02
Hoje é um grande dia para todos os calouros de Eblenia, será uma recepção para todos os novos estudantes. Geralmente a comemoração acontece por meio de bailes, não tão grandes como os da realeza, mas significativos o suficiente para ficarem na boca do povo por dias.
O baile é uma tradição que marca o início do ano letivo em Eblenia, acontece nos longos salões da instituição, onde os tetos são cobertos de ouro e as luminárias enfeitadas por cristais. Todo o salão é forrado com tapetes feitos de tecidos nobres e mesas que exibem comidas e especiarias de todo tipo. Os estudantes demonstram toda a sua classe e riqueza usando roupas da mais alta costura.
No entanto, esse ano não terá baile. O rei autorizou apenas uma pequena recepção, acredito que temendo a segurança do filho, devido a quantidade de bolsas que os alunos mais pobres receberam esse ano.
O príncipe estudaria com a gente mas seria acompanhado por seguranças reais para garantir o seu bem-estar. Foi o que o meu pai disse quando perguntei a respeito da informação que Sabina trouxe há alguns dias.
— Any, vou pedir que você se comporte na recepção de hoje, por favor. O rei estará lá — minha mãe dizia no meu ouvido, como se eu não soubesse.
— Quando eu não me comporto, mãe? — tentei falar com a voz mais calma possível, porém um sorrisinho irônico lutava em surgir nos meus lábios.
— Any Gabrielly, estou falando sério - puxou minha orelha — temos que dar o exemplo. Esse ano você terá que conviver com plebeus e caso você não saiba, a realidade deles é muito diferente da nossa, não sei como o rei permitiu essa baderna em um colégio com tanta classe.
Contive a vontade de revirar os olhos e apenas me afundei no assento da carruagem. Ouvir minha mãe falar sobre o quanto achava antiquado a presença de plebeus é um tédio e meu pai já estava na instituição comandando a segurança do rei, então eu não tinha ninguém para me salvar de ouvir suas reclamações durante todo o caminho.
A carruagem nos levava em direção aos longos portões de Eblenia, enfeitados por um dourado tão forte que se assemelhava a ouro puro, reluzia ainda mais forte com os raios solares do fim da tarde. Me inclinei na pequena janela de vidro enquanto a carruagem chacoalhava pela estrada cheia de pedras, olhei para as árvores que se erguiam em um verde vivo ao nosso redor, as construções do colégio estavam logo a nossa frente. Era toda feita de pedras polidas em uma cor clara, quase um creme, com janelas grandes de vidros cobertas por cortinas de seda.
Em frente a construção havia um espaço aberto e enfeitado por plantas de todo tipo, os alunos andavam junto de seus pais. Já havia muitas pessoas, todas mantinham um certo padrão, garotas com vestidos longos e elegantes que andavam ao lado de seus pais enquanto um serviçal carregava as malas em direção à entrada, garotos fortes que desfilavam com vestimentas impecáveis e sorriam como bobos. Não tive duvida de que apenas a nobreza estava ali.
Onde estão os outros?
— Gabriely, vamos — minha mãe me puxou para fora da carruagem assim que a porta foi aberta. Dei graças a Deus por finalmente poder esticar minhas pernas, afinal a viagem até aqui durou quase uma hora.
— Onde estão os outros alunos? — perguntei enquanto caminhávamos pela longa entrada, nos misturando aos outros pais e estudantes.
— Certamente virão mais tarde, seria um caos se aquelas pessoas se misturassem conosco agora — aquelas pessoas. Quase revirei os olhos novamente, mas respirei fundo — durante a recepção teremos uma sala direcionada apenas aos nobres, para evitar desentendimentos, aquela gente não sabe se comportar. Caso dependessem da minha aprovação eles nem estudariam no mesmo lugar que você.
Ainda bem que não depende.
— O que é isso, mãe? Um apartheid? Eles possuem o mesmo direito ao estudo que nós — respondi e ela me lançou um olhar feio.
Minha mãe sempre foi uma mulher classista, acredito que o fato de ter herdado o poder de cura, o qual geralmente é direcionado aos plebeus, a tornou ainda mais amarga. Ela tem horror a qualquer menção a pobreza e sempre exibe seus vestidos e joias luxuosas na tentativa de esconder que também possui sangue da plebe correndo em suas veias.
