➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗩 ㅡ 𝗗𝗲 𝗔𝗽𝗲𝗻𝗮𝘀
[Madrugada, Terceiro Dia]
Maverick olhou confuso pra garota, tentando absorver a informação que acabou de receber. Sua bunda doía devido ao impacto da queda e água escorria dos cabelos até o chão árido.
Meredith, a estourada dama do Doze, estava ali, em sua frente, de sutiã e calça, o cabelo bagunçado preso num coque mal feito, suja de terra e areia. Mere o olhava com raiva.
Os olhos da garota iam do recém chegado para o agulhão ao seu lado. No menor sinal de movimento, Maverick levou a mão ao bolso da calça em que estava sua faca e sacou a lâmina, apontando para Meredith quando esta agarrou o agulhão rapidamente.
ㅡ Nem mais um passo, ou eu te mato, tá entendendo? ㅡ Indagou Meredith se colocando de pé e apontando o agulhão pro peito do garoto.
ㅡ Calma lá, esquentadinha. Eu nem fiquei de pé ainda, quanto mais andei. ㅡ Maverick se defendeu virando devagar a ponta do agulhão com sua faca.
ㅡ Cala a boca! E nunca mais me chama de esquentadinha!
ㅡ Desculpa, esquentadinha!
Meredith bufou, batendo com o agulhão na faca do garoto e jogando as duas lâminas para longe. Maverick arregalou os olhos e se arrastou pra trás, numa tentativa fracassada de impedir que Mere pulasse em cima de si.
ㅡ Eu disse pra não me chamar mais assim! ㅡ Gritou Meredith tentando socar o garoto.
Desesperado, Maverick colocou seus braços na frente do rosto, impedindo que os murros acertassem sua carinha linda.
ㅡ Parou! Chega! ㅡ Maverick berrou agarrando os braços da garota. Meredith bufava e o fuzilava com o olhar. ㅡ Quer fazer o favor de sair de cima de mim?
ㅡ Não mandei você calar a boca?
Meredith não se importou em estar sendo presa e continuou a tentar esmurrar Maverick. Usando sua força, que não era muita, o garoto esticou os braços e empurrou Meredith pra trás, fazendo com que ela saísse de cima dele.
Agora ambos estavam sujos de terra, os cabelos bagunçados, suor escorrendo em suas testas. Meredith moveu seus olhos, parando no agulhão. Correndo antes que Mave pudesse impedir, a garota agarrou a lâmina.
ㅡ Chega! Parou, parou! ㅡ Maverick alcançou sua faca e apontou para ela. ㅡ Por que estamos brigando?
ㅡ Por que eu te odeio, e nosso trabalho aqui dentro é matar até sobrar só um! ㅡ Respondeu Meredith assoprando pra cima e tirando alguns fios soltos da frente dos olhos.
ㅡ Você tem um belo ponto, admito. ㅡ Maverick deixou a faca cair dos dedos e levantou as mãos pra cima. ㅡ Mas tenho uma opção melhor que a morte.
ㅡ Não.
ㅡ Não o que?
ㅡ Não quero me aliar a você para sairmos daqui trabalhando juntos. ㅡ Meredith baixou a guarda, voltando a se sentar escorada numa das paredes da caverna.
ㅡ Por que não? Dá pra ver claramente pelo seu estado deplorável que você passou o dia todo aqui, sozinha e sem comer nem beber nada. Se nos juntarmos, podemos dar um jeito de sair daqui, certo? ㅡ Maverick levantou o olhar pro buraco abaixo da água, ele estava a cerca de três metros do chão da caverna.
ㅡ Quem disse que eu tô aqui porque não consigo sair sozinho? ㅡ Meredith soltou o agulhão no chão e relaxou as costas. ㅡ Eu tô aqui porque é seguro e tenho comida sempre. Saio na hora que eu quiser!
A garota passou a mão pelo chão, pegando uma das pétalas de cerejeira que caiam pelo buraco. Assoprou a pétala e mandou goela a baixo. Maverick franziu a testa.
ㅡ Cê tá louca? Vai que é venenoso!
ㅡ Louco é você de não aproveitar a comida infinita que colocaram pra nós! ㅡ Mere comeu outra pétala. ㅡ Flores de cerejeira são comestíveis, vai dizer que não sabia?!
ㅡ Não.
Maverick abaixou a cabeça, se dando por vencido. Ele sentou na parede oposta a da garota, limpando o suor e a água que pingava do cabelo.
O silêncio se instaurou na caverna, apenas o som da água corrente acima e as respirações de ambos eram audíveis. Olhando em volta, Maverick notou que as paredes seguiam por um túnel escuro e se perdiam na imensidão das trevas.
Então, trazendo ele para a realidade de minutos atrás, seu estômago roncou, doendo pela falta de alimento. Vasculhando o chão com os olhos, xingou baixinho quando lembrou que havia deixado o esquilo na grama próximo a borda do riacho.
Tendo a atenção atraída por uma bela pétala macia cor de rosa que caia, flutuando levemente no ar, com algumas gotículas de água. Mave estendeu a mão, pegando a pétala e a colocando na boca logo em seguida. Sua língua entrou em contato com a maciez da textura, sentindo um gosto levemente adocicado. Não precisou mastigar muito até engolir. Com os olhos arregalados, começou a devorar todas as pétalas próximas de si, sempre atento às que caiam pelo buraco.
ㅡ Por que você me odeia tanto? ㅡ Indagou Maverick depois de mastigar algumas pétalas, interrompendo o silêncio. Meredith o olhou com pena, vendo a situação em que o garoto se encontrava.
ㅡ No governo em que vivemos, você tinha tudo para ter uma vida boa e perfeita. Dinheiro é o que mais importa nos distritos, se você tem automaticamente é alguém que terá do bom e do melhor. ㅡ Meredith baixou o olhar pro chão, desenhando na areia com o dedo. ㅡ E mesmo assim, decidiu que sair de casa e virar traficante com seus amiguinhos pé rapados era melhor do que dormir numa cama quente e poder fazer todas as refeições do dia. É por isso que eu te odeio, por que foi burro e trocou uma vida que noventa por cento do país gostaria de ter por uma dose de emoção e adrenalina diária.
Olhando diretamente para a garota, e agora com bastante atenção, Maverick pode perceber as rugas em sua testa e as olheiras embaixo dos olhos caídos e cansados. Sua pele magra, quase esquelética, indicava que Meredith não costumava se alimentar adequadamente.
ㅡ Não foi algo que fiz por livre e espontânea vontade. ㅡ Respondeu Maverick, observando o desenho abstrato da garota. Meredith levantou uma das sobrancelhas, olhando pro menino. ㅡ Foi uma escolha feita depois de muitos traumas.
ㅡ Ah, claro. ㅡ Meredith bateu o dedo na roupa e pendeu a mão no joelho levantado. ㅡ E o que levaria um filho de prefeito a ter tantos traumas e sair de casa?
Sentindo a terra entrar no meio dos dedos, Maverick cerrou o punho e mordeu o lábio inferior, pensando se seria uma boa ideia contar o verdadeiro motivo que o levou a fugir de casa para Meredith em rede nacional. Sabia que quando saísse, vivo ou morto, o pai nunca mais olharia para ele. Era ainda capaz de mandar atear fogo em seu corpo.
ㅡ Meu pai matou minha mãe. Ele frequentemente descontava sua raiva e seus problemas em nós, nos agredindo física e verbalmente. ㅡ Maverick olhou pra garota, que prestava atenção em suas palavras com os olhos arregalados. ㅡ Em uma das discussões que eles tiveram, ele empurrou ela da escada.
Meredith abriu a boca levemente, parecendo surpresa e desconfiada. Sentindo lágrimas chegando, Mave piscou várias vezes.
ㅡ Eu cheguei a tempo de ver o corpo da minha mãe rolando pelos degraus até cair na minha frente, os olhos ainda estavam abertos. Depois disso eu fugi de casa e comecei a viver com dois amigos, traficando morfina e outras drogas pra conseguir dinheiro, roubando dos ricos quando precisava.
ㅡ Sinto muito. ㅡ Murmurou Meredith coçando o cabelo, ela ainda parecia desconfiada da história de Maverick. ㅡ O que me surpreende é que seu pai ainda está no governo mesmo tendo assassinado a própria esposa.
ㅡ Ah não, ninguém sabia da versão real da história… Até agora. ㅡ Maverick fungou, impedindo que as lágrimas escorressem. ㅡ Mas e você? Por que te escolheram?
ㅡ Minha mãe era uma puta, literalmente. Eu e meu irmão mais velhos nos cansamos de viver naquela droga de cabaré e metemos o pé. Daí ele morreu e, bom, eu precisava de algum sustento pra sobreviver. ㅡ Meredith dizia tudo aquilo com tranquilidade, sem nem mesmo se enrolar e travar. ㅡ Comecei a roubar, principalmente comida, e arrumar brigas com qualquer um que tentasse me impedir. É basicamente isso.
