➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗜𝗩 ㅡ 𝗠𝗮𝘀 𝗡𝗮𝗼 𝗣𝗮𝘀𝘀𝗮𝗺

[Madrugada, Segundo Dia]

Meredith Maguire caminhava na escuridão da noite, sob a luz da lua quase totalmente tampada pelas flores de cerejeira. Os pés descalços pisando na relva fresca e lhe trazendo as lembranças da época em que caçava na floresta do Distrito 12 juntamente com o irmão mais velho.

Totalmente perdida na imensidão de árvores, Meredith apenas aproveitava a brisa leve que esvoaçava seus cabelos, ignorando a garganta seca, implorando por água.

A luz do luar tocava sua pele branca como se fosse um véu de energia, revigorando tudo na garota. Meredith sempre soube que era um ser noturno, caminhar sob as estrelas fora algo que a ajudou a superar o luto em seus piores estágios e foi onde ela melhor conseguia formular seus pensamentos.

Talvez em alguma outra vida, Meredith tivesse sido um gato preto, sorrateiro ao perambular nas trevas, ou então uma coruja, sábia e sagaz, batendo suas asas e voando livre noite adentro.

Depois de quase ter sido morta no banho de sangue, desviando por um triz das diversas facas lançadas pela vaca loira do Distrito 2, Meredith se viu obrigada a colocar sua saúde em dia e tentar ganhar uma bela forma física ao andar por toda a arena, fugindo dos outros enquanto estava desarmada.

Ela não tinha medo algum dos outros tributos, pelo contrário, o maior desejo da garota era descer o cacete nos mimados vindos dos distritos ricos e em qualquer um que entrasse em seu caminho, mas não era burra o suficiente para encarar alguém sem uma lâmina sequer.

Apesar da falta de armas e água, a fome felizmente não foi um problema. Graças às flores de cerejeira serem comestíveis, Meredith pode se deliciar e se fartar mais do que durante toda sua vida no Distrito 12.

Então, de repente, cruzando a visão de Meredith, o playboy do Seis passou correndo em disparada, segurando uma faca na mão, os cabelos sedosos bagunçados e sujos, seguido de um brutamontes ruivo segurando um agulhão.

Meredith ficou totalmente imóvel, escondida nas sombras, observando a perseguição. Seus olhos já acostumados com a penumbra, auxiliados pela fraca luz lunar, seguiram o playboy capengando e tropeçando nas raízes, mantendo o equilíbrio por pura sorte e continuando a correr, seu perseguidor no encalço. Logo os dois sumiram de seu campo de visão, correndo pela floresta.

ㅡ Tadinho do playboy. ㅡ Resmungou Meredith para si mesma sorrindo. ㅡ Ninguém mandou ser idiota.

Retomando sua caminhada em busca da direção da Cornucópia, ou então uma fonte de água, Meredith xingava baixinho Maverick, reclamando do quão tapado o garoto era ao jogar tudo que recebeu de mão beijada fora. Se Meredith tivesse um por cento do dinheiro que Maverick tinha, ela já estaria totalmente realizada.

Cresceu na pobreza sua vida toda, roubando comida e caçando na floresta para sobreviver, vivendo clandestinamente e adquirindo o ódio dos cidadãos. Meredith nunca entenderia como alguém com dinheiro pudesse jogar suas oportunidades no lixo pra ficar procurando confusão e adrenalina.

Alguns minutos depois, começando a sentir sono, a garganta seca apertando e suando de calor, um canhão soou por toda a floresta.

Os passos de Meredith não diminuíram, ela seguia em frente ㅡ ou o que achava ser a frente ㅡ, vez ou outra pegando alguma flores em mandando pra dentro, agradecendo pelas pétalas serem um pouco úmidas e não entalarem em sua garganta.

Aos poucos o silêncio absoluto da floresta em seu estado noturno foi sendo preenchido pelo correr leve de água batendo em pedras. Com atenção redobrada, Meredith começou a correr na direção do barulho, escutando cada vez mais próximo.

Em poucos segundos os metros foram percorridos, a garota atravessando tudo na velocidade da luz, se aproximando da leve cascata que ecoava nos arredores. Então, para sua alegria, Meredith avistou uma pequena elevação na terra, com cerca de uns dois metros.

Água escorrendo do topo da terra, circulando no terreno e formando um pequeno lago que mais parecia uma grande poça de água infinita.

Meredith se ajoelhou imediatamente, colocando a boca na água e ingerindo o máximo que conseguia, sentindo o líquido descer por sua garganta e a refrescar, aliviando seu desejo.

Matando a sede, a garota fez um rabo de cavalo no cabelo e enfiou a cabeça na água funda, limpando as gotículas de suor e eliminando o calor.

ㅡ Finalmente fizeram algo que preste, idealizadores! ㅡ Exclamou Meredith olhando pro alto e mostrando o dedo do meio de ambas as mãos para as árvores.

Ela sorriu, tirando sua regata e ficando apenas de sutiã, entrando no lago aos poucos. A água cristalina brilhava a luz do luar, balançando pouco com a cascata. Meredith mergulhou, molhando todo seu corpo e engolindo mais água.

Depois de um dia inteiro de calor e sede, aquele riacho parecia ter sido o melhor achado de toda sua vida. As pedras redondas geladas tocavam os pés da garota, permitindo que ela ficasse em pé com a cabeça para fora da água.

Meredith se aproximou da cascata, entrando aos poucos embaixo da água que caia, sorrindo.

Então, de repente, a garota afundou. Seus pés perderam o toque gélido das pedras e Meredith mergulhou embaixo da cascata, algo a puxando para baixo.

Por cerca de três segundos, Meredith despencou. Ela atravessou a água do riacho descobrindo um buraco embaixo dele totalmente seco e com ar puro.

ㅡ Que porra vocês fizeram, idealizadores? ㅡ Berrou Meredith tirando o cabelo molhado do rosto logo que caiu no chão duro e árido. Ela olhou pra cima, vendo o buraco pelo qual despencou, a água quebrando todas as leis da física e não derramando por ele.

[Madrugada, Segundo Dia]

ㅡ Eu acho incrível como um cara podre de rico que resolve qualquer problema com dinheiro não consegue sequer tirar o próprio filho dos Jogos Vorazes. ㅡ Exclamação Maverick andando pela floresta. ㅡ Que belo pai você é, pai.

O garoto andava segurando uma pequena faca nas mãos e uma mochila praticamente vazia nas costas. Depois de disputar suprimentos com o loirinho do Nove, Maverick levou a pior e conseguiu apenas uma faca, uma garrafa de água pela metade e um leque.

Agora, depois de um dia todo perambulando com as roupas rasgadas e sangue seco no corpo, com fome e sede, Mave esperou os rostos dos tributos mortos aparecerem no céu e repassar mentalmente quem ainda estaria vivo.

