10
Esforço. É uma palavra usada para designar uma ação que requer energia, a maior parte das pessoas a utilizam para descrever o empenho em alguma atividade física, como por exemplo, erguer pesos. Eu costumo utiliza-la para denominar o que faço todos os dias.
Esforço para ser uma boa filha, que atende a todas as ordens dos pais. Esforço para ser uma boa amiga, estando sempre presente e disposta a aconselhar os meus amigos. Esforço para ser uma boa vizinha, ajudando ao máximo as pessoas mais necessitadas da vila através de doações, mesmo não tendo muito para oferecer. Porém, devo considerar que o meu maior esforço sempre esteve direcionado ao cuidado com os meus pacientes, acho que essa é a principal razão pela qual estudo tanto.
A sensação de ajudar a salvar a vida de uma pessoa é emocionante, cuidar de seus ferimentos e vê-las sorrirem de felicidade ao estarem curadas, isso é indescritível. O sorriso de uma mãe ao ver seu filho recuperado, o abraço apertado e o olhar brilhando em agradecimento que recebo todas as vezes, fazem com que tudo seja ainda mais mágico. Por essa razão, constantemente busco estudar e aprender novas coisas, para que um dia eu me torne uma curandeira nível cinco, capaz de curá-los apenas com um simples toque.
E estudar em Eblenia é um dos meus maiores sonhos desde pequena. Ver que estou tendo essa oportunidade transmite um sentimento reconfortante, mesmo precisando lidar com pessoas que se acham superiores.
— Sina, posso fazer um penteado no seu cabelo? — Sabina insistiu pela segunda vez, Any balançou a cabeça negativamente de novo, como quem queria avisar que aquela era uma péssima ideia.
— Tá, pode sim — respondi com um sorriso meigo, não queria fazer desfeita, afinal eu já tinha recusado uma vez. A Hidalgo deu um pulinho animado e se levantou da cama, vi Any bater a mão na testa.
— Agora que você aceitou, ela vai pedir para fazer isso toda vez — a cacheada comentou, voltando sua atenção para as unhas, que estavam sendo pintadas com uma tinta de vermelho escarlate.
Sabina segurou meus ombros, me direcionando até uma cadeira em frente a penteadeira com espelho do quarto que as duas dividiam.
— Calada, Gabrielly — Sabina resmungou — você é uma chata, eu nunca posso mexer seu cabelo.
— Talvez porque da última vez que você fez isso, eu quase fiquei careca — comenta sem tirar a atenção de suas unhas, fico realmente preocupada com essa informação.
Olhei para Sabina pelo reflexo do espelho, ela estava com um sorrisinho no rosto enquanto começava a pentear algumas mexas do meu cabelo com uma escova macia.
— Em minha defesa, não foi exatamente desse jeito — mas pelo sorrisinho amarelo em seu rosto posso subentender que chegou bem perto — foi apenas um pequeno acidente.
— Pequeno? Eu perdi um tufo enorme de cabelo — Any diz indignada.
— Não liga pro que ela diz — a garota sussurrou em meu ouvido — vou só fazer uma trança simples e prender com um lacinho, não tem como dar errado... Reparei que você gosta desse penteado, né?
— Sim — sorrio — eu sempre fazia nas meninas em Haeris, antes delas irem para a escola.
A Hidalgo soltou um gritinho de animação e acabou puxando o meu cabelo enquanto fazia isso, uma careta surgiu imediatamente no meu rosto. Vi Any observar a cena com um olhar convencido de quem diz "eu te avisei".
E eu deveria tê-la escutado.
— Sina, desculpa. Acabei me empolgando um pouco — um pouco? Me pergunto qual o conceito de um pouco para ela — é que você falou sobre as crianças e eu amo crianças!
— O sonho da Sabina é se casar e ser mãe — Any explica, olho para a Hidalgo um pouco surpresa — coragem né?! Também acho.
