eu penso demais em você

Não lamento ter inventado a ideia. Parece até psicose. Mas não é. Sou eu aqui, estou bem sóbrio e ciente. Não acho que vou morrer, até mesmo quando sinto a superfície me estapear as costas e eu me introduzir, sem nem aviso prévio, dentro das entranhas e intimidades do mar. O gosto é salgado, frio e cruel. E eu desço muito, porque a queda foi feia e eu não estava preparado. Meu short sai do lugar, lamentavelmente desce um pouco. E bato os braços quando sinto Taeyong agarrá-los e me puxar com força para cima. E o empuxo me agrega ao teu contato, porém a água invade a única peça de roupa que tenho e a mistura de peso, gravidade e densidade a faz deslizar pelas minhas pernas. Eu tento até alcançá-lo de volta. Solto Taeyong, ainda que o ar me falte. Ele não desiste e enlaça os braços ao redor de mim, sugando meu corpo para fora da água. Não consigo recuperar o short. Mas consigo recuperar o ar. E minha respiração salta de dentro para fora e de fora para dentro dos meus pulmões.

— Você está bem? — ele pergunta com a respiração alta. Olhamos ao redor e realmente... é real, nós caímos no mar. — Ten? Se machucou?

— Não... — respondo com a voz rouca. A água está mais gelada do que pensei que estaria. Me aproximo de Taeyong para que eu possa me apoiar nele. Eu não nado tão bem assim.

— Aah! O que é isso?! — solta um gritinho ridículo, dando uma recuada. — Que é isso?

— Eu perdi meu short, meu instrumento está para fora. Desculpa se me aproximei demais — e percebo que devo estar ridículo agora, apenas com o rosto para fora da água e fazendo de tudo para erguê-lo e poder respirar.

— Como você perdeu seu short? — questiona, incrédulo.

— Sei lá, a água empurrou para baixo — não consigo explicar melhor, talvez pelo nervoso do frio. — E você me puxou forte demais.

— Ai, eu tomei um susto. Pensei que era um bicho me tocando... — conta, mexendo em alguma coisa debaixo da água. Quero me apoiar nele, mas também não quero que fique gritando ou que venha a formar um clima estranho por eu estar sem roupa. Eu nem sei como iremos voltar para a casa.

Olho o céu, as estrelas, percebo que me falta um pouco de atenção para estas coisas. O penhasco branco rodeia a praia, e tivemos a sorte de termos caído de uma parte isolada numa das suas inclinações. Eu sabia que iria pular. Só não acreditava que conseguiria. Gostaria de ser mais claro. Nunca consigo ser claro.

— Que tá fazendo? — pergunto para ele, visto que remexe tudo com as mãos debaixo d'água.

— Tirando minha calça — me responde, surgindo com a peça de roupa sendo deslizada até mim pela superfície. — Veste.

Não reclamo. Eu a enfio debaixo da água e jogo minhas pernas para dentro. É estranho, mas pelo menos poderei voltar sem parecer um maníaco. Agora me aproximo dele, para que fiquemos grudados e não aconteça nada de ruim. Um sentimento de proteção inevitável. Inevitável não me sentir seguro junto a estes braços que me rodeiam e esse olhar brilhante de quem padece em demasia com as mais nobres e belas intenções.

— Está satisfeito agora? — questiona-me. É seu braço esquerdo ao redor da minha cintura. Eu gostaria de reclamar disso, mas acho que não quero ter de ficar sem apoio. — Você deu um gritão quando caiu.

— Eu nem gritei, seu mentiroso — reviro os olhos.

— Você nem deve ter percebido — ele também revira os olhos.

Nós rimos um pouco. E me sinto confortável o suficiente para rodear teus ombros com meus braços e grudar nossos peitos. Respiro fundo, sentindo as pequenas ondinhas das águas tocarem ambos corpos. Acho que gosto demais dele, mas estou com medo. Gosto demais dele. Acabamos por gostar demais um do outro nessa de insônia para cá, acolá. Ele sabe disso. Ele toca minha nuca, com seus dedos já enrugados e frios. Toca meu cabelo molhado. E eu olho seu rosto.