ㅡ Entendi. ㅡ Os dois se encararam por alguns segundos, nenhum se dando por vencido e baixando o olhar, parecendo ver o fundo da alma um do outro. ㅡ Então, que tal nos juntarmos agora para sairmos daqui?
ㅡ Não. ㅡ Respondeu Meredith com firmeza. ㅡ Ainda te odeio, playboyzinho.
ㅡ Mas…
ㅡ Nada de mas. Fica bem aí no seu lado da floresta que eu fico no meu. Caso contrário te furo com o agulhão!
[Manhã, Terceiro Dia]
A brisa leve batia em seu corpo descoberto causando arrepios em sua pele à medida que o farfalhar das flores nas árvores se tornava mais próximo. Abrindo os olhos devagar, Pablo olhou em volta, buscando reconhecer o local onde estava.
Sentando, escorando as costas num tronco, o garoto percebeu que suas costas não doíam tanto quanto no dia anterior, mas sua garganta ainda estava seca e o estômago roncava alto. No lugar da calça amarrada em seu tronco, uma tira de esparadrapo estancou o sangue e protegia seu ferimento.
Ao seu lado, uma garota olhava para o céu claro, totalmente inerte em seus próprios pensamentos, segurando uma garrafa com um líquido claro dentro. Seus cabelos lisos brilhavam com a luz solar, alguns fios emaranhados e cheios de pétalas. A frente dos dois, uma fogueira extinta emitia calor e sua fumaça rala.
ㅡ Ah, que bom que acordou! ㅡ Disse a garota sorrindo para Pablo, os olhos levemente inchados como se tivesse chorado a pouco. ㅡ Quer um pouco de chá?
ㅡ Quem é você? ㅡ Indagou Pablo lembrando da realidade em que se encontrava. Ele arregalou os olhos e rastejou para trás, sujando sua cueca de terra. ㅡ Onde é que eu tô?
ㅡ Tenta ficar calmo! ㅡ A garota fungou e tentou sorrir para ele, parecendo desestabilizada. ㅡ Se fôssemos te fazer algum mal, não teríamos trocado seu curativo e passado pomada no seu machucado!
Pablo arqueou as sobrancelhas, franzindo a testa. Ele apalpou as costas tentando sentir a textura cremosa de uma pomada, mas só encontrou o tecido do esparadrapo. Suspirando e relaxando um pouco, ele encarou a garota, completamente confuso.
ㅡ Seu mentor enviou um pote de pomada, cortesia dos seus patrocinadores. ㅡ Explicou a garota. ㅡ Aliás, me chamo Saher. Você é o Pablo do Quarto, certo?!
ㅡ Como sabe meu nome? Como vim parar aqui? ㅡ A cada nova informação Pablo ficava mais confuso. Não se lembrava muita coisa do dia anterior além de perambular a esmo pela floresta por horas.
ㅡ Eu gravei os nomes e rostos de todos os tributos. ㅡ Explicou Saher. ㅡ Sobre sua chegada, não sei de muita coisa. Luke disse que te viu chegar como se estivesse seguindo alguém, mas desmaiou de repente.
Como se num estalar de dedos, as palavras de Saher pareceram despertar as lembranças de Pablo. Ele conseguiu recordar de toda sua dura caminhada até encontrar a fogueira com o garoto loiro. Conseguiu se lembrar dos pesadelos e do beijo com Alina.
ㅡ Alina. ㅡ Murmurou baixinho, olhando em volta para ter certeza que sua amada não estava por perto.
Saher estreitou os olhos e o observou com curiosidade, parecendo ter escutado o que ele falou.
ㅡ Quem?
ㅡ Não foi nada. ㅡ Disse Pablo se aproximando. Por algum motivo ele sentia confiança em Saher.
ㅡ Essa tal de Alina deve ter sido muito importante para você. ㅡ Respondeu Saher. ㅡ Quando pessoas que já se foram vêm nos ver, é porque as amamos muito em vida.
Com os arregalados, Pablo suspirou. As engrenagens de sua cabeça funcionavam a mil enquanto tentava entender a encantadora garota a sua frente.
ㅡ Eu nunca disse que Alina está morta. ㅡ Respondeu Pablo.
ㅡ Não, mas deu a entender com seu olhar caído. ㅡ Saher mirou o garoto por alguns segundos. ㅡ Eu sinto muito por ela. Espero que esteja num lugar melhor.
ㅡ Eu também.
O silêncio se perpetuou entre os dois. Saher, observando o horizonte, fungava regularmente, parecendo estar com gripe ou numa crise de choro. Já Pablo não conseguia parar de pensar no quão assertiva e sábia era a menina.
ㅡ Como sabia? ㅡ Indagou Pablo atraindo a atenção de Saher. ㅡ Como sabia que Alina estava morta?
ㅡ Minha vó me contou uma vez. ㅡ Começou Saher. ㅡ Que quando estamos a beira da morte, com medo ou na solidão, pessoas que amamos muito mas que já se foram vêem nos ver. Se estamos com medo, vem nos dar coragem, na solidão, trazem conforto e esperança. Se estamos à beira da morte, trazem a paz para que possamos descansar.
Ela falava tudo com clareza, a voz firme e calma, dando tranquilidade e entender a Pablo, que escuta com atenção, sem perder uma palavra.
ㅡ Mas a uma outra alternativa também. Quando se está com um misto desses três, eles vêm nos guiar para um lugar seguro, onde poderemos descansar e repousar até que estejamos aptos para concluir nosso objetivo nesta terra. ㅡ Explicou Saher. ㅡ Se Alina te impediu de morrer sozinho no meio da floresta e te trouxe aqui, é porque sua missão ainda não acabou, Pablo.
ㅡ Missão? Minha missão já está acabada faz uns dias. ㅡ Falou Pablo. ㅡ Meu objetivo era matar o maldito que tirou a vida de Alina, mas, desde que fui escolhido, essa missão acabou!
ㅡ Não! ㅡ Retrucou Saher olhando no fundo da alma do garoto. ㅡ Essa vingança muito provavelmente não era sua missão! Tem algo aqui, neste mundo, que ainda te aguarda. Algo que só você pode fazer e concluir, Pablo. Essa é sua missão!
ㅡ Esse negócio de missão não é pra mim, Saher. Nem sei se deveria estar vivo. Teria sido muito melhor ter morrido junto com Alana naquele dia, ou então quando Juniper me apunhalou. A vida já não tem mais cor.
ㅡ Não diga isso. Todos temos um objetivo a cumprir. Você verá que existe algo pelo que continuar vivendo. Só devemos descansar quando chegar a hora, Pablo.
O garoto murmurou, parecendo entender mesmo contrariado. Ficando de pé, esticou os membros e se alongou, estalando vários ossos. Saher evitava olhar para ele, já que estava apenas de cueca.
Então, aparecendo por dentro das árvores, Luke chegou caminhando. O arpão de Pablo numa mão e dois esquilos na outra, suando pela testa, o cabelo loiro empapado. Ele estava sem camisa devido ao calor e sua pele pálida brilhava com o sol.
ㅡ Você acordou! ㅡ Exclamou Luke se aproximando da dupla e entregando os esquilos para Saher.
ㅡ Valeu por não me matar, eu acho. ㅡ Disse Pablo.
ㅡ Agradeça a Saher, eu fiz o que ela gostaria de ter feito! ㅡ Respondeu Luke. ㅡ Você pode limpar o esquilos enquanto eu cato umas flores, Saher?
ㅡ Claro! Vamos ter um ótimo café da manhã!
A garota ficou de pé, passando a mão no rosto e pegando a faca da mão de Luke. O loiro saiu para alguns metros longes, pegando as flores das árvores de cerejeira.
[Manhã, Terceiro Dia]
Juniper caminhava tranquilamente, em passos absolutamente quietos, o vento balançando seu rabo de cavalo ruivo sob o calor daquela manhã ensolarada, a alabarda presa às costas. Ao lado dela, Magdalene cantarolava baixinho, girando uma faca na mão.
Depois de alguns olhares de desconfiança vindos de Hanna, as duas garotas conseguiram sair para caçar sem grandes problemas.
ㅡ Como pode? ㅡ Indagou June baixinho, atraindo o olhar da loira. ㅡ Como teve coragem de deixar seu irmão sozinho com ela?
ㅡ Você voltou viva ontem, presumi que aconteceria o mesmo com ele. ㅡ Respondeu Magdalene sorrindo e piscando pra ruiva. ㅡ Eu fiz ele me prometer que iria voltar vivo, aconteça o que acontecer. Lothaire nunca quebra suas promessas, nunca!
