A letter

Você foi maltratado e enganado desde a infância que precisava

E agora você nunca terá sucesso se estiver tão convencido de que está derrotado

Se você está obcecado com o seu ontem, então está destinado a repeti-lo

E eu sei que não é sua culpa, nunca é

Eu sei como é ficar acordado a noite toda cuidando de ferimentos

Sorry about your parents — Icon for hire

A festa do chá foi divertida e eu gostei de conhecer Maplebell e o marido de Maaka, mas isso foi ontem e hoje na sala da Fox me sinto apreensiva e cansada de tantas mesas, reuniões e debates sobre planos. O velho Charles nem Chess estão por aqui o que torna esse encontro mais estranho, pelo menos tenho Cain e Abel aqui comigo.

— Acho que vocês imaginam porque estão aqui, certo? — Fox começa se sentando à nossa frente.

— Oscar nos deixou alguma coisa. — Abel diz cruzando os braços.

— Acho que você andou bisbilhotando alguns adultos. — Ela ri. — Mas sim, só que antes eu queria falar um pouco com vocês.

— Aí tem coisa... — Abel resmunga, Cain dá uma cotovelada nele.

— Claro que não. — Ela nos lança um sorriso. — Eu só quero falar um pouco antes de lhes entregar isto. — Fox empurra um envelope grande e lacrado pela mesa com um dedo. — Acho que vocês acabaram descobrindo muita coisa sozinhos, sobre a Nonsense e sobre seu próprio pai.

— E vocês duvidaram que não conseguiríamos? — Provoco, Cain me olha de cara feia.

— Eu em nenhum momento, na verdade sempre gostei de deixar o caminho livre para vocês. — Ela ri. — Como devem imaginar eu vou para Heartsplains já que meu objetivo está lá e acho que já sei quem estará cotada para me substituir como eu substitui Oscar. — Fox suspira e bate seus dedos contra o envelope. — A verdade é que só subi até essa posição porque cresci com Charles, sempre esperaram que eu saberia o que fazer já que Oscar tinha traído todas as regras que ele mesmo fundou.

— Tal qual seus filhos... — Agora é a vez de Cain resmungar.

— Exatamente. — Fox concorda com a cabeça. — Eu particularmente não queria estar aqui, ser a cabeça, sabe? Mas foi a minha única alternativa para chegar ao meu objetivo, claro, graças a vocês também. E hoje em dia posso ver algumas semelhanças entre Oscar e Charles, eu pude perdoá-lo e acredito que vocês também possam, não hoje ou amanhã, mas com o tempo. Onde eu quero chegar é que há muita história que vocês não conhecem, que eu não conheço e que talvez nunca sejam conhecidas, porque quem poderia contá-las não está mais aqui, mas que vocês conheçam elas, busquem e descubram sua origem e qual caminho trilhar se formos vencedores.

— Quando vencermos. — Rebato, ela sorri e empurra o envelope pela mesa.

— Acredito que queiram ficar sozinhos, nossa próxima reunião vai ser às 14 horas na sala de jantar.

— Obrigada, eu acho.

Pego o envelope e me levanto com os dois ao meu lado, o caminho até nosso quarto é silencioso com cada um preso em seus próprios pensamentos. Aperto o envelope tentando imaginar o que vou encontrar aqui, um pedido de perdão? Uma explicação? Quando abro a porta do quarto não sei se estou preparada para abrir esse envelope.

— E então? — Cain pergunta. — É uma carta?

— Com certeza... — Sussurro me sentando, eles se sentam cada um de um lado. — Vocês estão prontos?

— De verdade? Não, mas não sei se vamos ter outra oportunidade. — Cain sussurra.

— Faça as honras mana. — Abel sussurra.

Respiro fundo e puxo o lacre de cera com o brasão da família sem saber o que vem a seguir.

XXX

Encontro um maço de folhas dobrado e amarrado com uma fita de cetim que não parece velha, quando a puxo ela sai facilmente, engulo em seco antes de abrir as folhas e um envelope menor cai no meu colo. Cain e Abel continuam olhando para as folhas então não dou atenção ao envelope menor. Respiro fundo e começo:

Se esta carta foi aberta é porque eu estou morto e vocês na Nonsense. — Paro e me preparo para continuar. — Cain, Abel e Lilith... — Abel está entre parênteses e isso me faz ter vontade de parar de ler. — Meus filhos, se é que ainda posso chamá-los assim...

— Não deveria... — Abel rosna, suspiro.

Eu fiz muitas coisas erradas, mas acho que o que mais errei foi em como criei vocês. Me desculpe Cain por te mandar para longe, foi a única forma de te manter isolado dos perigos do desconhecido que eu procurava, o desconhecido que eu arrastei para suas vidas, eu acreditei que se você estivesse isolado de tudo nenhum mal te alcançaria porque vi em seus olhos que você era mais deles do que meu e eu temia pela hora em que você fosse levado como seu irmão foi. — Cain bufa pelo nariz, mas não me interrompe. — Me desculpe Abel, espero que esteja com eles quando esta carta for lida ou que um dia ela chegue até você, Charles o salvou quando eu falhei com você, quando falhei com seu irmão e também com sua mãe. Eu o condenei e não tinha esse direito, minha curiosidade e minha imprudência foram pagas por você e eu sei que você pode nem mesmo crescer como seus irmãos, porque além de tudo eu o deixei longe do meu alcance.