ㅡ Os Carreiristas ainda são uma forte ameaça. ㅡ Disse em voz alta numa tentativa de se sentir menos solitário. ㅡ O resto é só ignorar que os Carreiristas vão eliminar pra mim.

O sono tentava o derrubar, mas Mave se manteve acordado mordendo sua língua ou beliscando a palma das mãos com a unha, ele não podia ter o luxo de dormir em qualquer lugar.

Sem saber onde estava e nem para onde ir, o garoto procurava algum sinal de outro tributo, ou da Cornucópia, para ir na direção contrária. O plano era simples: ele se afastaria o máximo que pudesse, escalaria uma árvore e dormiria agarradinho a ela. Fácil, fácil.

ㅡ Espero que não apareça nenhum otário pra me encher a paciência. ㅡ Maverick lutava para não cair no chão e dormir ali mesmo, falando consigo mesmo e afastando as lembranças que a solidão lhe trazia.

A imagem de Rose sendo baleada ainda o visitava frequentemente, causando lhe náuseas e uma saudade excruciante.

Com a quietude da noite, Mave escutou muito bem o som de um galho se quebrando ao ser pisado, o sono sendo extinguido aos poucos, alerta a tudo. Ele mal se movia, tentando enchergar na escuridão.

Então, graças a luz da lua sendo refletida pelo aço, Maverick desviou de um golpe de lâmina vindo pelo lado. Ao jogar seu corpo para trás, permitiu que um garoto musculoso e ruivo errasse seu ataque.

ㅡ Que porra de galho! ㅡ Bufou o ruivo recobrando o equilíbrio e olhando fundo nos olhos de Maverick. ㅡ Faz quase meia hora que tô te seguindo, e não hora perfeita a natureza decide me sacanear!

ㅡ Eita, nem tava sabendo que tinha fã. ㅡ Debochou Maverick sorrindo atrevido, mesmo que o moleque não pudesse ver, e segurou firme no cabo de sua faca, apontando ela pra frente. ㅡ Se quiser um autógrafo, é só pedir que eu dou!

ㅡ Cala a boca, seu merdinha! ㅡ O ruivo investiu em outro ataque, levantando seu agulhão em direção a Maverick.

A lâmina comprida passou zunindo a centímetros do rosto de Mave, que se jogou no chão e rolou, sentindo a sonolência acabar por completo, sendo substituída por cargas de adrenalina em suas veias.

Com um salto o garoto se levantou, atacando o ruivo pelo lado. Maverick brandiu a faca movendo o braço rapidamente, mas cortou apenas o ar quando seu inimigo se esquivou.

O brutamontes então agiu rápido, lançando seu agulhão em Mave, correndo para cima logo em seguida, sem dar tempo de reação.

As costas de Maverick doeram no segundo em que ambos caíram na grama, o brutamontes em cima imobilizando os braços e pernas com o peso de seu corpo. O agulhão estava fincado em uma árvore enquanto a faca jazia no chão, menos de um metro de seu dono.

ㅡ Cadê sua marra toda agora? ㅡ O ruivo indagou sorrindo, cuspindo no rosto belo e bem cuidado de Maverick.

Anestesiado pelo hormônio, e com energia extra, Maverick pensou em várias formas diferentes de escapar dali, sorrindo e se divertindo. Ele adorava aquilo, adorava se sentir vivo ao extremo, sentir a adrenalina correndo por seu corpo.

ㅡ E aí? Vai preferir que eu te mate com minhas próprias mãos ou terá a boa vontade de esperar eu pegar meu agulhão? ㅡ O ruivo aproximou seu rosto do de Maverick, permitindo que o garoto sentisse seu hálito seco.

ㅡ Que tal fazermos do meu jeito? ㅡ Sem perder tempo, Maverick levantou sua cabeça com tudo, fechando os olhos e dando uma testada em seu oponente.

ㅡ Aí! Cacete! ㅡ O ruivo saiu de cima, ajoelhando com as mãos no rosto. Aproveitando que estava solto, Maverick alcançou sua faca e pulou atrás do garoto, fincando ela no ombro dele. ㅡ AI, PORRA!

Sangue escorreu quando Mave arrancou a lâmina, recuando alguns passos, o ruivo ainda gritando se ergueu com fogo nos olhos.

ㅡ Viu? Falei que meu jeito era melhor. ㅡ Maverick disse, o ruivo recuperando seu agulhão. ㅡ Que tal um pega-pega agora?

Eu juro que vou te cacetar no soco, seu merdinha!

Disparando floresta adentro, com a faca na mão, Maverick sentia a brisa do vento como se estivesse numa moto a duzentos quilômetros por hora.

Seus pés pareciam flutuar pela grama a medida que ele e seu perseguidor percorriam o território das cerejeiras, desviando das árvores por pura sorte.

A adrenalina impedia Maverick de sentir dor, sono, fome, sede e cansaço. Ele estava vidrado, o pico de energia. A liberdade parecia cantar em seus ouvidos enquanto as flores rosas assistiam a perseguição.

Maverick estava tão distraído com sua felicidade repentina que nem mesmo notou quando passou em frente a dama do Doze. Suas pernas se moviam sozinhas e não pareciam dar indícios de que iriam parar.

Mas, infelizmente, pararam. Ou melhor, foram forçadas a parar.

Tudo voltou a normal, e Maverick retornou a sua realidade de merda, no instante em que o agulhão atingiu de raspão dia panturrilha direita e ele perdeu o equilíbrio com a dor súbita, caindo de bruços no chão.

Rolando pro lado, Mave tentou alcançar sua faca no instante em que o brutamontes saltou em cima dele. O ruivo sentou no quadril do garoto, começando a desferir socos nele.

A cada soco recebido, Mave sentia a adrenalina se esvaindo de suas veias e a dor aumentava. Ele tentou impedir com as mãos, mas suas forças estavam indo embora. O ruivo socava sem dó, com intervalos de três segundos entre um murro e o outro, sem se importar se mataria sua vítima.

Desistindo de tentar bloquear com as mãos, Maverick esticou seu braço procurando o cabo da faca caída. Ele não podia ver, mas sabia que ela estava por ali.

O alívio percorreu sua mente quando tocou na lâmina gelada, descendo até o cabo e o apertando com força. Ele se concentrou, a dor dos socos constante o atrapalhando.

ㅡ Acho que agora eu posso pegar meu agulhão, né? ㅡ O ruivo sorriu, enfim parando de socar. Maverick aproveitou o descuido e usando todas as suas forças fincou a faca no peito do garoto.

Canhão.

ㅡ Isso tá doendo pra caralho. ㅡ Resmungou quando o corpo do tributo morto caiu sobre o ele.