— Você me lembra aqueles filmes japoneses da segunda metade do século vinte — comenta baixinho.

— Por quê?

— Não sei — ele diz, enquanto faço ondas ao dar alguns tapinhas na superfície ao lado de nós. — Eu gosto.

— É algo bom, então — concluo. Taeyong desce a mão, traçando uma linha na minha pele ao seguir a região torácica da minha coluna e parar na lombar. Eu me arrepio.

Nos encaramos. Eu, abraçado a ele. Ele, trazendo água numa concha da mão e despejando na minha nuca. Talvez ele não olhe diretamente para os meus olhos, porque sua distração agora tornou-se bagunçar o meu cabelo molhado e colocá-lo numa franja cobrindo meu rosto. Mas eu o olho, sem nem desviar.

— Você consegue me enxergar assim? — ele ajeita a franja longa na frente dos meus olhos.

— Uhum — concordo com a cabeça.

E então desfaz a bagunça que formou com meus fios, delicadamente empurrando meu cabelo para trás. Depois disso, ele se inclina e gruda nossas testas. Fecho os olhos por alguns segundos. Não romantizando, mas... Apenas sentindo. Sentindo que deveríamos nos beijar agora, só que não vou tentar. Mas ele tenta. Tenta e consegue um beijinho rápido, apenas um selar. Isso me deixa alerta, abro os olhos para vê-lo. Nos encaramos.

O visual dele é incrível. Aqui, assim, com esse cabelo preto molhado grudado na testa, a pele do rosto úmida, e estou tão próximo que consigo ver alguns pelinhos crescendo do bigode. Ainda que esteja escuro, consigo ver e prestigiar isso. Não sou burro nem cego para deixar de reconhecer.

— Eu penso demais em você — Taeyong me diz, então encosta os lábios na minha bochecha esquerda.

— Não deveria.

— Sim, eu realmente não deveria.

— A pessoa que rodeia seus pensamentos sou eu ou quem você gosta de acreditar que eu seja?

Ele fica em silêncio por um tempo, ergue a cabeça para o céu. Encaro seu pomo de adão com um pensamento impuro, de que talvez eu possa deixar-lhe um beijo. Mas ele volta o rosto para mim antes que esses pensamentos venham alimentar-se da minha sensatez. Vertiginoso seu olhar é, e percebo em seus olhos que nem ele sabe das coisas. Nós nunca sabemos de nada.

Eu me estico o suficiente para beijá-lo. Porque eu quero isso agora. Eu não ia tentar, então pra que porra eu me empurro contra ele desta maneira? Estou preso entre aproveitar o momento e querer fugir a todo custo. Porque ainda sou cacto, também não quero mais ser a torre que o deixa preso a mim. Não valeria a pena fazer isso outra vez, ainda que eu goste de estar com ele. Meu medo é não ter cuidado. Só que eu não sei o que machuca mais ele: eu lhe rejeitar ou ficar contigo de maneira descompromissada.

Não deveria me preocupar com isso agora. Ainda estamos nos beijando. Eu e ele. Desse tipo que eu queria que tivesse acontecido no concerto. Mas não aconteceu e eu preferi que fosse assim. O problema é que Taeyong nem luta contra. Ele sempre está disposto quando quero, porque ele está disposto a todo momento. Está disposto a me beijar devagarinho, a inclinar a cabeça, a permitir os estalos. Mesmo que estejamos na água e eu mal consiga me manter na superfície. Mas isso é bom, sabe? Essas coisas que sinto. E o céu e as estrelas e a lua e a droga do penhasco ou seja lá qual é o nome dessa coisa... Todos eles nos observando. Estou de olhos fechados, mas caso não estivesse, e caso aqui fosse uma fantasia, eles estariam abanando a cabeça como se estivéssemos fazendo burrada? Taeyong beija bem pra caralho, então não quero que seja um erro.