— Apartheid? Onde você anda aprendendo essas palavras estranhas, Any? — ela ia continuar falando mas foi interrompida por Sabina, que vinha em nossa direção acompanhada de seu irmão mais velho, Bailey.
Os deuses estão realmente do meu lado hoje.
— Senhora Soares — os dois cumprimentaram a minha mãe — se a senhora permitir, posso mostrar para a Any as acomodações e os uniformes. Falta pouco tempo para o início das celebrações.
Sabina falava de uma forma tão convincente e com um rostinho tão angelical que quem não a conhecesse bem como eu acharia de fato que aquele era o seu único interesse. Eu sabia lê-la como ninguém e tenho certeza de que ela possui alguma fofoca nova para me contar.
— Claro, senhorita Hidalgo — minha mãe assentiu — nos encontramos mais tarde durante a celebração, Any.
Não esperei nenhum segundo a mais, assim que ela fechou a boca eu deixei Sabina e Bailey me guiarem para as portas da entrada. Eles pareciam loucos para contar alguma coisa, não tive nem tempo de reparar no interior da construção, apenas prestei atenção nos meus pés para que não tropeçassem na bainha do vestido e eu caísse escada a baixo.
Odeio vestidos.
— Está bem, Sabina, diga logo o que vocês querem — eu tentava acompanhar o ritmo dos dois irmãos que subiam a escada se o mundo tivesse acabando e aquele fosse o único meio de escape.
— Eu não posso contar agora — se virou rapidamente em minha direção. Havia outros alunos subindo e descendo as escadas ao mesmo tempo que nós e todos pareciam animados, alguns já trajavam os uniformes do colégio.
Estranhei o fato de os alunos estarem todos vestidos igualmente com os uniformes do colégio, nos bailes nós usávamos nossas próprias roupas, penso que a diretora Davison não quis que houvesse uma separação tão grande entre nobreza e plebeus e sim, deixá-los parecidos.
O que não adianta muito, pois a ideia de salões separados continua sendo ridícula.
— As garotas estão usando calças — comentei com um sorriso no rosto — minha mãe vai ter um ataque cardíaco quando ver isso.
— Acho que quase todo o salão vão ter um ataque cardíaco quando receberem uma pessoa em especial hoje — Bailey, que estava a minha frente, falou.
— De quem vocês estão falando? — dei mais um passo entre os degraus, ficava difícil se mover com tantos alunos indo e vindo — do príncipe? Porque as pessoas se assustariam ao vê-lo?
— Tecnicamente não é o príncipe — Bailey respondeu, franzi a testa no mesmo instante. Tecnicamente?
Subi o resto dos lances da escada xingando mentalmente os irmãos Hidalgo por falarem em códigos que eu não entendia. Eles sempre faziam isso, chegavam com uma fofoca e quando eu perguntava, me enrolavam ao máximo para contar, apenas para que eu ficasse me remoendo de curiosidade.
— Vocês são dois fofoqueiros! Me contem logo o que está havendo — resmunguei enquanto eles me puxavam até um corredor menos movimentado.
Paramos em frente a uma grande janela de vidro localizada no final de um corredor, dali podia se ter uma vista perfeita dos jardins e da entrada do colégio. Porém, este não é o foco do momento.
— Vão contar ou não? — perguntei já sem paciência, eles me olhavam como se esperassem a minha reação.
— O boato sobre o bastardo é verdadeiro — Sabina falou com empolgação. Meus olhos se arregalaram no mesmo instante e senti o coração começar bater mais forte, de repente todas aquelas lendas que ouvi a respeito desse garoto vieram na minha cabeça.
Eu quis dizer que ela estava mentindo e que aquilo era só uma lenda, porém Sabina nunca errava em nenhuma informação que repassava para mim. Olhei para Bailey, esperando que ele dissesse que a sua irmã estava brincando, mas não.
— É verdade, ele domina a água e virá estudar em Eblenia. Ouvimos isso do nosso próprio pai — o garoto explicava com os olhos brilhando.
Eu estava sem reação, cresci ouvindo murmurinhos por entre as ruas sobre o tal príncipe bastardo que sobreviveu a um ataque de lobo e que possuía os poderes do rei. Nunca levei a sério, afinal de contas, as lendas são apenas lendas.
