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A rua se perde cores e percebo que em toda minha vida, nunca vi Haeris com tanta vida. Algumas ruas ainda estão com um odor nada agradável - acho que não tem como apagar essa parte, é quase uma marca, enfeite as ruas com flores, cubra as imperfeições, mas saiba que elas ainda estarão lá ao final do dia -.

Andei boa parte da manhã com Any, Sabina e Heyoon, mostrando a elas um pouco do vilarejo, as esquinas tortuosas, com suas ladeiras íngrimes batidas em pedra e os estabelecimentos simples. Havia uma hospedaria próxima a uma loja de bugigangas e artefatos velhos, mas fiz questão de receber as três em minha casa.

Embora a casa tenha ficado um pouco mais cheia que o habitual, o importante é que coube.

— Pelos deuses, o sol aqui é muito quente — Sabina se abana como se estivesse em uma fornalha.

— A Sina avisou pra você não vir com roupas pesadas, a culpa é sua — Heyoon repreende a morena, que apenas torce a boca, parecendo satisfeita com seu vestido encorpado em boas camadas de tecidos chiques.

— Calada, Jeong.

Troco olhares rápidos com Any, nós duas já sabendo que provavelmente as duas engatariam em mais uma de suas discussões bobas. Era sempre assim.

— Elas nunca mudam, né? — comentei em um sussurro para Any, que revirou os olhos em concordância.

— Isso porque você não as viu durante a semana, enquanto estávamos planejando o evento. Foi um inferno!

Seguimos por uma ruela estreita, com casas construídas em pedras cinzas ao redor de nós. Sabina e Heyoon continuarem seu pequeno duelo verbal alguns passos atrás, não tão distantes, ainda podíamos ouvir suas vozes.

As flores que enfeitavam as portas das casas davam vida a coloração cinzenta, os pequenos mercados com barracas de frutas e ervas, e os sorrisos de alguns moradores traziam uma leveza que eu não via há tempos. Crianças corriam de um lado para o outro, rindo, enquanto os adultos conversavam às portas de suas casas.

— É estranho ver Haeris assim, tão cheia de vida, depois de tudo — comento — a festa está trazendo uma energia diferente, todos estão empolgados. Devemos muito disso a você e a todos que ajudaram.

Any me olha antes de desviar para outro ponto qualquer, seus olhos parecem cintilar.

— Não fique agradecendo, eu só fiz o que deveria ser feito — ela joga os ombros para trás, aparentemente ela não saber lidar com elogios, nem agradecimentos.

Sigo seu olhar para frente e logo avisto a casa de uma das moradoras mais antigas de nossa vila. A fachada desgastada pelo tempo se assemelha com as demais, mas são as janelas pintadas de vermelho que a diferencia.

— Essa é a casa da vidente — digo, apontando com a cabeça. Any arqueia uma sobrancelha, curiosa.

— Uma bruxa?

— Não, uma vidente mesmo. Não tem magia como as bruxas, mas lê mãos e consegue enxergar o destino das pessoas através delas — explico, a Soares dá uma risada baixa e balança a cabeça — bom, as pessoas daqui acreditam e ela já acertou o destino de muita gente.

— Tipo o quê?

— Ouvi dizer que ela já previu casamentos, traições... mortes. Esse tipo de coisa.

A cacheada continua a balança a cabeça com um sorriso de descrença.

— Eu não acredito nessas coisas, Sina. Não tem como uma pessoa enxergar o destino de outra, pelo menos não sem algum tipo de magia.

Uma mão puxa meu ombro para trás com força, interrompendo minha fala.

— Pois eu acredito! Me leve até lá, Sina — é Sabina quem diz, com um sorriso animado.

— Ela não trabalha nesse horário, mas tenho certeza de que estará no evento. Se a encontrarmos posso levá-las até ela — meu comentário faz com que a garota pule animada, junto a Heyoon.

— Provavelmente é uma golpista tentando arrancar dinheiro de vocês — a Soares pontua, enquanto seu olhar se desvia de nós para outro canto.

Sigo seu olhar novamente. E ele vai para o pequeno restaurante onde Josh está trabalhando, ele está atrás do balcão, de costas, mas sua presença é inconfundível: alto, loiro, postura confiante.