Se dando vencido pelo cansaço, Maverick permitiu que seus olhos fechassem, sentindo o sangue escorrer por ele e formar uma poça em volta dos dois. Qualquer um que passasse por ali acharia que ambos estavam mortos e, para Mave, era a oportunidade perfeita de tirar uma soneca.

[Madrugada, Segundo Dia]

Juniper sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto enquanto tudo ocorria em câmera lenta. Ela olhava fixamente para o grande mãe de chamas e luzes que a usina tinha se tornado.

Partes de aço sendo lançadas a todos os lados,por vezes tingidas de vermelho. Bolas de metal e peças choviam atingindo a terra seca. Juniper teve a infelicidade de ver o exato momento em que seus pais foram atingidos pela explosão, sendo engolidos pelas labaredas.

As pessoas corriam por todos os lados, provavelmente gritando, mas Juniper escutava apenas o desespero de sua própria alma. Caída de joelhos no chão, em prantos e o rosto sujo de poeira e fuligem, ninguém parecia se importar com aquela pequena garota de dez anos, perdida e desestruturada, vendo seu mundo se perdendo e desmoronando por completo.

Pouco a pouco a explosão foi chegando cada vez mais perto e atingindo os cidadãos. June não se moveu, ficou ali, ajoelhada, se entregando ao seu trágico destino.

As chamas logo a alcançaram, engolindo-a de uma vez. Seus cabelos ruivos foram carbonizados, a pele ardendo em carne viva. Fechando os olhos, June soube que estava morta.

De repente, ela acordou. Abriu os olhos imediatamente, mirando o céu estrelado da arena. A grama fresca estava amassada e uma fina linha de fumaça se erguia da fogueira extinta a algumas horas.

Sentindo seu rosto úmidos, Juniper sentou, tirando o cobertor fino de cima de si. Ao seu redor Hanna e Lothaire dormiam tranquilamente. O vento batia suavemente, indo de norte a sul. A garota voltou sua atenção para a Cornucópia avistando Magdalene sentado no topo do chifre dourado, facas nas mãos, um dos pés pendidos no ar, o olhar perdido no mar cor de rosa.

ㅡ Alguém morreu durante a noite? ㅡ Indagou Juniper se aproxima da Cornucópia. Magdalene olhou para ela e saltou, aterrissando com maestria.

ㅡ Teve um canhão só. ㅡ Disse a loira confusa. ㅡ Meu turno só acaba ao nascer do sol, eu acho que você ainda tem mais uns vinte minutos pra dormir.

ㅡ Tudo bem, perdi o sono. ㅡ Juniper entrou dentro da Cornucópia, indo até às prateleiras de suprimentos.

Latas de feijões e legumes eram os itens mais recorrentes, mas algumas sacolas com maçãs estavam penduradas. Uma caixa com cerca de trinta ovos era algo inédito, brilhando radiante em uma das prateleiras.

Juniper pegou um retângulo de pedra com cerca de dois quilos, um pé em cada uma das extremidades, como se fosse uma mesinha de boneca. Ela levou o suporte até a fogueira apagada e o colocou em cima dela. Voltando a Cornucópia, Juniper pegou uma das caixinhas de fósforos, um pouco de óleo, e foi acender o fogo.

ㅡ Sabe, eu tava pensando. ㅡ Começou Magdalene atrás dela. ㅡ Eu e Valerian fomos escolhidos por sermos os melhores da Academia, Pablo era assassino de aluguel, Lothaire era cobrador de impostos e Hanna surtou e matou umas crianças. Teve até uns doidos que estupraram umas meninas, e outros que eram traficantes. Mas o que você fez para vir parar aqui?

Juniper não respondeu, ela não estava afim de conversar. A imagem da morte dos pais ainda estava fresca em sua memória. Novamente dentro da Cornucópia, ela pegou uma das frigideiras penduradas nas paredes, dois ovos e uma colher de pau.

ㅡ Pensei que já que estamos trabalhando juntas, ao menos pudesse saber o motivo. Ele diz muito sobre você, pegue Hanna como exemplo. Dúvido que queira confiar nela. ㅡ Magdalene se sentou, olhando pro céu enquanto os primeiros raios solares surgiam.

Após colocar a frigideira no suporte de pedra já quente, Juniper derramou um pouco de olho dentro dela e quebrou os ovos logo em seguida, deixando a clara e a gema escorrerem no óleo. Abaixo da pedra, as labaredas ardiam vivamente.

ㅡ Meu pai é o Pacificador Chefe. Com onze anos comecei a fazer trabalhos de espionagem para ele. ㅡ Respondeu June lembrando da época que Titus Finch tirou ela e o irmão mais novo das ruas. Ele fora o único que estendeu a mão aos irmãos. ㅡ Impedi algumas revoltas rebeldes. Uns dois meses atrás fui descoberta e recebi o ódio dos cidadãos que ajudei a proteger enquanto evitava guerra civis.

ㅡ Entendi. ㅡ Mag olhou para ela prendendo o cabelo num rabo de cavalo. June começou a passar a colher de pau no ovo, fazendo ovos mexidos. ㅡ Foi mandada pela ingratidão das pessoas. Pelo menos é mais confiável que Hanna.

Juniper riu enquanto olhava para a ruiva, dormindo profundamente.

ㅡ É melhor não ficar sozinha com ela. ㅡ Respondeu Juniper.

ㅡ Felizmente não serei eu a dupla de caça dela hoje. ㅡ As duas riram.

Tirando a frigideira da pedra, Juniper se preparou para comer seu café da manhã com satisfação. Apesar do pesadelo que teve, estava conseguindo a confiança dos Carreiristas. Cada vez mais próxima da vitória.

[Manhã, Segundo Dia]

Noah observava o sol alto no céu azul, sentado no alto da junção de vários galhos das cerejeiras, os pés pendidos no ar balançando sem parar, indo para lá e para cá.

Já era por volta das nove horas e nenhum canhão havia soado ainda desde a madrugada. Somando com os seis mortos no banho de sangue, sete tributos tinham sido eliminados, restando dezessete e um árduo caminho pela frente.

Mas, para Noah, aquilo já era uma vitória! Apesar de suas incríveis habilidades de sobrevivência, ele sabia que não ter sido o primeiro a morrer era um feito inédito, considerando que era o mais jovem e considerado o mais fraco da edição.

O vento bateu fazendo Noah perder o equilíbrio e pender para o lado. Ele instintivamente se agarrou não galhos em que estava sentado, impedindo de despencar até o chão e morrer da forma mais banal possível. O garoto gargalhou enquanto pensava que Amandia, sua melhor amiga, provavelmente quase teve um ataque do coração vendo ele se desequilibrar.

Noah considerava Amandia o norte de sua vida. Fora ela que lhe dera alguma dignidade diante o abandono do pai e o suicídio da mãe. Fora ela que lhe deu comida quando este precisou roubar para sobreviver. Fora ela que o ensinou a ler e escrever, a reconhecer plantas venenosas e comestíveis, a sobreviver com o que a natureza tinha para dar. Por causa de Amandia, Noah sabia que se precisasse de alimento poderia comer as flores das cerejeiras.