ㅡ Entendi. Vocês têm uma conexão incrível.
ㅡ Passamos por muita coisa juntos, seria estranho se não tivéssemos. ㅡ Magdalene observou o olhar perdido de Juniper. ㅡ Tá sentindo falta do seu irmão, né?!
A ruiva mirou a outra, concordando com a cabeça suspirando.
ㅡ Ele é o raio de sol da minha vida, basicamente. Tudo que fiz até hoje foi para mantê-lo vivo. ㅡ Juniper coçou a cabeça. ㅡ Eu faria qualquer coisa para voltar a vê-lo.
ㅡ Te entendo.
Elas voltaram a caminhar em silêncio, ambas perdidas em seus próprios pensamentos, sempre observando ao redor em busca dos outros tributos.
A floresta estava em sua rotineira serenidade, a brisa leve refrescando seus habitantes e fazendo as flores farfalhar e cair no chão. O céu claro forrado de nuvens brancas parecia desconhecer o que era a chuva.
ㅡ Foi por isso que não ficou com Noah? ㅡ Indagou Magdalene de repente. ㅡ Ele te lembra seu irmão.
ㅡ Também. Não queria correr o risco de me apegar e ter que vê-lo morrer depois. Apesar de parecer, ele não é o James, isso significa que sua vida seria um obstáculo entre eu e meu irmão. ㅡ Explicou Juniper.
ㅡ Então preferiu se aliar a nós e viu como somos legais e incríveis, certo?! ㅡ Lene sorria travessa, como se fosse uma criança contando uma piada.
ㅡ Que nada! Só aceitei entrar na aliança pra ficar com os suprimentos da Cornucópia. Tô fazendo meu joguinho de agente duplo, esperando a oportunidade de matar vocês. ㅡ Respondeu June rindo.
Magdalene olhou a ruiva confusa, dando risada logo em seguida. Apesar de estarem atrás de suas presas, elas não ligavam nem um pouco de causarem barulho e chamarem atenção.
ㅡ Sabe, acho que teríamos sido ótimas amigas lá fora, temos bastante papo em comum. ㅡ Disse Magdalene.
ㅡ É, talvez. Infelizmente estamos presas dentro desse inferno, onde só uma vai sair viva. ㅡ June parou de falar, pensando um pouco, enquanto Magdalene andava de costas e a olhava. ㅡ Por que os Carreiristas apoiam isso? Essa chacina toda e etc.
ㅡ É tudo manipulação da Capital, uma falsa ilusão de glória e poder. Pegue Hanna como exemplo. ㅡ Respondeu Magdalene. ㅡ Mas nem todos são assim. Eu e Lothaire odiamos essa bagaça toda aqui.
ㅡ Sério? ㅡ Indagou a ruiva arqueando as sobrancelhas. ㅡ Então por que jogam o jogo deles?
ㅡ O que é um peido pra quem já tá cagado? Já que estamos aqui dentro e a única opção para sair é matar até sobrar um, prefiro eliminar quem puder e garantir minha vida. ㅡ Explicou a loira olhando pro lado e estreitando os olhos.
ㅡ Faz sentido. ㅡ June voltou sua atenção para o mesmo ponto da floresta onde Magdalene olhava.
Ao longe, alguém parecia se aproximar correndo pelas árvores, segurando algo acima da cabeça, gritando a plenos pulmões.
Não demorou muito para que a dupla pudesse distinguir o que era. Uma garota com seu uniforme intacto corria na direção delas, a pele branca escorrendo suor, o cabelo curto voando com o vento. Suas mãos estavam esticadas pra cima, segurando o cabo de um martelo de guerra.
ㅡ Vadias, eu vou matá-las! ㅡ Berrou a garota chegando perto o suficiente para atacar. ㅡ Cansei de ficar me escondendo.
Magdalene recuou alguns passos para trás enquanto Juniper levantou a alabarda e bloqueou o ataque da menina. Atrás dela, um rapaz de uns dezesseis anos, o corpo coberto por tatuagens até a cabeça, um olho caramelo e o outro esbranquiçado pela cegueira, se aproximou.
ㅡ Você tá louca, Kayla? ㅡ Indagou o garoto. ㅡ Não podemos sair por aí atacando os Carreiras!
ㅡ Cale a boca, Franky. ㅡ Retrucou Kayla limpando o suor por baixo da franja que se estendiam até seus olhos puxados. ㅡ Essas peruas tem tudo o que quiserem a hora em que quiserem enquanto nós ficamos perambulando por aí, sem nem saber quando conseguiremos comer novamente! Eu vou matar as duas!
Juniper recuou alguns passos, ficando ao lado de Magdalene, a ponta de lança da alabarda na direção de Kayla. Lene girava suas facas nas mãos.
ㅡ Eu pego o garoto, tudo bem? ㅡ Perguntou Lene sorrindo.
ㅡ Faça como quiser. ㅡ Respondeu Juniper levantando a alabarda e bloqueando outra martelada.
Franky arregalou os olhos no momento em que viu Magdalene vindo pra cima de si, saindo correndo enquanto as facas zuniam raspando por ele.
Kayla atacava com fúria, mal dando tempo de reação para Juniper. A ponta de lança da alabarda estava sendo inútil no momento, já que todo o impacto do martelo era recebido no cabo ou na lâmina de machado.
June se esquivava para trás, tomando cuidado para não bater as costas em nenhuma árvore, suor escorrendo por todo o corpo e dificultando a estabilidade do cabo em suas mãos. Sua oponente ofegava cansada mas não dava sinais de trégua, martelando o ar, a terra e tudo que estivesse em seu caminho.
ㅡ É agora que eu te mato! ㅡ Disse Kayla afundando o martelo no pé direito de Juniper.
A ruiva gritou sentindo a dor percorrer todo seu corpo. Sentia como se os ossos tivessem quebrado em vários pedaços.
Agindo por reflexo, Juniper acertou a lâmina da alabarda na panturrilha de Kayla, fazendo sua oponente urrar e cair no chão, soltando o martelo.
Tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta. Cada vez mais a dor se intensificou, assim como os gritos desesperados de Kayla, que rolava pelo chão com a perna jorrando sangue.
Ao tentar ficar de pé, usando a alabarda como bengala, June avistou alguém se aproximando correndo diretamente para sua direção, em pleno desespero. Sem pensar muito, e reunindo toda a força que tinha, ela ergueu a alabarda e afundou na cabeça de Franky no instante em que esse chegou perto.
Canhão.
O barulho do crânio se partindo causou enjôo em Juniper. O sangue do garoto espirrou por todo lado, manchado de vermelho.
ㅡ Ei, esse era o meu. ㅡ Disse Lene se aproximando e observando a bagunça.
ㅡ Desculpa, ele me atacou. ㅡ Murmurou Juniper trêmula, limpando o sangue do rosto.
A visão do garoto morto pareceu despertar algo em Juniper, como se o relógio emitisse o alarme de que está na hora de acordar.
Essa era a chance perfeita para colocar seu plano em andamento.
Magdalene caminhou calmamente na direção de Kayla. A garota, ainda urrando de dor, tentava se arrastar para longe da loira, deixando um rastro de sangue na grama verde.
Arremessando sua faca, Lene só não acertou em cheio o peito de Kayla pois a garota tentou desviar. Vermelho escorreu do lugar onde a faca se cravou e ela tossiu sangue, caindo de costas no chão e parando de se mexer.
Juniper cambaleou até Franky e tirou a alabarda da cabeça do garoto, girando-a com dificuldade na direção da loira.
ㅡ Pronto, terminamos por aqui. ㅡ Disse Magdalene se voltando para a aliada.
Agindo rápido, Juniper avançou, mirando a ponta de lança da alabarda na barriga de Magdalene. Sem tempo de reação, a loira tentou segurar a arma, tendo as duas mãos perfuradas no meio.
ㅡ Que porra é essa? ㅡ Murmurou Magdalene no instante em que Juniper puxou a alabarda para fora de seu corpo, sangue escorrendo do abdômen e de ambas as mãos.
ㅡ Eu disse que estava apenas esperando a hora certa pra matar vocês. ㅡ Respondeu Juniper friamente, cerrando o punho.
Com as pernas bambas e mãos trêmulas, Magdelene tentou um ataque. Ela tropeçou nos próprios pés e caiu de joelhos, cuspindo sangue. O olhar desesperado e confuso entregava a raiva e a decepção que sentia, as pupilas quase saltando para fora.
ㅡ Sinto muito por Lothaire. ㅡ Disse Juniper caindo no chão e soltando a alabarda. Seu pé doía e não conseguia mais se manter em pé.
