá para si.

— O que pensam que estão fazendo?— indagou Samuel, com uma fúria costumeira.

— Tomando café da manhã— murmurou Gerda, ainda com o copo sobre a boca, o suficiente para ele ouvir.

— Está achando isso engraçado?— ele indagou, esmurrando a mesa, fazendo tremer os talheres— Sabem muito bem, que estou me referindo a noite de ontem.

— Ah, claro— disse Genevieve, calmamente— estávamos em nossos quartos, depois que eu cheguei da minha saída com Jennie, da sorveteria, foi muito proveitoso, matamos nossa saudade, mas, depois e...

— Genevieve Mitchel— sua voz esganiçada, indicava que ele estava se contorcendo para não agarrá-la pelo pescoço— onde estava ontem a noite?

— No meu quarto— respondeu Gerda, erguendo uma de suas sobrancelhas.

— Com quem exatamente?— ele indagou a ela, com raiva.

— Comigo e os móveis. Por que?

— Você acha que eu sou alguma espécie de imbecil, Gerda?

Ela o encarou de sobrancelhas erguidas, grunhiu, e considerou assentir, quando Genevieve lhe lançou um olhar suplicante, negando que ela fizesse aquilo.

— Não, papai— respondeu ela— apenas estou dizendo a verdade.

— Está mentindo!— vociferou ele, socando a mesa mais uma vez.

— Não estou não— ela gritou de volta— se não acredita em mim, pergunte a senhora Constantin, ou a Billien e Jackson.

— Não preciso perguntar nada, porque já sei de tudo— esclareceu ele— você nunca está quieta como combinamos Gerda. E Genevieve— ela ergueu os olhos, até o pai, retirando a xícara dos lábios— você me decepcionou— ela abaixou a cabeça para a mesa— mentiu na minha cara, e ainda colaborou com as maluquices de sua irmã.

— Desculpe papai...

— Do que exatamente o senhor está falando?— indagou Guerda, com muita curiosidade.

— Você sabe muito bem... eu deixei muito claro a você, que a queria longe daquele rapaz, que só desgraçou o seu nome e o nome desta família Gerda, você não consegue...

— É você quem não compreende que não pode controlar todo mundo, além disso, invasão de privacidade, não ajuda em nada, em sua relação comigo. Ou achou mesmo que eu não ia perceber que roubou a minha carta?

— Estou em minha casa, o que faz ou deixa de fazer, é de meu direito saber, detalhe por detalhe, e enquanto viver debaixo deste teto, você vai se submeter ao que eu disser.

— Isso é o que o senhor acha que eu vou fazer— desafiou ela, se levantando— não vou mais aturar as suas estupidezas, nem mesmo essa opressão, e ainda menos a invasão de minha vida.

— E vai fazer o que? Fugir de casa? Morar com aquele irresponsável? Vocês vão viver de que mesmo?— Samuel que a seguia, berrava para todos na casa ouvirem, Genevieve os seguiam— Nunca trabalhou na vida Gerda, sempre teve tudo nas mãos, você não faz a mínima ideia, do que é se casar, ainda menos criar um filho, um filho fora de um casamento, que te difama e a torna uma...

— Me torna o que?— ela se voltou para ele, gritando cheia de raiva, aos pés da escada— O que é que eu me tornei papai? Diga!

— Sua... — ela ergueu as sobrancelhas em desafio, enquanto o encarava. Não era por ela que ele se preocupava, era por ele, e apenas as intenções dele— sua...

— Papai não diga isso, por favor— implorou Genevieve.

— Não Vi, está tudo bem, deixe-o dizer— disse Gerda— afinal, eu é quem sou o único problema desta família, ter sentimentos, ser realista, jovem e viver o que é de meu direito, é o erro. Também é errado prometer e comprometer sua liberdade, em nome de uma família como essa, que abaixa a cabeça a um ditador, sem sentimentos, que...

— Você me respeite, sua imunda!— exigiu ele, aos berros. Samuel, começava a se assemelhar uma pimenta madura, avermelhada.

— Que barulheira é essa?— indagou Blanca, surgindo nos pés das escadas, no andar de cima, acompanhada de Carlo.

— Só uma discussão, mãe— Carlo respondera, dando de ombros.

— Gerda— chamou-a sua mãe— por favor, criança, volte para seu quarto e...

— Sua filha está se correspondendo com aquele vagabundo, outra vez— berrou Samuel, apontando para ela— nem mesmo palavras podemos ter, porque ela não se importa com nada além dela mesma, todo o sacrifício...

— Eu me importo somente comigo mesma? Eu papai?— indagou ela, com nojo— Nem mesmo a dignidade de admitir que este é você, se tem.

— Como é?

Gerda deu-lhe as costas, furiosa subindo as escadas, quando sentiu um puxão em seu braço esquerdo.

— Como ousa me desrespeitar sua criança abusada? O que pensa que é para falar comigo desta maneira?