— Calada, Gabrielly! Pensem comigo no quanto deve ser incrível carregar uma vida dentro de você, é praticamente uma parte do universo, imagina olhar para aquele serzinho sabendo que ele é um parte sua, fruto do seu amor com outra pessoa... acolhe-lo em seus braços e observar o quanto dos seus traços ele herdou ou o quanto do sorriso dele se parece com o seu. E então quando ele der o primeiro passou, falar a primeira palavrinha - ela suspira — te chamar de mamãe pela primeira vez e te abraçar apertado enquanto diz que ama você mais que tudo nesse mundo... deve ser mágico.
A garota falava com um olhar cheio de emoção, parecendo visualizar esse acontecimento se concretizando algum dia.
— Nossa, isso é fantástico, Sabi! Espero de coração que um dia esse seu sonho se torne realidade — digo sorrindo e ela assente, animada, reparando bem posso ver que seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Eu seria uma péssima mãe — Any comenta baixinho.
— Por que acha isso? — indago.
— Pelo visto você ainda não conhece a porcaria de mãe narcisista que eu tenho.
— Mas isso não significaria que você seria igual a ela. Esses ciclos de relações destrutivas podem ser quebradas..... O que você acha, Sina? — diz Sabina.
— Concordo..... Apesar de meus pais serem compreensivos e amorosos, eles também têm vários erros que eu nunca repetiria se tivesse um filho ou uma filha algum dia — digo relembrando a vez que eles tentaram me casar com um soldado rico, o que estava completamente fora dos meus planos.
Nunca chorei tanto como naquele dia, o meu maior medo era me casar com um homem como aquele, principalmente fazendo isso de maneira forçada. Ainda lembro do gosto salgado das minhas lágrimas escorrendo por todo o rosto, ao ponto de se acumularem próximas da minha boca. Lembro que naquele dia o céu estava nublado e chovia forte, quase como se os céus conseguissem sentir a minha dor e também chorassem por mim. Lembro de cogitar a ideia de fugir de casa, sem nem ao menos saber para onde ir e sem dinheiro algum nos bolsos. Lembro do abraço apertado de Josh e da maneira como ele me tentava me acalmar em seus braços, enquanto sussurrava que tudo ficaria bem. Lembro de cada pensamento e de cada momento em que pensei que todo o meu futuro estaria destruído ao me casar com aquele homem e ter a minha vida resumida em duas coisas: cuidar da casa e dos filhos.
Felizmente consegui convencer os meus pais de que aquele não era o homem certo para mim.
— Podemos ir comer agora? Eu estou fome e estamos perdendo tempo por aqui — ouço Any resmungar.
— Porque você não é fofa que nem a Sina? — a Hidalgo agarra a almofada que estava em meu colo e a joga na direção da amiga, que desvia em um reflexo perfeito.
— Porque eu ouço esse seu discurso desde criança — revira os olhos e joga a almofada de volta, direto no rosto da Hidalgo — e não vivo nesse mesmo conto de fadas que vocês duas.
— Vou te trocar pela Sina — ameaça enquanto se concentra para tentar finalizar a trança, prendendo-a com um lacinho cor de rosa.
— Se ela aguentar conviver uma semana com você fazendo drama na beira do ouvido dela.
— Está vendo o tipo de amiga que eu tenho, Sina? — alfineta.
Decidi ignorar a briguinha boba das duas e me levanto da cadeira para conseguir visualizar melhor o penteado diante do espelho.
O cabelo estava solto, caindo em pequenas ondas espalhadas em minhas costas, Sabina havia pegado algumas mexas de cabelo rente a minha testa, tanto na lateral esquerda, quanto na direita, trançado as duas até que estivessem unidas em uma só trança e dispostas com sutileza entre os outros fios dourados. No meio do penteado, o lacinho rosa se destacava, ofertando um ar de delicadeza para a minha aparência.
Eu estava parecendo uma princesa, digna de histórias encantadas...
