eu só estou cansado
Às vezes olho para mim e questiono algumas coisas. A maioria, positivas. Mas há dúvidas. Resquícios da minha era impostor da adolescência. O medo de eu ainda ser a mesma pessoa ou de ter meus segredos revelados. Sou o que sou ou sou uma farsa que se passa por alguém que não existe, mas que eu gostaria que existisse e, portanto, teimo em tentar torná-lo real, porém nunca tenho êxito? Período longo, compreendo. Mas as dúvidas permeiam aqui, acolá. Até me seguem, vez ou outra, quando preciso ir ao banheiro. Sou real? A fragilidade do meu coração me assusta. É como um pensamento que é criado, porém no segundo seguinte se esvai. Eu sou assim.
Vejo o olhar de pena de Taeyong. Ele não sabe nada sobre mim. Chego a odiá-lo por um segundo. Olho para esses olhos escuros e sinto raiva. Quero afastá-lo de mim. Mas eu não acho que conseguiria fazer maldade de propósito com ele. E esse é o problema. Sou um desastre sem querer.
— Aqui — ele me entrega o copo de alguma bebida que o barman acabou de pôr sobre o balcão. — Bebe, se quiser.
— Eu quero — ajeito o corpo sobre a banqueta e viro tudo num gole só. Taeyong fica a observar-me, e bebe o dele aos pouquinhos.
— Tudo bem? — quer saber, logo após eu ter posto o copo de volta. — Parece meio preocupado ou doente... Não sei, mas não parece estar bem.
— Eu só preciso beber mesmo — lhe respondo. — Valeu.
— É que você falou agora há pouco sobre casamento e...
— Taeyong, eu não sei se você percebeu, mas... Eu não quero falar sobre isso, tá? — tento ao máximo não soar rude, porém reconheço que falhei. — Desculpe.
— Não, eu que peço desculpas... — abana a cabeça. — Fui invasivo, então... É isso.
Não digo mais nada. Peço outro copo disso. Tem gosto de framboesa, só que bem artificial. Mas tem bastante álcool. Deve ser um dos coquetéis malucos que Doyoung inventou com Minyoung. Até que prestou. Peço um outro depois desse. Depois um outro. E outro. E outro. E agora fiquei viciado nessa porcaria. Pergunto o nome e, segundo o cara das bebidas, eles decidiram chamar de PyoKim — os sobrenomes dos noivos — e que é uma mistura de... Sei lá, não prestei atenção nesse parte — e olha que sempre presto atenção nos ingredientes. E quando pergunto se tem framboesa, ele diz que foi justamente a primeira coisa que me disse.
— Dá um desconto, moço — Taeyong Lee intervém, com seu falatório protetor. — Ele bebeu demais.
— Não bebi, não — faço com quem vou me levantar, mas erroneamente calculo a distância segura para começar a andar, então me bato com a banqueta e tombo para o lado de Taeyong. — Nossa, quase caí.
— Benzinho, você bebeu demais — faz carinho nas minhas costas. — Você está bem mesmo? Porque você surtou um pouco, se dopou de álcool e agora está caindo pelos cantos...
— Não, estou bem... Eu só estou cansado... — resmungo. Vejo Minyoung sair do banheiro, um pouco melhor, com o ruge do rosto tornando-o ávido. — Estou bem melhor, eu acho. Cadê Yuta?
Taeyong olha ao redor, mas não desprende-se de mim. Serpenteia minha cintura com seu braço e corre os olhos pelas pessoas famintas que comem, e as energéticas que dançam. Ele não está em lugar nenhum.
— Sumiu também — me responde, mas não lamenta. Vira o rosto para mim outra vez e olha-me com carinho e zelo. — Por que procura ele?
— Sei lá — dou de ombros. — Ele falou que ia beber. E também estou meio traumatizado... Todo mundo está sumindo, né?
— Calma, eu estou aqui... — agora ele joga o outro braço ao redor de mim. — Caramba, você está com cheiro de álcool puro.
— Vou trocar de roupa — aviso. — Eu ia aparecer na festa com uma roupa diferente do casamento e... Como não vai ter casamento, vou me trocar para a festa. E você trate de ficar bêbado também e não me apareça com aquele chapéu ridículo, não.
— Você não aprova nada em mim, né? — não sei se ele está brincando com isso. Meu senso avaliativo está meio emperrado agora.
— Você tem razão. Só te aturo mesmo — afasto-me do seu contato. — Vou me trocar e já volto. Fique bêbado e nada do chapéu.
— Você já falou isso — é o que me diz, assim que começo a afastar-me.
