24
Existem vários tipos de chamas, algumas são pequenas fagulhas de fogo que brilham mediante a escuridão mas que não se alastram por toda parte, enquanto outras, são grandes labaredas de fogo que se estendem pelo campo, consumindo vilas e matando tudo que vêem pela frente. Essas são alimentadas por oxigênio e, quanto mais alimento, mais labaredas e mais destruição. O rei Ethan VIII é como uma labareda de fogo, embora não seja alimentado por oxigênio e sim, por poder.
A única coisa que o difere da analogia, é o fato que que não espalhar labaredas de fogo pelo campo. Ele espalha água - e as pessoas são gratas por isso -, o que elas não percebem é que ao mesmo tempo ele também espalha medo. A água que manda para a população através das chuvas torrenciais é uma forma de controlar a população. "Se comportem e terão chuvas. Não se comportem e morrerão de sede". A água e o medo, os dois andam lado a lado e ambos são responsáveis por apagar qualquer fagulha de esperança que brilhe em meio à escuridão.
Era segunda-feira e todos que encontrei pelo caminho pareciam incrivelmente dispostos, mas eu não estava e não entendo como todos conseguem estar. As palavras que ouvi dos meus pais no café da manhã ainda embrulham meu estômago.
Houve mais um ataque em Brastiya no domingo, um ataque grande o suficiente para matar muitas pessoas, pessoas que nem mesmo tiveram a oportunidade de defesa.
É desconcertante observar a indiferença ao redor, o sangue derramado é ignorado, e a dor das mães e dos pais que perderam seus filhos parece passar despercebida. Porque a morte de camponeses pobres não valem nada para eles, camponeses representam apenas mão-de-obra e só servem, quando vivos. Seus corpos mortos são relegados ao esquecimento sem a menor importância, sem homenagens póstumas, sem lágrimas ou piedade.
Ninguém parece se importar que além de seres humanos, eles também eram o amor de alguém, os filhos de alguém, os amigos de alguém. Eles eram importantes para alguém.
Isso me frusta de uma maneira inexplicável e tento eliminar essa frustração no treino, mesmo sabendo que alguns golpes de luta não apagariam as mortes causadas pelo rei. E o que mais me frustra é saber seus objetivos, matar pessoas pobres com poderes para que eles fiquem restritos apenas aos ricos. Apenas a pessoas como eu.
Praticamente sinto o gosto amargo de sangue.
Dispiro golpes e chutes contra minha parceira de luta, Heyoon, minha visão parecia embaçar de tanta raiva.
— Senhorita Soares! — o professor James grita, fazendo com que meu corpo saísse do transe no mesmo instante.
Eu havia derrubado Heyoon no chão com um chute na costela e nem percebi, meu corpo estava na luta mas minha cabeça não. Paro imediatamente, com a respiração ofegante e os punhos ainda cerrados.
Ajudo a garota a se levantar e em seguida viro na direção do Senhor James pronta para receber uma bela bronca. O homem deve ter seus 40 anos, apesar de ser rabugento demais para alguém dessa idade, é um dominador do fogo nível 5 - o máximo -, como se não bastasse a força do seu domínio, o porte de lutador e seus olhos tão escuros quanto os meus o tornam intimidador.
— Senhorita Soares, o treino de luta não é um campo para descarregar sua raiva. Você deve manter o controle e a concentração — praticamente cospe as palavras contra meu rosto.
— Compreendo.
— Talvez seja melhor para você tomar um tempo e se retirar. Volte quando estiver pronta para lutar sem deixar que sua raiva a domine. Entendido?
— Entendido, senhor — confirmo mantendo a postura.
Ele continuou me olhando como se esperasse algo a mais. A fúria dentro de mim ainda fervia e não permitia que eu elaborasse uma explicação, muito menos um pedido de desculpas. Não para ele.
— Desculpe, Heyoon — murmuro para a minha parceira — você se machucou?
— Não se preocupe, é parte do treino. Estou bem — ela sorri de leve para mim, enquanto bate as mãos em seus joelhos, limpando os resquícios de poeira adquiridos na queda.
O professor James se afasta, ainda mantendo um olhar atento. Tiro as faixas do treino e as jogo dentro da mochila. Saio o mais rápido possível, antes que Heyoon faça perguntas.
Meus passos nos pisos de Eblênia parecem mais desesperados que a normal, falar com Sina é a minha prioridade no momento e sinto que se não fizer isso posso enlouquecer a qualquer momento.
Tivemos aulas diferentes durante a manhã, então não a vi, nem mesmo vi Josh e, por mais horrível que seja de admitir isso, a falta dele estava me incomodando e não, não deveria incomodar.