Tirando o baralho do bolso, Noah passava as cartas de mão e mão, pensando em que mágica poderia fazer hoje. Depois de passar quase o dia todo mostrando aos cidadãos seu vasto leque de truques de carta, ele começou a ficar sem alternativas e pensava em improvisar objetos para outras ilusões.

Em uma das passadas de carta, o vento bateu, derrubando algumas delas das mãos de Noah. Ele engatinhou pelos galhos, descendo da árvore e recolhendo suas cartas.

ㅡ Onde vocês acham que vão, suas fujonas? ㅡ Noah indagou sorrindo, misturando as cartas derrubadas no baralho.

De repente, atraindo a atenção do garoto, um galho se quebrou. Noah rapidamente virou seu rosto na direção de onde escutará o som, sacando uma de suas facas do bolso, guardando o baralho.

Noah mal respirava, observando toda a floresta, atento aos mínimos detalhes. Os pássaros pareciam estar nervosos, batendo asas e voando, os esquilos completamente fora de vista.

O garoto mal teve tempo de reação quando um cachorro do mato saltou de trás das árvores sobre ele. Noah se jogou de costas no chão, sentindo as garras do bestante rasparem em suas bochechas. Sangue escorreu enquanto ele levantava, encarando seu oponente que estava de costas para o terreno árido.

O bestante atacou, correndo na direção de Noah e tentando cortá-lo com as garras de suas patas dianteiras. Noah desviou, brandindo a faca e acertando de raspão o rabo do animal.

ㅡ Que tipo de bicho você é? ㅡ Berrou Noah desviando de mais uma investida do bestante.

O cachorro girou seu corpo e pegou Noah desprevenido ao atacar com suas patas traseiras, semelhante a um coice. O garoto recebeu o golpe na barriga, sentindo sua pele sendo rasgada, e foi lançado para trás.

Agora era ele quem estava de costa para o terreno seco. Com a regata rasgada e sangue escorrendo por vários cortes em sua carne. As mãos trêmulas seguravam o cabo da faca enquanto Noah respirava com dificuldade, tomado pelo medo.

Latindo alto, o bestante correu para o ataque. As presas totalmente à mostra, baba pingando de sua boca. O garoto se jogou no chão no instante em que o cachorro saltou sobre ele.

Sem que pudesse usar sua presa para parar, o bestante acabou atravessando a fronteira entre a floresta de cerejeiras, aterrissando na terra árida. Noah não perdeu tempo e lançou sua faca no animal, a lâmina acertando uma das patas traseiras dele. Urrando de dor, sangue escorrendo por seu pelo, o bestante se levantou e tentou correr de volta para a floresta, mas fora impedido.

Cerca de trinta segundos após a fronteira ser atravessada, flechas foram lançadas, saindo magicamente do chão árido e atingido tudo que estivesse sobre seu território. O cão grunhiu enquanto os projéteis perfuravam sua carne, alguns o atravessando por completo. Sangue se espalhou por todos os lados.

A saraivada durou mais ou menos sete segundos, o suficiente para matar o bestante. Noah contou cerca de vinte e sete flechas cravadas em seu corpo e mais dezenas espalhadas pela terra árida.

Tremendo de dor, e de medo, apenas um pensamento passava pela mente do garoto. Ele não poderia atravessar aquela fronteira de jeito nenhum.

[Manhã, Segundo Dia]

O sol brilhava forte em toda sua magnitude, lançando ondas altas de calor na arena, nem mesmo as brisas de vento conseguindo refrescar os tributos.

Os irmãos Setsuna caminhavam pela floresta de cerejeiras, as armas em mãos, buscando vítimas para eliminar.

Magdalene vinha com sua regata transformada em cropped, a calça dobrada um pouco abaixo dos joelhos, um cinto cheio de bainhas ostentava a coleção de facas enquanto ela girava uma em suas mãos. Lothaire estava sem camisa, com o peitoral a mostra repleto de cicatrizes que se estendiam até seus braços, atravessando seu olho esquerdo, uma cicatriz descia de sua testa até a bochecha. Pequenos brindes de sua vida de cobrador. Ele não trazia nenhuma arma consigo.

ㅡ Hanna quer nos separar. ㅡ Disse Magdalene enquanto andava, alguns passos a frente do irmão. ㅡ Aquela vaca sabe que não consegue nos ganhar.

Lothaire, olhando firme sempre em frente, concordou com a cabeça.

ㅡ Quero fazer um teste. Amanhã irei caçar com Juniper, você vai ficar com a Hanna, Lothe. ㅡ A loira de repente parou, olhando em volta. ㅡ Se perceber a mínima intenção de traição vinda dela, pode matá-la.

O garoto freiou, parando de costas para a irmã e vigiando em seu ponto cego. Os dois ficaram ali, estáticos, movendo apenas os olhos, um complementando o campo de visão do outro.

Magdalene apertou o cabo da faca, tirando alguns fios teimosos que caiam sobre o rosto, jurando ter visto um vulto entre as árvores.

Então, confiando em seus olhos, Mag arremessou a faca, acertando de raspão no braço de alguém e cravando numa cerejeira.

ㅡ Achei alguns aqui, Loth! ㅡ Exclamou Lothaire no instante em que seu alvo começou a correr, sendo auxiliado por uns garota de cabelo raspado com a cabeça toda tatuada. ㅡ Eles estão tentando fugir!

Os Setsuna dispararam atrás de suas presas, Mag pegando a faca que arremessou antes e se preparando para lançar novamente. Lothaire encarava sério a nuca dos dois tributos a sua frente, sangue escorrendo do braço de um deles.

Com os Carreiristas em seu encalço, a dupla fugitiva se separou. A menina careca foi para a esquerda, o garoto com o braço sangrando continuou indo em frente.

ㅡ Lothaire, você fica com a garota! ㅡ Gritou Magdalene enquanto seguia atrás do menino. ㅡ Deixa esse aqui comigo!

Lothaire fez um joinha com a mão, virando pela esquerda e indo atrás da careca. Mag esticou a mão que segurava a faca, os dedos segurando a ponta da lâmina, mirando as costas do tributo.

A faca zuniu no ar, sendo lançada com maestria e precisão, enquanto ambos os jovens corriam. Por pura sorte, ao tropeçar em uma raiz e cair de bruços no chão, o garoto conseguiu desviar da faca.

Magdalene avançou sobre ele, sacando uma nova lâmina da bainha. Ela pulou, a faca em mãos apontada para baixo, acertando a terra quando o oponente rolou e se pôs a correr novamente.

As flores rosas se tornaram um borrão, os fios loiros levados pelo vento, enquanto Magdalene reiniciou sua perseguição, agora mais focada, preparando um novo lançamento.

