35
Any parecia animada em conhecer cada parte da vila, mostrei a ela a catedral que fora construída pelos antigos dominadores do fogo. Eles tinham a fênix como símbolo de devoção, esperança e renascimento. A garota ficou maravilhada pela arquitetura do lugar.
— É apenas uma capela velha, donzela. Não tem nada demais — comento, sem entender de onde vinha todo aquele fascínio, pois realmente não havia muito esplendor em uma construção abandonada e desgatada pelo tempo.
— Claro que tem. Os antigos construíram isso, é incrível — ela toca a superfície áspera das pedras que erguem a estrutura — eles a ergueram as próprias mãos, e tudo o que está aqui... ainda é parte deles.
Decido ficar quieto antes que ela me xingasse, então apenas sento em uma pedra alta enquanto ela continua observando o lugar. Provavelmente o fato de eu ter andado por aqui tantas vezes durante criança, especialmente durante brincadeiras de esconde-esconde, pesavam na minha percepção de que aquele era apenas um lugar em ruínas, como tantos outros, nada de especial.
Poderia até ser considerado um local bonito, mas para mim, ela o ofuscava.
— Então, o que você sabe sobre a história desse lugar? Aposto que você deve ter escutado algo quando era criança — ela se senta ao meu lado na pedra.
— Bem... dizem que essa catedral foi construída pelos primeiros dominadores do fogo, aqueles que protegiam a vila quando ainda éramos só um pequeno vilarejo. Eles eram... como heróis, eu acho. Nossos ancestrais viam neles a força do fogo, e esse lugar era onde eles treinavam e faziam rituais para manter suas habilidades afiadas.
Ela me observava com atenção, então continuei.
— Na época, o fogo era visto como algo divino. Não era só uma ferramenta ou uma arma; eles acreditavam que ele tinha uma alma, e quem o dominava... tinha que respeitar essa alma. Por isso construíram essa catedral com tanto cuidado. Dizem que algumas pedras foram trazidas das montanhas — aponto para elas sem muito interesse, o fogo não é meu elemento, afinal — hoje, parece que o tempo devorou tudo.
Any cruzou os braços e olhou ao redor novamente, como se tentasse imaginar como seria o lugar em seus dias de glória.
— Terminou de dar uma de investigadora? Quero voltar para a festa.
Any revirou os olhos, sem se abalar com o meu comentário provocativo.
— Você realmente não consegue apreciar o que tem diante de você, não é?
— Consigo — olho para ela e apenas para ela — gosto de te admirar.
— Oi? — ela ri — você está brincando, certo?
— Não — falo sério, de forma que não deixe espaço para dúvidas.
A expressão em seu rosto é de puro choque, sei que pode parecer estranho admitir isso do nada. Mas é a verdade. Nada mais que a verdade. É difícil não admirar uma mulher como Any.
Ela é mais que linda. É forte. É divertida. E certamente é tudo o que quero na minha vida e não do modo possessivo da coisa. Porém, essa parte eu ainda não consigo dizer.
— Você fala isso só pra me provocar, né? — ela finalmente encontrou sua voz.
— Acho que você sabe que não — inclinei-me um pouco mais perto dela,
Houve uma breve tensão no ar, aquela que sempre existia entre nós. O silêncio que se seguiu não foi desconfortável, mas carregado de eletricidade. Ela não desviou o olhar, mas também não disse nada, parecia lutar entre o desejo e a racionalidade.
Então, de repente, Any esticou o braço e deu um leve empurrão no meu ombro.
— Vamos embora. Temos que voltar para a festa, lembra?
A racionalidade venceu. A dela, não a minha.
— Só mais um minuto, donzela — murmurei, puxando-a de volta, de forma que ela se desequilibrou levemente e acabou mais perto de mim do que antes.
Nossos rostos estavam a poucos centímetros de distância. E sem hesitar, acabei com a distância.
Ela demorou um segundo antes de corresponder, mas quando o fez, senti sua mão se agarrar à minha camisa, me puxando para perto. Sua boca é ávida e a mulher é tão quente que mal consigo raciocinar.