Brastiya é cidade vizinha de Haeris e se ele também tiver sido atacado? Esse é o pensamento corrói minha mente.
Deslizo pelos corredores agora vazios, todos estão em aula no momento, inclusive Sina, ela provavelmente está em alguma aula de cura. Não é difícil saber, já que em tese deveríamos ter as mesmas aulas - pois somos dominadoras de cura -, até teríamos, mas fiz questão de substituir uma das aulas medicinais pela de luta.
Rapidamente chego em frente a sala, torcendo para que a Deinert esteja ali. O cômodo está iluminado por uma luz suave, e através da porta de vidro posso ver todos os alunos. Sem hesitar, me aproximo da porta de vidro, tentando passar despercebida.
Minha atenção para em Sina, concentrada em seus afazeres, dou graças aos deuses por ela ser extremamente estudiosa ao ponto de sentar na primeira fileira.
Com cuidado, bato levemente na porta. Sina ergue os olhos, junto com outros alunos, uma grande parte notou minha presença. Por sorte, a professora estava distraída com uma pilha de papéis. Faço um gesto sutil para a Deinert, indicando que preciso falar com ela urgentemente. A garota acena de volta, interpreto isso como um sinal de que me encontrará do lado de fora assim que tiver uma oportunidade.
Volto para o corredor e aguardo, tentando manter a calma apesar da inquietação em meu peito.
Finalmente, Sina se aproxima. Nem espero ela chegar totalmente e já a bombardeio com perguntas.
— Primeiro, Josh está bem? — é a primeira pergunta que faço.
A loira arqueia uma das sobrancelhas visivelmente surpresa com a pergunta, sinto o rosto corar no mesmo instante.
— Q-quer dizer, é que eu não o vi hoje e com os acontecimetos em Brastyia eu p-pensei que...
O nervosismo estava me fazendo gaguejar, o que é ridículo porque eu nunca gaguejo, por mais nervosa que esteja. Sina abre um sorrisinho mas ao menos possui senso em não comentar sobre o meu nervosismo.
— Ele não se machucou, se é isso que você quer saber, só... acho bom você falar com ele mais tarde — ela diz sem revelar muitos detalhes e isso dispara minha ansiedade novamente — ainda assim, imagino que você não tenha vindo até aqui para me perguntar sobre ele.
— Sim, é sobre aquele assunto — confirmo em um tom de voz tão baixo que mal tenho certeza de que ela ouviu, o desconforto em seu rosto é o único indício de que sua compreensão.
Um suspiro precede sua resposta e isso me faz imaginar o pior dos cenários.
— Noah conseguiu o livro — ela diz, um peso parece sair dos meus ombros, infelizmente a sensação de alívio não dura muito.
— O que ele quer em troca? — perguntei já sabendo que as coisas funcionam dessa maneira.
Ninguém lhe dá nada sem querer algo em troca, até mesmo um príncipe. O que um homem que já tem tudo ainda pode querer? Não faço ideia da resposta e, pela demora da Deinert, boa coisa não deve ser.
— Ele prometeu que não leu o livro, mas ele quer saber se o que o Josh disse sobre... — morde um dos lábios parecendo insegura em completar a frase — sobre o rei controlar a Floresta é verdade.
Merda!
— Sina, você prometeu não contar nada para ele! — quase grito.
— Eu sei e é lógico que eu não contei! Acontece que o principe não é burro, Any — a garota parece ofendida por eu acusá-la — além do mais, Josh disse isso na cara dele aquela vez durante a briga, lembra?
Agora que ela disse, as engrenagens do meu cérebro trabalham trazendo as memórias de volta. Isso foi quando Noah quase flagrou eu e o Beauchamp aos beijos.
Havíamos acabado de descobrir que o rei controla a Floresta, Josh estava tão irritado com o pai que descontou tudo no irmão e, no momento da raiva, acabou revelando a informação recém descoberta.
Se fosse em outra situação, eu mesma o mataria por ser tão idiota em revelar um segredo dessa magnitude. A situação permitia, então eu compreendi. Ele estava irritado e magoado por saber que seu pai foi o responsável pela morte da mãe.
— Sina, você está ciente de que ele é o príncipe, certo? Josh não confia nele, e essa desconfiança é compreensível. Não sei se podemos realmente compartilhar o segredo com Noah.
— Eu sei, Any. Entendo a desconfiança de Josh, mas Noah quer justiça tanto quanto nós e se quer saber o que eu acho, ele todo o direito — sua voz não treme nem por um instante, a Deinert é tão boa quanto eu quando se trata de defender o que pensa.