ㅡ Dá pra parar quieto, moço? ㅡ Berrou Mag arremessando a faca.

Após girar no ar, a lâmina concluiu todo seu trajeto, acertando em cheio seu alvo bem nas costas. O garoto urrou de dor e caiu no chão. Lene alcançou o tributo, arrancando a faca de duas costas à medida que ele gritava ainda mais.

ㅡ Sua puta, vá pro inferno! ㅡ Pestanejou o garoto girando o corpo e bloqueando a faca.

A faca da loira já estava com sua rota planejada quando atravessou o bloqueio, também conhecido como as mãos sobrepostas, do garoto. Sangue pingou em seu rosto enquanto ele berrou, chutando Magdalene para trás.

ㅡ Mas você é burro também! ㅡ Respondeu a garota recobrando o equilíbrio. ㅡ Se tivesse ficado quieto eu já teria te matado e você não ia sentir essa dor toda de agora!

ㅡ Vadia! ㅡ O garoto se pôs de pé, olhando aterrorizado o corte que atravessa suas mãos, sangue escorrendo e manchando a grama e as flores caídas de vermelho vivo.

Numa nova tentativa de fuga, o tributo deu as costas para Lene. A Carreirista, porém, foi mais rápida e correu até ele, saltando e desferindo um chute nas costas.

Cambaleando para frente, o garoto não perdeu o equilíbrio e sacou uma machadinha presa no cinto da calça. Ele girou o corpo, segurando o curto cabo de madeira com as mãos trêmulas.

Os olhos vermelhos moravam Lene com pura raiva, as bochechas levemente úmidas. Respirando com dificuldade, o garoto desistiu de fugir e partiu para o ataque, avançando em sua perseguidora.

Magdalene sacou mais uma faca, tendo agora uma lâmina em cada mão, desviando dos ataques com facilidade.

A machadinha cortava o ar sem parar, o garoto visivelmente desesperado gritava de puro ódio. Seu corpo inteiro tremia a medida que mais sangue se perdia, escorrendo de suas mãos, e ele pegava mais. Lene não parava de se esquivar, vez ou outra bloqueando com as facas.

Magdalene procurava uma brecha para atacar. Não queria correr o risco de ser acertada por aquela machadinha trêmula. Se esquivando e recuando para trás, ela só parou quando sentiu suas costas baterem numa árvore.

Com os olhos arregalados, Magdalene jogou o corpo para baixo, evitando ter seu abdômen atingido em cheio. A machadinha cravou no tronco e não quis mais sair.

O garoto rapidamente abandonou sua arma, tropeçando desesperado enquanto andava para trás. Lene ficou de pé, apontando as facas para ele.

ㅡ Vamos lá, companheiro. É a terceira vez já! ㅡ A loira disse vendo seu oponente tropeçar no próprio pé e cair de costas no chão. Ela arremessou uma das facas em seu pé.

Lágrimas escorreram de seus olhos vermelhos, as pupilas tremendo desesperadas, quase saltando dos globos oculares. O garoto urrou e se debateu, tentando levantar. O sangue que escorreu das mãos e do pé formavam uma poça na grama verde.

Fazendo um último e certeiro arremesso, Lene suspirou aliviada no instante em que a faca acertou a testa do garoto, espirrando vermelho pra todo lado.

Canhão.

O olhar desesperado permaneceu mirando Magdalene mesmo após o corpo parar de se mexer. Ela ajoelhou sobre ele, levando a mão até o rosto e fechando seus olhos.

ㅡ Eu vou te matar, desgraçada! ㅡ Gritou a garota careca, surgindo das árvores na frente de Magdalene, com um machado de batalha em mãos.

Agindo mais rápido que a luz, Lene arrancou a faca da testa do tributo e, por uma fração de segundos, conseguiu bloquear a lâmina do machado. Graças a velocidade em que a careca estava correndo, Magdalene foi lançada de costas no chão.

ㅡ Apodreça no inferno! ㅡ Levantando o machado acima da cabeça, a careca cuspiu em Lene e apertou os dedos no cabo, se preparando para o abate.

A loira viu sua vida passar diante dos seus olhos. Todas as discussões com sua odiada mãe e seus clientes no bordel, todas as vezes em que acompanhava Lothaire em seus serviços de cobrador e acabava vendo o garoto tendo que assassinar alguém que não pagava, todas as vezes que se sentiu viva na companhia do irmão. Fechando os olhos e esperando o impacto do machado, Lene prendeu a respiração.

Então, correndo na direção da careca como se fosse arrombar uma porta, Lothaire atingiu as costas da garota com o ombro. Ela foi ao chão, urrando e soltando seu machado.

A careca tentou se aproximar de Magdalene, rastejando e enfiando as unhas na terra. Lothaire não poupou tempo, ele aproveitou que sua oponente estava caída, se aproximou segurando e girou sua cabeça para o lado. Magdalene pode ouvir o som dos ossos se quebrando.

Canhão.

ㅡ Valeu, Lothe. ㅡ Disse a loira no momento em que o irmão a ajudou a se levantar. Lothaire abraçou a garota, dando tapinhas leves em suas costas. Lene sorriu para ele e passou a mão em seus cabelos, bagunçando-os. ㅡ Obrigada por me proteger.

Lothaire concordo acenando com a cabeça. Ele abaixou o olhar para os dois tributos caídos e depois levantou de volta para a irmã.

ㅡ Sim, eles são os dois do Sete. É uma dupla a menos, certo?! ㅡ Lene pegou suas facas que estavam caídas no chão e limpou o sangue nas flores de cerejeira. ㅡ Que tal voltarmos pra Cornucópia pra ver como tá nossa amada Hanna?

[Tarde, Segundo Dia]

Luke contorcia seus dedos batendo uma unha na outra enquanto tentava trançar os raminhos de grama em mais uma corda. Os dedos já vermelhos e calejados não conseguiam acompanhar o ritmo rápido de Saher, que terminava sua décima corda enquanto Luke ainda estava na terceira.

ㅡ Como aprendeu a fazer essas coisas tão rápido? ㅡ Indagou Luke indignado com o nível de dificuldade daquilo. Como ramos tão pequenos podiam ser tão difíceis de manusear?

ㅡ Minha vó me ensinou a costurar quando eu tinha uns oito anos. ㅡ Respondeu Saher rindo, os cabelos negros soltos caindo pelo ombro. ㅡ Depois comecei a usar o que a natureza me dava, improvisando cordas quando queria brincar.

ㅡ Eu já admiro muito sua vó, haja dedos e paciência para fazer isso!

Saher riu baixinho, terminando sua corda e a jogando no chão. Gotículas de suor escorriam por sua testa e nuca. A brisa mal batia, fraca e apática, o sol iniciando sua descida.