— Tem certeza de que vocês escutaram direito? Como o rei permitiu que ele venha? — eram tantas perguntas que minha cabeça estava quase dando um nó — ele nunca permitiria que um filho bastardo estudasse no mesmo local que o legítimo.
— Não sabemos — suspirou — mas estamos animados para conhecê-lo.
— A nobreza sabe sobre isso? — encostei na parede atrás de mim, era como se todo o chão abaixo de mim estivesse se abrindo.
— Os mais próximos sabem — Sabina sussurrou, isso incluía nossos pais. Quantos segredos eles deveriam esconder de nós e do povo? Quantas lendas do nosso Reino seriam verdadeiras?
— Por isso que Eblenia não terá um baile para receber os calouros esse ano — o Hidalgo mais velho falava e as peças começavam a se encaixar como em um quebra-cabeça — inclusive, estarei ajudando na segurança do herdeiro.
O garoto falava com tanto orgulho que eu quase ri, esquecendo por um instante o impacto que a informação anterior me causara. Nem entendo o motivo dessa sensação estranha, mas meu coração ainda batia descompassado.
— Coitado, não tinha ninguém mais competente? — perguntou Sabina.
— Inveja, irmãzinha? — ele riu debochado — eles precisavam de um aluno veterano, o príncipe não quer se sentir diferente dos demais andando com vários soldados por aí.
— Por que você está tão animado, Bailey? — Sabina provocava — está apaixonado pelos olhinhos verdes do Príncipe?
— Eu diria que ele está mais interessado nos olhinhos da Princesa Joalin — falo arrancando uma risada de Sabina, enquanto o rapaz nos encarava de braços cruzados e olhos semicerrados.
— Eu odeio vocês duas.
O céu escuro e estrelado já anunciavam o início da noite, dos meus aposentos dava para escutar a música clássica que tocava do andar debaixo se misturando com os sons de taças e conversas.
Dei uma último olhada no espelho, eu trajava uma blusa social branca com botões fechados, por cima havia uma capa azul-escura que ia até a metada de coxa, a melhor parte, as calças de couro preto. Nos pés exibia meus lindos conturnos também pretos enquanto que fiz questão os meus cabelos soltos, com os cachos caindo sob os ombros.
Talvez as calças estivessem causando o maior espanto para as mulheres mais conservadoras. No entanto, a diretora estava mais que certa na escolha do uniforme, afinal, estávamos treinando para enfrentar a Floresta e não para realizar um desfile de vestidos elegantes.
Seria impossível chegar a lutar contra lobos, wendigos e tantas outras criaturas vestindo camadas e mais camadas de vestido.
Demorei ao máximo para me arrumar pois não queria ter que passar a noite ao lado da minha mãe, cumprimentando mulheres da alta sociedade, escutando conversas chatas e ouvindo os discursos da Senhora Davison. Respiro fundo antes de sair do quarto e ir até o grande salão principal, onde grande parte das pessoas se reuniam.
Olhei em volta vendo garotas vestidas como eu, com calças de couro, elas pareciam muito mais confortáveis que as mulheres que se apertavam nos malditos espartilhos. Os garotos vestiam as mesmas roupas, em uma versão adaptada para o masculino.
Quando passei por um grupo de mulheres com vestidos esvoaçantes nem tive dúvidas de que uma daquelas era a minha mãe, já que o grupo reclamava fervorosamente sobre o uso das calças.
Rezei para que todos os deuses deixasse que eu passasse despercebida por elas, mas era tarde.
— Querida, venha conversar com essas damas — senti a sua mão me puxar até o grupo.
Talvez os deuses não estivessem tão ao meu favor assim.
— Pobrezinha, esse uniforme é um absurdo. A Senhora Davison deve estar a beira da loucura — ouvi uma mulher loira reclamar — você deve estar odiando essa roupa, querida.
Abri a boca para responder um belo e claro "NÃO", porém fui interrompida pela minha mãe que fez questão de confirmar. Uma coisa é certo, a Senhora Soares me conhece o suficiente para saber que eu estava amando as vestes, até porque eu tinha uma coleção significativa de calças no meu guarda-roupa.