Afasto nossos lábios apenas para descer os meus em direção ao seu pescoço, mordiscando sua pele levemente e depositando uma trilha de beijos ali. Ela arfa, soltando um suspiro que quase soa como um gemido.
— Se continuar assim, nunca vamos voltar pra festa — ela disse, com a respiração um pouco acelerada.
É verdade. Tínhamos uma festa para voltar. Assim como também é verdade que nesse momento a festa não era mais uma prioridade para mim.
— Um último — murmuro, colando nossos lábios novamente. O beijo se aprofundou, mais intenso do que antes e foi difícil nos separarmos.
— Josh... Precisamos ir — ela se afastou, ainda ofegante.
— Tá, você venceu — concordei relutantemente, passando uma mão pelo cabelo enquanto tentava recuperar o fôlego.
Ainda sentindo o calor da última troca de beijos, fiquei de pé, ajeitando minha camisa e tentando voltar à realidade. Any também se levantou, mesmo com os lábios ainda inchados.
O caminho de volta foi rápido, a vila era pequena, o mais complicado foi conter a vontade de beijar a mulher ao meu lado em cada esquina.
— Sua casa é em que direção? — percebo a curiosidade em sua voz mas não consigo conter a provocação.
— Por que você está tão interessada em saber? Quer conhecê-la? — minha boca se curva em um sorriso quando ela arregala os olhos. Levo um empurrão no ombro como resposta.
— É claro que não, seu idiota. Eu só perguntei por curiosidade — ela revira os olhos e volta a dizer alguma coisa.
Não presto mais atenção.
Meu coração acelera no meu peito com a cena que vejo. Parei no mesmo instante, como se minhas pernas fossem incapazes de se moverem, o sangue gelou nas minhas veias quando vi Sina e Noah se beijando.
Senti uma onda de raiva crescer dentro de mim, tão intensa que tive que fechar as mãos em punhos. Noah. A última pessoa que eu queria perto dela.
— Josh? — escuto a voz de Any. Ela havia parado também, e ao seguir meu olhar, seus olhos se arregalaram ligeiramente ao ver o que eu estava vendo.
Meu estômago revirou. Aquele beijo não era algo casual. Era íntimo, próximo demais. Como se ele tivesse todo o direito do mundo de estar ali, como se fosse algo natural.
Ele não tinha o direito de tocá-la assim.
— Josh, calma — Any colocou a mão suavemente no meu braço. Não adiantou. Antes que eu percebesse, já estava andando na direção deles, com passos duros e determinados.
Pisei em um galho e isso fez com que os dois se separassem rapidamente, olhando em minha direção.
— Sina! — minha voz soou mais alta do que eu pretendia, mas não me importei. Eu já estava explodindo — quer merda é essa?
— Josh, espera... — Sina começou, ela estava assustada e visivelmente tremendo.
A raiva parecia destruir qualquer pensamento racional que eu pudesse ter.
— O que diabos você acha que está fazendo? — me virei diretamente para Noah, meus punhos cerrados.
Eu odiava aquele verme.
— Estávamos conversando — ele sorri, presunçoso.
— Conversando? — quase cuspi a palavra, dando um passo à frente, invadindo seu espaço — você acha que eu sou idiota, Noah? Você acha que pode simplesmente se aproveitar da minha amiga e sair impune?
— Eu não estou me aproveitando de ninguém — ele rebateu, agora com o rosto sério, sem o rastro de ironia habitual.
— Josh, por favor, pare! — ela olhava de mim para Noah, desesperada — não é o que você está pensando. Eu... eu quero estar com ele.
Essas palavras me atingiram como um soco no estômago. A dor no rosto de Sina e o jeito como ela olhava para Noah fizeram minha raiva se intensificar ainda mais.
— Como você pode dizer essa merda? — explodi — a quanto tempo isso? Você sabe que eu odeio mentiras, Sina, sabe que eu odeio que escondam coisas de mim e o que você faz? Beija um cara que é a última pessoa que eu quero perto de você.
Ela ainda me olha assustada. Lembro do que Alex falou mais cedo, olho para Noah me perguntando como eu não percebi isso antes. Até o Alex sabia dessa merda.
