➶ 𝗘𝗽𝗶𝗹𝗼𝗴𝗼

[Distrito 4, Quinto Dia dos Jogos]

Aparição fungou pesarosamente no segundo em que viu Pablo transpassar o próprio corpo com o arpão. Seu coração apertou e o velho sentiu lágrimas acumulando em seus olhos, algumas escorrendo pelo rosto já envelhecido e enrugado. Sentado em sua cadeira de balanço acabada, ele assistia o último dia dos Jogos Vorazes através da televisão velha que achou no lixão do distrito, a sala onde estava fedendo a mofo, com a janela fechada e mal iluminada.

Em uma das mãos, uma garrafa de cerveja pendia no ar, sendo segurada por dedos apertados, o líquido quase acabando. O velho piscou, permitindo que as lágrimas rolassem, contraindo os lábios e suspirando logo que o canhão indicando a morte de Pablo soou. Enfim, o garoto estava morto.

Novamente, Aparição perdeu um de seus filhos. Pablo não era exatamente uma cria dele, mas desde o momento em que o resgatou de se afogar no mar, considerou aquele garoto como sangue do seu próprio sangue, assim como fez quando Alina chegou.

Levantando a mão, o homem levou o bico da garrafa até a boca, virando o vidro e ingerindo um longo, e último, gole. A cerveja desceu por sua garganta, rasgando e ardendo, e ao mesmo tempo lhe dando um pouco de vida. Torceu para que o efeito do álcool não chegasse tão rápido, mesmo assim sentiu uma imensa tristeza afundar em seu coração, tomando conta de si.

Perdera tudo, seus filhos, sua família, o controle da própria vida. Aparição não sabia mais o que fazer com os dias que ainda lhe restavam nesta terra. Não sabia disso há muito, muito tempo. Ele se levantou da cadeira, estalando os ossos e jogando a garrafa vazia no chão. O vidro estilhaçou, espalhando cacos para todos os lados.

Caminhando até a cozinha minúscula, desviou da mesa de madeira que caia aos pedaços e abriu a geladeira, encontrando apenas garrafas de água, algumas de cerveja e uns peixes. Pegou uma das cervejas e a pôs na mesa, procurando seu abridor de garrafas na bancada.

A casa de madeira, vazia e escura, toda bagunçada e mal-cheirosa, parecia um velho barraco abandonado, uma toca de ratos. O velho enfim encontrou o abridor, retirando a tampa e engolindo mais cerveja. Assim como da última vez, o líquido queimou em sua garganta.

Com mais álcool em seu organismo, Aparição arrotou alto, sentindo-se tonto e um tanto quanto zonzo. Ele piscou algumas vezes a barriga doendo pela falta de alimento no estômago, e tropeçou nos próprios pés. Ao escorar os cotovelos na mesa, o antigo móvel desabou no chão, derrubando Aparição.

ㅡ Que merda! ㅡ Exclamou para si mesmo, ficando deitado no chão entre os pedaços de madeira podre, bebendo mais cerveja.

Ele passou a mirar o teto, os olhos pesados começando a fechar. O silêncio da casa fez com que o coração do velho acertasse ainda mais, a saudade martelando em seu peito. Aquele maldito silêncio o lembrava constantemente de que nunca mais iria escutar as doces e exageradamente altas risadas de Pablo e Alina, e as vezes até mesmo de Hanna.

No fim, a culpa daquele infindável silêncio era dele. Fora ele que, em seu antigo trabalho como assassino de aluguel, recebeu o mandato de matar dois grandes mercadores. E foi isso que fez, afundando o barco do casal no meio de uma tempestade, matando os pais de Pablo e salvando o garoto logo em seguida.

Anos depois, cometeu o mesmo erro. Já nos fins de seus dias como assassino, executou uma família toda, afogando-os ao lançá-los ao mar. Só não sabia que deixou uma das filhas escapar viva. Alina. Para sua felicidade, a garota nunca se lembrou de nada.

Ao cultivar uma estranha e singular família com aqueles dois jovens, Aparição despertou sentimentos que nunca havia sentido antes. Ele era responsável por tudo de ruim que aconteceu a aqueles dois e, ao mesmo tempo, era o mais próximo de uma figura paterna para eles.

Levando a garrafa até a boca, deixou a cerveja pela metade. Sua cabeça começou a doer, assim como seus músculos. A lembrança de quando todo aquele silêncio começou invadindo sua mente como um enorme castigo.