ㅡ Tá muito calor hoje. ㅡ Disse Saher prendendo os cabelos num rabo de cavalo.

ㅡ Rá! ㅡ Exclamou Luke sorrindo, limpando o suor da testa com o braço, os fios loiros já empapados. Ele jogou a corda recém terminada no monte ao lado de Saher. ㅡ Terminei!

ㅡ Acho que já está bom.

ㅡ Tem certeza? Tô achando que vão ser poucas pra tapar os buracos.

ㅡ Vou continuar fazendo mais, vai amarrando elas nos galhos quebrados até ficarem firmes o suficiente pra aguentar as flores caídas. ㅡ A garota começou uma nova corda, arrancando ramos de grama no chão e os trançando.

Luke não pensou duas vezes, se levantando do chão e indo até às árvores, derrubando o máximo de galhos que conseguia.

Depois de passarem metade do dia cavando buracos em volta do acampamento improvisado, agora chegava a hora de os camuflar, transformando-os em armadilhas para possíveis inimigos.

Usando as cordas já prontas, o garoto prendia os galhos uns aos outros, firmando o suficiente para que ficassem unidos quando estivessem pendidos, tampando o buraco.

Os dois ficaram o resto da tarde focados em seu trabalho. Pretendiam ficar juntos até a reta final, então se fortaleceriam juntos, defendendo um ao outro. Após quase duas horas trabalhando duro, confeccionando cordas de grama e armadilhas para os buracos, Saher terminou cobrindo as tampas com as flores e alguns gravetos jogados de qualquer modo, jogando um pouco de terra também.

ㅡ Será que vai dar certo? ㅡ Luke observou o doze buracos que rodeavam em zigue zigue o local seguro deles, todos camuflados no chão.

ㅡ Sim, é quase impossível perceber eles durante a noite. ㅡ Saher olhou para o sol que começava a se esconder embaixo da terra. ㅡ Poderemos dormir mais tranquilos agora, se alguém tentar nos atacar provável vai cair em algum deles.

ㅡ É, espero. ㅡ Luke percebeu que sua aliada mirava o crepúsculo com um brilho no olhar. O rosto de Saher se iluminava com a luz fraca do sol poente, os dentes expostos em um sorriso sincero e gentil. ㅡ É lindo, não é?!

ㅡ Sim, a natureza é maravilhosa. ㅡ Saher deu uma fungada, como se estivesse tentando conter as lágrimas. ㅡ Minha vó costuma dizer que um dia todos os bons irão se tornar estrelas brilhantes no céu, onde passaremos nossas vidas eternas com todos que amamos.

ㅡ Não sei se meu destino é me tornar uma estrela. ㅡ Luke abaixou o olhar pro chão, jogando o cabelo suado para trás.

ㅡ Deixa disso, Luke. Já disse que todos nós fazemos coisas ruins.

Luke fez menção de ir se sentar ao lado das mochilas, onde o facão de Saher e seu par de foices estavam guardados. Porém a garota o segurou pela mão, puxando ele de volta.

Rindo com o olhar confuso e surpreso de Luke, Saher pegou na outra mão do garoto e começou a conduzi-lo numa dança estranha, movendo os braços e as pernas de qualquer forma, balançando a cabeça com graciosidade, rodando o corpo várias e várias vezes.

Saher parecia uma bailarina no auge de uma apresentação, quase flutuando sobre a grama, sentindo-se totalmente livre. Luke, por outro lado, estava mais duro e contido, dançando como um robô enferrujado.

ㅡ Por que isso? ㅡ Indagou o garoto tentando se acostumar com a dança.

ㅡ Eu chamo de a Dança das Estações. Quando minha mãe estava viva, íamos aos campos de grãos todas as noites quando ocorria a troca de uma estação para a outra. Passei a dançar sozinha depois que ela faleceu, e isso acabou se transformando em algo que me ajudava quando a saudade batia.

ㅡ Uma espécie de terapia pra você, então?

ㅡ É, pode se dizer que é isso! ㅡ Saher olhou no fundo dos olhos culpados e cansados do parceiro. A garota parou de dançar de repente. ㅡ Desculpa, achei que poderia te deixar melhor.

ㅡ Não! Vamos continuar dançando! ㅡ Luke tentou se mover do jeito que Saher o conduziu antes, falhando miseravelmente e fazendo um remexido estranho e engraçado. ㅡ Acho que não sou bom nisso.

ㅡ Eu também acho. ㅡ Saher ria alto, a lua escalando no céu e iluminando forte a arena na penumbra da noite recém chegada.

No meio do terror dos Jogos Vorazes, Luke sentia que Saher era a tão esperada luz do fim do túnel. Era como um anjo, um fetiche de esperança naquela escuridão tão profunda, encantando qualquer um cor sua graciosidade, seu sorriso radiante e o brilho de seu olhar.

De repente, atraindo a atenção da dupla, um barulho alto e ecoou. Saher rapidamente virou o rosto na direção de um dos buracos enquanto Luke correu até suas armas.

ㅡ Merda! ㅡ Berrou uma voz masculina. Saher sorriu achando graça daquilo, feliz pelas armadilhas terem dado certo. ㅡ Me ajuda a sair daqui, Claire!

ㅡ Segura minha mão, idiota! ㅡ A luz da lua, Saher conseguiu ver uma garota morena estendendo o braço para dentro do buraco ao seu lado enquanto uma mão o agarrava.

Luke voltou para perto de Saher, entregando o facão para ela. Ele apontou as foices na direção dos dois.

ㅡ Vamos fugir ou enfrenta-los? ㅡ Indagou Luke.

ㅡ Demoramos o dia todo para preparar esse lugar, não sairemos de jeito nenhum! ㅡ Saher segurou o facão com ambas as mãos. ㅡ Temos que espantá-los daqui!

Luke avançou correndo sobre a garota que içava seu parceiro para fora do buraco. Claire soltou o garoto e puxou o arco preso nas costas, bloqueando as foices do loiro.

Saher olhava tudo paralisada, as mãos trêmulas, enquanto Luke e Claire bloqueavam as investidas um do outro. Mãos surgiram na borda do buraco seguidos de alguns urros.

Fincando uma das foices na perna da garota, Luke chutou o abdômen de Claire com força. Ela gritou, tossindo e cuspindo na grama, sangue escorrendo da panturrilha. O loiro balançou o rosto, limpando o suor que escorria.

ㅡ Luke! Cuidado! ㅡ Saher correu no instante em que o garoto saltou de dentro do buraco. Ele estava apenas de cueca, a pele suja de terra e flores cheia de arranhões e sangue seco. O cabelo raspado do lado esquerdo caia até o ombro direito, o lado esquerdo do rosto preenchido por uma tatuagem de dragão.

Luke desviou do cutelo do Tatuado, girando o corpo e acertando a foice em uma de suas pernas. Saher saltou nas costas do garoto, agarrando seu rosto, as mãos tampando os olhos.