— Vamos entrar e tomar algo gelado. Está calor demais para ficar aqui fora — proponho e não espero por respostas, apenas atravesso a rua em direção ao pequeno comércio local.

O lugar está movimentado pouco movimentado e, como se sentisse a presença, Josh se vira naquele momento, ele faz um leve aceno com a cabeça para mim antes de seus olhos recaírem em Any.

— Olha só quem decidiu aparecer — ele diz em um tom levemente provocativo — veio me ver trabalhar, Soares?

— Não se iluda. Só estávamos passeando pelo vilarejo e a Sina decidiu vir até aqui.

— E o que achou do lugar? — ele apoia o cotovelo no balcão, se inclinando ligeiramente. Seus olhos não deixam Any.

— Do vilarejo ou do seu trabalho?

— Dos dois. Soube que andou explorando bastante hoje.

Any se aproxima mais, sentando na banqueta em frente a ele. A confiança é nítida nela conforme se move.

E é nesse momento que eu e as meninas nos sentamos em uma mesa próxima o suficiente para ouvi-los.

— Soube, é? — ela questiona, curiosa.

— É um vilarejo pequeno, as notícias correm rápido.

— Um vilarejo pequenos com grandes bocas, ao que parece — a garota comenta — e respondendo à sua pergunta, o lugar tem seu charme.

— Meu charme? — ele ergue uma sobrancelha e um sorriso brincalhão surge em seus lábios.

— Não seja idiota, eu nunca xingaria a vila — ela responde com a mesma sagacidade.

— Pelo visto seu amigo esqueceu de nos atender — Heyoon sussurra, porém não se atreve a interromper a conversa dos dois.

Já não posso dizer o mesmo de Sabina.

— Alguém pode por favor nos trazer uma limonada gelada antes que eu derreta? — sua voz soa dramática.

Josh solta um suspiro exagerado, afastando-se de Any com um gesto teatral de obediência direcionado à Sabina. A garota volta para nossa mesa quando o rapaz se afasta.

— Podem parar de me olhar dessa forma — Any manda enquanto arruma os cachinhos que recaem em seu rosto.

— Ok, não vamos falar mais nada — Heyoon levanta as mãos em rendição. Any apenas revira os olhos, direcionando sua atenção para a rua onde estávamos a poucos minutos atrás.

— O que vocês acharam de Haeris?

— É bonita, apesar de não ter tantos recursos — Heyoon me responde — tem muitas áreas verdes.

— O cheiro... — Sabina começa e logo se contém ao perceber a expressão de Heyoon — não vou criticar, porém há espaço para melhorias.

Any dá uma risada leve, mas seu olhar se perde um pouco, talvez pensando nas dificuldades da vila.

— É verdade. O cheiro em algumas ruas não é dos melhores, temos muitos rios ao redor da vila então muitas pessoas vivem da pesca — explico.

— O que é aquela... Construção? — a Soares aponta para uma cúpula, a qual se encontra quase no final da vila, se destacando em meio às casas velhas devido a sua altura.

A cúpula se ergue em paredes de pedras alaranjadas desgastadas pelo tempo, em uma coloração tão clara que quase não se visualiza. Apesar disso, a estrutura ainda mantém uma certa dignidade.

— Era uma capela - explico, observando as expressões curiosas de minhas amigas — dizem que em tempos antigos, esse lugar foi um centro de adoração dedicado à dinastia dos dominadores do fogo.

— E o que é aquilo no topo? — Sabina aponta para um objeto dourado que ainda brilha intensamente sob a luz forte do sol.

— Representa uma fênix. A lenda diz que os antigos habitantes da vila acreditavam que a fênix renasceria em tempos difíceis. Porém, após a ascensão dos dominadores da água, o culto à fênix se perdeu, e agora é apenas uma memória distante.

— Eu não sabia dessa história — a visão de Any se estreita observando a construção com admiração.

— Bom, tem muitas histórias por aí, na verdade — digo, sabendo que nem todas as lendas são tão grandiosas ou aconteceram como contam.

Josh retorna com um sorriso, colocando os copos de limonada sobre a mesa.

— Aqui está o seu pedido, lady — ele diz para Sabina.

— Engraçadinho, você deveria ter mais respeito pela sua futura madrinha de casamento.

