eu te encontro aí, então
Volto ao meu hábito matinal da Itália: correr pela vizinhança até dar o horário que devo me arrumar para as responsabilidades. O segredo é a playlist que ponho para tocar, mas a verdade é que me canso facilmente e meu suor me lambuza tanto que a vontade é de tirar a roupa e correr pelado. Que imagem seria, devo imaginar. Que prisão seria!, devo acrescentar. Eu corro e corro, encontro prédios e as paisagens continuam sendo as mesmas. Nasci e cresci em cidade grande, mas agora não consigo entender o ser humano. As cidades não fazem sentido.
É melhor correr do que ficar em casa a pensar em besteira, inventar arte, assunto, inventar preocupações. Prefiro que minha única preocupação do momento seja a probabilidade de eu chegar em casa antes das sete e meia. Se hoje dará para eu lavar o cabelo ou não. Se farei meu próprio café ou comerei fora. É esse tipo de preocupação, não se alguém ainda gosta de mim ou qual seria um motivo óbvio para olhar-me tanto, quando distraído. Porque não quero mais pensar nisso.
Os dias têm sido cheios e demasiadamente cansativos, porém estou a dar conta. Chego em casa, tomo um banho e despenco na cama. Estou a dormir bastante tempo, acredito que seja pelo fato de estar mentalmente cansado. Sendo assim, tenho tomado bastante café pela manhã, para que eu fique alerta e acordado. Tenho muita coisa para organizar e o problema é o tempo. Nunca tenho tempo. Não tenho tempo para nada.
Meu avô sempre disse que meu problema não é falta de tempo, mas minha ordem de prioridade. Que não priorizo pessoas, mas sim tarefas, para no final gozar da sensação de ter dado conta de tudo. E assim, ainda disse ele, acabo por não viver. Claro que neguei, eu sempre nego quaisquer julgamento sobre mim. São só alguns anos, talvez daqui a mais alguns as coisas estejam melhores. Estaremos ganhando mais, a equipe aumentará mais, poderei controlar meu tempo sem que haja impacto no restaurante. Também não terá nenhum casamento para organizar, o que significa que estarei mais livre.
Meu corpo goteja, descanso num desses bancos de madeira descascada da prefeitura. Bebo água, no entanto, isso não parece ser o suficiente. Ofegante, sinto o ar sumir, o desespero vir, a cabeça trovar. Sinto-me tonto, talvez por não ter comido tanto antes de sair. Não como eu normalmente costumo. E, enquanto estico as pernas, dobro o corpo para tocar a pontinha do pé e penso em atravessar a rua, comer naquele café e voltar para casa quando eu bem quiser. Como eu bem quiser... Rio sozinho disso, idiota por pensar que as coisas são como eu bem quero. São, sim. Mas de um outro eu, alguém que não existe mais e deixou regras e atitudes pré escritas.
Ainda de barriga cheia e passos exagerados, caminho alegremente até em casa e tomo um banho frio, congelante, e esfrego bem a pele para livrar-me das sujeiras e o grude do suor. Eu já detestei suar, mas agora só quero manter meu corpo em forma e uma rotina um pouco saudável. Não abro mãos das guloseimas que como — afinal, eu mesmo costumo prepará-las —, então o mínimo que posso fazer é dar uma corridinha pelo bairro e queimar um pouco de calorias. Nunca fui de querer fazer exercícios por estética, mas depois que comecei a fazer barras nessas pracinhas públicas, eu estou um tanto satisfeito com o resultado dos meus músculos. Não vejo o porquê de parar.
E depois de arrumar-me, comer outra vez, vou dirigindo para o trabalho. E os dias seguem-se assim mesmo, nessa calmaria. Lá pela quinta, aviso a Doyoung que montei um esquema, um mind map, para expor minhas principais ideias para o buffet e o protótipo do bolo de casamento. Estou de saída do restaurante, trancando as portas, quando recebo sua ligação.
— Me encontre hoje, daqui a uma hora. Você pode ir até a empresa? Aí eu te conto algumas coisas também — pede, ligeiramente apressado em falar.
— Ah, de boa — é o que respondo. — Eu te encontro aí, então.
— Valeu! — encerra a ligação.
Caminhando lentamente até meu carro, concluo que ultimamente tenho ficado bastante tempo em casa, nos horários em que costumava estar fora. Às vezes ia a eventos ou saía com os meninos, mas não estamos mais como antes. Ando tão ocupado que nem estou tendo tempo de sair com eles e, como normalmente costumam tirar minhas fotos, ultimamente tenho que atualizar minhas redes com uma clássica selca mesmo. Não que eu me importe, porém estou com saudades de encharcar meu corpo de álcool e dançar alguma música do momento na companhia de alguém.
Mas é claro que recebo os convites de Yangyang diariamente, chamando-me para alguma festa ou até mesmo um evento público. Digo que é melhor não, então me encolho numa concha e decido dormir. Então acredito que em breve ele irá cessar os convites. Ainda assim, acabo de receber uma mensagem sua.
2yang pirralho cachaceiro: não esqueça que está chegando o segundo aniversário de kun hyung, seu cachorro. você esqueceu da última vez.
Puxo o cinto de segurança e acabo por dar-me conta deste fato. É mesmo, quase esqueci outra vez do segundo aniversário dele. Datas são complicadas para mim, eu nunca gravo. Números são difíceis para decorar, então apenas me lembro do mês e espero que alguém me lembre do dia.
2yang pirralho cachaceiro: eu e junjun tava pensando em fazer uma festa surpresa. tipo na sua casa, porque é grande e chique. aí a gente faz uma festinha, chama um pessoal e leva ele lá.