Não consegui ficar ali por mais de cinco minutos, os assuntos da roda eram tão medíocres e vazios que logo dei um jeito de sair usando a desculpa de que iria conhecer os novos colegas. Andei desviando das pessoas que já se aglomeravam por todo o salão e quando percebi não estava mais no mesmo lugar de antes, logo me dei conta de que aquele era o salão reservado aos pais e alunos bolsistas, a julgar pela maneira que eles comiam e dançavam alegremente, em uma atmosfera leve e divertida, totalmente diferente do clima tenso da anterior.
O salão estava repleto de homens e mulheres de todas as idades, os mais novos comiam próximos as mesas e conversavam uns com os outros entre risadas e mordidas na comida, os mais velhos bebiam e dançavam como em uma grande comemoração. Me senti diferente de antes, estava confortável ali mesmo sem conhecer ninguém, como nunca estive entre as pessoas que conheço desde o meu nascimento.
E a ideia de saber que minha mãe não me procuraria ali, me confortou ainda mais.
De repente um pensamento me rondou por alguns segundos.
Será que ele estaria ali?
Será que ele também sente raiva do pai da mesma forma que eu sinto da minha mãe?
Até agora eu não havia ouvido ninguém falar sobre a presença do tal filho bastardo, talvez Sabina e Bailey teriam se confundido. Se fosse verdade, todos estariam a sua procura.
Porque eu estava a sua procura.
Percebi no momento em que meus pés se moviam entre as pessoas enquanto meus olhos procuravam o rapaz de cabelos loiros e olhos azuis como o do rei, diziam que ele é idêntico ao pai quando era jovem. E a esse ponto a curiosidade já havia se instalado no meu corpo, mas ninguém se parecia com o garoto descrito.
Desisti de procurar após ter percorrido todo o salão, eu estava praticamente do lado de fora e não havia nem sinal. Saí pela porta lateral que dava para fora do colégio e apenas encostei as costas na parede fria devido ao clima fresco da noite, sentindo o pulmão subir e descer na medida em que respirava, a parte exterior do colégio estava deserta então me permiti sentar na grama e olhar para o céu acima de mim, as estrelas brilhavam como nunca.
Gostaria muito que elas me revelassem cada segredo escondido por aquelas terras, cada história que elas teriam visto lá de cima, cada sorriso, cada choro, cada súplica.
Não tive nem tempo de sorrir pelo fato de ser a primeira vez na vida que eu havia visto Sabina se enganar sobre uma informação, apenas ouvi o som de botas pesadas vindo na direção oposta a minha. Levantei no mesmo momento e quando virei na direção do barulho havia um rapaz vestindo uma capa preta com capuz parado a alguns metros de distância de mim, meu coração voltou a bater forte como antes.
— Se a sua intenção é passar despercebido, eu diria que essa capa não ajuda — falo e me aproximo lentamente do homem — todos estão vestidos iguais lá dentro.
Ele estava parado no escuro e mesmo eu estando significantemente próxima do seu rosto eu não conseguia vê-lo claramente devido a falta de iluminação. Quase me arrependi de abrir a boca, se aquele fosse o Príncipe Noah disfarçado e fugindo dos olhares do povo eu teria acabado de ser completamente deselegante.
— Obrigada pelo conselho, donzela. No entanto, sem ofensas, não tenho interesse nenhum de festejar com vocês — respondeu, sua voz era forte e levemente rouca, quem não entendesse de uma boa ironia e deboche acharia que ele estava sendo educado. Não era o Noah.
— Não sou uma donzela.
— Se parece com uma — definitivamente eu não parecia com uma, considerando principalmente a calça de couro e as botas que eu usava, então percebi de imediato a provocação.
— Pelo menos eu não tenho medo de mostrar o rosto — talvez outra garota em meu lugar estivesse se tremendo em falar dessa forma para um homem desconhecido em um canto escuro, porém eu era a filha do comandante. Nenhum rapaz ia me chamar de donzela e sair como se nada tivesse acontecido.
— Tem certeza? Não é o que parece, considerando que você deveria estar lá dentro com os outros e não aqui fora comigo — sua ênfase na palavra "comigo" era em forma de deboche.
Aquele rapaz transpirava deboche.
— Então você admite que tem medo de mostrar o rosto? Porque se está insinuando que eu tenho, só pelo fato de estar aqui fora, devo considerar que você também está incluso nessa — quase sorri satisfeita com a minha resposta, mas me contive em apenas cruzar os braços em forma de desafio. Ele não respondeu, talvez tivesse ficado sem respostas, porém algo me dizia que ele me observava.