— Todo mundo sabia, né? Todo mundo sabia, só eu que não — minhas mãos vão direto para meus cabelos, se elas saíssem dali provavelmente iriam para a cara de Noah.
— Não, não é bem assim — as lágrimas começam a rolar pelo rosto de Sina — nós nunca havíamos nos beijado antes.
Um riso sarcástico escapa da minha boca, estou com tanto ódio que nem consigo acreditar em suas palavras.
— E você acha que eu vou acreditar? Você mentiu, Sina. Você poderia ter me contado, poderia ter dito que gostava dele.
— Você não iria entender! — ela grita de volta.
— É óbvio que eu não iria entender! — também grito, meus pulmões parecem em chamas — ele é o filho do meu pai, o pai que me abandonou. Ele é a porra de um moleque mimado que se acha melhor que todo mundo, ele me acusou de querer roubar a coroa dele e de ser um perdedor que eu não conseguiria ser nada na vida. Como você pode ficar com ele, Sina? Como você pode querer isso? Ele falou sobre a minha mãe... sobre a minha mãe morta, Sina — sinto minha voz prester a tremer, um nó se forma em minha garganta e sinto vontade de chorar.
A expressão dela ficou marcada pela dor, seus soluços se tornaram mais altos.
— Não fale assim com ela — Noah me empurra, me afastando de Sina — se quer descontar em alguém, desconte em mim.
Eu ri de maneira amarga, o ódio fervia dentro de mim.
— E quem você pensa que é? — retruco, meus punhos ainda cerrados — você só está interessado nela porque é divertido para você a ideia de machucar alguém que é valioso para mim. Você não a ama. É só uma diversão para você!
Sina fez uma expressão de desgosto, e eu percebi que minhas palavras a atingiram.
— Josh, pare! — Any disse, colocando uma mão no meu braço, mas eu a ignorei.
— Você não sabe do que está falando — Noah respondeu, o rosto sério — eu me preocupo com ela. Eu gosto dela. E quem está a machucando é você.
— Ah, claro — volto a olhar para Sina — foi assim que o meu pai enganou a minha mãe, sabia? Com essa mesma historinha.
Noah me puxa novamente, impedindo que eu fale diretamente com Sina.
— Eu não sou como o meu pai, Beauchamp. Eu nunca cometeria os mesmos erros que ele e eu banco todas as consequências das minhas atitudes — esse é o único momento em que vejo a calma de Noah se esvair, como se sua máscara de força indestrutível tivesse caído por alguns rápidos segundos e dado lugar a dor.
O papai era o ponto fraco, então?
— Você não é como o seu pai? Repita isso várias vezes em frente ao espelho e quem sabe um dia você acredite. Porque para mim, você é exatamente igual a ele. Desprezível igual — eu quase cuspo. As veias do meu pescoço parecem querer saltar.
Noah deu um passo à frente, com os olhos ardendo.
— Não sou como ele. Eu estou aqui porque gosto dela de verdade.
Um silêncio pesado pairou entre nós. Não importava o que ele dissesse, pessoas como Noah são incapazes de amar alguém.
— Gosta? Gosta mesmo? — minha voz soa mais baixa agora quando eu me aproximo dele — seja sincero, você se aproximou dela para me machucar. Admita. Seja verdadeiro uma vez na sua vida.
O rapaz parece hesitar. O silêncio se estende, pesado e desconfortável, apenas com os sons do soluço de Sina e da música distante.
— É verdade. No começo, eu só queria irritar você, queria usar ela para te machucar. Eu queria que você sentisse como eu me senti todas as vezes em que você jogou na minha cara que você é um dominador de água e eu não. Eu estava com tanto ódio e com tanta inveja...
Travo o maxilar. A ideia de que ele pudesse ter se aproximado de Sina apenas para me ferir era inaceitável.
— Mas, depois, eu... eu comecei a realmente gostar dela — ele hesitou, olhando para Sina, que agora estava em silêncio, seus olhos alternando entre nós dois — não era mais um jogo. Eu me apaixonei por ela.
As palavras dele foram como um soco em meu estômago. Eu não conseguia processar.