No entanto, ela não conhece essas pessoas tão bem quanto eu.
Sina é uma pessoa boa, muito boa e o principal problema em ser assim, é achar que todos também serão. Ela é uma mulher inteligente, mas também consegue ser é ingênua o suficiente ao ponto de se apaixonar pelo filho do rei.
— Sina, eu entendo que você tem sentimentos por Noah. Tem certeza de que seus sentimentos não estão influenciando sua decisão? — argumento novamente, dessa vez sou mais incisiva e ergo o queixo para deixar evidente que eu não abriria mão do que penso.
— Não há sentimento nenhum e mesmo se houvesse, eu nunca permitiria que eles controlassem uma decisão como essa. Eu sou racional! — ela aumenta o tom de voz.
A loira é uma das pessoas mais calmas que conheço, mas percebo sua irritação a quilômetros de distância. Quase, quase me arrependo por dizer o que disse.
Sina é pessoa que deixou de se casar com um soldado rico para focar em seus estudos, ela nunca abriria mão da segurança dos seus amigos por um homem. Eu a ofendi e me odeio por fazer isso, mas não recuo, não posso recuar. Não quando a população depende disso, não quando essas pessoas precisam se soltar das amarras impostas pelo rei. Elas não são marionetes, não são brinquedinhos, não são peças em um tabuleiro de xadrez.
E eu não posso me dar ao luxo de que o rei descubra que sabemos, Josh merece justiça e todas as pessoas que morreram devido aos ataques das feras da Floresta também merecem. Não posso deixar um príncipe mimado e muito menos, uma paixonite de adolescentes atrapalhar isso. Sina terá que entender.
— Eu não confio no Urrea.
— Any, ele merece saber a verdade sobre seu pai — ela cruza os braços, apesar da aparência angelical, a garota é quase quinze centrímetros mais alta que eu, o suficiente para intimidar qualquer uma. Por sorte, eu não sou a pessoa que é intimidada tão facilmente.
— O seu melhor amigo, também merece saber a verdade e merece se vingar por todas as injustiças que sofreu ao longo da vida. Você deveria saber disso melhor que eu! — cuspo as palavras e vejo que isso a atingiu, vejo a mágoa em seus olhos.
— Eu sei, não estou dizendo que ele não merece... Só estou dizendo que Noah está disposto a ser o nosso aliado, ele quer saber a verdade sobre o pai e tem recursos que nos ajudarão a descobrir — ela não está nem um pouco disposta a largar sua opinião e nem eu — Josh merece e Noah também, nenhum mais que o outro e sim, os dois da mesma forma.
Minha expressão endureceu enquanto eu ponderava as palavras dela. A confiança no Urrea era algo que eu não estava disposta a oferecer de maneira tão fácil, sei que ele não será leal a mim e muito menos a Josh. Então a lealdade dele a Sina terá que bastar.
— Você coloca a sua mão no fogo por ele?
— Sim, Any. Eu coloco — seus olhos nem piscam, não há nenhum sinal de hesitação — Noah não é igual ao pai.
Torço para que ela esteja sendo racional como diz que é, embora saiba que a Deinert é uma das pessoas mais sentimentais que eu conheço. Ela transborda amor, transborda carinho, transborda intensidade.
Respiro fundo, não é como se ele tivesse nos dado muitas opções.
— Vamos falar com Josh primeiro, garantir que ele esteja a par da situação. Depois, discutimos a abordagem com Noah, mas mantendo um olho aberto, entendido? — sugeri, cedendo um pouco à ideia de que, por mais improvável que parecesse, teria que dar certo.
Conforme o esperado, Josh não estava em sua aula de luta, o procurei por lá e não precisei de muito para deduzir que ele havia sido expulso do treino da mesma forma que aconteceu comigo. De acordo com o meu palpite, ele está tão estressado quanto eu. O que me leva a próxima dedução: só há um lugar para onde um dominador da água consegue relaxar plenamente.
A ala onde fica as piscinas é restrita para os homens e estava trancada quando tentei acessá-la pela porta principal. Não que isso fosse o suficiente para me impedir de entrar.
Caminhei em outra direção e encontrei uma entrada lateral, menos óbvia e mais discreta. Mal pude conter o sorriso ao empurrar a porta e ela abrir, permitindo minha entrada.
Ao adentrar a ala das piscinas, a primeira coisa que fiz foi travar a porta com uma barra de ferro que encontrei jogada próxima a porta. É óbvio que eu não seria burra ao ponto de ser flagrada em um local proibido para mim. Quando tive certeza de que a porta estava realmente travada, andei até a área da piscina, não foi preciso muitos passos para ouvir o som suave da água se movendo.