Engulo em seco, uma vez que não costumo fazer festas na minha casa. Acho que nunca fiz uma festa na minha casa. Sou demasiadamente chato para deixar estranhos ou pessoas pouco íntimas adentrarem minha morada. Respondo que minha casa não é grande nem chique, crendo que ele desista da ideia. Não funciona muito bem.
2yang pirralho cachaceiro: tá bom, mentiroso. acha que nunca te demos carona pra sua casa e não vimos ela de fora? se por fora é grande e chique, por dentro também deve ser.
Reviro os olhos, tentado a pensar numa boa desculpa para fugir disso. Eu não vou deixar que desorganizem minha casa, além disso ser um pretexto para levemente modificar minha reputação na vizinhança. Sou Ten, o vizinho que não põe música alta, cuida do jardim e não faz barulho depois das dez. E se já não bastasse aquele deslize com Taeyong...
Respondo que depois resolvo isso, pois não quero preocupar-me com essas coisas, por ora. Suspiro, ligo o motor e trato de focar no que devo fazer agora: dirigir até a empresa de Doyoung para que conversemos sobre o casamento. Não coloquei lámen picante no mind map e irei explicar o porquê. Porque eu não acho que venha a ser... — como posso falar? — não acho que venha a ser um buffet condizente com as minhas atuais habilidades. Eu não tenho mais dez anos e meus pais não me largaram sozinho em casa em pleno feriado (quando a governanta voltava para casa e tinha descanso), para ter lámen picante como refeição.
Ligo o rádio, mas só toca Pop ou OST. Estou cansado de Pop e de OST. Desligo o rádio, aflito. Há algo me incomodando e nem estou falando do banco estar numa inclinação ligeiramente exagerada. Não me lembro de ter mexido nisso, mas agora não posso consertar. Engulo em seco, daí recebo um telefonema e olho no visor que é a minha irmã. Ah, obrigado, senhor... Uma oportunidade para falar um pouco de tailandês.
— Olá, olá, olá — atendo, repetindo.
— Oi, Ten — responde. Sinto falta dela. A última vez que a vi, foi quando me encontrei com ela no ano passado e, antes disso, no dia em que conheci Taeyong.
— Está vindo para a Coréia? — quero saber, lembrando de indicar a seta para a esquerda.
— Ainda não — me diz. Estou muito feliz em estar falando tailandês, é reconfortante. Saudades de xingar. — Só vim te perguntar se você checou seu e-mail hoje.
— Ah, nossa. Checo meus e-mails toda hora, mas nem sempre leio — passo pela curva com êxito e desde já dou de cara com um semáforo fechado.
— Minha mãe convocou todo mundo para uma reunião.
— Para...?
— Um dos pontos é a apresentação do meu namorado.
— Você está namorando?! — meu coração bate acelerado de susto. Eu não creio que ela me contou só agora.
— Sim... — pela sua voz, ela está desconfortável. — Eu já o conheço há um bom tempo, então eu falei com minha mãe sobre isso. Ela quer que todo mundo o conheça. Eu não quero que fiquem pressionando ele nem nada do tipo.
Alguém buzina atrás de mim, fazendo-me acordar para a vida e perceber que a luz verde encharca todos os carros e eu ainda não acelerei. Mas é que é um pouco frustrante minha mãe saber de uma coisa dessa primeiro que eu. Me sinto excluído da família. Eu odeio me sentir excluído, pois me sinto substituível. Mesmo que todos sejamos.
— Eu acho um exagero — minha irmã prossegue. — Mas ela quer e não para de me encher o saco. Eu até ameacei bloquear ela no Line, mas isso só pioraria as coisas.
— Ah, então você está mesmo namorando? — eu sei que o foco não é o namoro em si, mas sim a perseguição de minha mãe, só que é impossível ignorar esse fato. Tipo, nós somos irmãos!
— Sim, eu te disse.
— E vocês se conhecem há um bom tempo.
— É.
— Ah, que ótimo. Legal, legal, show — deixo na cara meu incômodo com isso.
— Depois te mando o IG dele — como ela pode estar animada, quando eu estou arrasado com isso? Como?
— Uhum — concordo, amargurado. — E qual é o outro assunto? Porque eu não vou, pode avisar. Pensando aqui em dizer que não posso gastar dinheiro com passagem.
— Ela mesma vai pagar, você sabe disso. Além disso, você nem apareceu no Ano Novo, então ela deve estar bem pistola com você — e as coisas que ela fala realmente são verdade. — É melhor você ir.
— Estou muito ocupado, tenho coisas para fazer. Além disso, eu não vou sair da Coréia e aparecer na Tailândia só pra olhar pra cara do seu namorado por dez segundos e depois me trancar no quarto, porque você sabe que odeio essas reuniões familiares. Tudo está quebrado, por que ainda tentam?
— Você ainda não superou mesmo, né?
— Superei, sim. Só não quero aparecer lá — encolho os ombros, reconhecendo que daqui a duas quadras chegarei ao prédio da empresa. — Vou dar meu jeito para não ir.
— Meu tio vai estar lá dessa vez. Ele vai reassumir as responsabilidades dele na empresa, finalmente. Parece que ele teve sucesso na reabilitação e agora está apto para voltar e...
— Mana, eu amo conversar com você, mas agora estou ocupado. Tchau — encerro a chamada, depois ponho a mão no voltante e aperto tão forte que sinto-a dormente.
Tóxico. Tóxico. Tóxico. Estou farto desse assunto tóxico.
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