Magdalene não conseguia falar, correndo o risco de se engasgar com o próprio sangue. Por fim seus olhos se fecharam e ela caiu por cima do corpo de Kayla, batendo a cabeça no chão, as mãos perfuradas tampando parcialmente o ferimento na barriga.
Canhão.
Fungando, a ruiva olhava com frieza para o corpo de Magdalene. Era apenas mais um obstáculo entre ela e James, mais uma peça de seu jogo que teve seu fim.
Desde o início esteve jogando sozinha, efetuando seus próprios planos ao deixar Pablo escapar vivo e ganhando a confiança de Magdalene. Agora, muito provavelmente, o pescador estava armando sua vingança contra os Carreiristas, com ajuda, e a fúria de Lothaire seria despertada.
Todos peças do enorme tabuleiro de xadrez, onde June era a peça mais forte.
Ainda sim parecia errado. Matar Magdalene parecia errado.
Piscando, June tentou levantar. Gritando, e com muito esforço, conseguiu estabilizar o pé no chão, jogando a maior parte do corpo no esquerdo.
Pegou a alabarda do chão e a cravou de volta na cabeça de Franky. Cambaleou até o martelo de guerra de Kayla e o adotou como sua nova arma.
Rastejando e mancando, usando o martelo como bengala e as árvores como apoio, Juniper se afastou dos corpos, urrando a cada passo, sentido não só seus ossos fragmentados, mas também sua alma.
[Tarde, Terceiro Dia]
Meredith já não aguentava mais aquilo. Apesar de terem bastante espaço na caverna, frequentemente sentia como se o oxigênio estivesse acabando. Tudo à sua volta era o completo breu e só conseguia enxergar parcialmente Maverick por conta da fraca luz solar que entrava através da água do buraco.
Por mais que acreditasse que se estivesse sozinha naquele breu teria enlouquecido, jamais iria admitir que a companhia de Maverick era algo bom. Depois de passar praticamente metade do dia o escutando fazer perguntas e mais perguntas, e tentando puxar assunto, ela já estava prestes a explodir.
Maverick tinha acabado de abrir a boca para falar, mas sua voz mal teve tempo de sair quando fora interrompido.
ㅡ Cala a boca, eu não aguento mais escutar sua voz! ㅡ Berrou Meredith jogando o cabelo pra trás. Maverick arregalou os olhos, sorrindo travesso.
ㅡ Qualé, pra que toda essa implicância comigo? ㅡ Indagou Maverick se aproximando engatinhando. O garoto parou em frente dela e sentou com um dos joelhos para cima. ㅡ Sabe, as vezes acho que essa raiva toda é interesse nesse rostinho lindo.
ㅡ Você tem sorte da sua voz não permitir que eu enlouquecia sozinha aqui dentro! ㅡ Retrucou Mere totalmente indignada enquanto Maverick mordia o lábio inferior. ㅡ Se não já teria te cacetado no soco.
ㅡ Meredith Maguire, a pálida e estourada dama do Doze, acabou de admitir que aprecia minha voz? ㅡ Mave piscou para ela.
ㅡ Não foi isso que eu disse, idiota!
ㅡ Mas foi o que pensou! Vai dizer que não quer beijar esse garotão perfeito aqui?
ㅡ Não sou qualquer uma de suas piriguete do Seis. ㅡ Respondeu Meredith sorrindo e empurrando o garoto para trás.
Maverick contorceu o rosto numa expressão de surpresa e confusão, deitando de costas no chão e caindo na risada.
ㅡ É sério que acha que eu sou um galinha qualquer? ㅡ Indagou o garoto tentando respirar um pouco, a pele clara ficando vermelha de tantas risadas.
ㅡ E não é? Você é rico, filho do prefeito, o que tecnicamente deveria significar de boa família, tem o ego nas alturas, é comunicativo e bonito. Deveria sair pegando umas três por dia!
Interrompendo as risadas, Mave arregalou os olhos e sorriu com malicioso. Meredith suspirou arrependida de suas palavras e já prevendo o que o garoto iria dizer.
ㅡ Você acabou de falar que eu sou bonito, senhorita Meredith? ㅡ Perguntou Mave num falso tom de seriedade.
ㅡ Eu dei motivos pelos quais você deveria ser um galinha! ㅡ Retrucou voltando ao assunto anterior.
ㅡ Mas não sou, tá bom?! ㅡ O garoto se deu por vencido, lançando seu charme uma última vez ao piscar e jogar o cabelo bagunçado para trás, sentando ao lado dela. ㅡ Eu não sou bom e falar com as garotas, acabo me atrapalhando.
Meredith ergueu uma das sobrancelhas e mandou um olhar de desconfiança e deboche ao garoto. Ele sorriu sem graça e estalou os dedos.
ㅡ É, talvez eu não tenha um papo muito bom, digamos assim. ㅡ Maverick disse. ㅡ Acho que foram umas três desde que entrei na adolescência.
ㅡ Sério?! Ainda acho que eram bem mais, playboy.
ㅡ Tá afim de aumentar a conta, então? ㅡ Maverick sorriu galanteador.
O garoto mirava diretamente os encantadores olhos azuis de Meredith, descendo o olhar até seus lábios pequenos. Ele se aproximou lentamente, fechando os olhos e sentindo sua respiração.
Então, como se estivessem num filme clichê, tudo simplesmente aconteceu.
Meredith agiu rápido e, com a palma da mão totalmente aberta, esbofeteou a bochecha macia do garoto. Maverick exclamou de dor, recuando o rosto para trás, confuso.
ㅡ Que merda foi essa, Meredith? ㅡ Perguntou.
ㅡ Tá se achando muito se pensa que eu tô desesperada ao ponto de querer te beijar, playboy. ㅡ Respondeu ela sorrindo triunfante perante a cara de tristeza e decepção do menino. ㅡ Você é bonitinho mas não faz meu tipo não. E estamos dentro da arena, a maior idiotice a se fazer aqui dentro é se apaixonar!
ㅡ Acho que outro tapa teria sido menos dolorido. ㅡ Maverick passou a mão no rosto, reclamando de dor ao tocar a região em que recebeu o impacto.
Rindo, Meredith se aproximou, passando levemente a mão na bochecha que acabara de esbofetear, analisando a força do golpe.
ㅡ Sinto muito, playboy, mas seu rostinho vai ficar com a marca da minha mão por um tempo. ㅡ Ela se levantou, rindo, e alongou o corpo. ㅡ Na verdade, não sinto não.
ㅡ Poxa, e eu achando que meu pai ia ficar feliz por finalmente ter a chance de conhecer uma nora. ㅡ Respondeu Mave deitando de costas e olhando para Meredith.
ㅡ Nem no meu pior pesadelo eu desejaria ser nora do seu pai, moleque!
Eles sorriram um para o outro, num flerte que poderia ser tanto real quanto uma merda brincadeira.
A atmosfera da caverna parecia mais leve, como se o sol de repente pudesse iluminar melhor cada contorno da parede, e mais e mais pétalas choviam sobre eles.
Mas o túnel escuro ainda permanecia um mistério, silêncio e sereno. A dupla tinha concordado mais cedo que não iriam atravessá-lo por enquanto, só quando estivessem no limite de suas sanidades.
Então, atraindo a atenção dos dois jovens, um barulho ecoou pela caverna. Tão rápido quanto apareceu, o barulho sumiu.
ㅡ Você ouviu um tic? ㅡ Perguntou Meredith baixinho, com a mão em seu agulhão.
ㅡ Com certeza eu ouvi um tic! ㅡ Mave murmurou, sentando e apertando o cabo da faca.
De repente a caverna começou a tremer. Como se fosse um terremoto, pedaços de pedras e terra caiam do teto, assim como parte da água do buraco. Aos poucos a abertura no teto foi se alongando, ficando semelhante a uma rampa para fora da caverna, a luz solar entrando sem ser convidada!
ㅡ A saída, Maverick! ㅡ Berrou Meredith correndo até a rampa, com Mave em seu encalço.
A água escorria sem parar, lavando tudo em seu caminho. Os dois se abaixaram e beberam o máximo que podiam, às vezes fazendo conchinha com a mão, às vezes indo diretamente com a boca.
A brisa entrava através da enorme abertura da rampa, aliviando o costumeiro calor da caverna. Mais pétalas caiam para dentro, algumas levadas pela água, quase flores inteiras.
Mais uma vez, um barulho ecoou, dessa vez vindo da direção do túnel que ainda permanecia escuro. Maverick voltou sua atenção para lá, e, seguindo seus instintos, se aproximou da garota.
ㅡ Meredith, abaixa! ㅡ Disse no instante em que percebeu que algo se aproximava correndo.
Os dois se jogaram no chão segundos antes de um cachorro do mato passar correndo sobre eles, latindo alto e espumando pela boca. O bestante correu floresta adentro e se perdeu de vista.