— Amei, ficou linda, Sabi! — sorrio, sentindo os braços da morena envolverem os meus em um abraço desajeitado.
— Tá, tá, agora vamos almoçar... Daqui a pouco o horário de almoço termina — Any resmungou e se levantou da cama e para abrir a porta, Sabina revirou os olhos e puxou minha mão para que eu seguisse junto delas em direção ao lado de fora do quarto.
Nossas aulas teóricas sempre terminavam meio dia em ponto e então, tínhamos cerca de uma hora e meia para o almoço e para as devidas trocas de roupa. Depois disso, começavam nossas aulas práticas. Nas primeiras semanas havia sido difícil se acostumar com o ritmo do colégio e com todos os assuntos lançados, mas aos poucos consegui organizar todas as matérias e mantê-las em dia.
Tanto é que até me candidatei para oferecer aulas de tutoria duas vezes na semana. Isso era bom pois a instituição pagava aos tutores uma boa quantia em dinheiro por cada aula dada, assim eu conseguiria continuar ajudando os meus pais com algumas despesas, já que além de mim, eles ainda possuem mais quatro filhos. Tem o Ryan, que é quase dez anos mais velho que eu e já saiu de casa, atualmente mora com a sua esposa. Depois dele vem a Emma, oito anos mais velha que eu, também vive com seu marido e seus dois filhos. Por último, a Nina e a Lily, tendo respectivamente, seis e sete anos.
— Já conseguiu alunos para tutorar, Deinert? — a cacheada passa os braços em torno dos meus ombros.
— Alguns sim.
— Alguns?
— É, foram uns sete ou oito que entraram em contato comigo, isso só na última semana — respondo.
— Isso tudo?! — Sabina pergunta, surpresa — Caramba, como você vai fazer para escolher?
— Preciso verificar as notas de cada um para saber qual necessita de mais ajuda, gostaria de ajudar todos... Mas tenho tempo disponível apenas para dois ou três.
Entramos no corredor principal, onde estavam dispostos nossos armários, devido ao horário de almoço o local estava quase vazio. Desse modo, avistei facilmente Josh quase no final do corredor, guardando algo em seu armário.
— Você vai almoçar com a gente, né Sina? — Any pergunta como quem esperava que eu respondesse um belo e animado "sim".
— Na verdade... eu sempre almoço com o Josh — mordo o lábio, um pouco envergonhada em recusar a proposta.
Any assente e fica em silêncio, não sei ao certo se está decepcionada com a minha resposta, já que ela sempre mantém uma postura inabalável. Sabina se manifesta, agindo como se seus pensamentos estivessem sido iluminados por uma lâmpada mágica.
— Não seja por isso, basta convida-lo para se sentar conosco — fala como se fosse óbvio e de fato seria, mas aquela não era uma boa opção. Considerando que Josh e Any estão há duas semanas sem trocarem uma palavra, nem ao menos um simples "bom dia" — Any?
— Por mim tudo bem — dá de ombros, como se não importasse com isso, mas eu sabia que aquilo a incomodava.
Any não era uma pessoa que costumava demonstrar seus sentimentos com tanta facilidade, percebi isso quando conversamos na estalagem, em Brastiya. Ela era uma pessoa normal, como qualquer outra, com vários medos e inseguranças, mas guardava todos apenas para si. A garota não era o tipo de pessoa que demonstrava incômodo ou tristeza, ela apenas sorria educadamente e saía do cômodo quando algo a incomodava. E na maior parte do tempo, ela mantinha uma expressão extremamente serena, forte, imponente, como alguém que sabe o quer e luta por isso.
— Vou falar com ele, porém não garanto nada. Nos encontramos no refeitório, certo? — pergunto e elas confirmam.
Caminho rapidamente até Josh, ele estava fechando o armário quando me aproximei.
— Josh — paro ofegante ao lado do meu amigo, forçando ao máximo uma carinha de cachorro manhoso - almoça comigo na mesa da Sabina Hidalgo, por favorzinho.