Meus olhos se recusam a continuar na próxima linha porque sei a quem ele vai pedir perdão agora, Cain segura minha mão e lê no meu lugar:

Me desculpe Lilith por ter sido tão distante, temi que se criasse laços com você a dor da minha partida seria maior, eu te privei de um mundo lindo e dos seus irmãos por ser egoísta e por ter medo de que um dia, assim como sua mãe, você fosse tirada de mim. Minha garotinha, ao menos pude ter o prazer de vê-la crescer, espero que me perdoe por nunca ter sido o seu pai, aquele que você merecia, aquele que eu teria sido se o desconhecido não me fosse tão tentador a ponto de destruir aquilo que me seria mais valioso: minha família.

A primeira página da carta chega ao final, engulo em seco e respiro fundo esperando que minha voz não saia embargada ao continuar, viro a página e recomeço:

Esta é uma carta de despedida e em poucas palavras jamais poderei explicar o que eu fiz, o que descobri nem o porquê comecei, mas eu acredito que vão contar histórias a vocês, que de alguma forma, esta história é para ser ouvida por outros já que não estou na vida dos três. Talvez vocês me odeiem e eu não os julgo por isso, está no seu direito. Mas há algo que história alguma poderá contar a vocês e é o que brevemente escrevo nessas linhas. — Aperto as sobrancelhas. — Michaella Maurêveilles foi meu grande amor e a mãe de vocês, eu a amei desde que fomos prometidos na infância e viver em um mundo sem ela significaria minha ruína, eu a amei e eu causei sua morte ao provocar as criaturas ocultas atrás do espelho. Parte da minha obscura loucura foi causada pela culpa e pelo medo, mas quero que saibam a verdade sobre meu ato mais louco e que vai culminar em minha morte.

Pisco confusa e troco um olhar com os dois, Cain pega a folha de mim e continua a ler.

Michaella não sabia dos meus declínios com o outro lado, ela não soube até você nascer Lilith e quando descobriu o que tinha acontecido a Abel me fez prometer buscá-lo de volta, mas como podem perceber eu falhei, achei que roubando a espada Vorpal eu criaria uma distração que me ajudasse a invadir o castelo de Alice e pegá-lo, mas a única coisa que consegui foi criar inimizades naquela que era minha casa e também problemas para vocês. Eu tentei por diversas vezes criar planos para invadir Wonderland, mas sou um homem sozinho e sozinho nunca pude conseguir meu objetivo, a última promessa que fiz a mãe de vocês foi a de unir os três irmãos Maurêveilles mais uma vez.

Arregalo os olhos, então... ele nos queria juntos, afinal? Puxo a carta de Cain e continuo lendo:

Se eu tivesse conseguido o apoio da Nonsense, como conseguia antes, teria sido mais fácil ter feito isso, me pergunto se não deveria ter apenas contado a verdade. Armar planos e trair companheiros pode não ser o melhor caminho para se conseguir um milagre. — Um milagre... absorvo a palavra percebendo que sim, é um milagre eu ter Cain e Abel do meu lado e nós estarmos juntos, na Nonsense, lutando para derrubar Alice. — E foi desta forma que eu condenei vocês e Michaella a um fim terrível. Muitos pensaram que eu tinha feito aquilo, mas eu nunca poderia encostar em um fio de cabelo dela, foi a forma que Alice achou de me avisar e espero que agora que eu parta possa me desculpar com ela.

Fico em silêncio absorvendo tudo o que descobri em duas páginas escritas por um homem que em 12 anos da minha vida nunca me disse nada, apenas ocultou o mundo de mim. Olho para o envelope pequeno ainda no meu colo e o pego, abro devagar tirando o lacre de cera e encontro uma chave grande de ferro, reviro-a nos meus dedos, ela é de ferro negro e tem um grande M no centro, quando a viro o M está quebrando... procuro outra coisa no envelope, mas não encontro nada. Só reparo que ninguém está lendo quando olho para os lados, Cain e Abel observam a chave também.

— O que vocês acham que é? — Sorrio quando eles se assustam. — Uma chave da mansão Maurêveilles? Talvez de alguma sala secreta.

— Ou de outra casa onde Oscar morava. — Cain arrisca.

— Nem quero imaginar quantas cartas sentimentais e de culpa ele não escondeu por ela. — Abel resmunga. — Vamos queimá-la, por favor?

— Oh com certeza. — Cain concorda. — Se for outra fábrica eu mesmo vou queimar ela, sua herança compensa isso, Lilith.

— O que vamos fazer com a herança quando você for pra Wonderland? — Pergunto.

— Sua metade deve lhe dar uma vida boa.

— Eu poderia doar a sua... — Arrisco sorrindo, Cain bufa.

— Então você vai precisar forjar minha morte. — Ele brinca, congelo. — Quero dizer, não deve ser tão difícil.

