eu sei que você tá mentindo
— Por que você fez essa tatuagem? — quero saber, tentando um sombreamento em algumas áreas.
— Porque eu bebi mais do que deveria — Taeyong ajeita-se um pouco, ergue o quadril. Sem querer meus olhos caem no seu pênis, porque seu movimento lépido fizera-o sair da posição que estava. Então eu tenho uma ideia.
— Ok, você não pode mesmo beber — comento eu, agora focado que vou desenhar o corpo dele inteiro e dane-se a possibilidade de ser algo meio erótico.
— Hmm... — ele fica pensativo. — Você desbloqueou Yuta?
— Sim, hoje mais cedo. Por quê?
— Ele te mandou uma mensagem. Aqui diz: "caralho, você me desbloqueou e ainda me colocou nos melhores amigos do stories. Meu deus, ten você é top demais" — Taeyong vai lendo. — E depois tem: "Cuide do Taetae, você é especial pra ele, porque foi o primeiro com quem ele se deitou e" ... — Taeyong para de ler a mensagem. — Que filho da mãe, ele voltou com essa palhaçada!
— Que palhaçada? — deixo minha mão livre cair sobre seu abdômen e acaricio com calma.
— De que eu era virgem antes de você — Taeyong tira o olho do celular e olha em meus olhos.
— Você... era? — pego-me confuso. Taeyong não me pareceu virgem.
— Não! — exclama, meio revoltado. — Não sou mais virgem desde o dia dessa tatuagem.
— Ah — volto minha atenção ao desenho. — Foi boa? Digo, a primeira vez...
— Não foi muito carinhosa — ele a define. — E a sua?
Fico em silêncio, focado no desenho, usando ele como desculpa para não responder. Não quero mentir, mas também não quero falar a verdade. Preferiria não falar, por isso recorro ao silêncio. Faltam duas flores da tatuagem e quero terminá-las. Desconheço os nomes delas, mas não acho que venha impactar minha interpretação.
— Ten? — cutuca meu cóccix com o calcanhar dele.
— Calma, estou desenhando... — desculpa usada com sucesso.
— Ok, mas foi boa?
Olho rapidamente para ele e balanço a cabeça positivamente, fazendo um "uhum". Volto a dedicar-me ao desenho assim que possível.
— Eu sei que você tá mentindo — ele ergue um pouco o tronco e apoia as mãos no colchão. — Você não disfarçou muito bem. Você vai ficar bravo se eu perguntar melhor?
— Deita, senão muda o ângulo — empurro-o pelo peito para baixo e consigo a mesma posição de antes.
— É invasivo se eu perguntar quando foi? — ele ainda está na conversa da primeira vez.
— No primeiro ano da faculdade — dessa vez eu respondo, porque posso dá-lo migalhas para que o assunto morra.
— Você conhecia a pessoa? — questiona. É uma boa pergunta. Não sei se o conhecia tanto assim. — Porque no meu caso, eu nem conhecia. Foi bem casual mesmo. Não sei se foi antes ou depois da tatuagem. Talvez antes.
— Você transou com qualquer um?
— E você? — ele não respondeu minha pergunta.
E então percebo que ele está fazendo um joguinho de falar de si para instigar-me a falar de mim. A questão é que eu não converso sobre essas coisas com as pessoas, ainda mais algo tão pessoal, e não sei se quero contá-lo.
— Foi com meu namorado — e só agora percebo que parei de fazer o carinho em Taeyong, por isso volto a deslizar os dedos da sua barriga até a coxa.
— Ah — ele respira tão fundo que ergue minha mão junto. — Você não quer contar?
— Se eu te contar, você promete que não vai ficar mencionando isso?
— Prometo.
Solto um suspiro. Terminei as flores. Quero ajeitar as linhas do seu corpo, quero estar focado. Ficar revirando memórias não vai me ajudar nem um pouco. Mesmo assim, talvez eu possa confiar em Taeyong sobre coisas da minha vida que ninguém sabe, tampouco quero que saibam.
— De uma maneira geral — começo. — Eu não queria muito, entende? Mas ele sim, então eu tive que ceder. Ahn... Foi de madrugada. Jaehyun não estava comigo no quarto, porque ele estava ficando com alguém. Eu achei que seria bom, porque eu poderia dormir com meu namorado sem ser estranho Jaehyun estar lá. Só que eu acordei do nada, pois comecei a perceber que ele estava me tocando. Enfim, acontece que ele tentou me convencer tanto, que eu tive que aceitar, porque já estávamos praticamente fazendo. E foi isso.