Era uma noite qualquer, há alguns anos atrás. O vento batia forte bagunçando os fios ruivos de Hanna, a maresia salpicando em sua pele e fazendo-a ter arrepios. Seus olhos tremiam de puro medo e, ao mesmo tempo, um doentio orgulho. Hanna havia guardado seus sentimentos por muito tempo e, depois de Aparição ter se recusado a executar alguém a mando da ruiva, ela própria fez o trabalho.

Seus pés descalços estavam molhados e cobertos de areia, a fogueira ardendo forte apenas alguns metros dela. Em suas mãos trêmulas, sangue escorria através da lâmina fria da faca que segundos atrás perfurou o corpo de Alina, manchando seu belo vestido branco de vermelho vivo. Tudo aconteceu no breve tempo em que Pablo voltou até a casa para buscar o jantar para ele e para sua amada. Aquela seria a noite em que ele a pediria em casamento. E aquela foi a noite em que Alina morreu em seus braços.

A ruiva fugiu logo em seguida, camuflada pelo breu noturno, lançando seu instrumento de morte ao mar. Todos seus anos e anos de amizade com o garoto não foram o suficiente para despertar nele o sentimento que ela nutria por ele. Se Hanna não o tivesse, ninguém mais teria. Apenas ela amaria Pablo, mesmo que ele não a amasse.

Aparição espirrou, catarro verde saindo de seu nariz e escorrendo pelo rosto junto às lágrimas. Se ele houvesse executado Hanna na noite em que ela pediu pela morte de Alina, nada daquilo teria acontecido.

Alina não estaria morta, Pablo não se afundaria num luto sem fim, matando todos que lhe fossem encomendados apenas para suprir sua fúria em busca do assassino de sua amada. O garoto não teria entrado na Academia de Tributos para ganhar mais habilidades e nem se tornaria uma das pessoas mais perigosas e odiadas no distrito. Hanna não mataria as onze crianças apenas para que pudesse acompanhar Pablo na arena, uma última chance de estar ao lado de sua paixão, com a desculpa de ser apenas por
seus sonhos. No fim, Pablo não passaria por todo o sofrimento que sofreu dentro dos Jogos Vorazes e nem teria tirado a própria vida, permitindo que um estuprador ganhasse a edição.

Tudo aquilo não passou de um enorme efeito borboleta causado pela péssima decisão tomada por Aparição. Tudo era culpa do velho, ao menos era isso que o próprio achava.

Ele se afundou em lágrimas, bebendo mais e mais, e ficou ali, deitado nos restos da mesa, com o coração dolorido e um amargo arrependimento tomando conta de todo seu imundo e inútil ser.

[Arena, Primeiro Dia da Septuagésima Quinta Edição dos Jogos Vorazes]

Luke abriu seus olhos à medida em que a claridade do sol substituiu a escuridão do tubo de metal que esteve alguns segundos atrás. O vento bateu forte, lançando respingos de água em sua pele envelhecida e enrugada. Ele tentou esticar a coluna, sentindo as costas doerem e estalarem. Fazia muito tempo que ele não entrava em ação.

Olhou em volta, observando todos os outros ao seu redor. As roupas idênticas pareciam feitas para uma trilha nas montanhas por várias e várias cachoeiras. Todos os vinte e quatro vitoriosos pareciam preocupados, ora olhando uns pros outros, ora mirando o enorme chifre dourado posto meticulosamente numa ilha no centro daquela água toda. Atrás deles, uma extensa área de areia era contornada pela densa floresta.

Luke suspirou, sentindo o sangue ferver e o coração bater a mil. Aquilo tudo estava acontecendo de novo, pela segunda vez, para todos os vencedores ali dentro. Eles estavam de volta à arena. Eles estavam no Terceiro Massacre Quaternário.

001 ㅡ Epílogo postadooooooooo

002 ㅡ Enfim descobrimos quem matou Alina! O que vocês acharam hein??

003 ㅡ E com esse último pov (juntamente com o último pov de The Second Quarter Quell) eu digo oficialmente: A TRILOGIA QUARTER QUELL ESTÁ RENOVADA PARA SUA TERCEIRA (e última) PARTE! Novidades em breve pessoal

004 ㅡ Deixa o feedback aí <3

Contagem de palavras ㅡ 1268 palavras.

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