ㅡ Sai de cima de mim, vadia! ㅡ Berrou o Tatuado cambaleando para trás, uma das pernas sangrando.

Claire se levantou, aproveitando a distração do loiro e acertando seu arco nas costas dele. Luke urrou, tentando acertar seu cotovelo na garota.

O Tatuado andou de ré, acertando Saher numa árvore. A dor atingiu em cheio suas costas, derrubando-a das costas do oponente. Brandindo o cutelo com agressividade, o Tatuado desceu sua lâmina em Saher. Tomada pela adrenalina em suas veias, a garota girou o corpo pro lado, deixando o cutelo acertar a árvore.

Enquanto isso, Luke rodava as foices em suas mãos, cortando o ar e a pele de Claire cada vez que as pontas das lâminas tocavam na garota. Claire tentava desesperada engatilhar uma flecha no arco, mas o loiro não permitia, atacando sem parar.

Claire tropeçou e caiu de costas no chão, largando o arco ao lado do corpo. Luke pulou em cima dela, cravando as foices no peito da garota.

Canhão.

Saher desviava dos golpes do cutelo, vez ou ou outra contra-atacando ou bloqueando com o facão. O Tatuado sorria com malícia, lambendo os beiços e babando.

ㅡ Para de fugir, docinho! ㅡ Exclamou o Tatuado acertando um chute no abdômen de Saher. A garota tossiu, se encolhendo em posição fetal.

ㅡ Sai de cima dela! ㅡ Luke gritou avançado no Tatuado. Ele tentou atacar com a foice mas foi interceptado pelo cutelo.

As armas soltaram faíscas ao se encontrarem no ar, escapando das mãos de seus portadores. Luke girou o corpo, abaixando e dando uma rasteira no Tatuado.

Debatendo e tentando se levantar, o Tatuado acertou um soco no rosto de Luke. O loiro cuspiu sangue, agarrando os braços do Tatuado e os puxando para trás, imobilizando o garoto.

ㅡ Saher, ataca ele! ㅡ Gritou Luke segurando o Tatuado com toda a força enquanto ele se debatia, jogando as pernas pro ar.

Saher olhou atônita, limpando o rosto e se levantando com dificuldade. A barriga doía, resultado do chute que recebeu, a cabeça girando para todos os lados. Luke respirava com dificuldade, cruzando as pernas no tronco do Tatuado e puxando seus braços.

ㅡ Pega a faca, Saher! ㅡ Gritou desesperado. ㅡ Pega e mata ele!

A garota olhou pra todo lado, em busca de sua lâmina. A lâmina jazia caída um metro ao lado. Rastejando de quatro, Saher agarrou o cabo do facão com as mãos trêmulas e apontou pro Tatuado.

ㅡ Eu não vou mais aguentar segurar, Saher!

Ela ficou de pé, caminhando com dificuldade até o Tatuado, as mãos tremendos agressivamente enquanto lágrimas escorriam pelos olhos. Luke agarrava o garoto com todas as forças, gritando para que Saher o matasse logo.

Levantando seu olhar, Saher olhou no fundo dos olhos vermelhos e desesperados do Tatuado, lágrimas escorrendo de ambos os rostos. Aqueles olhos recheados de medo e temor, a raiva tendo sido substituída pelo horror.

ㅡ Mata ele, Saher! ㅡ Foi o ultimato de Luke.

O loiro não aguentou mais, os braços do Tatuado escapando de suas mãos. Saher fechou os olhos e correu, pulando e afundando o facão na testa do garoto.

Canhão.

ㅡ Obrigado. ㅡ Respondeu Luke respirando aliviado, deitando no chão e ofegando alto.

Saher concordou com a cabeça, os olhos esbugalhados mirando a lâmina cravada na testa do Tatuado, sangue escorrendo e sujando as mãos da garota.

Lágrimas escorriam descontroladas enquanto Saher pegava. Ela tinha acabado de matar alguém. Tinha tirado uma vida!

Virando o rosto para o lado, Saher vomitou. Os restos do almoço misturado com baba escorria até o chão. A garota tremia muito, sentindo o corpo todo doer e mal parando sentada.

A cabeça latejava com força. Saher parou de vomitar voltando a pensar no Tatuado. Uma pessoa que ainda poderia ter uma vida toda pela frente, ceifada pelas mãos de Saher.

Ela dobrou os joelhos no chão e se encolheu, enfiando a cabeça no meio dos braços e chorou. Chorou de dor, chorando de raiva, chorando de tristeza, chorando de saudades. Saher continuou gritando e chorando, sentindo suas forças indo embora, até desmaiar.

[Noite, Segundo Dia]

Pablo cambaleava pela floresta, andando a tropeços, lutando para manter o equilíbrio. A calça amarrada de qualquer jeito pelo tronco mantinha o sangramento das costas estancado. O arpão quase escapava dos dedos moles.

A cada novo passo uma pontada de dor percorria toda a espinha do garoto, subindo até sua cabeça e colaborando na enxaqueca. A boca seca implorava por água enquanto o estômago roncava alto, doendo. O calor da noite piorava sua situação, deixando o corpo todo do garoto suado.

Estando apenas de cueca boxer, e com uma calça amarrada no abdômen, qualquer um que visse Pablo acharia que o garoto estava louco. Mas não, ele só estava cansado, com sede, com dor e com fome.

ㅡ Venha, querido. ㅡ Disse Alina segurando a mão de Pablo. ㅡ Só mais um pouquinho, prometo.

ㅡ Tudo bem, meu amor. ㅡ Pablo respondeu arfando, quase não escutando sua própria voz por cima do barulho do estômago. Ele não comia nada desde a noite das entrevistas na Capital.

Alina sorria com graciosidade, trajando um vestido plissado rosa que brilhava a luz do luar, uma coroa de flores decorando os fios lisos loiros. Ela guiava Pablo, o puxando sempre em frente e impedindo que ele caísse.

Com a visão embaçada, Pablo cuidava para não tropeçar nos próprios pés. Sabia que se caísse não teria mais forças para levantar, vez o outra usando o arpão de bengala.

O som crepitante de uma fogueira chegou até seus ouvidos, fraco e reconfortante. Ele tentou parar, mas Alina continuou a puxar sua mão.

ㅡ Não posso, meu amor. ㅡ Pablo falou. ㅡ Não tenho forças para um combate agora.

ㅡ Eles não te farão mal! ㅡ Respondeu Alina se aproximando e selando seus lábios no dele.

O beijo pareceu acender uma fagulha de energia no corpo de Pablo. Ele sorriu sentindo lágrimas escorrerem por seu rosto, os lábios úmidos de Alina lhe trazendo paz.