Taeyong fica em silêncio olhando para mim. Ele entende o que eu quis dizer com tudo isso e parece ponderar. Pela sua expressão, ele quer mostrar consolo em relação a mim, mas não sei se quero isso. Quero desfazer esse clima.
— Mas na vida nada é perfeito — continuo. — E você encontra várias pessoas que vão te tratar melhor e te respeitar mais que outras. E, honestamente, não fiquei me martirizando por fazer algo para agradar alguém, saca? Mas depois eu aprendi que eu venho em primeiro lugar na minha vida. Não caio mais em cilada, não.
— É por isso que se afasta das pessoas?
Solto um suspiro.
— Deixa esse assunto para lá.
— Desculpa.
Quando olho para Taeyong outra vez, ele está de volta com o telefone erguido na horizontal. E percebo que, de fato, não quero conversar sobre essas coisas, porque aprendi com elas e me sinto melhor. Não me lembro quando foi que descobri qual era a esquerda e direita, mas sei como isso me guia. Deve ter sido confuso e difícil entender que minha esquerda é a direita de alguém. Mas aqui estou eu, com isso naturalizado em mim. Então, de fato, na vida as coisas saem dos trilhos e aprendemos com isso. No final de tudo, acaba naturalizando. Não sei como pude viver sem saber qual era a esquerda nem direita, como era ficar servindo de tapete a outrem e esquecer de mim e das minhas vontades. Não sei.
Taeyong não borda mais o assunto. Deposito meus esforços nos detalhes que rabisco do seu corpo. Percebo como move-se um pouco, talvez desconfortável por estar tanto tempo assim, porém lhe consolo ao dizer que só falta uma única coisa que preciso terminar antes de liberá-lo. É justamente a parte que nunca desenhei na vida, espero que saia boa.
— Posso dobrar essa perna pelo menos? — pede, erguendo a perna da sua direita. Felizmente não é o lado da tatuagem.
— Pode.
— Ok.
Apoio meu cotovelo no seu joelho e deixo meu antebraço cair pela sua coxa nua. Esfrego as pontas dos dedos e, levemente, a unha na sua pele. Até dou um beijo no seu joelho numa pausa que faço. Taeyong sorri, mas não olha para mim. Agora estou terminando de desenhar seu pênis e me pergunto aqui como ele não fica excitado em ter-me acariciando áreas tão sensíveis do seu corpo. Porque da vez que ele fez isso comigo, eu senti um baita tesão. Como ele não consegue? Estou tentado a perguntar.
— Tae, qual o seu tamanho? — questiono.
— Um metro e setenta e...
— Não tô falando da sua altura.
Taeyong fica olhando para a minha cara por alguns segundos, como quem tentando entender. Depois de sacar, solta um suspiro e revira os olhos.
— Não vou te responder isso — volta a olhar para a tela do celular. — Aliás, por que está me perguntando isso?
— Nada.
— Espera — ele ergue o tronco e tenta pegar o caderno da minha mão, mas eu afasto o máximo que posso. — Você está desenhando o que não deveria estar desenhando?
— Eu não deveria desenhar? É o corpo humano, Taeyong — escondo o bullet journal detrás do meu corpo. Taeyong joga o corpo contra o meu enquanto tenta alcançar.
— Mas você não me disse que ia desenhar meu bilau — ele consegue pegar o caderno e já vai checando o que fiz.
Aproveito sua distração e consigo meu celular de volta. Vou bagunçar o jogo de propósito só para me vingar dessa palhaçada. Uma humilhação depois de ter me acabado por tentar transferir a beleza dele num pedaço de papel com lápis. Nossa, me sinto derrotado, por isso vou ferrar o jogo dele.
— Ah, ficou até legal — ele comenta. — Mas você poderia não ter desenhado meu negócio, né? Achei que seria só a tatuagem.
— Vou ferrar com teu bebê aqui — ameaço. O boneco é feio como a zorra, mas vou ver se tem como matar ele ou deixar morrer de fome. Sei lá, eu não me lembro muito de The Sims, não. Só sei clicar no boneco e ver as opções. — Por que o nome do bebê é Chittaprr?
— Oi? — Taeyong volta a atenção para mim. — Ten, devolve meu jogo, por favor.
— O celular é meu, estrupício — e como ele está tentando pegar o celular de volta, me inclino todo para trás.
— Mas o jogo é meu, eu vou tirar o login.
— Não, deixa eu ver aqui as coisas... Veste alguma coisa, Taeyong — eu acho a cueca dele na cama e jogo em seu rosto sem querer. Taeyong veste-se tão rápido que chega me assusto. Ele realmente não me quer cutucando no The Sims dele. Mas agora estou com curiosidade em descobrir os outros Sims. — Por que aqui consta que Taeyong Lee é papai de Chittaprr?
