➶ 𝗖𝗮𝗽𝗶𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗜𝗜𝗜 ㅡ 𝗘 𝗧𝗲𝗻𝘁𝗮𝗺 𝗗𝗶𝘀𝗳𝗮𝗿𝗰𝗮𝗿
[01 hora antes dos Jogos]
ㅡ Eu não quero! ㅡ Disse Estellian, o irmão mais velho de Valerian, batendo o pé no chão e encarando o pai de braços cruzados. Atrás dele, Valerian, com apenas quinze anos, estava sentado no piso de madeira envernizada, as pernas cruzadas, os gêmeos Roxane e William, de treze anos, ao seu lado. ㅡ Eu não quero essa vida, não quero correr o risco de morrer por algo que nem acredito!
ㅡ Isso não é uma escolha, Estellian! ㅡ O pai deles, Charles, o vencedor da quinta edição dos Jogos Vorazes, esbravejou tirando a mão de cima da bainha de seu canivete e apontando o dedo na cara de seu primogênito. ㅡ Você vai e pronto! Temos um legado a defender nesta família, uma honra!
ㅡ Honra? Que porra de legado é esse? Você é o único que venceu até agora, não temos legado nenhum! Cadê aquele homem que odiava os Jogos Vorazes? Aquele homem que perdeu tudo que tinha e nos criou odiando o sistema em que vivemos? ㅡ Estellian suspirou irritado e abaixou o tom de voz, os fios negros sedosos caindo sobre os olhos azuis cinzentos. ㅡ Snow conseguiu manipular você, é uma pena.
ㅡ Estellian deu as costas para o pai, se aproximando dos irmãos mais novos, as veias saltadas nos músculos. Charles coçou a testa e suspirou, se dando por vencido.
ㅡ Então você não quer ir para os Jogos, certo? ㅡ Charles indagou olhando fixamente para a nuca de seu primogênito, a mão segurando a bainha de seu canivete. Estellian concordou com a cabeça. ㅡ Tem mais alguém que não quer? É bom falar agora.
Valerian não se mexeu, permaneceu encarando os olhos de Estellian, jamais iria ir contra uma ordem de seu pai, isso não era digno nem perfeito. Ao seu lado, Roxane levantou a mão, mas William não.
ㅡ Isso é uma pena. Mas eu amo vocês, terei que me conformar. ㅡ Então, num piscar de olhos, Charles sacou seu canivete e avançou contra o primogênito, afundando a lâmina curta nas costas do filho. ㅡ Não posso deixar que nosso legado seja manchado.
ㅡ Que merda? ㅡ Valerian olhava aterrorizado enquanto sangue escorria das costa de Estellian e descia para suas pernas, manchando a roupa. Os olhos do garoto gradativamente perderam a cor e ele começou a tossir sangue.
ㅡ Perfeito é aquele que obedece o que lhe é mandado. ㅡ Disse Charles tirando o canivete do primogênito e deixando seu corpo semi morto cair no chão. ㅡ Felizmente dois dos meus amados filhos ainda sabem como respeitar seu pai, não receberam nenhum castigo.
William se aproximou lentamente de Valerian, se escondendo atrás do irmão enquanto Roxane, com um salto, ficou de pé e tentou correr gritando. Charles não esperou um segundo sequer antes de arremessar o canivete na filha enquanto Valerian e William assistiam a cena totalmente atordoados.
O medo consumia Valerian enquanto a respiração trêmula do irmão chegava em sua orelha. Ambos estavam ofegantes, e ambos sufocaram seus gritos no instante em que o canivete do pai atingiu a cabeça de Roxane e afundou em seus cabelos. A garota caiu imediatamente, sangue escorrendo e manchando seus fios negros de vermelho.
ㅡ Não temam, meus filhos. ㅡ Respondeu Charles agachando ao lado dos dois garotos e fazendo cafuné em ambos. ㅡ Bons garotos não devem temer, fiquem tranquilos, vocês estão um passo mais perto de alcançarem a plenitude da glória e honra!
Valerian fechou os olhos sentindo as lágrimas se acumularem, ele não podia demonstrar fraqueza e chorar na frente do pai, ele tinha que se manter forte, forte e perfeito.
Então, no momento em que abriu os olhos novamente, Charles não estava mais a sua frente, fazendo cafuné em sua cabeça, nem William estava respirando trêmulo ao seu lado. O que Valerian via era totalmente diferente.
A sua frente, através de uma tela enorme localizada no centro da praça principal do Distrito 1, Valerian assistia a programação ao vivo do vigésimo quarto Jogos Vorazes, olhando atento para William que corria desesperado para a Cornucópia enquanto um terremoto afundava a arena.
O irmão de Valerian, com apenas quinze anos, havia se voluntariado como tributo masculino daquele ano e estava se saindo muito bem, faltava apenas ele e a garota do segundo distrito, logo o vencedor iria ser coroado.