— Hidalgo!

— O que foi, Soares? Eu nem citei seu nome como noiva... — ela pisca inocentemente, fazendo com que a amiga resmungue alguma coisa inaudível.

Dou um gole na limonada, o sabor refrescante molha minha garganta no exato momento em que vejo Alex adentrar o bar. Ele tinha um jeito despreocupado de andar e estava sempre com um sorriso no rosto, mesmo que ainda carregasse consigo as dores da morte da Nour.

— Olha quem chegou!

Josh sai de trás do balcão para ir cumprimentar o amigo com um aperto de mãos firme que logo se torna um abraço.

Sabina colocou a mão na testa, certamente já prevendo o que viria em seguida.

— Sai, Joshua. Eu vim aqui para ver as senhoritas — Alex sai do abraço com seu charme de sempre. Josh revirou os olhos, mas não parecia realmente irritado.

— E eu achei que você havia vindo me ver.

— Ah, nada disso. Eu estava procurando algumas moças bonitas para alegrar meu dia — respondeu Alex, olhando para Sabina com um sorriso travesso — principalmente você, claro.

— Você sempre com essas cantadas, hein? Não se cansa? — ela cruza os braços.

— Como é que eu poderia me cansar de admirar a perfeição? — ele se sentar na cadeira ao lado.

Heyoon solta uma risada, e até Any parece gostar da situação.

— Por que você sempre me canta? A Any e a Sina também são solteiras — a Hidalgo reclama.

— A Any está claramente ocupada com o meu amigo Josh — ele aponta para os dois, dando um leve tapinha no peito do Beauchamp — e a Sina... bem, ela tem o bonitão dos olhos verdes.

Quase engasgo com a limonada. Meu coração acelera, e por um segundo quero voar no pescoço desse garoto e estrangulá-lo.

Torço para que Josh não tenha pegado nada nas entrelinhas, mas ele vira a cabeça em minha direção, os olhos azuis estreitando-se levemente.

— Que bonitão, Sina? — ele pergunta, a voz séria, como se já estivesse deduzindo alguma coisa.

Meu coração dá um salto e sinto o calor subir pelo meu rosto quando todos olham em minha direção.

— Não sei do que ele está falando — tento dizer.

Alex levanta as mãos em um gesto inocente, percebendo o erro que cometeu.

— Foi só uma brincadeira.

Josh, no entanto, não parece convencido. Ele continua me encarando, como se estivesse tentando juntar as peças do quebra-cabeça.

— Sério, Sina — ele insiste — quem é o cara?

Sinto um nó no estômago e antes que possa pensar em outra desculpa, Sabina intervém, mudando o foco.

— Ah, Beauchamp, deixa disso! O Alex só quer causar confusão. Não tem bonitão nenhum. Aliás, o único aqui que se acha bonitão é ele mesmo! — ela cutuca Alex, tentando jogar o assunto para outro lado.

O rapaz sorri e finge estar ofendido.

— Ei, agora você exagerou. Não preciso me achar, a beleza aqui é um fato!

Josh ri, porém ainda noto que ele me observa com uma desconfiança sutil. Tento respirar fundo, agradecendo pelo nome de Noah não ter vindo à tona e complicado tudo.

Os moradores estavam espalhados por todos os cantos, alguns carregavam oferendas para os deuses da água como agradecimento e como pedido para que suas terras rendesse frutos esse ano, cânticos ressoavam por toda parte e diversas tendas coloridas se espalhavam pelas ruas.

Participei de algumas danças e jogos tradicionais, os solados dos meus pés começavam a doer quando resolvi fazer companhia a Heyoon e Sabina, ambas foram abandonadas pelo namorado e pelo irmão, respectivamente. Lamar e Bailey pareciam se divertir com a competição de arremesso de lanças que ocorria mais ao centro da praça, cercados por homens que gritavam e torciam.

— Eu juro, esses dois parecem crianças - Jeong resmungou, olhando para Lamar à distância — ele me deixa para ir competir, e agora parece que nem lembra que eu existo.

— Ninguém merece ser trocada por uma lança — Sabina também reclama — como se já não bastasse a Any.

— O que tem a Any?