ㅡ Que merda, é daqui que saem os bestantes! ㅡ Exclamou Meredith se levantando. ㅡ Vamos embora daqui, playboy!
Concordando com a cabeça, Maverick levantou com um pulo. Os dois começaram a correr contra a água que descia na direção contrária à medida que novos latidos se aproximavam.
Mais dois bestantes saíram do túnel, correndo até os jovens e os atacando. O primeiro saltou para cima de Maverick, pousando em suas costas e fazendo o garoto perder o equilíbrio e descer escorregando pela rampa de terra.
O segundo abocanhou uma das pernas de Meredith. A garota caiu no chão espirrando água para todo lado e chutando o bestante.
ㅡ Sai de cima de mim, praga! ㅡ Berrou Meredith deitando de costas e bloqueando uma mordida no rosto com o agulhão.
Ela jogou seu bastante para trás, tentando ficar de pé e derrapando na água infinita que não parava de escorrer.
Maverick, de volta ao chão da caverna, lutava para não receber nenhuma mordida. Ele brandia a faca, cortando o ar diversas vezes ao invés de acertar o animal. Suas costas doíam devido ao impacto.
Saltando sobre Meredith, o bestante atacou com suas patas dianteiras, as garras afiadas prontas para cortar e arranhar seu alvo. A garota tentou desviar, recebendo um arranhão no braço esquerdo e chutando a fera.
Ao ver seu oponente distraído por alguns segundos , graças a água que também dificultava sua estabilidade, Meredith avançou depressa, quase escorregando, e enfiou o agulhão na cabeça do animal. Ela se sentou aliviada, bebendo um pouco de água do chão e olhando a luta de Maverick.
O garoto parecia não saber o que fazer, ele desviava dos ataques mas não conseguia acertar um, nem mesmo ao chutar e socar. Seu bestante parecia um cachorrinho feliz, brincando ao encontrar com o dono depois de um longo tempo.
Ao tropeçar nos próprios pés, Maverick novamente caiu no chão, sentindo as costas baterem na terra árida e cheia de pedrinhas.
Latindo alto, o animal saltou sobre o garoto, arranhando seu abdômen.
Desesperado, sangrando por todo lado e sentindo muita dor, Maverick aproveitou que o bicho estava em cima de si e enfiou a faca nele várias e várias vezes, até que o animal caiu morto no chão.
Sua regata estava em pedaços, assim como o abdômen, repleta de cortes e com sangue escorrendo por todos eles. Maverick respirava devagar, sentindo dor a cada vez que a barriga levantava ao respirar.
Mais uma vez, um novo barulho soou. Esse não era parecido com o dos bestantes, mas com o primeiro que ocorreu antes da rampa se abrir.
ㅡ Que merda de tic é esse? ㅡ Meredith gritou ficando de pé e tentando subir a rampa no instante em que esta começou a se fechar.
Na falha tentativa de correr, os pés da garota derraparam cada vez mais enquanto o chão ficava íngreme, até que finalmente ela escorregou e caiu ao lado de Maverick.
Encarando com ódio o sereno corredor por onde tinham vindo os bestantes, Meredith levantou um dos braços e apontou o dedo do meio para o breu.
ㅡ Eu vou matar cada um de vocês, idealizadores de merda!
[Tarde, Terceiro Dia]
ㅡ Não! ㅡ Exclamou Saher negando com a cabeça, os cabelos presos num rabo de cavalo balançando enquanto a franja caia sobre a testa.
ㅡ Pensa conosco, Saher. Vai dar certo! ㅡ Disse Luke segurando as duas mãos da garota e a olhando nos olhos. ㅡ É só seguirmos o plano e vai ficar tudo bem!
ㅡ Gente, não! ㅡ Saher recusou.
ㅡ Nós vamos atacá-los no meio da noite, provavelmente Juniper ficou com meus turnos de vigia, hoje é ela e Lothaire de tocaia, dependendo do horário. ㅡ Explicou Pablo. ㅡ Vamos em silêncio e matamos quem estiver de vigia e matamos os outros enquanto estiverem dormindo. Mesmo que alguém acorde, ainda teremos o elemento surpresa!
ㅡ Não, essa ideia não vai dar certo! ㅡ Saher soltou das mãos de Luke, fungando. ㅡ Você tá ferido, Pablo!
ㅡ Não dói mais graças a pomada dos patrocinadores! ㅡ Pablo virou de costas para ela e apontou pro local do ferimento. ㅡ Você mesma disse que já está cicatrizado.
ㅡ Nós temos armas de sobra, e sabemos como usá-las. ㅡ Argumentou Luke apontando pras foices, arpão, facões e arco e flechas jogados atrás deles próximo a fogueira apagada. ㅡ E vai estar escuro, dificultando a visão deles.
ㅡ A deles e a nossa! Vão acabar acordando todos e vamos nos dar mal.
Pablo suspirou coçando a testa e sentando no chão ao lado de Saher enquanto Luke andava em círculos, jogando o cabelo loiro pra trás e pensando.
ㅡ Saher você não precisa entrar em combate se não quiser! ㅡ Falou Luke agachando na frente da garota. ㅡ Sei que não quer isso, que a ideia de tirar mais uma vida a assusta. Pegue o arco e as flechas e fique mais longe, fora do combate. Sua mira é boa, descobrimos isso no treinamento!
Saher olhou no fundo dos olhos caramelos de Luke, a brisa balançando levemente os cabelos de ambos.
ㅡ Gente, é muito perigoso, vocês vão estar correndo muitos riscos…
ㅡ Esse é o meu propósito, Saher! ㅡ Exclamou Pablo batendo o punho na palma da mão. ㅡ Você disse que todos temos um, eu achava que o meu era vingar Alina. Mas não, o que eu preciso fazer e matar a Hanna e acabar com a dor e sofrimento que ela causou e ainda pode causar. Eu preciso fazer isso, Saher.
O garoto falou tudo com absoluta certeza e seriedade, sem travar. Os dois meninos se entreolharam enquanto Saher coçava os olhos com a cabeça abaixada.
ㅡ Eles são quatro, e três estarão dormindo. ㅡ Começou Luke. ㅡ Dois canhões soaram hoje, pode muito bem ser um ou dois deles. Vamos ter o elemento surpresa, e com você nos auxiliando a longo alcance seremos mais eficazes.
ㅡ Nós vamos conseguir, Saher. Pense em todos os outros que ainda estão vivos e podem sofrer nas mãos dos Carreiristas. ㅡ Argumentou Pablo. ㅡ Vai ser rápido e indolor, sem barulho.
Ela parecia prestes a chorar, correndo os olhos de Luke para Pablo e de Pablo para Luke. Os dois pareciam certos do que fariam e não pareciam mudar de ideia. Tudo dependia da decisão de Saher.
ㅡ Olha, você aceitando ou não, eu vou ir hoje. Sabe-se lá o que vai acontecer comigo amanhã, vou aproveitar hoje enquanto estou bem e com forças. ㅡ Disse Pablo.
ㅡ Eu vou com ele, Saher. ㅡ Luke tirou alguns fios soltos que caiam sobre os olhos dela. ㅡ Vamos assim que cair a noite e voltaremos antes do primeiro raio de sol.
Saher suspirou, deixando com que uma lágrima escorresse por seu rosto, os olhos esmeralda brilhando.
ㅡ Tudo bem, eu vou com vocês! ㅡ Disse a garota.
[Tarde, Terceiro Dia]
Juniper cambaleava aos trancos e barrancos pela floresta, se escorando e segurando nas árvores para não cair, o martelo de guerra roubado preso as costas no lugar da alabarda.
O sol começava a descer e ela não fazia ideia de onde estava. Depois de matar Magdalene e caminhar um pouco, se escorou numa árvore e foi vencida pela dor e cansaço, caindo no sono. Ao acordar, perdera totalmente o rumo da Cornucópia, se perdendo na floresta.
A cada novo passo, uma pontada de dor corria do pé direito por toda sua perna, chegando até o quadril. Ela gemia constantemente, respirando pesado e agarrando os troncos para não cair. Sabia que se cedesse, não iria levantar mais. Lágrimas escorriam por seu rosto.
A visão de um dos olhos estava turva, não sabia se era pelo cansaço ou por conta da dor no pé. Se arrenpeu de não ter pegado nenhum suprimento dos tributos mortos, já enjoada de tanto comer flores de cerejeira, a garganta seca.
Ela desejava descansar. Ansiava por alguns analgésicos e um banho de água quente. Ou então, simplesmente se jogar no chão e ficar por ali, caída, esperando que a dor parasse sozinha. Mas não podia, ela tinha que conseguir chegar na Cornucópia. Lá poderia ter alguns remédios ou pomadas, lá poderia dar continuidade a seu plano. Lá ela estaria um passo mais perto de voltar para James.