Nem citei o nome da Soares, mas estava subentendido que ela estaria inclusa. O loiro olhou rapidamente para o meu rosto, dando uma breve risada, antes de voltar sua atenção para os materiais em sua mão.
— Não.
— Por favor, nunca te pedi nada — encosto o braço em um dos armários. Já havia pedido muitas coisas a ele sim, porém isso não vem ao caso — almoça com a gente.
— Já almocei — diz, colocando um ponto final em minhas perguntas.
Não sei ao certo se era mentira ou verdade, mas decido não força-lo a ir comigo. A questão principal girava em torno da sua discussão com Any, a qual nenhum dos dois tocava no assunto, questionei Josh um dia sobre o motivo e tudo que recebi como resposta foi "ela falou da minha mãe". Aquele assunto o deixava vulnerável, ele não costumava falar sobre isso com qualquer pessoa, então entendo que de fato tenha ficado chateado. Ao mesmo tempo, não acho que Any falaria da mãe dele com tom ofensivo ou algo parecido. Logo, fiz a ela o mesmo questionamento e a garota me disse que Josh havia surtado do nada e dito coisas extremamente desagradáveis.
Fiquei presa em um limbo, sem saber ao certo em quem acreditar. Joshua nunca mentiria sobre algo assim e Any também parecia realmente estar sendo sincera. Ou seja, só havia uma explicação viável: aquilo era um grande mal entendido, que tinha se transformado em uma bola de neve.
— Olha que merda — o loiro entrega uma folha em minhas mãos. Observo o que estava escrito, era uma prova, a qual ele tinha errado absolutamente todas as questões. Uma grande marcação escrita em caneta vermelha cobria toda a página.
— Josh! — digo surpresa, ao mesmo tempo em que tento repreendê-lo pelo uso do palavrão — pelos deuses, você não estuda não, garoto?
— Porra, Sina. Eu tentei estudar, mas isso aí não entra na minha cabeça. Não tem sentido uma letra virar número — puxa a prova das minhas mãos, irritado e a amassa em suas mãos.
— Já tentou se inscrever para receber as aulas de tutoria?
— Sim, porém todos os tutores de álgebra já estão com a agenda cheia — respira fundo, como se tentasse manter a calma — Você poderia me ajudar. Quando você explicava, eu conseguia entender um pouco.
— Eu não sou tutora de álgebra, Josh. E de qualquer forma, outras pessoas perguntaram antes de você, seria anti profissional eu lhe dar prioridade apenas por ser meu amigo.
— Droga, eu tinha me esquecido que a minha melhor amiga é a pessoa mais íntegra do mundo — estende a mão para bagunçar o meu cabelo, desvio dela fazendo com que um sorriso surja em seu rosto, parecendo um pouco menos bravo.
— Olha, prometo que vou tentar te ajudar de alguma forma, porque se continuar tirando essa nota vai acabar reprovando nessa matéria — aponto para a folha, que agora havia virado uma bolinha de papel, em suas mãos.
— Obrigada, Sininho — deposita um beijo em minha testa — Ah, e me encontra depois da minha aula de natação pra podermos jantar juntos, assim está bom?
— Está ótimo — sorrio.
A leitura é um fator que esteve presente na minha vida desde sempre. Comecei a trabalhar ainda quando criança, minha mãe é uma costureira, ela trabalha em uma pequena lojinha de roupas, ela me ensinou a arte da costura e assim, com cinco anos eu já ajudava a costurar roupas mais simples. Sou muito boa com a agulha. Consequentemente, o pouco dinheiro que eu ganhava era investido principalmente em comida e livros, com o tempo acabei acumulando uma pilha significativa de livros guardados com todo zelo em uma estante.
Ler. Eu amo ler tanto quanto amo exercer o meu dom da cura. Quando leio, parece que vivo aquela história, como se viajasse por todas aquelas terras, comesse todas aquelas comidas e vivesse cada sentimento junto com os personagens. É uma experiência mágica!