— Está com o Josh. Ela disse que queria cohecer a tal capela, então ele se propôs levá-la até lá — a dominadora do ar explica com um sorrisinho nos lábios.

— A essa hora já devem estar se pegando em algum canto — agora é Sabina, direta — Sina, você conhece o Beauchamp melhor que nós... você acha que é sério?

— Acredito ele sinta algo por ela sim. Sabe, Josh sempre foi do tipo "não quero saber de ninguém", mas com a Any... sei lá, ele age de outra forma quando se trata dela — sorrio com a ideia de que um dia os dois pudessem deixar o orgulho de lado e admitirem seus sentimentos.

Eu conheço o Beauchamp desde criança e se havia alguém que merecia amar e ser amado, esse alguém era ele.

— A Any não gosta que eu toque nesse assunto com ela — a morena ao meu lado conta, enquanto arruma um tecido verde em volta do seu rosto.

— E eu não gosto que você coloque esse pano no rosto. Será que você poderia parar de se esconder com esse lenço? — a mais baixa reclama, parecendo prestes a arrancar ela mesma o lenço da amiga.

— Não estou me escondendo, apenas protegendo minha pele do sol.

— Está de noite — eu aponto para o céu já bastante escuro. A morena suspira dramaticamente e puxa o tecido mais para baixo, revelando seu rosto.

— Relaxa, o Alex não vai te incomodar, ele deve estar perambulando atrás de alguma mulher por aí.

— Quem disse que estou me escondendo do Alex?

— Claro, claro, vamos fingir que você está toda coberta assim por vontade própria.

— Vai dançar com o seu namoradinho, vai — a Hidalgo dá um leve empurrãozinho na amiga.

— Mais tarde eu vou. Agora eu gostaria de uma consulta com a feiticeira — ela se volta para mim, parecendo um cachorro pidão — você prometeu nos levar até ela.

— Precisa ser agora? — tento convencê-las a deixar para outro momento, pois minha concentração estava em uma tenda de doces e salgados dispostos para a venda.

As duas não me dão escolha e me puxam pelos braços, me arrastando em direção à tenda da feiticeira.

A tenda roxa era cercada por uma névoa que se erguia das pequenas fogueiras ao redor. O vento fazia as fitas coloridas balançarem tanto quanto os fios finos do meu cabelo. Lá dentro, o ar estava denso com o cheiro de ervas queimadas e incenso, enquanto velas de cera iluminavam o espaço.

— Olá, garotas — a mulher sorriu para nós, ela não era tão velha quanto diziam, mas algumas rugas se acumulavam em seus olhos castanhos e seu cabelo ruivo pesavam sua expressão — quem vai primeiro?

— Eu — Heyoon se apressou antes que qualquer uma de nós pudesse reagir. Ela se sentou à frente da mesa baixa - espero que você não me assuste...

— Eu não assusto ninguém, lindinha, apenas lhe mostro o que o destino já escreveu.

A feiticeira estende a mão para que Heyoon a entregasse a sua. A dominadora do ar hesitou por um segundo, mas logo colocou a mão sobre a mesa. O olhar atento da feiticeira percorreu as linhas da palma de Heyoon, seus dedos ossudos traçando o caminho de cada marca.

— Eu vejo escuridão ao seu redor — começou a feiticeira, a voz grave e lenta.

— O que você quer dizer com isso?

A mulher parecia petrificada olhando para a mão da dominadora.

— O que você quer dizer? — a Jeong repete e finalmente a mulher sai do transe, lhe encarando com suas íris castanhas, ela ergue um dedo e faz um sinal para que a moça aproxime o ouvido.

Heyoon, desconfiada, inclinou-se ligeiramente. A feiticeira sussurrou algo que nem Sabina e nem eu conseguimos ouvir. No entanto, a garota empalideceu no mesmo instante e se levantou bruscamente, empurrando a cadeira para trás e desfazendo-se do aperto de mãos.

— Heyoon! O que aconteceu? — tento chamá-la. Sabina e eu trocamos olhares confusos, sem saber o que fazer.

— Heyoon! — Sabina chamou, mas ela já estava longe.

— O que foi isso? — perguntei, ainda em choque. A feiticeira não respondeu, apenas nos lançou um sorriso enigmático, como se nada tivesse acontecido — eu vou atrás dela, ok?