Ergo apenas o polegar direito para ele e caminho para as escadas que não estão fechadas, pois irão levar-me ao andar superior e poderei encontar minha roupa num dos quartos. Subo numa lentidão que nem percebo, se não fosse pela terceira música que toca e nada de chegar ao andar. Sei não, fiquei meio tonto, tombei um pouco para o lado. Tropecei algumas vezes e quando, enfim, dei de bunda no chão, pensei comigo: por que é que não puxei Taeyong para me ajudar? Só agora cheguei no quarto. Preciso beber água, porque eu bebi demais. Preciso também comprar uma televisão para o meu quarto. Uma grande. Mas não tanto. E se eu ficar viciado em televisão o tempo todo e esquecer de dormir? Ou se eu dormir sem querer e acabar consumindo muita energia por ter deixado a televisão ligada? E se eu chamar Taeyong para dormir comigo, não para nos amarmos, mas para ele me certificar de que a televisão esteja desligada? Aliás, onde está minha roupa????
Ah, achei. Está na minha bolsa, na cama. Sinto-me um palhaço.
Mas esse quarto é massa. Digo, pode ser incrível se pegar aqui. Cadê Taeyong? Por que ele não sobe logo? Ah, foi... Eu falei para ele ficar bêbado? Eu estou maluco, por acaso? Se Taeyong ficar bêbado, quem vai cuidar de mim? Ou melhor, quem vai cuidar dele? Quando Taeyong meter a cabeça no piso e a cabeça partir, eu vou desmaiar com o sangue e não poder fazer nada para ajudar. E a culpa vai ser minha, porque mandei ele ir beber. Puta que pariu, ferrei com tudo. Eu sou um assassino!
— Ten? — ele atende o telefone. Nem estou prestando atenção nas coisas que estou fazendo, mas agora vejo-me sentado na cama, vestindo apenas a calça e com o telefone na orelha. — Quer ajuda?
— Não, só queria saber se você está vivo — encerro a ligação. Ele está vivo, não sou assassino. Melhor dia!
Fico até um pouco nas redes sociais, visto que nem deve ter tanto tempo assim que estou aqui, e não quero parecer desesperado para roubar a atenção lá embaixo. Não que eu vá chamar atenção, mas também espero que não passe totalmente despercebido. E também não sei quanto tempo gasto, porque parei de prestar atenção nas músicas. Está tocando Dua Lipa e todo mundo sabe que as músicas dessa mulher são todas iguais. É difícil saber qual é qual, então, na minha visão, está tocando a mesma. Espero que sim. Caramba, tenho que voltar a me vestir.
Claro, claro. O cetim alvo do cropped, a belly chain sobre o umbigo e o cós da calça que chega à cintura. E o cinto é cintilante, cravado de tachas cônicas. Eu amei tanto isso, tanto e tanto... Quero mais aquela droga de bebida, porque... Sinceramente... Detesto casamentos e toda essa ideia de união sólida e teoricamente permanente. Mas que se dane tudo isso. Vou encher a cara e vou cuspir meus órgãos num vômito. Quem liga? Eu pouco me importo com nada. Não hoje.
— Ten Chittaphon Lee... — escuto Taeyong bater à porta.
— Ai, Taeyong, quando é que tu vai aprender meu nome todo? — pergunto, porque... Puta merda, quando é que ele vai conseguir falar? — Eu já te disse há mil e trezentos anos atrás.
— Vou entrar — no mesmo instante, ele abre a porta.
Não obstante, não move um músculo a mais quando pousa as orbes negras amolecidas em mim. Ele lambe os lábios. Depois morde-os. Engole em seco. Que isso quer dizer? Será que Taeyong vai me jogar na cama e tirar minha roupa? Seu olhar diz que sim.
— Perdeu alguma coisa aqui, por acaso? — meu comentário tem o intuito de afastar ele do quarto, mas a verdade é que essa criatura maravilhosa entra e fecha a porta.
— Eu não sabia que precisaria te ver com uma corrente na barriga até te ver com uma... — vai me dizendo. — Falando sério... Estou fissurado nessa sua imagem.
— Talvez eu deva dizer... Obrigado? — afasto um pouco a franja dos olhos, levemente empurrando com o dedo. — Eu não sei o que dizer. Ahn... Por que você está aqui mesmo?
— Você levou, literalmente, quarenta minutos para subir e se vestir — não sei se é uma afirmação ou pergunta, eu já disse que meu senso está meio torto agora. — Vim investigar. Nunca se sabe, né? Vai que você caiu no banheiro, bateu a cabeça e não para de jorrar sangue?
Será que me torno Taeyong quando bebo? Porque não é possível dividirmos o mesmo neurônio neste momento. E eu sei que ele bebeu nesse tempo, porque sua fala está meio arrastada. Às vezes, inicia a frase bem baixinho, só que praticamente grita no meio. E fica dando ênfase para palavras aleatórias. Tipo... Quê? Ele endoidou de vez, foi?