Tanto é que nesse exato momento estou na biblioteca de Eblenia, que a propósito, é quatro vezes maior que a minha casa. E possui milhares de livros, em perfeito estado, com suas páginas praticamente intactas, como se nunca tivessem sido tocados. Se olhasse bem, era até possível visualizar um pouco de poeira se acumulando na capa de alguns, pelo visto muitos estudantes não davam o devido valor a quantidade de conhecimentos dispostos naquele lugar. Deslizei a mão por entre um livro da prateleira, em dúvida se o pegava para ler ou não.
— Senhorita Deinert — uma voz rouca chamou o meu nome. Ergui o olhar para encarar de onde o som vinha, em um momento de distração minhas mãos tremeram, quase derrubando o livro.
Ele estava ao meu lado. O príncipe estava ao meu lado. Observando com cuidado agora, eu consigo claramente ver que ele é a descrição perfeita de um príncipe de contos de fadas, como aqueles tão lindos e encantadores que você até se pergunta se são de fato reais. Se eu fosse julgar Noah pela aparência, eu diria que ele é capaz de arrancar suspiros de muitas garotas quando passa por elas. Mas julgando-o pela pessoa que ele se mostrou ser, é extremamente soberbo e cruel.
— Vossa Alteza — as palavras deslizam da minha boca com um pequeno toque de educação e aspereza, cada um na sua devida medida.
— Pode me tratar como uma pessoa normal, por favor — o príncipe não perguntava, ele mandava. Josh estava certo em acha-lo arrogante.
— Por que, alteza? Não é todos os dias que vejo um príncipe na minha frente — falo com um pouco mais de deboche que o planejado — com todo respeito.
Noah mantinha uma postura invejável, digna de um príncipe, com seus ombros bem alinhados e um olhar que queimava minha pele, senti minhas bochechas ficarem vermelhas no mesmo instante. Ele estava me encarando.
Nós dois tivemos uma primeira pequena interação na recepção de início das aulas, eu ainda não sabia quem ele era. E ele se apresentou como Jacob, notei de imediato que não era plebeu, mas também nunca passou pela minha cabeça que pudesse ser um membro tão importante da realeza. Muito menos, o segundo homem mais importante do reino.
Dançamos juntos naquela noite, apenas uma música, porém o suficiente para fazer com que eu me sentisse traída e enganada ao descobrir sua verdadeira identidade.
Pior ainda ao ouvir as palavras frias que ele havia direcionado a Josh, em uma dia que peguei os dois discutindo em frente a porta do dormitório do loiro. Suas palavras eram cortantes e extremamente ofensivas, eu não esperava que o Príncipe Noah viesse a ser a pessoa mais gentil do mundo, mas esperava ao menos um pouco mais de classe. Pelo visto a raiva que ele sentia do irmão conseguia ser maior que qualquer virtude que pudesse cultivar.
— Eu tive uma leve impressão de que a senhorita está sempre se escondendo de mim — cruza os braços, em um movimento que destacava seus músculos através da camiseta, infelizmente o príncipe era um homem com uma aparência admirável, isso era inegável. Minhas bochechas pareciam pegar fogo.
Havia semanas desde que eu estava fugindo dele, na manhã em que Any nos viu juntos, ele estava tentando me convencer a ajudá-lo com seus poderes, porém aquilo soava absurdo em meus ouvidos. Ele não precisava de fato da minha ajuda quando podia ter qualquer professor do reino à sua disposição.
Todas as vezes que eu o via vindo em minha direção, eu despistava entrando em uma sala qualquer, mudando a rota ou fingindo conversar sobre algo importante com alguém. Mas dessa vez não havia como fugir, ele me pegou desprevenida.
— Claro que não! Apenas estou um pouco ocupada — justifico, minha voz estava trêmula.