— Então você admitiu que estava jogando com os sentimentos dela! — berrei, dando um passo à frente.
— No início... — não o deixo terminar a frase.
Foda-se que foi apenas no início, isso não impede meu punho de afundar em sua cara com toda a força que tenho.
Ele cambaleou com o impacto e mal dei tempo para que ele se recuperasse. Subi em dele e afundei meu punho em seu nariz de novo. E de novo. E de novo.
A adrenalina pulsando em minhas veias enquanto eu descontava minha raiva em seu rosto. Ouvi os gritos das meninas. Mas não importava. Nada importava.
Sangue do seu nariz e da sua boca molharam minha mão. Isso não me fez parar. Eu o odiava por me machucar e por machucar Sina. E o odiava mais ainda por ele não querer reagir.
Ele poderia reagir se quisesse, mas não quis. Talvez achasse que merecia cada soco.
E se ele achava isso, bom, quem seria eu para discordar?
Só parei de bater quando as mãos de Any e de Lamar me puxaram para longe dele. Meus dedos estavam quase em carne viva e sangue escorria em toda minha mão.
As lágrimas que corriam pelo rosto de Sina, em choque, me cortavam o coração, mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Havia um gosto amargo em minha boca. Eu me sentia enganado.
Any me guiou para longe de toda a confusão, não disse nada, não havia muito a ser dito. Em vez disso, ela envolveu suas mãos em meus dedos mesmo que suas habilidades de cura não estivessem tão desenvolvidas ainda.
As pessoas dizem que homens não podem chorar, mas percebo que quero chorar, minha boca está salgada. Uso meu poder de dominação da água para impedir que elas caiam.
— O que está fazendo? Você não sabe curar — minha voz sai rouca.
— Eu sei tirar a dor — seus dedos tocam os meus, recuo instintivamente sentindo o ardor nas feridas.
Ela os toca novamente e de repente, não doem mais como antes. Meu peito ainda doi. Os dedos não.
Os machucados também não estão mais visíveis e percebo que meu corpo se acalma aos poucos. Ergo o olhar para ela que apenas sorri timidamente.
— Você conseguiu... me curar — abro e fecho a mão, um pouco surpreso e orgulhoso pela conquista dela, embora essa não seja a melhor hora para comemorar.
— Eu queria muito conseguir curar a dor em seu peito também — ela se senta ao meu lado, ficando em silêncio por um tempo, mas logo prossegue — não vou te dar lição de moral, mesmo que eu ache que você não agiu da melhor forma.
— Any...
— Tudo bem, eu não vou criticar. Entendo que você tenha se sentido traído e não queira tocar no assunto. Mas saiba que às pessoas têm direito tomar as próprias decisões, mesmo que você não concorde.
— O que machuca é ela ter escondido. Talvez se ela tivesse me dito eu poderia ter tentado entender... — desabafo, passando as mãos em meu rosto — eu sei que exagerei, tá? Eu só não queria que ele a machucasse.
Ela fica em silêncio.
— Estraguei tudo, né?
Senti um peso no meu peito, um misto de culpa e confusão,
— É normal se sentir assim. Ninguém consegue se controlar em uma situação como aquela, você agiu seguindo os seus impulsos e a vontade de proteger Sina. Eu não vou te julgar por isso, Josh — ela me abraça.
As palavras dela eram como um bálsamo, começando a curar a ferida que eu sentia dentro. Ela sempre tinha esse feito sob mim. A culpa ainda borbulhava, mas a sensação de estar sendo apoiado, mesmo que apenas por um momento, mesmo que eu não estivesse completamente certo, me deu um pouco de alívio.
— Obrigado, Any — falei, genuinamente sentindo seus braços me envolverem. Ela odiava abraços e ainda assim, estava me abraçando.
Seus dedos envolviam meu corpo e sua pele transmitia um calor reconfortante. O cheiro de lavanda que vinha de seus cabelos e invadia minhas narinas era delicioso, a forma como ela roçava o nariz em minha bochecha e o jeito como seus olhos castanhos brilhavam em preocupação...
Droga.
Acho que eu amo ela...
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