Valerian estava aflito, sabia que o irmão tinha chances de vencer, mas temia pela vida dele. Sabia que, num movimento errado, William poderia acabar por perder a vida. E, com um pisão em falso, seguido de um desequilíbrio e tropeço, William foi de encontro ao chão. Mas o chão não estava lá, a terra solidão cheia de pedras e areia havia afundado, deixando apenas o vazio escuro e sem fundo.
William gritou desesperado enquanto despencava no abismo sem fim, rodeado das trevas, até que as câmeras não conseguiram mais captar sua voz. O barulho do canhão que anunciou a morte do irmão fez com que Valerian congelasse. A respiração se tornou ofegante à medida que as lágrimas involuntárias se acumulavam em seus olhos e escorreram pelo rosto esculpido.
Mais uma vez ele perdeu um irmão. Mais uma vez por culpa dos Jogos Vorazes. Mais uma vez ele sentiu vontade de gritar, de correr, de sumir. Mas aquilo não era digno, não era honrado, não era perfeito.
Tentando controlar sua respiração, Valerian fechou os olhos e se afundou no mar de escuridão, ele tapou os ouvidos com as mãos para não escutar a voz de Caesar Flickerman anunciando a vencedora. Respirava devagar, inalando o máximo de ar possível, e tentava ao máximo afastar qualquer pensamento relacionado a William de sua mente. Mas algo o impedia.
Em baixo tom, como se estivesse a quilômetros de distância, uma voz chamava pelo nome de Valerian. Era rígida e grave, uma voz que ele conhecia bem e nunca esqueceria.
ㅡ Abra os olhos, Valerian. ㅡ Disse Charles tirando o filho de seu torpor.
Seguindo a ordem de seu pai, Valerian abriu os olhos com sonolência, sentindo o rosto úmido enquanto percebia que estava deitado na cama de seu quarto, na Capital. À sua frente, Charles sorria alegre.
ㅡ É hoje o grande dia, meu filho! Os Jogos Vorazes começam hoje! Vamos, se levante e tome seu café, os Pacificadores virão lhe buscar em breve. ㅡ Charles passou a mão pelos cabelos de Valerian, bagunçando-os, e saiu do quarto, fechando a porta.
Bocejando, Valerian tirou os cobertores de cima de si enquanto pensava em seu sonho. Memórias, na verdade. As piores que possuía e que frequentemente tentava afundá-las no fundo de sua mente, enterradas e escondidas ao máximo de tudo e todos, inclusive ele próprio.
[Banho de Sangue, Primeiro Dia]
Pablo segurou-se firme enquanto o Pacificador prendeu a trava da corrente amarrada por seus braços e pernas. O vento entrava pela porta aberta do aerodeslizador e dificultava a comunicação dentro da nave. Ao lado de Pablo, Hanna sorria se aproximando da beirada e olhando para baixo, as correntes já presas em seu corpo.
ㅡ Está na hora. ㅡ Disse o Pacificador colocando Pablo ao lado de Hanna. Ele encostou cada uma das mãos nas costas de um dos dois e se preparou para empurrar. ㅡ Vocês irão cair até o limite da borracha, depois a corda vai descê-los devagar. Quando Lucky der o sinal, as travas das correntes vão se soltar e o jogo terá começado. Boa sorte.
Sem que Pablo pudesse responder, o Pacificador empurrou ele e Hanna para fora do aerodeslizador. Seu primeiro instinto foi tentar se agarrar em algo, mas o ar não possuía nada sólido o suficiente.
Os cabelos de Pablo não paravam quietos enquanto sentia um frio na barriga, o medo o consumindo e a adrenalina começando a fazer efeito em suas veias. Ele olhou pro lado e viu Hanna sorrindo e gritando de felicidade, a maioria dos outros tributos estavam gritando desesperados, todos amarrados por correntes e conectados aos aerodeslizadores por meio das cordas de borracha. Então, tomado pela coragem, Pablo olhou para baixo, a vista lhe permitindo ver toda a arena.
A Cornucópia dourada estava bem no centro, rodeada por um enorme descampado e, como um contorno grosso, árvores de folhas rosas. Cada segundo que Pablo despencava o medo de atingir o chão o acometia. O solo, antes pequeno e longínquo, agora estava perto e em foco de sua visão.
ㅡ Merda! ㅡ Berrou Pablo no instante em que a corda de borracha se esticou por completo e o puxou de volta pra cima, a inércia logo o fazendo cair até o limite da borracha.
A corda então começou a descer gradativamente, como se uma manivela estivesse girando lá em cima e liberando mais metros de borracha. Os poucos metros do chão logo foram cobertos por completo e Pablo sentiu o alívio de finalmente pisar em terra firme. À sua volta todos os outros estavam pousando também, cada um com sua dupla do lado e posicionados em sentido horário e ordem crescente de distritos. As travas das correntes continuavam presas, os tributos se encarando e mirando a Cornucópia.