Um meio sorriso se formou em seus lábios, ele estava se divertindo com o meu nervosismo.
— A senhorita pensou naquela proposta que lhe fiz?
— Não quero ofendê-lo... — respiro fundo tomando coragem para continuar — porém não entendo o motivo de querer que eu o ensine algo, quando pode os melhores profissionais a vossa disposição.
— Sim, no entanto, eu quero a senhorita — diz sem tirar os olhos dos meus.
Que arrogante!
Minhas bochechas estavam novamente vermelhas, mas dessa vez não era apenas de vergonha, como também de raiva. Ele achava que podia ter o que quisesse e na hora que quisesse? Mesmo após ter tratado o meu melhor amigo daquela maneira?
— O senhor sabe que não posso ajudá-lo após ter tratado o meu melhor amigo tão mal daquela maneira, não sabe? — digo, fazendo com ele finalmente desvie o olhar para um outro lugar que não fosse o meu rosto. Pelo visto a simples menção a Josh foi o suficiente para deixá-lo com raiva e ofendido.
Repreendi a mim mesma por trata-lo daquela forma. Ele era um príncipe! O príncipe! Eu com certeza poderia facilmente parar em um calabouço escuro e frio ou talvez, na guilhotina, tendo minha cabeça arrancada do pescoço de uma vez só. Porém, não ia voltar atrás em meus princípios.
— As pessoas não costumam recusar um pedido meu.
— Sempre há uma primeira vez para tudo — sorrio — com licença, alteza.
— Espere! — passou a mão nos fios de cabelo que ele mantinha perfeitamente alinhados — eu posso pagar o quanto a senhorita quiser, joias, ouro, propriedades, o que quiser.
Parecia desesperado, talvez eu até me comovesse se não estivesse indignada com o que ele estava insinuando. Não sei ao certo em que mundo esse arrogante está acostumado a viver, mas na minha vila as pessoas ajudam umas as outras sem esperar algo em troca. Ele não podia vir até aqui e achar que só porque sou uma plebeia pode estabelecer um valor monetário aos meus princípios. Como se trair um amigo fosse uma atitude considerada aceitável, desde que houvesse uma recompensa por isso. Era um absurdo!
Nenhuma joia, ouro ou propriedade seria equiparável ao valor da minha lealdade para com os meus amigos.
— Não preciso do seu dinheiro! — coloquei o livro em minhas mãos de volta na prateleira, pronta para dar as costas para ele e sair pelo outro lado. Dane-se se seria uma atitude desrespeitosa, ele não parecia ser do tipo que se importava com isso, já que havia insinuado que poderia me comprar.
— Então o que quer? — voltou a olhar em minha direção, seus olhos eram uma imensidão verde e clamavam por ajuda, não sei ao certo o motivo, mas aquilo pareceu dissipar minha raiva. Talvez ele precisasse mesmo da minha ajuda e por mais que eu odiasse as suas atitudes, negar algo para alguém não é parte de quem eu sou. Eu gosto de ajudar, eu gosto de vê-las sorrirem felizes, isso é quem eu sou e não consigo deixar essa parte de lado.
Se ele estava vindo até aqui pedir ajuda em uma matéria, era porque precisava... Certo?
Pensei antes de elaborar uma resposta e quando ela ecoou da minha boca até os ouvidos do príncipe, ele parecia achar graça, como se eu estivesse contando uma piada.
— Estou falando sério, se quer que eu o ajude, basta pedir desculpas para Joshua — essa era a minha condição e não estava nem um pouco disposta a deixá-la de lado.
— Nunca! — responde firme e seu sorriso some ao perceber que a situação era séria — é muita humilhação, um príncipe não se desculpa por suas atitudes, além de que eu também não fiz nada de errado... É assim que as coisas funcionam, Deinert.
— Pois bem, então também nunca irei lhe ajudar — fiz uma breve referência antes de dar de costas e sair. Não tinha como ajudar alguém que não queria ser ajudado, se ele quisesse de fato, teria aceitado a proposta.