— Um ser humano— berrou ela, tentando se soltar em vão.

— Nem isso está sendo capaz de ser. Seres humanos, tem carácter, compromisso e melhor ainda, decência, coisa que você não tem— ele apertava ainda mais seu braço.

— Olhe só, quem fala— resmungou ela em deboche.

— Estou farto dessa rebeldia, de suas imprudências e tentativas de manchar o nome desta família Gerda, a partir de hoje em diante vai ficar trancada de verdade naquele quarto, até essa criança, que jamais deveria ter existido nascer— ordenou ele, em alto e bom som— não vou tolerar que faça a besteira de deixar que as pessoas por aí, digam que Gerda Mitchel é uma... uma... vadia.

— Demônio— enfureceu-se Gerda, cuspindo em seu pai.

Samuel ficou ainda mais furioso, que por um instante, pareceu que Gerda subiria para o seu quarto para chorar, para resmungar sobre o quão ruim estava sua vida. Mas foi tudo muito rápido, um tapa estrondoso, a velocidade com que a força usada para atirar o tapa na face de Gerda, lançara sobre o chão e a fizesse cair e bater a cabeça sobe a beirada do degrau da escada, fazendo rolar até o chão do andar debaixo, desacordada.

— Samuel, não— fora o que Blanca gritara ainda enquanto tudo acontecia.

— Meu Deus, papai— fora o que Carlo, conseguira dizer.

— Não— era o que Genevieve gritava, enquanto corria até a irmã que rolava até o chão.

Foram apenas segundos, e logo em seguida, ela estava largada sob o chão, desacordada, com a cabeça sangrando, e as vinte e oito semanas de gravidez, dando início a um tormento que desenrolaria nas próximas doze horas.

Samuel forçando-se a soar arrependimento, ligava para o médico da família. A senhora Constantin corria contra o tempo para manter a menina limpa do sangue, e para ajudar no trabalho que a jovem desacordada, não poderia realizar. Genevieve chorava junto de sua mãe, que sentava-se na poltrona ao lado da cama, assistindo a cena, sentindo-se inútil, enquanto Samuel e Carlo, discutiam o que deveria ser feito caso o pior ocorre-se.

Quase no final das doze horas que se passaram, de todas as lágrimas, gritos e ordens que soavam do quarto de Gerda, Samuel fora atingido de arrependimento pelo que fizera com sua filha. Mas, em vez de correr para ajudar com suas próprias mãos, um plano surgiu em sua mente, crendo ele, que seria o melhor a ser feito, caso a criança sobrevivesse.

Gerda despertara, ainda com a senhora Constantin em cima de si, ela gritara de dor, e fizera o que lhe pediram, embora, estivesse muito confusa. O que mais tarde fora muito bem esclarecido. A criança nascera no início da noite do décimo oitavo dia do mês de Maio, uma noite chuvosa, cheia de medo e sofrimento. Uma menininha de cabelos cor de mel nascera saudável, embora, chorasse muito, ela parecera ser consolada pelo colo da mãe, que por recomendação do médico fora obrigada a dormir. A criança por sua vez, fora colocada em um berço improvisado. Cheio de travesseiros e lençóis macios, a menina dormira, enquanto, Blanca decidida, deixava mãe e criança descansar.

Eles não tinham apetite, então não havia jantar, o misto de alívio, alegria e medo, fazia com que Genevieve e sua mãe, ficassem em volta no corredor, próximo ao quarto de Gerda.

Era tarde, e todos estavam apreensivos com como ela reagiria ao amanhecer, ou quando a bebê acordasse. Genevieve sugeriu que a menina chamasse Juliene, embora, lembrara a mãe, ouvir de Gerda que se fosse menina o nome deveria ser Wilhelmina, um tanto diferente, mas, em homenagem a descendência de sua mãe.

Foi naquele mesmo momento, que ambas uniram as sobrancelhas, e sem entender, encararam o mordomo, ao lado do senhor Samuel Mitchel, entrarem no quarto com um cesto e um cobertor. Tanto Blanca, quanto Genevieve, seguiram eles, e assistiram em protestos e indignação, Samuel colocar a criança embrulhada sobre o cobertor no cesto, ela não acordara, até Blanca começar a gritar pelo corredor estapeando as costas do marido, pedindo que a neta ficasse.

Genevieve, que entrara em um estado de choque vira a mãe cair no chão de joelhos, em prantos, enquanto assistia o marido, que ameaçara a bater, descer escada abaixo com a criança, enquanto incumbia o mordomo de terminar o serviço.

Ninguém além do mordomo sabia, que naquele sexto, estava a herdeira legítima dos Mitchel, assim, como uma gorda quantia em um envelope, que dizia ser para o uso da criança, ao alcançar a maior idade, e o mais frio sentimento de agir brutalmente para arrancar a filha de uma mãe, que jamais recordaria daquele acontecimento. 

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