Aviso para a morena, que apenas assente. Deixo a tenda com o som das fitas de miçanga soando às minhas costas, antes que eu possa dar os primeiros passos, já avisto Lamar com ela há alguns metros.

O rapaz a envolveu carinhosamente em um abraço e beijou o topo de sua cabeça. Observei a cena por um instante, em dúvida se deveria ir até lá ou não, no fim, decidi não interrompê-los.

Heyoon parecia segura nos braços dele e aquilo já bastou para que meu coração se aquecesse.

No entanto, a sensação durou pouco pois logo Sabina saiu da tenda parecendo tão atordoada quanto a outra.

— Está tudo bem? O que ela te falou?

— Eu... preciso de um tempo sozinha — ela deu um passo para trás, afastando-se ainda mais de mim — vou descansar um pouco, não estou me sentindo bem.

— Espera, Sabina! — antes que eu me mova, ela desaparece entre a multidão.

Virei para os lados tentando achá-la, o que foi em vão.

— Sozinha? — a voz familiar chamou minha atenção. Virei o pescoço para o lado, era Noah, com aquele sorriso presunçoso.

— Você... O que está fazendo aqui? — perguntei, surpresa.

— Eu quis participar das doações, ajudar as vilas, esse tipo de coisa. Por quê? Não posso? — respondeu com um tom casual, como se fizesse isso todos os dias.

— Ah, por favor, Noah.

Ele deu de ombros, ainda com aquele sorriso fácil.

— Tá, tudo bem. Eu admito que talvez tenha usado isso como uma desculpa para ver você.

— Não tem graça — rebati, cruzando os braços.

— Não estou tentando ser engraçado — ele disse com mais seriedade, colocando as mãos nos bolsos enquanto observava meu rosto — você está tão preocupada.

— As meninas se consultaram na feiticeira e depois disso saíram assustadas como se tivessem visto fantasmas — explico rapidamente enquanto volto a andar em busca de Sabina. Ele me segue.

— E te deixaram para trás? — indaga.

— Você não prestou atenção em nada do que eu disse! Elas sairam correndo, assustadas.

— E te deixaram para trás — repete, agora em uma afirmação, ignorando o ponto principal.

— Sim, só que isso não é o mais importante agora — retruquei, sem paciência para a insistência dele no detalhe errado.

— Parece importante pra mim — jogou os ombros para trás como se de fato eu estar sozinha fosse o maior de seus problemas.

— Você é inacreditável — revirei os olhos.

— Apenas quero te fazer companhia, não precisa me atacar.

— Olha, eu realmente não preciso da sua companhia. No momento, a única coisa que preciso é encontrar minhas amigas — tentei dizer, mas ele deu um passo em minha direção, reduzindo a distância entre nós.

— E não posso ajudar a procurá-las? — ofereceu, com um meio sorriso — duas pessoas buscando são mais eficientes do que uma sozinha.

Hesitei por um momento antes de concordar.

— Tudo bem.

Ele entrelaça sua mão na minha, como se fôssemos íntimos. Começamos a nos mover pela multidão agitada e Noah fez questão de abrir caminho entre as pessoas, garantindo que eu pudesse passar sem ser empurrada.

— Sabe, não esperava te ver por aqui — comentei alto, minha voz competindo com as demais.

— Eu pensei que poderia ser uma boa oportunidade para... melhorar as coisas entre nós — ele olha rapidamente para mim por cima do ombro, enquanto continua a me guiar por entre o mar de pessoas.

— Melhorar as coisas? — quase deixo uma risidinha de incredulidade.

— É, eu não tenho sido a pessoa mais fácil de lidar, mas estou tentando mudar isso.

— Isso é inesperado. O príncipe Noah admitindo que pode melhorar.

— Todos podemos melhorar, não acha? — ele questiona assim que saímos do espaço mais movimentado, estávamos lado a lado agora.

Minha mão começou a suar, então a soltei da sua. Ele ainda me olhava, em busca de uma resposta. Todos podem melhorar? Nem todos.

— Talvez — é o que respondo, desviando do seu olhar intenso para a rua, não havia nenhum sinal das meninas por ali e meus pés estavam realmente doloridos de tanto andar. É meio irônico não poder usar minhas habilidades de cura no meu próprio corpo.