— Oh, Ten, não mexe nisso, não... — ele tenta pegar o telefone, mas faço- o de bobinho e consigo driblar suas investidas.
— Chittaprr é feio como a zorra, Taeyong — critico. O boneco tem uma cara esquisita, parece que tá sofrendo, a cabeça tem um formato esquisito.
— Foi o melhor que pude fazer.
— Eita, apareceu aqui um boneco que voltou do trabalho... — comento. Olhando melhor as roupas e o cabelo do boneco, tenho um certo palpite. E num click descubro o nome do tal felizardo. Na mesma hora caio na gargalhada. — Ah, não... Esse sou eu? Eu também sou pai de Chittaprr?
— Ai, Ten, deixa eu excluir logo isso...
— Meu Deus, a gente mora numa casa chique!
— Ten...
— Temos um cachorro chamado Tedilson! — eu vejo a criatura correndo no quintal da casa. — Não era o nome da sua pelúcia?
— Chittaphon...
— Também temos um carro!
— Porra, Ten.
— Espera... Por que meu nome está como Ten Leechapponkun?
— Não é esse seu nome?
— Taeyong, antes de você criar casamento num jogo, você tem que primeiro aprender meu nome direito.
— Desculpa!
— Sem perdão.
— Poxa, Ten...
— Sem perdão — lhe entrego de volta o celular. — Vou dormir, porque estou chateado.
— Ten, e o meu beijo?
— Não tem — levanto-me para desligar as luzes e pôr o caderno sobre uma bancada, mas depois me aninho no conforto do cobertor. O ar-condicionado está ligado e está numa temperatura bastante agradável.
Taeyong me deixa em paz por vários minutos. Estou exausto, mas não consigo cair no sono. Viro-me e reviro-me na cama e, enquanto isso, Taeyong ocupa-se com o jogo dele. Fico aqui olhando o escuro, entediado, sem ter o que fazer. Tento brincar com Taeyong enrolando minha perna na dele, porém não recebo resposta alguma. Parece que ele está realmente imerso no jogo.
— Taeyong — chamo. Ele faz um "hum" como resposta. — Me ajuda a dormir?
— Como posso te ajudar? — ele gira o corpo na minha direção e percebo que bloqueia o celular.
— Eu não sei.
— Posso te contar fatos científicos aleatórios enquanto te faço carinho e massagem? — ele põe algumas mechas do meu cabelo para atrás da orelha e percebo quão ele é viciado em fazer isso.
Sorrio no mesmo instante.
— Tudo bem...
— Ok, deixe-me lembrar de alguns... — sua mão desce até minha nuca, onde deixa um punhado de carícias, antes de descer para uma massagem. — Uh, o tubarão-martelo é um péssimo nadador por conta do formato da cabeça dele, então precisa fazer dez vezes mais força que o normal para se locomover em linha reta. Mas ele pode fazer várias manobras debaixo d'água facilmente e também mudar de latitude, pois consegue fazer uma baita curva só em se inclinar um pouco.
— Isso é muito aleatório e muito específico — sussurro, empurrando um lado do rosto contra o travesseiro.
Taeyong se inclina o bastante para deixar-me um selinho no canto dos lábios.
— Quer que eu continue?
— Uhum.
— Tá... Vou tentar lembrar de outra coisa... — enquanto isso, ele vai beijando meu rosto e sou obrigado a abraçá-lo. Taeyong no mesmo instante deixa um beijo na minha mandíbula. — Ahn... O robô Curiosity da NASA canta uma versão robotizada de "happy birthday to you" no aniversário dele, porque ele está sozinho e não tem ninguém pra cantar pra ele. Ele também já tirou uma selfie numa tempestade de areia.
— Qual o propósito dessas coisas aleatórias?
— Te deixar com sono — agora ele afasta um pouco o rosto de mim e volta com as carícias no meu pescoço.
— Tá, continue.
— Como você é homem, seu cérebro pesa quase um quilo e meio. E o tubo digestivo, que é da boca ao ânus, mede entre sete a dez metros. O esqueleto humano pesa nove quilos e a parte do corpo que tem mais ossos é a cabeça. Hmm... Deixa eu lembrar de mais números... — Taeyong está tão esforçado nisso que está me fazendo querer rir. — Ah! Sabe quando a gente... Sabe... No quarto... Eu te beijei e... Também te toquei... Sabe... Lá embaixo e...
— Sei, Taeyong — reviro os olhos, mesmo que ele não possa ver.
— Então... Numa ejaculação são liberados entre duzentos e cinquenta milhões e quinhentos milhões de espermatozóides. Ou seja, muitos filhinhos perdidos.