ㅡ Vamos a contagem regressiva! ㅡ A voz de Lucky Flickerman ecoou pela arena, fazendo Pablo relembrar toda sua vida, talvez aqueles fossem seus últimos segundos. ㅡ Dez… Nove… Oito…
Fechando os olhos uma última vez, Pablo fez memória do tio e de sua amada, do curto período em que os três levaram uma vida boa no quarto distrito. Ele fez memória de Hanna na Colheita, fez memória dos dias com ela no trem, dos treinamentos com Valerian e tudo que lhe foi aconselhado por seu mentor. Por último a lembrança do firmamento da Aliança Carreirista veio à mente.
ㅡ Três… Dois…. Um! Bom Jogos Vorazes a todos! ㅡ Lucky exclamou seguido do soar retumbante de um canhão, indicando que foi dado partida.
Pablo não pensou muito, apenas, pela primeira vez desde que pisou na arena, focou e analisou a Cornucópia enquanto as travas das correntes eram abertas e ele se livrava delas. Um tridente dourado estava alojado no topo e ele sabia que, por mais que mantivessem uma aliança, Hanna não poderia pegar aquela arma.
Nos cinco segundos que perdeu pensando, todos os outros começaram a correr. Vozes e gritos ecoavam por todos os lados enquanto os tributos se aproximavam da Cornucópia e de uns aos outros. Pablo se preparou e correu a passos largos, acostumado, como se estivesse perseguindo mais uma de suas vítimas. Ele tinha que pegar o tridente!
O caminho até o chifre dourado não fora difícil, em poucos segundo o garoto ultrapassou a maioria dos jovens e começou a escalar a Cornucópia, mexendo os braços e pernas rapidamente. Com sua visão periférica conseguiu avistar o garoto do Distrito 6 e o do Distrito 9 disputando algumas bolsas enquanto o menino do Cinco corria desesperado com uma mochila nas costas e uma faca na mão em direção a floresta cor de rosa.
Então, assim que conseguiu chegar no topo da estrutura metálica e roçar a mão no cabo do tridente, alguém o puxou para o outro lado. Pablo se pôs de pé pronto para lutar, mas Hanna sorriu para seu parceiro.
ㅡ Foi mal, Pablito, mas esse bichinho aqui é meu! ㅡ Hanna falou dócil e alegre, apontando para um arpão que estava entre as armas posicionadas em volta da Cornucópia. ㅡ Pega aquele lá, você vai gostar também.
ㅡ É, pode ser. ㅡ Pablo sabia que seria um erro deixá-la com o tridente, mas não estava afim de arrumar briga com sua parceira no primeiro dia.
Ele desceu com um salto, agarrando o arpão e olhando em volta. A maioria dos tributos disputavam alguma coisa com os outros, com exceção de Magdalene que arremessava facas e perseguia a garota do Distrito 12 em direção a floresta. Ele não sabia onde estava os outros Carreiristas.
O primeiro minuto não fora tão desafiador quanto achava, nenhum canhão havia soado ainda e todas as lutas pareciam bem equilibradas, talvez esses realmente fossem os piores e mais perigosos adolescentes de Panem.
ㅡ Ei, por que tá parado aí? ㅡ Indagou Valerian se aproximando saindo de dentro da Cornucópia, um canivete em sua mão.
ㅡ Valerian! ㅡ Pablo respondeu entusiasmado, feliz de ver o garoto ali, inteiro e salvo. Os dias na Capital foram mais fáceis de suportar com a companhia de Valerian e ele sabia que sem ele o tempo na arena seria um inferno. ㅡ Tá pronto pra come…
Sem que pudesse completar sua fala, Pablo arregalou os olhos enquanto o sangue escarlate jorrou e as três pontas do tridente de Hanna atravessaram o peito de Valerian e se cravaram no chão, empalando o garoto e o matando instantaneamente.
Canhão.
O primeiro canhão, a primeira morte. Os olhos ainda abertos encaravam o chão sem qualquer brilho, o líquido vermelho escorrendo no chão e formando uma poça.
Pablo levantou seu olhar apenas para ver Hanna sorrindo maliciosamente. A raiva percorreu suas veias à medida que ele se dava conta do que tinha acabado de acontecer. Hanna se aproximou e ficou apoiada no cabo do tridente, o corpo de Valerian ainda empalado.
ㅡ Foi mal, Pablito. Mas decidimos fazer uma mudança na Aliança Carreirista desse ano e alguns membros tiveram que ser cortados. ㅡ Hanna disse enquanto olhava Lothaire quebrando o pescoço da garota do Distrito 1, parceira de Valerian.