Meus pés já estavam doendo de tanto esperar o Beacuhamp sair da aula de natação, quase todos os rapazes haviam saído, mas ele ainda permanecia lá dentro. E eu não podia entrar, pois a piscina era reservada apenas aos rapazes.
Esperei por mais cinco minutos. Depois mais dez minutos.
Comecei a achar que ele já havia saído ou que nem sequer havia frequentado essa aula hoje, estava pronta para dar meia volta quando ele finalmente passou pela porta. Meus olhos se arregalaram no mesmo instante e então finalmente entendi o motivo da sua demora.
Corri até ele sem saber ao certo se ria ou se ficava preocupada.
Decidi ficar preocupada, porque a situação exigia de fato uma preocupação.
O cabelo de Josh estava com algumas mechas avermelhadas e com um aspecto molhado, aparentemente ele havia lavado para tirar a tinta, mas uma grande parte ainda permanecia. E o vermelho se destacava muito em seus fios loiros.
— Josh... O que aconteceu? — perguntei passando a mão por seus cabelo, a tinta vermelha começou a escorrer por minhas mãos também. O garoto parecia querer matar alguém, mas permanecia quieto — Josh?
— Colocaram algum tipo de planta vermelha no meu shampoo — diz apontando para o cabelo, como se fosse óbvio — eu lavei mas acho que não saiu tudo.
Ele estava bravo, muito bravo, sua voz quase não saía. No entanto, ele ainda tentava manter a calma para não gritar comigo.
— O quê? Quem faria isso?! — franzo as sobrancelhas.
— Quem você acha? — revira os olhos, enfurecido — só não vou tirar satisfações porque não quero arrumar motivo para ser expulso.
Não era possível... Ele não faria isso.
Ou faria?
Eu sabia a resposta da pergunta. Noah faria isso sem pensar duas vezes. Tudo porque eu havia rejeitado o pedido dele, tudo porque ele era um moleque mimado que não sabia lidar com um não. Não ligo para se ele é um príncipe, quando não consegue se comportar como um.
— Por enquanto, a minha palavra contra a dele não vai valer de nada — suspira pesadamente e fecha os olhos, havia frustração em suas palavras.
— O que você vai fazer?
— Não se preocupa, Sininho — ele sorri e então tenho certeza de que o Beauchamp não estava disposto a deixar aquilo barato — preciso tentar tirar isso direito, acho que não o nosso jantar vai ter que ficar para outro dia.
— Tudo bem — assinto — também tenho muitas coisas para fazer, acabei de lembrar que esqueci... uma coisa...
Era mentira. Era uma mentira deslavada! E eu não sabia mentir, porém Josh devia estar com tanta raiva que nem notou, ele apenas me deu um beijo na testa e saiu em passos firmes em direção ao seu dormitório.
Meus dedos tremiam, não só em raiva, como também em decepção. Nunca achei que uma pessoa pudesse ser tão manipuladora ao ponto de usar o meu amigo para conseguir o que quer. Mas pelo visto o mundo dele funcionava dessa forma, com trapaças, mentiras e manipulações, Any estava completamente certa quando disse que a realidade não era um conto de fadas. A realidade é um lugar no qual a maioria das pessoas jogam sujo para atingir seus objetivos.
Eu fui muito ingênua, ainda tentei lhe dar uma boa opção simples e fácil para resolvermos as coisas, porém ele parecia sentir uma atração pelo caos. Se ele quer jogar esse joguinho, tudo bem. Vou atirar as cartas na mesa e mostrar a ele qual a maneira certa de se vencer.
Rodei os pés sem pensar duas vezes, minhas mãos bateram na maçaneta da porta, sentindo o frio do metal envolverem as pontas do dedos no momento em que a girei para entrar na área da piscina. A adrenalina se espalhava por todo cada átomo do meu corpo, adentrei o local antes que tivesse tempo para raciocinar o quão errado aquilo era.