Ele é bom demais para ser verdade, namoral. Quando eu dizia que não merecia ele, eu realmente falava sério. E se pudesse repetir, sou seguro em fazer. Não mereço nada disso aqui, até porquê não acho que eu venha a dar conta de tudo, de toda a carga gostosa e amável que ele é. E inflama. É como algo apimentado, sabe? Beijar ele, abraçar e estar perto dele é algo apimentado. Não num sentido malicioso. No sentido de sensação. Aquilo está ardendo, mesmo assim é bom. Você pode beber água, você pode comer outras coisas, mas a ardência ainda estará em você. Eu gosto de como isso soa. Principalmente quando tenho sua língua na minha.

— V-vamos nadar? — falo antes que possamos continuar com isso. — Até a praia. É melhor voltarmos, porque... Está frio.

Ele concorda com a cabeça, ainda que sem entender porque isso de repente. Não digo mais nada, mas me afasto dele e começo meu nado em direção à praia. Eu e Taeyong somos lentinhos nisso, porém me esforço de verdade. Vez ou outra engulo água salgada, dou um chute nele sem querer, então gastamos tempo brigando sobre a distância que deveríamos estar. Ele diz que tem medo de alguma coisa cutucar ele durante o percurso. Pergunto como é que nadar rente a mim impedirá isso.

— Eu pulo em você, ora — a explicação que ele dá.

— Vê se cresce, Taeyong.

— Vê se cresce você — e começou ele com a brincadeirinha com minha altura. Legal, pô. Legal.

Eu jogo água no seu rosto, ele faz o mesmo comigo. E no meio de tanto pulo de água, aproveito sua distração para brincar um pouco com ele. Estico minha perna o máximo que consigo e passo meu pé rapidamente na perna dele. Como esperado, Taeyong dá um grito e começa entrar em desespero, dizendo que tem um tubarão zonzando por aí e que quer matar a gente, porque sentiu as escamas do bicho tocando a canela dele. Eu até mordo os lábios para controlar o riso, porém ele percebe isso quando para de nadar em direções aleatórias e olha para mim.

— Porra, você é idiota, sua carniça? — Taeyong fica putinho, sendo assim estica as mãos e empurra com força água na minha cara. Eu nem fico bravo, porque foi justo. — Quer me matar, estopô?

Eu rio mais do fato de ele não parar de me xingar do que com a água salgada fazendo meus olhos arderem e entrarem em meus ouvidos. Sei não, mas trocar insultos com ele é uma das minhas coisas mais favoritas da vida. De quando xingo ele. Ou quando ele me xinga. E depois a gente ri, porque não conseguimos levar a sério. Nem tem como levar a sério.

— Era uma brincadeira, benzinho... — dito isso, mergulho para fugir de mais um ataque de água no rosto.

Eu não nado tão rápido assim, mas sou melhor quando estou abaixo da superfície. Estico meu corpo, essa matéria frágil. Queria eu ser frugal como ele, mas ainda estou a apetecer a liquidez mundana. E eu nado nisso. Nado, empurrando com os braços e batendo com as pernas. Meu peito inclinado quando me ergo feito sereia, feito fada, feito Afrodite em águas salgadas jônicas. Taeyong disse que ele era ícaro. De repente caiu no mar por minha causa. Ele diz que eu brilho. De repente ele caiu no mar por minha causa. Talvez eu seja o sol.

Se eu for o sol, tomo cuidado ao erguer-me e abraça-lo pela cintura. Se assusta nos primeiros segundos, porém acalma-se rapidamente. Como queimar-se e se acostumar com o calor e a ardência. Quando se inclina para beijar-me os lábios, volto ao mar. Escuto sua risada antes da audição ser abafada pela água. Sua mão em meu cabelo é o que sinto quando volto outra vez. E ele não faz nada que não seja tentar roubar-me um beijo de novo. Finjo que vou fugir, mas ele me agarra. Beija minha bochecha umas trezentas vezes. Daquele tipo que me faz rir. E eu preciso me jogar sobre ele e empurra-lo para dentro d'água para que me deixe em paz só por algum tempo.