Canhão.
ㅡ Sabe, foi uma pena ter confiado tanto em mim. ㅡ Hanna puxou o tridente, permitindo que o corpo inerte finalmente caísse no chão, espirrando sangue da poça para os lados.
ㅡ Jamais confiei em você, Hanna. Matar crianças apenas para ter a chance de ser enviada a uma chacina? Até o demônio tem medo de você!
ㅡ Não acho que você está na posição de me afrontar! ㅡ A ruiva girou o tridente em suas mãos e o apontou para Pablo, sorrindo sempre enquanto mais canhões soavam.
ㅡ Cai dentro, Hanna. ㅡ Pablo empunhou o arpão atento aos movimentos da garota.
Hanna fez o primeiro movimento. Com os braços esticados, ela avançou cortando o ar com o tridente. Pablo girou o corpo e bloqueou o ataque com o arpão. Ele deu alguns passos para trás, buscando recobrar o equilíbrio e enrolou a corda do arpão em seu braço.
Novamente, Hanna atacou. A ruiva lançou seu tridente que, graças a todo o treinamento que recebera no Quatro, Pablo desviou por muito pouco, mas não conseguiu se esquivar do soco desferido pela garota.
Sabia que, sem seu tridente, Hanna atacaria corpo a corpo e temia por isso. Hanna era exímia em combate físico, durante todo seu treinamento ela nunca ligou muito para as armas.
À medida que a garota se aproximava, Pablo arremessou seu arpão. Hanna desviou da lâmina, que cravou na terra, a corda ligada ao cabo ainda amarrada no braço de Pablo.
ㅡ Por que parou de atacar? ㅡ Indagou Pablo aproveitando para ficar de pé enquanto Hanna descansava.
ㅡ Não serei eu quem vai te matar, só precisava te distrair por um tempo. ㅡ Respondeu a garota.
Pablo franziu a testa não entendendo o que Hanna queria dizer. Ela sorria e olhava para ele. Ou melhor, para trás dele. Então, no limite de sua visão periférica, o garoto conseguiu ver alguém se aproximando por trás.
Sem tempo de reação, ele tentou desviar da lâmina, em vão. Seja lá o que tinha lhe apunhalado, fora cravada pouco abaixo de suas costelas, o sangue escorrendo pela pele enquanto a dor excruciante chegava.
ㅡ Acho que esqueci de avisar que Juniper se juntou a nós. Ela é boa fingindo, né?! Nem parecia que estava conversando conosco durante todo o treinamento.
ㅡ Vá se foder, Hanna. ㅡ Aproveitando o pico de adrenalina, no momento em que Juniper tirou a lâmina de dentro de Pablo, permitindo que o sangue jorrar com liberdade, o garoto puxou a corda de seu arpão com toda a força.
A lâmina veio com velocidade até às mãos de seu mestre, mas antes roçando dois de seus ganchos invertidos nas costelas de Hanna e arrancando gritos de dor e sangue da garota.
Juniper tentou uma reação, mas Pablo girou o corpo e tentou cravar a ponta do arpão em seus pés. A garota pulou para trás, ainda segurando a navalha ensanguentada com que apunhalou Pablo. Era uma lâmina pequena que, por sorte, não teria atingido nenhum órgão vital.
Sentindo sua visão começar a ficar preta enquanto a cabeça girava, Pablo disparou em direção a floresta, a dor tentando o derrubar enquanto apertava o arpão firme em mãos e sangue jorrava da suas costas, deixando um rastro de manchas vermelhas na grama verde.
[Manhã, Primeiro Dia]
ㅡ Como assim vocês não mataram o Pablo? ㅡ Indagou Magdalene se aproximando da fogueira que Lothaire estava acendendo, Hanna e Juniper sentadas no chão e limpando alguns pedaços de carne que encontraram numa caixa de metal dentro da Cornucópia.
ㅡ Ele conseguiu fugir, mas provavelmente vai morrer de hemorragia ou infecção. ㅡ Respondeu Hanna massageando levemente com a mão a região das costelas onde o arpão de Pablo a atingiu.
Uma calça de trilha cheias de bolsos toda ensanguentada compunha o uniforme de Hanna, a regata dada igualmente a todos os tributos transformada em um top enquanto as costelas estavam rodeadas de esparadrapo. As botas pretas respingadas de vermelho e de terra.
ㅡ Vocês estavam em duas, ele era apenas um! ㅡ Lene reclamou se sentando ao lado do irmão, e observando o estado do descampado depois do banho de sangue.
ㅡ Contando com os corpos de Valerian e sua parceira de distrito próximos a Cornucópia, ao todo eram seis mortos. A grama verde estava manchada de rubro, vários rastros de sangue seguindo por todos os lados até as árvores de flores rosas. A beleza das árvores de cerejeiras contrastando com a brutalidade da carnificina ocorrida a pouco.