Felizmente o pé esmagado trazia uma vantagem para ela. Teria mais chances de convencer Lothaire e Hanna de que ela não havia assassinado Magdalene. Ninguém em sã consciência esmagaria o próprio pé apenas para seguir um plano.
O plano era simples. Ao chegar na Cornucópia acusaria Pablo de ter enviado a dupla do Onze atrás delas, ferindo ela e matando Lene. O pescador provavelmente estaria formando um plano de vingança, e, com sorte, estava com ajuda. Era só se manter longe enquanto Lothaire e Hanna iam para o combate. Quem ficasse vivo, a própria June eliminaria com um arco e flecha que encontrasse na Cornucópia.
Seu grande empecilho era a dor. A dor que dilacerava seu ser, a dor que a fazia urrar a cada passo, ofegando e segurando nas árvores. O pé direito mal saia do chão e por vezes batia em alguma raiz de árvore, enviando novas pontadas. Juniper sabia que estava fazendo barulho ao andar e temia que alguém a encontrasse. Não tinha a menor condição de lutar e seria facilmente morta.
ㅡ Parem de correr! ㅡ Berrou uma voz, atraindo a atenção de Juniper.
Ela franziu a testa, puxando na memória de onde aquela voz era familiar. Já tinha escutado a voz de todos os tributos, mas aquela em especial parecia alguém que conviveu por mais tempo. Tentando não fazer barulho e segurando seus gritos de dor, ela se rastejou para perto da voz.
ㅡ Deixem eu acertar vocês, por favor! ㅡ Disse o garoto.
Juniper soube na hora a quem pertencia a voz. Passou toda sua estadia na Capital escutando suas exclamações de felicidade na hora das refeições.
Era Noah.
Se escondendo atrás de um amontoado de cerejeiras, Juniper avistou o garoto, arremessando algumas facas em dois esquilos que se penduravam num galho.
ㅡ Eu tô enjoado de comer só essa flores. ㅡ Falou Noah arremessando sua terceira faca, as duas primeiras jaziam caídas no chão. Os esquilos não precisaram desviar, a lâmina nem chegou a passar perto de acertá-los.
A imagem de James rapidamente veio a mente de June, fazendo com que ela suspirasse. Tomando coragem, e ignorando a dor, Juniper limpou o rosto e arrumou o rabo de cavalo, batendo na roupa.
ㅡ Me da a faca, Noah. ㅡ Disse June saindo de trás das árvores, se controlando para não tremer a voz. Seu tomo sério, e sua presença súbita, assustou Noah.
ㅡ O que cê tá fazendo aqui? ㅡ Indagou o garoto levantando uma das sobrancelhas, recuando alguns passos para trás e sacando sua quarta e última faça. Ele apontou a lâmina na direção da ruiva. ㅡ Sai daqui, Juniper.
ㅡ Só me dá a faca, Noah. ㅡ Juniper respondeu seria, estendendo a voz, tentando demonstrar imponência. Ela caminho mancando até o garoto, contento sua dor.
ㅡ O que houve com seu pé? ㅡ Noah baixou o olhar, curioso, com a lâmina ainda apontada. ㅡ Não precisa responder, só sai daqui!
ㅡ Me machuquei numa luta. Agora me dá a faca, Noah. Eu pego o esquilo pra você.
ㅡ Eu mandei sair daqui! ㅡ Berrou Noah, as mãos tremendo enquanto seguravam a faca. ㅡ Por que veio me procurar agora, depois de me abandonar?
ㅡ Fiz o melhor para nós dois! ㅡ Respondeu friamente contendo sua lágrimas e a voz embargada. ㅡ Poupei um sofrimento desnecessário. Agora me dá a merda da faca, Noah, antes que os esquilos fujam!
ㅡ Já disse pra sair daqui, Juniper! Eu não quero ter que matá-la! ㅡ Noah berrou, a testa franzida, a faca mal parando nas mãos.
O sol cada vez mais se escondia, colorindo o céu azul parcialmente de laranja. Juniper suspirou, fechando os olhos para impedir que as lágrimas escorressem.
ㅡ Me da a faca, Noah! ㅡ A ruiva gritou com autoridade, fazendo com o que o garoto arregalasse os olhos. Depois de pensar, e teimar, um pouco, ele estendeu a faca para Juniper. ㅡ Obrigada.
No instante em que pegou a lâmina, Juniper escutou um latido. Ela tentou puxar Noah para trás de si no segundo em que um bastante surgiu do meio das árvores e pulou em cima do garoto.
Mesmo tendo seu alvo desviado, o bestante conseguiu arranjar as costas do garoto, arranhando sua pele e rasgando a regata.
Noah caiu no chão, deixando Juniper entre ele e o bestante, urrando de dor enquanto seu sangue escorria no chão e manchava de vermelho a grama e as flores caídas.
Juniper arremessou a faca no animal, pegando de raspão quando ele voltou a correr em sua direção. Ela sacou o martelo de guerra berrando com a dor que sentiu ao apoiar o pé direito no chão.
O bestante pulou em cima dela, mas June não deixou que ele a atingisse. Gritando de pura dor e raiva, ela afundou o martelo de guerra na cabeça do animal, esmagando ela assim que encostou no chão. Sangue espirrou pra todo lado ao som dos ossos se quebrando.
Ela ofegou alto, pingando de suor, e soltou o cabo do martelo. Seus pés estavam sujos de sangue, e Noah a olhava de olhos arregalados, o medo estampado em seu rosto.
ㅡ Não precisa mais dos esquilos, pode ficar com esse bestante. ㅡ Disse Juniper agachando e pegando a faca que soltou antes. Ela guardou a faca num dos bolsos da calça manchada e começou a cambalear, não se importando mais de conter a dor e voltou a urrar e gemer. ㅡ Fique vivo, Noah.
O garoto sentou, observando enquanto Juniper seguia em direção a Cornucópia, na plena e bela luz do crepúsculo, gritando de dor a cada novo passo, lágrimas marcando seu caminho pela grama.
[Noite, Terceiro Dia]
ㅡ Não tem ninguém de vigia. ㅡ Disse Pablo observando a Cornucópia.
A enorme estrutura metálica dourada brilhava com imponência na luz do luar, rodeada pelas belas flores rosas. O silêncio tomava conta de toda a região, apenas o vento batendo, nem mesmo sinal de alguma fogueira.
ㅡ Mas eles estão aí? ㅡ Indagou Luke apertando os cabos das foices nas mãos. Ao seu lado, Saher olhava tudo preocupada, as mãos tremendo levemente enquanto seguravam o arco.
ㅡ Estou vendo dois sacos de dormir e parecem estar cheios. ㅡ Explicou Pablo apontando para a entrada da Cornucópia onde duas pessoas pareciam estar dormindo. ㅡ O jeito vai ser ir lá e conferirmos se tem alguém ou não.
O loiro concordou com a cabeça e os dois começaram a caminhar para fora da floresta de cerejeiras. Saher arregalou seus olhos e segurou um dos braços de Luke, parando ambos os garotos.
ㅡ Vocês tão loucos? Isso é claramente uma armadilha gente! ㅡ Falou Saher. ㅡ Vocês acham mesmo que os Carreiristas iriam dormir tranquilamente sem ninguém de vigia?
ㅡ Mesmo assim, só preciso chegar um pouco mais perto pra ter a distância suficiente de lançar o arpão. ㅡ Pablo girou sua arma. ㅡ Tá calmo demais, Saher. Sabemos que é uma armadilha, mas vamos contorná-los.
ㅡ Vamos acabar sendo mortos. ㅡ Teimou a garota.
ㅡ Olha, Saher. Você concordou em vir com a gente, mas não precisa ir lá perto se não quiser. ㅡ Luke sorriu gentil pra garota e apontou pro arco em suas mãos. ㅡ Nós vamos e você fica aqui, mirando. Pode ser?
Saher suspirou enquanto pensava, observando os dois garotos. O cabelo loiro de Luke estava sujo de terra e seu rosto branco possuía alguns respingos de sangue. O corte que recebera de Maverick no primeiro dia já estava cicatrizado e parecia apenas um arranhão qualquer.
Pablo segurava o arpão com grande presença, o olhar sério mirando a Cornucópia. O corpo descoberto repleto de carocinhos, muito provavelmente ao frio que sentia com a brisa noturna. Por fim, Saher fechou os olhos e concordou com a cabeça, pegando uma das sete flechas de sua aljava e engatilhando no arco.
ㅡ Me prometam que vão voltar vivos. É sério! ㅡ Disse a garota vendo os dois rapazes sorrindo para ela.