Retomando a caminhada, a garota continuou a puxar seu amado pela mão. Aos poucos Pablo começou a avistar uma pequena fogueira, alguém deitado ao lado dela.

Um garoto loiro estava sentado próximo a fogueira, as costas escoradas no tronco de uma cerejeira. Com a visão turva, Pablo não conseguia distinguir quem era. O garoto se levantou no instante em que Pablo chegou perto, segurando uma lâmina.

ㅡ Obrigado, meu amor. ㅡ Disse Pablo para Alina. Sem obter resposta, o garoto olhou para todos os lados, procurando sua amada.

Se deu por vencido quando não a encontrou, permitindo que mais lágrimas escorressem. Seus joelhos cederam e ele caiu no chão de bruços. Pablo não ligava para quem era o tributo a sua frente, nem o que aconteceria com ele. Se entregou ao sono e ao cansaço e permitiu que seus olhos fechassem.

Não demorou muito para que os sonhos começassem. Pablo estava no Quatro, correndo pelas vielas do distrito, com apenas catorze anos. Alina, em seus braços, semiconciente, sangue escorrendo de seu peito no belo vestido branco.

Ele gritava, implorando por ajuda, enquanto a areia da praia entrava por seus dedos e as lágrimas escorriam aos montes no rosto, mas ninguém apareceu.

Então, Pablo tropeçou. Ele caiu derrubando Alina de seus braços. Rastejando até ela, checou o pulso e a respiração. Nada. A garota estava morta.

Socando a areia e gritando, Pablo prometeu para si mesmo que iria caçar e matar os malditos que fizeram aquilo com ela.

E o sonho se repetiu várias e várias vezes.

[Noite, Segundo Dia]

Maverick cambaleava, tropeçando nos próprios pés e nas raízes das árvores de cerejeira. O estômago doía, clamando por qualquer tipo de alimento, enquanto os lábios começavam a rachar devido a desidratação.

ㅡ Essas porras de árvores não servem pra merda nenhuma! ㅡ Exclamou Mave olhando feio para as cerejeiras, desejando que fossem um pé de maçã ou qualquer outra fruta ou planta comestível.

Depois de passar quase o dia todo dormindo embaixo do corpo do ruivo, o sono era o menor de seus problemas. A faca em suas mãos não servirá de nada, nem mesmo o agulhão roubado de seu oponente, já que nenhum esquilo ou pássaro apareceu. Carregando as duas lâminas firmes em suas mãos, ao menos teria com o que se defender caso algum outro tributo aparecer. Mas nem isso Mave conseguia encontro.

A lua brilhava forte, em toda a magnitude de seu auge no topo do céu, iluminando toda a floresta de cerejeiras.

De repente a quietude da floresta foi interrompida pelo hino da Capital, indicando que já era meia noite. A insígnia da Capital apareceu no céu, brilhando em branco. O primeiro rosto a aparecer foi de um garoto pardo, Distrito 7 escrito embaixo.

Uma menina careca veio em seguida, também do Sete. O próximo foi o ruivo que perseguiu Mave na madrugada anterior, vindo do Oito. Por fim uma garota negra e um garoto com metade do cabelo raspado e tatuagem de dragão no olho, ambos do décimo distrito.

Cinco mortos. Cinco baixas. Cinco vidas tiradas no segundo dia dos Jogos Vorazes. Somando as do segundo com as do primeiro dia, já se somava onze vítimas. Restavam treze tributos vivos.

Os rostos sumiram do céu, permitindo que a lua voltasse a toda sua glória. A floresta voltou a sua calmaria infinita, agora tendo brisas de vento balançando e durrubando das árvores as flores rosas.

Maverick não parou de caminhar, buscando algo para saciar sua fome e sua sede. Segundos depois, seus ouvidos captaram o farfalhar de alguns esquilos nas árvores.

ㅡ Então vocês resolveram aparecer?! ㅡ Maverick arremessou o agulhão no animal, acertando a calda e prendendo o esquilo na árvore. ㅡ Fica aí, não tenta escapar!

O esquilo se debatia desesperado, guinchando e tentando soltar sua calda. Maverick se aproximou e fincou a faca entre seus olhos, matando-o.

ㅡ Obrigado pela dó, idealizadores! ㅡ Exclamou o garoto arrancando o agulhão e pegando o esquilo.

Ele guardou a faca num dos bolsos da calça, segurando o agulhão numa mão e o esquilo na outra. Estava prestes a começar a catar galhos para acender uma fogueira quando o barulho de água corrente preencheu sua audição. Era o som mais belo que já havia escutado durante toda sua vida.

Disparando na direção da água, não demorou muito até encontrar uma pequena cascata rodeada por um laguinho de águas cristalinas. Maverick jogou o animal no chão e o agulhão no lago, se ajoelhando na borda, abaixando a cabeça e bebendo água aos montes.

A cada novo gole sentia seu corpo todo estalando e lubrificando. Sua garganta agradecia tanto quanto os lábios secos. O calor que sentira o dia todo havia se extinguido. Não aguentando de felicidade, Maverick mergulhou de cabeça na água.

O garoto nadou por alguns segundos, submerso totalmente, sentido o líquido limpar e esvair cada gots de suor de sua pele. Após levar a cabeça até a superfície e inspirar mais oxigênio, Mave foi até a cascata, mergulhando embaixo dela, sentindo paz pela primeira vez desde que pisou na arena.

Então, provando para ele que nunca teria paz em nenhum momento de sua vida, o chão sumiu e ele afundou. Caindo através da água, Maverick sentiu o ar chegando em seus pulmões até o momento em que sua bunda se chocou contra o chão duro, exclamando de dor.

Maverick olhou em volta, estava em uma caverna escura e árida, a água do laguinho correndo acima de um buraco, sem cair. Ele franziu a testa. Virando o rosto pro chão, achou seu agulhão caído ao lado.

Para seu completo desgosto, ele não estava sozinho na caverna. No momento em que seus olhos se acostumaram a escuridão, pode distinguir o rosto fino e branquelo da garota com quem brigou na noite das entrevistas. Ela o olhava com um misto de surpresa, indignação e raiva.

ㅡ Nem ferrando que você foi o burro que caiu aqui dentro! ㅡ Exclamou Meredith.

001 ㅡ O CAPÍTULO QUATRO CHEGOU SEGUINDO O CRONOGRAMAAAAAAA!

002 ㅡ Tá longuinho, então tratem de se acostumar pois os próximos serão assim também.

003 ㅡ Esse foi o mais "calmo" dentre os que acontecem arena, lembrando para não se apegarem aos personagens!

004 ㅡ Quem será que o Pablo encontrou? E o que vai acontecer com Mave e Meredith?? É melhor o Noah tomar cuidado com aquela terra árida...

005 ㅡ Deixa o feedback, votos e comentários senão o Noah vai de vala hein! <3

Contagem de palavras ㅡ 8270 palavras

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