ㅡ Não tem com que se preocupar, Magdalene. Já disse, ele vai morrer de hemorragia. ㅡ Hanna sorriu no instante em que a fogueira de Lothaire incendiou. ㅡ É só o rosto dele aparecer no céu, enquanto isso seguiremos normalmente com o plano.
ㅡ É, pode ser. ㅡ Lene disse. ㅡ De toda forma já eliminamos o maior perigo e incapacitamos o outro.
ㅡ Não acho que Valerian e Pablo sejam os mais fortes dessa edição. ㅡ Disse Juniper abrindo a boca desde o começo dos Jogos. ㅡ São todos perigosos.
ㅡ Perigosos em seus distritos. ㅡ Explicou Magdalene. ㅡ Mas aqui dentro não são tudo isso. Por mais que nós sejamos treinados, Pablo além de tudo era assassino de aluguel perito e Valerian foi treinado a vida toda por um vencedor dos Jogos, aquele garoto era perfeito em tudo que fazia.
ㅡ Eliminar o topo da cadeia alimentar foi nossa melhor decisão. ㅡ Hanna terminou de limpar a carne e a entregou para Lothaire que acabara de improvisar uma grelha com algumas espadas de esgrima e corda. ㅡ Agora nós somos o topo dela.
ㅡ Só acho que devemos tomar cuidado. ㅡ Juniper entregou sua carne ao garoto. ㅡ Os outros são psicopatas perigosos e fortes, não podemos nos superestimar tanto.
ㅡ Tanto faz. ㅡ Hanna ficou de pé e olhou em volta. ㅡ Fizemos seis baixas hoje, foi uma média baixa, mas vamos começar com os trabalhos amanhã. Sairemos para caçar em dupla, eu e Lothaire, Magdalene e Juniper.
A ruiva começou a caminhar em direção da estrutura metálica, mas foi impedida pela voz de Magdalene.
ㅡ E quem te deu essa autoridade toda pra decidir? ㅡ Indagou a loira com as mãos nos joelhos.
ㅡ Não é óbvio? O mais forte lidera, e acho que tá na cara quem é a mais forte por aqui. ㅡ Hanna se virou encarando a aliada com desprezo.
ㅡ Tem certeza? ㅡ Magdalene levantou com um pulo e sacou uma faca pequena, se aproximando e apontando a lâmina para Hanna. ㅡ Desculpa, mas acho que as coisas não estão muito óbvias não.
Juniper observava as duas com cautela, pronta para qualquer situação que ocorresse, enquanto Lothaire ficou de pé e caminhou até a irmã devagar.
ㅡ Vai mesmo querer me enfrentar agora? Sabe que não tem chances. ㅡ Disse Hanna.
ㅡ Cai dentro querida… ㅡ Lothaire interviu a irmã ao colocar sua mão no ombro dela. A loira parou de falar por alguns segundos, olhando para trás e vendo o olhar preocupado do mais velho. Revirando os olhos, Lene cedeu. ㅡ Fica com a merda da liderança, Hanna. Mas eu e Lothaire iremos sair juntos nas caçadas, sem discussão!
ㅡ Por mim tudo bem. ㅡ Respondeu Hanna sorrindo, visivelmente a contragosto.
Hanna voltou a sua caminhada pra dentro da Cornucópia enquanto Lothaire sentou ao lado da fogueira e continuou a assar a carne. Juniper observava os carreiristas em sua instável aliança preste a quebrar.
Lene agachou dobrando os joelhos e os apoiando na grama, ao lado do irmão, olhando os corpos dos tributos. Valerian e Sophie, do Distrito 1, as garotas dos Distritos 6 e 8 e, por fim, a dupla do Três. Praticamente todos os cadavares estavam multilados e perfurados, o sangue escorrido começando a secar a medida que moscas pousavam nas feridas.
Por mais que quisesse, Lene não conseguia tirar o olhar do robusto garoto do terceiro distrito. Um belo rapaz moreno dos cabelos encaracolados, braços e pernas musculosos e cicatrizes pelo corpo. Aquele, juntamente com Sophie, era o único corpo que não estava perfurado, pelo contrário, a morte foi resultado de um pescoço quebrado. A marca registrada de Lothaire.
A imagem do garoto com o pescoço quebrado causava desconforto em Magdalene, lembranças do principal cliente de sua mãe se aproximando sorrateiramente. Os pelos de Lene se arrepiaram e carocinhos surgiram em sua pele a medida que ela se lembrava do irmão a salvando do estuprador e quebrando seu pescoço como se fosse algo rotineiro.
Então, arrancando Lene de suas lembranças ruins, Lothaire, parecendo perceber o desconforto da caçula, passou seus braços musculosos pela irmã e a abraçou por trás, encostando sua cabeça na dela.