— Por acaso você é meu cachorrinho? Bebeu mesmo, do jeito que mandei... — eu rio, não sei porque. Sei lá, cachorrinhos são fofos. Ou eu sou mais?
— Tem como... — ele faz uma pausa sem justificativa óbvia. — Tem como não usar essa palavra, por favor? Você usou isso de cachorrinho quando brigou comigo. Eu acho.
— Desculpa... — sento-me na cama.
... Mas você age como se fosse.
— Enfim... Eu acho que você está pior que eu — senta-se ao meu lado na cama, seu peso movendo-me um pouco no colchão.
— Quer ficar aqui beijando na boca ou quer descer? — pergunto, mas ele claramente não me leva a sério, porque começa a rir. — É sério.
— Se eu ficar aqui te beijando... Sabe... Você... com essa roupa... — ele desce o olhar para meu outfit e, sobretudo, para a parte da minha barriga exposta com a corrente. Eu amo belly chain. — Vou acabar ficando maluco... Estou terrivelmente atraído por você. Estou falando sério.
— Então você está no cio de novo — levanto-me e puxo seu braço para que faça o mesmo. — Vamos descer.
Seria muito mais fácil se não tivéssemos bebido. Muito mais fácil. Não consigo andar em linha reta. Em um segundo estou num canto do corredor, noutro segundo estou no canto oposto. Taeyong segura minha mão, só que está tão perdido quanto eu. Estou com sede. Seria muito legal se Taeyong ficasse sóbrio e me carregasse, né?
— Você não quer me carregar, não? — peço, sem o pingo de vergonha na cara.
— Não posso te tocar, estou terrivelmente atraído por você — ele dá de ombros.
Porra, vou fazer ele descer a escada com um soco.
— Vai me deixar cair só por conta da sua libido? — pelos ombros, viro-o de costas para mim e subo nas suas costas sem esperar confirmação nenhuma. — Avante!
A lentidão dele me dá tédio. Bocejo três vezes enquanto caminha, trôpego, pelo corredor com um papel de parede claro e chique. Deixo a cabeça derramar pelo seu pescoço e ele dá um espasmo nos ombros quando dou uma fungada. Ele está bem cheiroso. Muito. E fica todo arrepiado quando sente minha respiração na sua pele, chega segura-me com mais força para que eu não caia. Vez ou outra vou escorregando, mas ele me levanta num pulinho. Aperto-me forte a ele.
— Tá fazendo o quê? — pergunta-me, e vejo seus róseos lábios moverem. Chegamos ao início da escada.
— Adoro ver-te — lhe respondo.
Ele sorri.
Mas no primeiro degrau, ele pisa em falso e acabamos nos desequilibrando e caindo. De início, segura-se no corrimão. Não serve de nada, porque no segundo seguinte solta, por conta do meu peso. Me esborracho todo, minha perna nos primeiros degraus superiores, minha cabeça já no meio. Estou parecendo um colchão largado, na inclinação da escada, servindo de pranchinha para Taeyong deslizar. Porque ele está, literalmente, de costas, em cima de mim. Minha coluna está pedindo SOCORRO, porque a pontinha do degrau está contra minhas costas e o peso de Taeyong está me matando. Por que foi que ele engordou mais? Está me lenhando!
— Taeyong, eu vou ter uma homorrógia interna desse jeito!! — dou uns tapinhas no seu peitoral. — Sai logo, ai...
— Homo o quê? — apenas o fato de ele mover-se para tentar sair, me causa muita dor. Impossível segurar os gemidos.
— Hemorródia... Homorrógia... Sei lá... Aaah, tá doendo... — tomo a liberdade para empurrá-lo. Aproveito que levantou-se um pouco e ergo meu tronco. Inferno de dor.
— Você tá com hemorróida interna? — ele começa a rir, e assim esquece que ainda está sentado no meu colo e que minha bunda pode estar doendo também. — Você tem?
— Não, quase que eu ia ter — dou uma pequena beliscada na sua cintura para que ele se toque, mas não adianta.
— Você sabe o que é? — ele olha-me por cima do ombro.
— Sangramento, né?
— Não, Ten... Você quis dizer hemorragia interna — finalmente essa peste de cabelo preto lustroso sai de cima de mim.
Quando ergue-se, esbelto, puxa-me pelo braço e ajuda-me a arrumar as vestes. Eu concordo com ele, porque não sei bem que tipo de coisa estou falando. Sei lá do que se trata essa conversa.
— E também — ele vai descendo as escadas comigo, o braço entrelaçado ao meu. — Não tem como ter hemorragia interna do nada, só com uma quedinha na escada. Se fosse verdade, eu viveria no hospital.