Percorri mais alguns passos e avistei Josh, eu nunca havia o visto nadar e não precisei de mais de cinco segundos para perceber que ele é um nadador excepcional.
Permaneci observando, seu corpo atlético cortava a água com uma rapidez hipnotizante e eu não pude deixar de notar a força esculpida em cada músculo. Então, o Beauchamp emergiu da água, os cabelos molhados escorrendo pela testa quando olhou diretamente para mim e nossos olhares se encontraram.
Um sorriso brincou em seus lábios, denunciando que ele havia percebido minha presença já há algum tempo. Tentei disfarçar meu olhar admirador, mas não adiantou muito pois seu sorriso cresceu mais ainda. Revirei os olhos, aceitando a batalha perdida.
— Admirando minha performance? — Josh ergueu uma sobrancelha.
— Não seja presunçoso. Você não é tão interessante assim — cruzo os braços e me desencosto da parede, chegando um pouco mais perto da piscina.
Apesar do sorriso, seus ombros estavam tensos e seu olhar parecia perdido, como se algo pesasse em sua mente.
— O que você está fazendo aqui? Não deveria está treinando? — pergunto, tentando arrancar alguma informção.
— Estou apenas desfrutando da tranquilidade da água — ele responde, nadando em minha direção e apoiando-se na beira.
— Desfrutando da tranquilidade da água? — as palavras rolam para fora da minha boca, com um ar de descrença.
— Por quê? Não posso?
Aproximei-ne da beira da piscina, ajoelhando para que ficassémos de frente um para o outro. "Está tudo bem?" é o que eu quero perguntar e não pergunto. Em vez disso, sento à beira da piscina, oferecendo um ombro silencioso, pronto para ouvir se ele decidisse compartilhar.
— Poder até pode. Só não sei se é o mais correto, considerando que a porta estava trancada e acho que nenhum aluno pode entrar aqui fora do horário da aula de natação.
— Bem, pelo visto, somos dois errados então — ele retruca, erguendo as sobrancelhas de maneira desafiadora.
— Eu guardo o seu segredo se você guardar o meu — proponho em tom de brincadeira.
Josh parece ponderar por um momento antes de concordar com um aceno de cabeça.
— Um acordo então — ele responde, erguendo-se da piscina e se sentando ao meu lado.
Um leve sorriso se forma em meus lábios, tentando ignorar que ainda havia uma tristeza em seu rosto. Não tão perceptível, porém havia.
O silêncio entre nós é preenchido apenas pelo suave murmúrio da água. Ele estava quieto, quieto demais para alguém que sempre me provoca.
— Eu soube do que aconteceu em Brastiya — tento dizer com cautela, ele mal pisca, mal me olha.
— Perdi alguém, uma amiga de infância — diz, finalmente, as palavras saindo com uma fragilidade que eu não esperava.
Sinto meu coração dilacerar-se em mil pedaços.
— Sinto muito, Josh... Eu não sabia — tento ser o mais delicada possível.
Ele balança a cabeça suavemente, como se a simples menção da dor fosse suficiente para inundá-lo novamente. Percebo sua tentativa uma fachada de força, escondendo suas emoções por trás de uma máscara de força, embora eu consiga ver através da sua máscara.
Acho que passei tanto tempo construindo uma para mim, que adquiri o superpoder de acessar a dos outros.
— O nome dela era Nour, Nour Ardakani Mason.
— Ela era irmã do Alex — explica — uma dominadora da terra e morreu nos ataques desse final de semana, ela se foi... nos meus braços.
Meu coração se aperta mais ainda e não achei que isso fosse possível. Encaro a água da piscina por um momento, pensando nas palavras certas para oferecer algum conforto, porém não encontro nada. Não importa o que eu dissesse, nada a traria de volta e nada diminuiria sua dor.
— Ela escolheu morrer lutando — acrescenta.
— Então ela era das minhas minha — digo com um sorriso fraco. Não conheci a Nour, mas sinto sua perda.
Josh sorri fraco, há lágrimas em seus olhos mas elas não caem. Sem pensar muito, passo meus braços ao redor do seu corpo, em um abraço apertado. O calor de seu corpo envolve o meu, eu o aperto com firmeza e permito que ele descanse a cabeça na curva do meu pescoço. Ignoro a nossa rivalidade, ignoro a sensação do seu corpo seminu contra o meu, tudo que sinto em sua dor, embora não devesse senti-la pois ela é dele e não minha.