ㅡ Sinto muito por ter te arrastado para cá. ㅡ Sussurrou Lene observando as flores de cerejeira enquanto acariciava o braço do irmão. Lothaire sacrificou toda sua infância e sua educação para que ela tivesse uma boa vida, tentando ao máximo livrar a irmã do bordel em que a mãe dos dois vivia. Infelizmente a forma mais rápida de ganhar dinheiro foi em troca de cabeças, adquirindo o ódio dos cidadãos do Distrito 2. ㅡ Vamos dar um jeito de algum de nós sair daqui.
[Manhã, Primeiro Dia]
Noah corria o mais rápido possível, a mochila em suas costas pulando e parecendo pesar a metade do peso do garoto, enquanto a adrenalina em suas veias ainda fazia efeito e o dava vigor e energia.
Já fazia cerca de meia hora que o garoto fugiu da Cornucópia com a mochila e algumas armas em mãos, adentrando as árvores de cerejeiras o máximo que podia, sempre em frente indo a fundo no terreno. Suas pernas sempre em movimento começavam a dar indícios de que estavam cansadas a medida em que pássaros e esquilos se assustavam e se espalhavam quando o garoto passava correndo.
Com a respiração ficando pesada, o garoto não parecia dar trégua em sua corrida. Sua estratégia era simples: ficar o mais longe possível da Cornucópia, consequentemente dos outros tributos, principalmente os Carreiristas. Ele sabia que seu porte pequeno não ajudaria muito numa luta corpo a corpo contra os brutamontes mais letais de toda Panem, então precisaria ganhar o máximo de terreno possível e se preparar para possíveis perseguições.
O terreno era sempre o mesmo, não importando a quantidade de metros, ou quilômetros talvez, que Noah estivesse percorrendo. Os troncos claros com a incríveis flores rosas não paravam de repetir, mudando apenas suas posições, com animais pendurados nos galhos mais alto.
Então, pegando Noah totalmente desprevenido e quase o fazendo ter um ataque do coração, o garoto sentiu seus pés voarem e não pisarem no chão, seguido de um dolorido baque ao ir de encontro com o solo gramado e descer rolando uma ribanceira de uns quatro metros, engolindo terra e mato no caminho.
Ele só parou de rolar ao bater a barriga num tronco de cerejeira, não sabendo se reclamava pela súbita dor ou ficava feliz por ter conseguido parar.
ㅡ Que merda aconteceu? ㅡ Indagou o garoto para si mesmo, sentando e tirando a mochila das costas.
Noah observou em volta, percebendo agora a ribanceira por onde rolou forrada de grama e flores rosas. Do lado direito, uns cinco metros depois da árvore em que ele bateu, a vegetação verde se transformava em um terreno árido, cheio de areia e terra vermelha e pequenos pedaços de rochas.
A divisão das duas vegetações era como uma linha dividindo dois sabores de pizza ao meio, algo que Noah pode presenciar pouquíssimas vezes, e parecia delimitar a fronteira de algo.
ㅡ Bora ver o que eu tenho aqui. ㅡ Noah falou abrindo todos os zíperes da mochila e a virando de cabeça para baixo, chacoalhando e derrubando todo seu conteúdo.
Um rolo de quase dez metros de corda caiu na grama, seguido pelas quatro facas que Noah pegou na Cornucópia, duas garrafas de água, uma caixinha de fósforos, cinco maçãs e um pacote de bolachas de sal.
O garoto imediatamente cortou uma das maçãs em duas e a devorou, bebendo metade de uma garrafa d’água. Sabia que tinha poucos recursos, mas era melhor ficar hidratado e nutrido do que racionar tudo e acabar morrendo de fome ou sede, ou de morte matada, antes que os mantimentos acabem.
A cerejeira em que havia batido era maior que as da parte de cima da ribanceira, com um tronco um pouco mais grosso e os galhos mais cheios, fazendo sombra em grande parte do terreno abaixo.
Noah olhou a árvore, mirando nos pássaros pousando em seus galhos, lembrando dos ensinamentos que aprendeu em seu distrito, tudo graças a sua melhor amiga Amandia. Sabia que, se fizesse uma armadilha usando alguns galhos, bolacha e um pedaço da corda que tinha vindo na mochila, iria conseguir capturar um passarinho e poderia comer livremente sem se preocupar.
Seria assim que Noah sobreviveria, capturando os animais enquanto montava um acampamento cercado por armadilha e seguro, livre de qualquer outro tributo que não fosse ele. Iria deixar os outros se matarem até conseguir vencer e poder voltar para Amandia, esfregando na cara de todos os cidadãos idiotas do Cinco que ele havia vencido os Jogos Vorazes. Iria usar tudo que aprendeu com Amandia e seus livros a seu favor.