— Que bom, eu não traria ninguém para essa porcaria de mundo.
— Não?
— Preferiria adotar. Já nasceu, precisamos dar amor. Mas não vou forçar alguém nascer, porque vai que não quer?
— Quem é que escolhe isso?
— Eu, no caso. E minha resposta é não, pra depois virar adolescente e me culpar por ter posto no mundo contra a vontade dele.
— Quem é que faz isso, pelo amor de Zeus?
— Eu fiz isso direto.
— Ah, então você não queria nascer?
— Quem é que quer nascer, afinal de contas? Ser cuspido para essa crueldade sem sentido, para uma existência sem propósito algum e, ao invés de vagar no vazio que lhe cerca, ser condicionado a inúmeros tipos de tortura com o discurso de que é pelo seu bem... Quando, na verdade, é o mesmo de não fazer nada, porque tudo é inútil e não contribui em coisa alguma. Passa toda a vida tentando provar aos outros que consegue fazer inúmeras coisas sem propósito algum, ter poucas horas por semana para fazer o que realmente quer e ser obrigado a prostituir seu tempo. E, desculpa, pode parecer até discursinho de garoto classe média alta que quer chamar atenção como descolado... No entanto, não é. Ninguém quer realmente nascer, se antes fosse analisado toda a baderna que é tudo isso. E a gente bebe, dança e transa pra tentar lidar com algo menos real que a solidão que bate no meio da noite quando percebemos que, se não postei nada durante o dia e também não possuo o que outrem precisa, ninguém me procura e eu fui um ser humano morto o dia inteiro. Entende isso?
O engraçado da minha fala é que disse sussurrando, entre pausas e mais pausas, e nisso Taeyong ficou quieto. Acho que cutuquei alguns pensamentos que guardo a sete chaves na minha cabeça, para não parecer pirado ou desesperançoso. Acontece que não quero parecer um lunático esquisito que tem pensamentos irreais, porque simplesmente não me encaixo totalmente numa roda de conversa. Eu me forço a gostar de bater papo e fazer coisas comuns — afinal, eu estou aqui, certo? Preciso me manter de pé. E não é que eu leve esse tipo de vida, são só conclusões. Eu não dissemino. Só sento numa noite de sábado, olho o horizonte socado de edifícios e penso: tudo isso é uma merda e nada tem sentido. Parabéns para mim.
— Desculpa pelo desabafo quilométrico... — ainda acrescento, pois tenho medo de ele fugir daqui. — É que não tenho ninguém para conversar sobre algumas coisas e... Isso escapou e acabei me empolgando.
— Está tudo bem, gosto de te conhecer — sinto seu dedo em meu queixo, pois ele estava paralisado enquanto eu falava. — Isso é meio pessimista, né?
— Eu não acho a realidade bonita, de qualquer jeito. Mas me jogo no entretenimento para fugir das minhas próprias concepções. Isso se chama viver em negação e eu faço muito, mas muito bem.
— Todos nós fazemos muito bem. Isso faz com que fiquemos presos numa bolha e evitamos encarar o real que nos apedreja — ele faz uma pausa, e nela respira fundo. — Tudo bem conversarmos sobre isso?
— A gente pode conversar sobre qualquer coisa, Taeyong — rio com sua pergunta.
— Ah, que bom — percebo quando solta um suspiro feliz. — Já que você me deu um gancho, que acha de conversarmos sobre niilismo?
— Não tenho fundamentação teórica — viro-me de barriga para cima. Assim que posso, jogo minha perna esquerda sobre Tae.
— Seu cérebro é mais que suficiente — ele põe a mão sobre a minha, depois entralaça nossos dedos. Muito carinhoso.
— Meu cérebro de um quilo e meio?
— Yes, very good.
Rio da vozinha que ele faz ao falar isso e, cansado, bocejo olhando a escuridão enquanto Taeyong conta sobre um livro que leu e como o niilismo ativo funciona. Pede minha opinião incontáveis vezes, ainda mais porque diz que talvez eu tenha uma certa influência, de acordo com os pensamentos expostos. E eu, que deveria ter ido dormir uma duas horas atrás, acabo passando a noite em claro conversando sobre qualquer coisa e, de fato, também sobre nada. No final, porém, estou a cochilar em momentos aleatórios e peço desculpas em antemão por apenas responder poucas coisas.
— Ten — ele me chama, acordando-me do meu décimo cochilo.
— Hm?
— Outro fato científico é que você muitas vezes não é o que você mostra. É muito mais profundo que isso. E fico feliz em estar penetrando um pouco através da sua película de proteção e descobrindo um pedacinho do seu acervo. A NASA confirmou isso. Você é uma galáxia.
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