ㅡ Não posso prometer nada. ㅡ Respondeu Pablo caminhando para o descampado.
ㅡ Faremos o possível. ㅡ Luke seguiu o pescador.
Ambos seguiram calmamente, pisando descalços a passos silenciosos, as mãos apertando firme os cabos de suas próprias lâminas.
Pablo ia um pouco a frente, tendo o arpão apontado para a Cornucópia, atento a qualquer mínimo movimento de alguém que não fosse Luke. Seu coração se acelerava aos poucos a cada metro percorrido.
Não demorou muito para que os garotos chegassem até os sacos de dormir. Pablo deu um passo a frente e cravou o arpão num deles, esperando e atravessando o tecido do saco e terra dentro deles.
ㅡ Não tem ninguém. ㅡ Resmungou Pablo tirando o arpão, um pouco decepcionado, apesar de já esperar que não houvesse alguém ali.
ㅡ Será que não estão lá dentro? ㅡ Perguntou Luke apontando para a parte de dentro da Cornucópia, onde a luz da lua não iluminava.
Os dois olharam para o breu que se estendiam dentro da estrutura, observando tranquilamente, até o momento em que uma lâmina brilhou na direção deles.
Pablo ergueu o arpão a tempo de bloquear o tridente de Hanna, recuando alguns passos para trás. Luke ergueu as foices no instante em que a ruiva, juntamente de Lothaire, saíram de dentro da Cornucópia.
Hanna sorria orgulhosa, sem camisa, exibindo as cicatrizes do ferimento feito pelo arpão de Pablo.
ㅡ Eu disse que alguém iria cair na nossa armadilha, Lotahire. ㅡ Falou Hanna tranquila, acenando para os dois garotos. Ela segurava uma espada. Ao seu lado, Lothaire estalava os dedos das mãos.
ㅡ Cala a porra da sua boca, Hanna. ㅡ Pablo apontou o arpão pra garota. ㅡ Viemos aqui para matá-los!
ㅡ Não deveria ter mais duas garotas? ㅡ Indagou Luke olhando pros lados em busca de Magdalene e Juniper.
Pablo não esperou uma resposta. Saltou, girando o corpo e arremessou o arpão na direção de Hanna, a corda presa ao cabo se desenrolando do braço.
A ruiva desviou, rolando pro lado e permitindo que o arpão se cravasse na terra. Lothaire não pensou duas vezes e avançou de mãos limpas para cima de Luke.
Hanna se levantou correndo na direção do tridente caído entre ela e Pablo. O garoto estabilizou o corpo e puxou a corda do arpão com toda sua força, arrancando ele da terra. A ruiva não caiu no mesmo golpe duas vezes. Utilizando de todo seu treinamento e agilidade, pulou dando um mortal para trás e desviando dos ganchos invertidos, agarrando o tridente no segundo em que pouso.
Segurando o cabo do arpão, Pablo avançou correndo para cima da antiga aliada. Hanna girou o tridente e brandiu contra a lâmina do garoto, mantendo seu costumeiro sorriso no rosto.
ㅡ Como pode estar se divertindo com isso? ㅡ Indagou Pablo girando o corpo e tentando acertar a lâmina mas pernas da garota. Hanna pulou e chutou seu rosto.
ㅡ Cada vez que eu tenho a chance de escutar um novo canhão, meu coração pula para fora do peito. É um passo mais próximo de realizar meu sonho! ㅡ Respondeu Hanna prendendo o cabelo num rabo de cavalo enquanto Pablo recobrava o equilíbrio e cuspia sangue no chão, os dentes já pintados de vermelho.
Movendo o braço, o garoto realizou um novo arremesso. O arpão brilhou na luz do luar enquanto cortava o ar. Hanna se jogou de costas no chão, segurando a arma rente ao corpo. Com um pulo ela se pôs de pé e lançou o tridente no rapaz.
Os dentes da arma passaram a centímetros de acertar o rosto de Pablo, que recuou para o lado, sentindo algo raspando levemente sua orelha. Ele levou a mão até o ouvido, sentindo o sangue escorrer através de um pequeno corte.
Ele saltou de mãos vazias, iniciando uma luta corpo a corpo. Hanna girou o tronco, acertando um chute em seu abdômen. Sentido o ar escapar de seus pulmões, Pablo aproveitou a oportunidade e agarrou a perna da ruiva, acertando seu cotovelo na dobra do joelho.
ㅡ Aí! Seu maldito! ㅡ Exclamou Hanna no instante em que seu corpo atingiu o chão. Pablo desferiu alguns chutes rápidos antes da garota agarrar seus pés e lhe dar uma rasteira.
Suas costas foram de encontro direto com o chão, a grama não servindo pra nada na hora de amaciar o impacto. Pablo sentiu seus ossos estalarem e temeu que seu ferimento abrisse.
A ruiva sentou em cima dele, imobilizando suas pernas e desferindo fortes socos em seu rosto. As mãos de Hanna iam ao encontro das bochechas, boca, nariz e testa de Pablo sem parar, sangue escorrendo para fora dos lábios.
Com a lua sendo tampada pela garota, Pablo só conseguia distinguir os olhos azuis de Hanna em toda aquela escuridão. Aos poucos seus sentidos começaram a falhar. Ele não conseguia mais escutar os sons da luta entre Luke e Lothaire e sua visão começava a ficar turva, mal enxergando a própria agressora.
Cada soco lembrava a Pablo as vidas que ele já tirou. Cada soco lembrava a Pablo as expressões de medo e terror nos rostos de suas vítimas. Mas cada soco lembrava a Pablo todas as onze crianças que Hanna empalou apenas para ser escolhida.
ㅡ Você me culpa pelas crianças, mas esquece das diversas famílias que destruiu com seus trabalhos. ㅡ Falou Hanna enquanto socava. ㅡ Pensa que aquelas pessoas não tinham filhos e pessoas importante só por que suas mortes foram encomendas? Você não é melhor que eu, Pablito!
A raiva de Pablo explodiu. Hanna realmente havia acabado de comparar os dois? Ele sabia que não era o melhor daquela arena, mas Hanna era mil vezes pior que ele.
Sentindo a adrenalina voltar a suas veias, e juntando as forças que ainda lhe restavam, Pablo levantou os braços e segurou os punhos fortes da garota.
Hanna arregalou os olhos com uma expressão confusa a medida que Pablo fazia força para segurar suas mãos.
Num movimento súbito, Pablo puxou suas pernas de baixo da garota, dobrando os joelhos para cima de si e depois os esticou, atingindo em cheio a barriga de Hanna.
Berrando de dor, pois um dos pés de Pablo acertou os cortes do arpão nas costelas, a ruiva voou para trás, pousando sentada.
Hanna disse alguma coisa, mas Pablo não escutou e nem se importou, ele tinha apenas um foco e estava prestes a realizá-lo. Aproveitando a distração de sua oponente, o garoto puxou a corda do arpão.
Soltando da terra, os ganchos invertidos zuniam, cortando o ar. Hanna não teve tempo de reação antes que dois deles se cravarem em suas costas. Ela berrou, ajoelhando no chão enquanto seu sangue escorria pelas pernas até o chão.
Dando as costas para a garota, Pablo caminhou tranquilo até o tridente no chão. Pegou a arma e a girou em suas mãos, se voltando para Hanna e arremessando a lâmina nela.
Sua última reação foram olhos arregalados e uma expressão de dor no instante em que os três dentes da arma perfuraram seu peito.
Ela exclamou algo, pendendo o corpo para trás e caindo no chão de braços abertos, os olhos ainda abertos encarando a lua prateada.
Canhão.
Pablo suspirou aliviado, caindo de joelhos no chão e permitindo que seus pulmões se enchessem de ar.
Ele havia conseguido. Havia matado Hanna. Havia vingado Valerian e todas as onze crianças. Havia cumprido sua missão, seu objetivo de vida.
[Noite, Terceiro Dia]
Luke urrou no instante em que o punho de Lothaire desviou de suas foices e afundou em seu peito, sentindo o ar escapar dos pulmões e cambaleando para trás. O mundo pareceu girar por alguns segundos, a lua lançando sua luz de todos os lados.
Recobrando a consciência a tempo, bloqueou o novo soco com as foices, arranhando mais o braço do oponente. O loiro recuou alguns passos, girando as foices nas mãos. Apenas alguns metros dali, Hanna e Pablo brandiam suas lâminas ferozmente.
Levantando o olhar, Luke pode ver a lua iluminar aquela enorme e bela muralha a sua frente, arrepiando sempre que se lembrava que Lothaire encarava alguém armada com as mãos limpas sem recuar um segundo sequer.