De repente, atraindo a atenção do garoto, alguns pássaros pousados no chão próximos a árvore bateram suas asas desesperados e voaram para longe. Noah olhou com curiosidade observando o terreno em busca do que assustou as aves, já que ele mesmo não havia feito nenhum movimento brusco.
Seus olhos atentos conseguiram, depois de alguns minutos procurando, captar o brilho metálico de uma câmera escondida no tronco da cerejeira, a lente reluzindo levemente com a luz solar.
Noah caminhou até a câmera, sorrindo alegremente.
ㅡ Olá, caros telespectadores da Capital e de toda Panem! O grandíssimo Mágico Noah vai começar seu show, estão prontos? ㅡ O garoto indagou ao se lembrar das cartas de baralho que escondeu nos bolsos da calça de trilha antes de sair de seu quarto.
Ele enfiou a mão no bolso e puxou o baralho, seus olhos brilhando de alegria ao poder mostrar seus truques e habilidades de mágica e ilusionismo pra todo o país. De certa forma ele estava realizando um de seus maiores sonhos.
ㅡ E se eu fizer essa carta desaparecer? ㅡ Perguntou tirando apenas uma carta do baralho e mostrando a câmera. Um seis de copas estampava o papel branco enquanto o jovem rapaz chacoalhava em sua mão até que a carta tivesse desaparecido. ㅡ Legal, né?! Posso passar o dia todo mostrando meus truques para vocês!
[Tarde, Primeiro Dia]
ㅡ Saher, aqui já está bom! ㅡ Disse Luke parando de repente e se apoiando na parceira para não perder o equilíbrio e cair.
Saher parou também e, com cautela, ajudou Luke a sentar na grama. A perna esquerda de Luke estava manchada de sangue seco, uma faixa de esparadrapo circulando pela panturrilha e estancando a hemorragia.
ㅡ Quer que eu faça outro curativo? ㅡ Indagou Saher tirando a mochila das costas e a colocando no chão.
ㅡ Não, esse ainda está bom. Vamos poupar recursos.
ㅡ Certo. ㅡ Saher abriu a mochila enquanto observava as belas árvores em volta de si.
ㅡ É um lugar bonito, né?! ㅡ Luke perguntou vendo o brilho no olhar da garota.
ㅡ Bastante. ㅡ Saher enfiou a mão dentro da mochila e pegou uma das garrafas de água que haviam conseguido. Ela bebeu um pouco e estendeu a água para Luke. ㅡ Sinto muito ter sido ferido.
ㅡ Não, tá tranquilo. ㅡ Respondeu Luke bebendo no bico da garrafa. ㅡ Eu que fui descuidado e achei que o garoto do Seis seria mais fraco. Pelo menos conseguimos duas mochilas.
ㅡ Sim.
A garota guardou a garrafa, fechando o zíper da mochila e ajudando o parceiro a caminhar até uma das árvores mais próximas. Luke tirou a mochila que estava em suas costas sentou encostando no tronco, abrindo os zíperes e vendo os suprimentos que haviam conseguido.
Entregando sua própria bolsa para Luke, Saher olhou ao seu redor, atenta a qualquer ruído. A brisa fresca balançava levemente as flores das cerejeiras, derrubando algumas no chão, os passarinhos e esquilos pulando de uma árvore para outra.
O lugar que estavam era relativamente longe da Cornucópia, a dupla passou a manhã toda andando em ziguezague até acharem que já estava bom o bastante para montar um acampamento provisório.
Longe do centro da arena e todos os corpos dos jovens assassinados, a mente de Saher se concentrava em esquecer as imagens medonhas e horríveis que tinha visto no banho de sangue, focando seus olhos nas deslumbrantes flores cor de rosas presas aos galhos das árvores.
Ao esticar os braços a garota arrancou uma das flores do galho, admirando e memorizando cada pequeno detalhe das belas pétalas levemente arredondadas com detalhes em vermelho ㅡ como se alguém tivesse pingado algo ali ㅡ descendo até o nicho totalmente rubro. A maciez da flor, junto com o aroma adocicado carregado pela brisa, lembravam a Saher seu pai que, sempre apaixonado, dava flores para sua mãe em todos os aniversários de casamento dos dois.
A encantadora memória do sorriso de sua mãe fez com que Saher sorrisse sem perceber, visualizando a mulher com sua pele suave e seus cabelos longos e hidratados esvoaçantes ali em sua frente.
ㅡ É até hipócrita, né?! ㅡ Indagou Luke. ㅡ Que essas flores tão bonitas estejam no mesmo lugar onde sangue mancha as mãos de assassinos e monstros. Parece que colocaram elas aqui para brincar conosco.
ㅡ Não acho que seja isso. ㅡ Respondeu Saher saindo de suas memórias e se voltando para o aliado. ㅡ Acho que essas flores são para lembrar que ainda se tem algo belo no mundo, que ainda podemos ter um motivo para lutar. Penso que são uma forma de suavizar a brutalidade.