Ele ri, eu rio, dois idiotas nessa madrugada. Deveríamos voltar, senão morreremos de sono durante o dia. Mas não dá por enquanto. Ele me agarra pelas pernas e me ergue até que eu caia de costas na água. Tento chutá-lo, mas Taeyong segura minhas pernas. Ele e esse olhar brilhante & o cabelo & e esse corpo que tem mais músculos que da outra vez & os lábios que insistem em rasgar os meus & e o jeito viril que me puxa pelo quadril e me faz grudar a ti como se fôssemos moléculas de gelo boiando plácidas neste copo de mar que alguém esqueceu de beber.

— Oh, Ten... Sabe por que não respondi o que você falou? — diz, tentando ao máximo fazer com que fiquemos parados no mar, ainda que esteja tentando me segurar. Eu jogo meus braços ao redor do seu pescoço, consigo um pouco de impulso para me erguer sobre ele enlaçar as pernas em seu quadril. Ele sorri com isso. — É porque... Bem... É que eu acho que teve um momento da sua vida que você decidiu se fechar pra sempre. E o que começa sempre tem seu final. Você não precisa prometer nada para mim, só... Não se proíba tanto, tá?

— Que você quer dizer?

— Que talvez seja bom se... — ele desvia o olhar para as pequenas ondas ao redor dos nossos corpos. — Se talvez a gente pudesse.... Bem... Recomeçar...

— Recomeçar? — acabo afrouxando meu contato no seu pescoço e quadril. Estou quase sendo levado pelo mar. Ele muda a expressão, muda por algo que vê em mim. Não sei bem qual a minha expressão.

— Por que está se afastando? Você vai fugir? Porque eu já até me acostumei com isso — agora ele está chateado. — Seria legal se você parasse de fazer isso e também repetir tudo que falo, pra variar. Eu só gosto de você, então pensei que...

— Você tem consciência de que me beijou tem tipo... Um dia? — eu até me atrapalho um pouco com as palavras, de vez em quando eu travo mesmo ao falar.

— Eu não estou te pedindo em casamento não, Chittaphon — se explica. Eu até respiro fundo com essa. — Tá, apaga a merda que falei. Esqueça, esqueça... Já passou, deixa pra lá. Me enganei, fiquei maluco... Foi o cigarro.

— Taeyong, você acabou de terminar um namoro.

— Porque gosto de você.

— É um erro.

— Gostar de você?

— Os dois.

— É cruel estar com alguém e pensar em outra — ele até ajeita o cós da calça em mim. — Não vou te pressionar nem nada, faça o que quiser. Se não quiser, tudo bem. Não vou te encher o saco.

O sal me impede de pensar direito. Bullshit, na verdade é uma desculpa. Eu não quero ter de pensar muito, senão falo besteira. Mas se eu não falar nada, também será uma besteira. E eu confesso que eu devo ser chato mesmo, expelindo o mesmo discurso agonizante e formado há tempos atrás. Já nem eu aguento mais. Mas também não paro e penso pra reescrever. Mudar a fita é um pouco complicado, quando não se sabe como irá se sentir quando a próxima terminar. Se terá valido a pena. Eu não queria ter de beijá-lo. Não queria ter de abracá-lo. Mas eu fiz. Já comecei errando. Porque ele já quer algo de novo. Comecei a fazer tudo errado. Eu fui muito ingênuo dessa vez. Não só dessa vez.

— Taeyong... — tento até falar, porém sou interrompido.

— Talvez um dia você venha a gostar de alguém como gosto de você. E eu espero que não doa tanto quanto dói em mim. Vai ser bom. Vai te fazer bem.

Ele me solta. Chego a pensar que irei me afogar, mas acabo por boiar no momento mais desesperador. Quero dizer a ele que está sendo bom, está me fazendo bem, quando não falamos sobre essas coisas. Só que ele sai nadando para a praia e eu o sigo silenciosamente. Talvez eu esteja um tanto surpreso com isso. Com ele. Com nós.

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