Mas algo parecia errado no garoto. Constantemente ele olhava pros lados, como se estivesse em busca de alguém. Afinal, para Luke, a falta das presenças de Juniper e Magdalene ainda eram um mistério. Lothaire voltou a atacar, correndo como um tanque de guerra na direção do loiro.
Girando o corpo pro lado, Luke desviou do grande impacto, ainda assim recebendo um novo soco no abdômen. Levantando os braços, cravou as duas foices no bíceps direito do garoto.
Lothaire bufou, socando o rosto de Luke com o punho esquerdo. Ele arrancou as foices presas em seu braço sem reclamar e as largou no chão, passando a mão onde havia sido perfurado para limpar o sangue. Eram apenas mais duas cicatrizes para sua vasta coleção.
Luke não perdeu tempo e avançou, saltando e girando o corpo, acertando um chute no rosto do outro loiro.
Sem se abalar, Lothaire agarrou um dos braços de Luke, puxando o garoto para perto de si e socando com força seu rosto várias e várias vezes.
De repente, sem que nenhum dos loiros esperasse, uma flecha zuniu e acertou uma das pernas de Lothaire. Ele caiu apoiando um dos joelhos no chão e urrou de dor.
Não conseguindo respirar direito com o nariz, Luke abriu a boca e engoliu goles de ar, dando alívio aos seus pulmões desesperado. Podia sentir um dos olhos inchados e provavelmente uma concussão na testa.
Usando a própria mão, Lothaire arrancou a flecha da panturrilha, sem se importar de onde ela tinha vindo, se preparando para atacar Luke novamente.
Mas algo impediu que a luta retornasse.
O estouro de um canhão ecoou pela arena, chegando até os ouvidos dos loiros. Ambos, numa reação instantânea, voltaram seus rostos para Pablo, que estava de joelhos na frente do corpo empalando de Hanna. Luke esboçou um sorriso no rosto bem a tempo de um novo barulho.
Dessa vez um grito fino e agudo soou, fazendo com que Lothaire arregalasse seus olhos. O brutamontes virou na direção da floresta bem a tempo de ver uma garota loira caindo de joelhos no chão, sangrando por todo o corpo, uma flecha transpassada numa das pernas.
ㅡ Merda! Merda! ㅡ Luke agarrou suas foices e começou a correr para onde Saher estava, ignorando a dor que sentia no corpo. ㅡ Corre, Pablo! Corre!
Luke se aproximou de Saher, encontrando-a caída sentada no chão, o terror estampado em seus olhos, as mãos trêmulas ao lado do arco.
ㅡ Saher, precisamos sair daqui agora! ㅡ Disse Luke tentando ajudar a garota andar. Seus pés se desequilibraram e ela caiu novamente.
ㅡ Luke… Socorro. ㅡ A voz de Saher saiu baixa e embargada, seguida de algumas lágrimas escorrendo por seus olhos. ㅡ Ela apareceu do nada… meus dedos escaparam da flecha…
O loiro suspirou, enfiando o cabo das foices dentro da cueca. Ele prendeu o arco de Saher no corpo e abaixou, olhando para ela e limpando as lágrimas que escorriam nas bochechas rosadas.
ㅡ Vai ficar tudo bem, Saher. ㅡ Disse calmamente, tentando sorrir.
Luke se levantou e ajudou a garota a ficar de pé, passando seus braços por baixo do pescoço e dos joelhos dela, suspendendo-a em seu colo. O loiro saiu correndo com Saher em seus braços, com cuidado para não cair e derrubá-la, fugindo para o mais longe possível da Cornucópia.
Canhão.
[Noite, Terceiro Dia]
Magdalene estava toda ferrada. Depois de ser traída e perfurada por Juniper, a garota caiu no chão e bateu a cabeça, desmaiando.
Passou a tarde toda sangrando pelas mãos e pela barriga enquanto estava desmaiada e, por algum milagre do destino, não morreu de hemorragia.
Acordou com a cabeça doendo, assim como todos os membros do corpo, e a visão turva, mal conseguindo ficar de pé. As mãos perfuradas haviam impedido que a alabarda de Juniper acertasse algum órgão vital, furando parcialmente a barriga.
Despertando com a luz crepuscular, Lene se pôs a caminhar, rastejando e cambaleando, no instante em que a noite caiu, seguindo para a Cornucópia. Vez ou outra parando para comer alguma flor.
Suas forças se esvaíram a cada novo passo, a visão turva dificultando seu caminho. Um rastro de sangue se formando atrás de si. Temia que algum tributo o visse e seguisse até a encontrar, sabia que não estava em condições de lutar. Só estava de pé por culpa de Lothaire.
O rosto e o desejo de se despedir do irmão eram as coisas que a estavam mantendo viva. Lene não iria deixar esse mundo sem olhar para Lothaire uma última vez e ter uma despedida digna, sem contar que ela tinha que desmarcar Juniper.
Depois de enfrentar toda a dura caminhada pela floresta escura, apreciando a vista das belas flores, Magdalene finalmente chegou a orla, avistando o descampado e as lutas que ocorriam.
Com metade do campo de visão preto, e dificultado pela escuridão da noite, Lene não conseguia ver quem lutava, mas sabia que se tratavam de duas disputas entre duas pessoas cada. Em uma delas, ambos os tributos eram loiros.
Sorrindo, sentindo as últimas forças escorrerem junto ao sangue pelas mãos, e com esperança de ver o rosto do irmão uma última vez, a garota saiu da floresta.
Agora ali estava ela, caída de costas no chão, uma flecha transpassada pela coxa esquerda permitindo que mais sangue saísse. Sua voz ecoou pela arena no instante em que o projétil a perfurou, atraindo a atenção dos dois loiros.
Lothaire logo surgiu em cima dela, os olhos arregalados e tremendo de preocupação, lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto analisava a situação da irmã. Seus cabelos loiros brilharam na luz do luar, fazendo Lene sorrir.
ㅡ Você é muito emocionado, irmão. ㅡ Disse a garota sentindo as lágrimas do irmão caírem sobre si. Ele abriu a boca para falar, mas Magdalene levantou rapidamente a mão tapou seus lábios. O braço caiu na grama logo em seguida. ㅡ Não tenho tempo para lamúrias.
A brisa leve atingiu os dois a medida que os olhos de Lene começaram a pesar. Ela tossiu sangue e voltou a olhar o irmão.
ㅡ Juniper me perfurou com a alabarda. Não confie nela, muito menos em Hanna. ㅡ Magdalene despejou tudo num suspiro, a respiração ficando cada vez mais pesada e espassada. ㅡ Eu sinto muito tudo que te fiz passar durante esse anos, mas não me arrependo de nada.
Lene sorriu fraca, um fio de sangue escorrendo pelo canto dos lábios. A luz do luar caia sobre os irmãos tanto quanto as lágrimas geladas de Lothaire.
ㅡ Você é perfeito do seu próprio jeitinho, e não deixe que esse mundo o transforme em alguém que você não é. ㅡ A voz de Magdalene falhava a todo momento. ㅡ Obrigada por sempre me proteger e cuidar de mim.
Ela reuniu o máximo de força que conseguiu, levantando o braço novamente e passando os dedos pálidos e gelados pela bochecha e cabelos do irmão, sorrindo.
ㅡ Eu… te amo… Loth.
ㅡ Eu também te amo, Lene.
A mão da loira caiu com um baque no chão, seus olhos se fechando e a respiração cessando. Lothaire fungou, passando a mão pelos cabelos da irmã.
Lothaire gritou, permitindo que as lágrimas escorressem aos litros por seu rosto, socando o chão com puro ódio e raiva.
Canhão.
001 ㅡ DEMOROU MAS EU DISSE QUE SAIRIA SEGUINDO O CRONOGRAMAAAAAAAAAAA
002 ㅡ Meus amigos, que capitulo bombástico. Que sufoco pra escrever ele gente. (Que capitulo longo minha gente)
003 ㅡ A HANNA SE FOI GENTE! Pablo cumpriu sua missão na terra, significa que já pode morrer...
004 ㅡ Altas emoções, altos sufocos, altas cenas próximas da morte e só a coitada da Lene morreu, tadinha (inclusive era pra Juniper morrer no lugar dela, mas não faria sentido a Lene aguentar uma hemorragia por horas, daí mudei os roteiros e a Juniper ganhou uma segunda chance de viver)
005 ㅡ Gente, com essa mudança de morte entre Lene e June, eu mudei a maior parte do roteiro dos dois últimos capítulos akakaka inclusive gente que morreria no próximo morre no último e gente que morria no último morre no próximo.
006 ㅡ Noah tá vivo por mais um capítulo ehhhhhhhh! Mas se não tiver voto e comentários eu mato ele no próximo 🔪
007 ㅡ Deixa o feedback aí, amo vocês! <3
Contagem de palavras ㅡ 10597 palavras
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