Mas sinto. Sinto como se fôssemos um só, como se suas lutas também fossem. O abraço é forte e eu não o solto, não cedo, nem ele. Josh me abraça como se eu fosse o seu mundo e, quando nos separamos, ainda posso sentir a eletricidade do seu corpo contra o meu.
— Eu... é só que... tudo parece tão injusto. Essas mortes, o que está acontecendo no reino, e agora Nour... — ele tenta dizer.
Sua voz falha, e é compreensível. Toda a frustração e dor acumuladas explodem, e ele não precisa dizer mais nada. Eu o entendo.
— Josh, você não está sozinho nisso. A morte da Nour não será em vão, e a pessoa que causou isso vai pagar — não consigo conter a raiva em minha voz, mas consigo conter minha língua e não cito o nome do homem que sabemos ser responsável.
O rapaz assente, agradecendo silenciosamente pela compreensão.
— Desculpe por quebrar o clima leve — murmura, passando a mão pelo cabelo molhado — e também por te envolver nisso.
— Não se preocupe — respondo, oferecendo um sorriso suave — já estou
envolvida até o pescoço, muito antes de você aparecer em minha vida.
Josh ri levemente, aceitando minha tentativa de melhorar seu humor.
Ficamos em silêncio por longos minutos, entendo que ele não queira falar muito sobre a morte de sua amiga e ambos parecemos confortáveis com o silêncio. No entanto, a mudança brusca de assunto e sua pergunta direta me pegam desprevenida.
— Você sentiu minha falta? Quer dizer... veio até me procurar — é o que ele diz.
— Sentir a sua falta? — soltei uma risada irônica e nervosa, para falar a verdade, mais nervosa do que irônica _ sinto muito em desaponta-lo, mas a última coisa que senti foi falta sua.
— Pode dizer o que quiser, eu sei que sentiu sim — Josh provoca, levantando uma sobrancelha.
— Você está se iludindo, Beauchamp. Eu só vim porque precisamos falar sobre algo.
Ele se aproxima, balançando levemente o cabelo molhado e deixando gotas de água cairem em minhas roupas. O Beauchamp olha diretamente nos meus olhos, minha alma deveria ser visível para ele.
— Tem certeza? — diz, com a voz baixa e rouca, próxima do lóbulo da minha orelha — está segura disso?
Um arrepio percorre minha espinha enquanto sinto a proximidade dele. Engulo em seco, tentando manter minha compostura.
Não Josh, não tenho certeza de mais nada com você falando perto de mim assim.
— Não seja ridículo. Você sabe que a única razão pela qual estou aqui é por causa do livro — consigo reunir forças para dizer e isso chama sua atenção.
— Você conseguiu o livro? — sua voz sai mais alta, pela primeira vez no dia vejo um brilho em seus olhos. Esperança.
Não sei como dizer a outra parte da informação. Não quero falar sobre o acordo que Noah propôs, pelo menos não agora.
— Mais ou menos, ainda está com o Urrea e ele quer conversar com a gente antes de nos entregar — digo, não é uma mentira, mas também não é toda a verdade.
E sei que a simples menção ao príncipe já o faz criar uma desconfiança.
— Any...
— Sim? — pergunto descaradamente.
— Noah quer falar conosco antes de entregar o livro? — a pergunta de Josh é acompanhada por incredulidade. Ele não está satisfeito com a situação.
— Foi o que eu disse. Ele acha que é melhor discutirmos tudo antes de entregar o livro — tento manter minha postura séria — eu sei que você vai dizer que ele não é confiável, então pode poupar saliva, ok?
Ouço apenas sua risada sarcástica.
— Você me conhece tão bem, donzela.
Quando sua pupila dilatada paira sobre a minha, tenho certeza de que está com muito raiva, mas então, a certeza se esvai e vejo algo a mais. Não é raiva.
Engulo em seco, desconcertada.
— Esteja pronto para a reunião com Noah. Vamos resolver isso de uma vez por todas, me encontre no corredor da ala 4 quando estiver pronto — aviso sem ter coragem para lançar um outro olhar.
Rapidamente me levanto, indo em direção a saída.
Ao sair da ala das piscinas, uma sensação estranha paira sobre mim. Não é só a ansiedade pelo encontro com Noah ou a tensão política, nem mesmo é a dor pela morte de Nour. É algo diferente. Algo que, por um momento, tento ignorar.
A proximidade, a confiança dele em mim, a maneira como sua voz ressoa em meus ouvidos. É como se uma chama tênue tivesse sido acesa, uma chama que por muito tempo eu tentei ignorar. Uma fagulha de fogo.
Uma fagulha boa.
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