— Só não quero chamar tanta atenção, donzela — explicou.
Esse cara tem uma boa dose de autoestima impregnada em seu corpo, hein?
— Relaxa, deve haver alguém mais feio que você por aí — nesse momento eu já havia soltado as estribeiras e se minha mãe me visse falando dessa maneira com um rapaz desconhecido em um canto escuro ela me mataria ali mesmo. Esperei que ele ficasse irritado e com o ego ferido, mas ele riu, um riso alto e divertido o suficiente ao ponto de uma gotinha de curiosidade surgir em mim, eu queria ver como era a curva que a sua boca formava enquanto ria. Queria desesperadamente ver o seu rosto.
— Deve haver sim. Agora se não se importa, eu preciso ir para os meus aposentos, donzela — tentou passar ao meu lado então entrei na sua frente antes que ele saísse — a não ser que a senhorita queira me acompanhar.
— Eu tenho nome, sabia? — desafiei. Quem ele acha que é? Não sabe nem o meu nome e já me convida para ir até o seu quarto.
— Todos temos, não é mesmo? Mesmo que não nos reconheçam por ele — foi o que disse antes de passar por mim novamente, dessa vez não o impedi, apenas deixei que saísse do meu campo de visão enquanto o olhava ainda sem acreditar em tamanha petulância.
Já conheci muitos rapazes arrogantes ao longo da minha vida, todos se achavam tão superiores e cheios de si, porém aquele conseguia atingir outro patamar, sem que eu nem ao menos precisasse ver o seu rosto para isso. Eu sabia que ele estava me provocando e o seu ar debochado o deixava ainda mais irritante.
Encapuzadinho de meia tigela.
— Any, sua mãe está te procurando — não precisei nem me virar para saber de quem era a voz — o rei irá discursar agora e você já perdeu o discurso da diretora.
Andei rapidamente com Sabina para voltar ao salão, ela vestia a mesma roupa que eu, mas usava os seus cabelos presos em uma linda trança e nós pés, um salto branco. Ela sim parecia uma donzela de contos de fadas.
— Onde você esteve a noite inteira? — perguntou, mesmo sabendo a resposta, Sabina me conhecia como ninguém.
Entramos no nosso salão. O rei estava no palco, seus olhos azuis de dominador da água brilhavam, assim como seus cabelos dourados, ao seu lado estava a Rainha Tereza, com seus longos cabelos castanhos que caíam em ondas sedosas e seus olhos verdes de dominadora da flora.
— Eu precisava ver se era real — justifico antes de pararmos ao lado da multidão que se formou.
— Se eu fosse ele, não andaria tão a vista — ela sussurrou e então entrei em choque, por um segundo senti o ar se esvair. Meus neurônios trabalhavam como engrenagens rápidas, encarei o rosto dissimulado do Rei Ethan.
Tudo foi meticulosamente calculado.
As garotas usando calças não eram uma revolução, não eram uma forma de igualdade, não era uma forma de demonstrar que somos guerreiras tanto quanto os homens, era uma distração. Para que as pessoas ficassem tão indignadas e concentradas em tecer críticas ao ponto de nem se lembrarem do filho bastardo que estava ali em algum lugar.
E novamente eu me sentia como se estivesse vendo um grande quebra-cabeça ser montado, com as peças começando a serem juntadas aos poucos.
"Só não quero chamar tanta atenção, donzela". Ele não queria ser reconhecido por tantas pessoas ao mesmo tempo.
"Todos temos um, não é mesmo? Mesmo que não nos reconheçam por ele". Os boatos nunca citavam o seu nome, apenas o nomeavam de filho bastardo.
Ele foi para o quarto antes do discurso pois não queria encarar o pai.
— Any, está tudo bem? — ouvi a minha amiga me perguntar e então lembrei que ela sempre tinha razão.
Sabina nunca se enganava.
— Eu acho que o conheci — sussurrei e virei para encará-la, ela parecia confusa, porém logo a confusão foi embora e ela parecia ter compreendido o que eu quis dizer pois arregalou os olhos no mesmo instante.
A lenda não era mais uma lenda. Era realidade.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top