ㅡ Espero que seja por isso. ㅡ Luke olhou para a flor na mão da garota sentindo a grama fresca em que estava sentado. ㅡ Acho que nunca tinha visto nada tão belo. Definitivamente não foi uma boa ideia ter passado a vida toda no Nove.
ㅡ Você já teve oportunidades de ir para outros distritos? ㅡ Saher, curiosa, sentou ao lado de Luke e lhe entregou a flor. O garoto observou as pétalas movendo sua mão com delicadeza.
ㅡ Não, mas já pensei em fugir do Nove quando era pequeno. ㅡ Luke respondeu sorrindo e arrancando risos da aliada.
ㅡ Faz sentido. ㅡ Saher subiu seus olhos para o céu que passava de um azul claro para leves tons de laranja, indicando que o crepúsculo se aproximava. O olhar tranquilo e admirador de Saher, juntamente com os movimentos delicados que seu cabelo fazia em decorrência da brisa fresca, transmitia a Luke um sentimento de serenidade e calmaria, um certo conforto e segurança, como se os dois estiverem aconchegados num chalé quentinho no meio das montanhas. ㅡ Essas flores me lembram meus pais.
ㅡ É bom que tenha boas lembranças com eles. ㅡ Respondeu Luke se rendendo a curiosidade e olhando para o céu. Lentamente o azul claro mesclado com o laranja dava lugar ao preto rosado. ㅡ Espero que consiga reencontrá-los.
ㅡ Eles já faleceram. ㅡ Respondeu Saher com calma. Ela olhou para Luke como se estivesse o tranquilizando pela notícia repentina. ㅡ Minha mãe teve câncer quando eu tinha sete anos e meu pai foi assassinado por ladrões três anos depois. Eu vivo com minha avó desde então.
ㅡ Ah, sinto muito.
ㅡ Não tem problema, eles provavelmente estão em algum lugar melhor que o em que vivemos, aproveitando o amor um dia outro.
Luke não respondeu nada. Ele voltou sua atenção para as mochilas, organizando os mantimentos em uma e os objetos na outra.
Saher, por outro lado, ainda aproveitando o momento de tranquilidade, pegou mais algumas flores e começou a colocá-las em seu cabelo, decorando os fios negros com as pétalas claras. Depois começou a trançar e amarrar mais algumas flores umas nas outras, prendendo e as firmando com alguns raminhos longos de grama, até completar uma coroa de pétalas.
ㅡ Já que vamos trabalhar juntos, acho que podemos ter algo que nos destaque dos outros. ㅡ Disse a garota estendendo os braços e colocando a coroa em Luke. O garoto sorriu envergonhado, mas pegou a coroa de sua cabeça e a retirou.
ㅡ Valeu, Saher, mas não acho que mereço algo tão lindo. ㅡ Respondeu Luke encarando os olhos de esmeralda da garota.
ㅡ Deixa disso. ㅡ Saher sorriu enquanto forçava a mão de Luke a voltar a coroa para seus fios loiros novamente. ㅡ Você fica bem mais bonito assim!
Saher riu enquanto a pele clara de Luke corou levemente, as bochechas ficando rubras e seu olhar mirando o chão.
ㅡ Vamos dar um jeito de algum de nós sair daqui, promete? ㅡ Indagou Saher fechando a mão e levantando apenas seu mindinho na direção do garoto.
ㅡ Prometo. ㅡ Respondeu Luke imitando o gesto da parceira. Eles cruzaram seus mindinhos e sorriram um pro outro.
Saher faria o possível para que ambos sobrevivessem até o final, enquanto Luke iria se redimir de seus pecados e fazer o impossível para a garota ser a grande vencedora.
001 ㅡ VOLTAMOS COM TUDO!!! CAPÍTULO TRÊS HISTÓRICO SENDO O MARCO DO INÍCIO DO TEMPO NA ARENA!
002 ㅡ Aí gente, morte do Valerian satisfatória. Doeu em mim mais do que em vocês, mas eu precisava mostrar que essa edição vai ser brutal e que qualquer personagem pode morrer a qualquer hora! Uma dica, não se apeguem!
003 ㅡ Queria falar que vamos seguir o cronograma certinho a partir de agora, até porque a história está TODA planejada, os capítulos todos poanejadinhos nos mínimos detalhes. Teremos apenas SETE capítulos.
004 ㅡ Gente, capinha linda feita pela maravilhosa Godlala. Aplaudam ela por favor! <3
005 ㅡ Deixa o feedback aí caramba, votem e comentem! Caso contrário mato o Noah e a Saher e deixo a Hanna viva até o final <3
Contagem de palavras ㅡ 5750 palavras
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