— Você é tão mórbido... — Abel diz o que está na minha cabeça, dou risada. — Bem, vocês querem continuar?

— Como está sendo pra você? — Cain pergunta.

— Péssimo eu diria. — Abel suspira. — Mas acho que o sentimento é mútuo.

— Você nem imagina o quanto. — Viro mais uma página e respiro fundo. — Bem, acho que foram muitas revelações dramáticas para alguém que não demonstrava sentimentos.

— Você nem imagina o quanto, pai. — Abel resmunga.

Por isso finalizo esta carta falando da herança que pude deixar a vocês, não uma fábrica, não uma fortuna, mas deixo a vocês um lar. Um lugar onde ser estranho é normal, que pode mostrar a vocês mundos que jamais imaginariam e, peço a vocês, que não sigam meu exemplo. Aproveitem o conhecimento, aproveitem as oportunidades, aproveitem o desconhecido. Explorem, descubram, recontem histórias. Eu sei que vocês podem fazer isso, Cain, Abel e Lilith, neste envelope deixo a chave da verdadeira mansão Maurêveilles, não aquele lugar triste e esquecido, mas uma casa de mistérios e que não faz sentido o tempo todo mas isso é o melhor dela, e espero que um dia um de vocês venha a assumir meu legado, que assim como eu, continuem passando nossa mansão para nossa família, que vivam e que, acima de tudo, sejam amados de uma forma que eu nunca pude amar vocês. Com sentimentos, do seu pai, Oscar Maurêveilles.

Termino a carta e pego a chave de novo, arquejo quando entendo que o M não está quebrado, mas que é um N, essa é a chave da casa Nonsense a verdadeira mansão Maurêveilles.

— Que final inesperado... — Abel sussurra.

— São três relíquias! — Cain diz repentinamente, aperto as sobrancelhas. — O anel sinete, a joia memorial e a chave, Oscar nos deixou três relíquias da família.

— Não penso na joia memorial desde que tudo começou... — Sussurro. — Eu a deixei guardada, e o anel?

— O mesmo. — Cain se levanta, Abel olha de um pra outro sem entender.

Vou até minha caixinha de joias e a abro vendo os presentes que ganhei no meu aniversário, sorrio com ternura e pego a joia feita com o cabelo da nossa mãe, um medalhão grande e pesado. Volto pra cama e Cain segura o anel sinete com o brasão da família, Abel está com a chave sendo girada entre os dedos. Três heranças, três filhos.

— São como as joias fundadoras. — Cain sussurra. — Até nisso o maldito pensou.

— Então cada um deveria ficar com uma, certo? — Indago, Abel olha de um para o outro ainda confuso.

— Você deveria ficar com o sinete, vai ser a chefe da família. — Cain sussurra, nego com a cabeça.

— Você continua sendo o mais velho, o anel é seu. — Olho pra Abel e sorrio. — Você deveria ficar com o medalhão.

— Não conheci nossa mãe. — Ele sussurra.

— Mas ela fez Oscar prometer que ia atrás de você, porque ela queria você de volta. — Sussurro passando o medalhão pelo seu pescoço. — Nossa mãe nunca pode te ter enquanto estava viva, acho que ela gostaria de saber que estamos juntos de novo.

— De qualquer forma a casa vai ser sua, chefe da Nonsense. — Abel ri e me estende a chave, a seguro firme. — Vocês... perdoaram ele?

Olho pra Cain e consigo ver minha dúvida nos seus olhos, não, não perdoamos.

— Ainda não, mas não posso dizer que ainda o odeio. — Respondo girando a chave. — Acho que, quando for mais velha, talvez eu possa entender ele.

— Falando assim você me faz perder o papel de inteligente. — Cain olha o sinete no seu dedo. — Mas sinto o mesmo.

— Não sei se... — Abel sussurra e depois balança a cabeça. — Não sei se consigo.

Suspiro e o abraço, ele bufa, mas não me afasta. Cain passa um braço pelos seus ombros também.

— Tudo bem. — Ele murmura e beija o rosto dele. — Tudo bem se você não o perdoar, nós te amamos do mesmo jeito.

— Você até parece que tem sentimentos falando assim. — Ele bufa ficando vermelho, Abel ri. — Mas é verdade, Oscar pode não ter errado tanto com nós, mas errou com você e eu vou sempre te apoiar.

Abel grunhe e esconde o rosto nas mãos, sorrio apoiando o rosto nas suas costas, agora somos só nós três e eu não sei o que sinto sobre meu pai, talvez no futuro, talvez em outro momento eu entenda, mas agora só quero estar aqui por mim e por eles.

E pra mim isso é o mais importante nessa família, nossa união independente do nosso passado ou do futuro que nos aguarda.

XXX

Capítulo novo na área 😎 achei ele meio difícil de escrever porque é basicamente uma carta e também porque eu deixei muitas pontas soltas (e furos de roteiro) sobre o Oscar e queria pelo menos arrumar um pouquinho sobre ele e trazer o anel e o medalhão esquecidos desde o primeiro livro, é isso que dá escrever sem um planejamento MAS eu curti como ficou no final e espero que vcs tenham gostado também 🖤

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