Sentei em uma das muretas que seguiam pela rua, Noah sentou-se ao meu lado, mantendo uma distância respeitosa.

— Parece cansada — observou ele.

— É que... algo na leitura da feiticeira as abalou profundamente — evito olhar para o príncipe, em vez disso, mantenho minha atenção no alto, nas estrelas — essas coisas que envolvem o destino são complicadas. A feiticeira disse que irá existir escuridão no caminho de Heyoon.

— Destino? Acredita mesmo nessas coisas, Deinert? Somos livres para fazer nossas próprias escolhas e lidar com as consequências delas.

— Nem todos são livres.

— Ah, então você é uma dessas pessoas que acreditam que a liberdade é ilusória e que estamos todo presos a um destino pré-determinado? — ele ri. E decido que gosto do som.

— Não é uma questão de acreditar — tentando organizar meus pensamentos — a liberdade é complexa. Algumas pessoas têm mais opções do que outras, e não é sempre fácil perceber quando estamos livres para escolher.

Ele ficou em silêncio por um momento, parecendo refletir.

— E se essa "escuridão" não for nada mais do que uma interpretação errada? — sugeriu — às vezes, só precisa mudar o ângulo de visão.

— É, e se não for? O que acontece se a feiticeira estiver certa?

— Ainda assim, prefiro acreditar que somos nós que escrevemos a nossa própria história.

— E você acha que pode simplesmente ignorar qualquer aviso sobre o futuro? — indaguei, levantando uma sobrancelha — mesmo que a feiticeira dissesse que algo terrível estaria por vir?

— Aí é que está, eu não deixaria isso me paralisar. Eu enfrentaria.

Uma parte de mim admirava essa confiança dele, embora na maior parte do tempo ele a usasse para se reafirmar e alimentar o próprio ego.

— Enfrentaria? — repito sua fala, achando um pouco de graça na forma com que ele usa a palavra.

— Sim — seu olhar se fixa nos meus, dessa vez não desvio — eu lutaria. Porque a vida é assim, se algo não está certo, podemos sempre lutar contra.

— Pensar assim é... perigoso, não acha?

— Perigoso é ficar paralisado pelo medo de falhar. Precisamos arriscar, mesmo que isso signifique nos machucar de vez em quando.

— Você parece ter isso tudo bem resolvido na sua cabeça, não é? — retruquei.

— É claro que sim. O que pode dar errado?

— Provavelmente muita coisa — afirmo — não há como lutar contra algumas coisas.

A forma como ele me olha faz com que o mundo ao redor pareça desaparecer, a música não é nada, as pessoas à nossa volta não são nada. Só existe eu, ele e as borboletas no meu estômago.

— Concordo que não há — ele puxa minha cintura para perto e a distância que nos separava parecia se dissolver.

Meu corpo reage antes que eu possa impedir, minhas mãos tremem levemente quando encontram sua nuca.
Eu deveria lutar contra isso. Eu deveria afastá-lo...

Há uma batalha silenciosa dentro de mim.

E então, tudo desmorona. O mundo ao nosso redor desaparece completamente quando seus lábios encontraram os meus. O beijo é suave e ao mesmo tempo intenso. Senti a pressão de sua boca macia contra a minha.

Ele não se afastou, e eu também não. Eu deveria recuar, mas não consigo. Não quero. Porque, no fundo, algumas batalhas simplesmente não valem a pena serem lutadas.

A brisa leve da noite acariciava nossas peles, trazendo o cheiro de ervas e flores da celebração, ou talvez fosse o cheiro do dominador da flora que eu estava beijando. Eu nunca havia estado no paraíso, mas talvez a sensação fosse essa.

Quando finalmente nos separamos, a respiração entrecortada, os olhares ainda presos, soube que havia algo diferente entre nós.

Sentimento.

— Então, o que você acha que isso significa?

— Eu... não sei — respondi, ainda atordoada — só sei que gosto.

Ele sorri novamente, um sorriso diferente dessa vez, menos presunçoso e mais sincero O verde de seus olhos parecia mais vibrante quando ele colou seus lábios contra os meus.

Um barulho bastou para nos separar.

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