— Você tá comendo direitinho mesmo? — pergunto, quando já estamos no último degrau. — Porque é costume seu não comer, ficar tonto e cair.
— Tô, tô, tô... — ele desconversa e dá uma fungada.
Mas é claro que não. Eu só o vejo tomar café da manhã, porque comemos todos juntos. Eu tenho almoçado tarde, então não sei se ele esteve almoçando também. Isso me deixa extremamente preocupado. E às vezes tenho raiva do Taeyong por não se cuidar como deveria. Queria que ele parasse de fumar, que comesse normalmente. Por que tudo é tão complicado para ele?
— Vai dançar comigo ou nah? — pergunta-me pertinho do ouvido e, se não fosse pelo volume ensurdecedor das caixas de som, eu nem teria notado que chegamos na pista de dança.
Não lhe respondo verbalmente, mas lhe puxo pelo braço para ficarmos mais próximos. Sussurra que não sabe como dançar essa música. Eu também não sei, mas conheço-a. Heaven de Troye Sivan e Betty Who. Porque o DJ está inspirado, só pode ser. Jogo os braços sobre os ombros de Taeyong e ele levemente curva a postura, como quem irá beijar-me, mas só gruda a testa à minha. Tentamos dançar, mas não está muito no ritmo. E nem brigamos para saber quem irá guiar, tanto que Taeyong subentende que será ele.
— Você está lindo. Sua maquiagem brilha com a luz dos projetores — segreda-me, próximo o suficiente para que eu sinta o calor que emana da sua pele.
Põe uma das mãos na minha cintura, com a outra puxa minha franja direita para detrás da orelha. Sinto-me em êxtase, todos os hormônios borbulhando em mim, pedindo para que deixemos de ser caretas, que é só beijar e pronto. É só beijar, e pronto? Nunca termina assim. As luzes que montamos anteontem alumiam o jardim do outro lado. Mas aqui está meio escuro. E a batida da música que aparece e some repetidas vezes emaranha-me a ele. E eu escuto os hormônios. É só beijar e pronto. Pois bem. Eis o beijo.
Quase paramos os movimentos lentos e desgovernados. Estou apaixonado em como puxa-me mais perto, a mão no meu pescoço, a outra na cintura nua... É como desnudar a alma. Faça de mim teu sossego, teu zelo, pode descansar sobre mim. Gosto de senti-lo com a boca na minha, porque meu peito explode e não é pouco. Beija-me os lábios, morde-me os lábios. A fricção da tez traz calor ao meu ser. As línguas conjuntas e os quadris esfregando... Tudo isso é lindo. Tudo passa muito rápido, mas de repente eternizei isso daqui. Sinto o vento, as folhas em meu coração, o tempo estático. Recolhi o amor que perdi, que deixei cair, escapar. Eu era fraco e vacilei. Mas o tempo vigiou-me a morrer de amor. Tenho-o aqui, meu amado, e nele liberto tudo que aprisiono. Gira ao meu entorno, os dedos na minha barriga, sinto meu eu inteiro ruflar. E saímos para beber. E ele ri. E me zomba por ter tropeçado. O dia está doce e alaranjado. O sol está se pondo e, com audácia, puxa-me o passador da calça e sussurra:
— Praia, taças, amor.
Não precisa dizer mais nada. Trôpegos, seguimos a escadinha à praia e tocamos a areia apedrejada com nossos pés nus. Ele carrega nossos calçados. Eu carrego as taças de champanhe e um prato de comida que peguei para ele. E sentamo-nos em qualquer lugar, tossindo, porque não sabemos se bebemos ou rimos da dança esquisita que fizemos. Encho o peito de ternura e lhe digo:
— Come, vai. Você nem tem comido direito... — lhe empurro o prato.
— Quero não — dá um gole na taça.
— Por favor?
— Coma você, estou bem.
— Por favor?
— É sério, Ten...
— Tá, então eu vou lhe propor algo: se eu falar algo sobre você e você achar o mesmo de mim, você come. Que tal?
— Não, porque aí você vai falar coisa que sabe que vou concordar. Tipo dizer que sou bonito só para eu dizer o mesmo de você — ele faz uma careta.
— Não vou pensar sobre você pensar o mesmo ou não. Só quero te dizer algo, então você pode ou não concordar em relação a mim. Não estou fazendo nenhuma armação.
— Tem certeza?
— Certeza absoluta.
— Absoluta mesmo?
— Uhum.
— Tipo do tamanho do mar?
— Sim.
— Então conta.
— Quer que eu conte mesmo?
— Conte.
— Então tá.
— Sim?
— Hm?
— E o que é?
— Eu te amo.
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