Olhei ao redor, estava vazio. Exceto por uma pessoa, exatamente a pessoa que eu queria ver. Ele parecia ter acabado de sair da piscina, vestia um roupão preto e secava seus cabelos em uma toalha. Não me viu chegar, porém o barulho dos meus sapatos batendo contra o piso, o assustou, fazendo com que largasse a toalha em cima do banco e se virasse em minha direção.
A expressão de surpresa em seu rosto era impagável, porém durou poucos segundos, quando cheguei próximo o suficiente já havia a expressão já havia dado lugar a um sorriso sarcástico e soberbo.
— A senhorita não pode entrar aqui — disse com um tom de voz perfeitamente calculado, quase como se não tivesse feito nada de errado. No entanto, o olhar divertido em seu rosto denunciava tudo.
— O senhor também não pode fazer muitas coisas e mesmo assim as faz — ergo o queixo, para que ele visse que eu não iria me intimidar novamente — e já que deseja tanto ser tratado como um aluno normal, o tratarei dessa forma e serei bastante clara agora, então me escute com atenção. Não sei como as coisas funcionam na realeza, mas de onde eu venho, as pessoas sabem reconhecer e aceitar quando seus planos não saem conforme o planejado, isso é princípio básico da vida e do significado de ser um adulto responsável por suas atitudes! De onde eu venho, até mesmo as crianças pequenas sabem aceitar um não. Mas pelo visto, o príncipe está acostumado a ter um mundo de pessoas aos seus pés atendendo todos os seus pedidos o tempo todo... e quer saber? Eu sinto muito por isso, sinto muito que o senhor seja uma pessoa tão presunçosa e medíocre ao ponto de precisar abandonar toda a educação, que tenho certeza que o senhor recebeu, apenas para agir feito um moleque de onze anos, apenas para se vingar de alguém que nunca lhe fez mal nenhum, apenas por inveja! Sinto muito que pense que os bens materiais possam comprar coisas inestimáveis como o amor, o carinho e a amizade de uma pessoa e também sinto muito que precise agir de um modo tão baixo e desprezível para conseguir o que quer, abusando da minha ingenuidade e da minha bondade!
As palavras saltaram em um tom raivoso que eu pensei que nunca fosse ser usado para se dirigir a alguém, muito menos ao herdeiro do trono, lutei para conter as lágrimas que insistiam em cair de meus olhos. Noah mantinha o maxilar travado e um rosto neutro. Ah, será que ele vai me mandar para a forca? Meu coração começou a bater acelerado e minha respiração estava ofegante.
— Tem razão — foi o que disse, quase não escutei de tão baixo.
— O quê? — franzi as sobrancelhas sem acreditar no que tinha escutado.
— Eu sou mesmo uma pessoa presunçosa e medíocre. É isso o que acha de mim, não é? Então tudo bem, a senhorita está coberta de razão — repetiu — sou tudo o que a senhorita possa pensar de ruim sobre mim. E até mais.
Vi uma única ruga de perturbação entre suas sobrancelhas, ele parecia estar sendo sincero no que dizia. Engoli o seco, confusa, aquilo era mais um de seus joguinhos? Ele queria que eu sentisse dó novamente?
— As suas aulas serão apenas uma vez na semana, uma hora apenas e nem sequer um segundo a mais, irei ver um dia que estarei disponível e lhe avisarei — falo mais calma, o príncipe permanece calado, sem entender — em troca, vai deixar Josh em paz e não vai contar nada disso para ele. Caso contrário, o nosso acordo acaba por aqui. Esses são os meus termos!
Ele assentiu em silêncio e então saí dali o mais rápido possível, me dando conta do que eu havia acabado de fazer. Praticamente gritado com o herdeiro e ainda por cima, o pior, feito um acordo com ele e mentido para Josh.
Parece errado, mas é por uma boa causa...
Faço um esforço para me convencer disso.
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