eu nunca fui tão íntimo assim
Meus olhos pesam, embora eu saiba que não posso cochilar com a máscara no rosto. Taeyong está desenhando alguma coisa no bullet journal dele, porém a mão esquerda está acariciando a minha. Quero muito dormir, muito mesmo. Mas ainda não. Preciso esperar a máscara secar no rosto.
Hoje foi nosso último dia aqui em Santorini. Ontem à tarde ficamos na piscina o tempo inteiro, após voltarmos do passeio. E, na maioria das vezes, eu e Taeyong nos beijamos. Acho que já estamos agindo feitos namorados, mesmo que ainda não somos.
Hoje pela manhã fomos turistar. A real é que esse lugar é lindo demais, nem consigo acreditar. Sentamo-nos nas relvas, esticados, o vento lambendo o suor da minha barriga após eu ter arrancado a camisa. Comemos em silêncio, também tiramos fotos, e noutro momento nos beijamos mais. Completamos a trilha um tanto cansados e suados — eu não coloquei a camisa de volta, então foi até melhor —, porém foi interessante em demasia. Fomos a um arquipélago, depois a um restaurante, e por fim ao farol (Akrotiri Lighthouse). Fomos de scooter, porque não há transporte da cidade para lá, mas eu realmente amei o pôr do sol. Ficamos sentados nas pedras, olhando no horizonte o sol se agachar devagar. Tae me deu a mão e acho que esse momento vai entrar no álbum de breguices que eu acabei gostando.
Fizemos compras, ademais, após muito chororô da minha parte. Então, numa loja, nos arrumei um anel da amizade. Amizade porque, rolando namoro ou não, o que de fato valorizo mais é nossa amizade. Ela é muito mais importante que um beijo na boca, sendo sincero. Não sei se Taeyong entendeu muito bem minha intenção com o anel, porque ele ficou meio sério quando lhe contei que era amizade. E ele não disse nada, a não ser balançar a cabeça e acompanhar-me ao caixa. Mas ficou mais leve, fluído, quando com o tempo peguei sua mão e ficamos a andar na rua esfregando ambos anéis. Acho que no fim ele gostou, porque até agora está usando.
Agora estou tomado banho, de roupão, deitado na cama, olhando para o teto enquanto seguro a mão de Taeyong. E Taeyong, que acaricia minha palma com seus dedos, está de bruços desenhando no bullet journal. E baixinho, bem no fundo, está tocando Bach, do meu notebook que esqueci de desligar. Vez ou outra sinto os lábios de Tae na minha mão, beijando distraidamente, ou então apenas encostando contra o rosto. Ainda que esteja calor, gosto de sentir sua respiração quente escorrendo pela minha pele.
— Sua mão tá suando — ele comenta, largando-a e sentando-se na cama. — Vou ligar o ar.
Taeyong pega o controle e liga o ar-condicionado. Não obstante, ajuda-me a tirar a máscara do rosto com tamanho zelo e atenção. Quando acaba de fazer o descarte no meu lugar, volta para a cama e dá-me um beijo na bochecha. Eu faço o favor de puxá-lo de volta, porque obviamente não me contento com isso. Abraça-me e agora eu gosto. É o cheiro da sua pele, a textura dos seus lábios, o gosto de mel da balinha que ele estava chupando...
Agora estamos mais íntimos, devo pontuar. Antes só puxava o meu cabelo e está tudo bem... Mas quebramos algumas barreiras... Como, por exemplo, o fato de sentir-se livre para ter minha bunda em mãos por baixo do tecido do roupão. Ou eu empurrar meu quadril contra o dele, mesmo que estejamos sendo apenas carinhosos. Tem vezes que faz massagem nos meus ombros e me distrai com sua respiração devagar e ligeiramente sensual perto da minha orelha.
Eu tenho que ir lavar os resquícios da máscara, mas não consigo largar seus beijos. Se não é sua língua, são os selinhos gostosos que visitam a mim. Sinto-me um jardim inteiro, e ele curioso não tira as mãos dos meus canteiros. Traço feito pintor a linha montanhosa da sua coluna, enquanto recebo beijos na clavícula. Ele ama beijar-me em qualquer lugar. Enrolo nossas pernas, porque não quero perdê-lo. Enrolo meu coração, não quero que a queda deixe tantas sequelas.
Nem sei se foi esse ar todo de vovô que me cativou. Ele me tirou do óbvio, pisoteou minha zona de conforto, me fez questionar o porquê de tudo e todos. O ponto em questão não são os beijos, que agora voltaram aos lábios e rasgam minha boca de agonia pela compreensão. Você compreende o que sinto? É o que eu estaria interpretando.
É que sentir que é importante para alguém, assim como aquele alguém é importante para você... Decerto que causa desconforto achar que muitas vezes ele gosta mais de mim do que eu dele. Como agora. Ele sempre me beija, é mais carinhoso, amoroso, é quem inicia as carícias, quem toca mais, quem beija mais... Talvez eu não seja tão grudento assim como ele, por isso parece que eu gosto menos. Não sei se eu gosto menos. Mas eu gosto demais quando ele me abraça assim, com a pele quentinha, o beijo calminho, meio sôfrego, como se não tivéssemos passado o dia inteiro juntos e só estivéssemos nos vendo agora.
Ele rodeia minha cintura, ele me deixa flutuar. Às vezes eu fecho os olhos e só fico a pensar que, talvez, eu não mereça tudo isso que está sendo ofertado. Acho que nos apaixonamos nas nossas insônias e foram incontáveis vezes. Se eu pudesse dizê-lo mais coisas... Mas eu tenho muita vergonha. Também tenho muito medo... Dizer que gosta demais de alguém e, por isso, deverei agir condizente a isso senão parecerá mentira. Por isso não prefiro falar. Não mesmo.
— Eu nunca fui tão íntimo assim antes — ele comenta baixinho, os lábios ainda próximos aos meus, o corpo colado feito chiclete.
— Não?
— Acho que sou menos tímido com você — e então enfia os dedos no meu cabelo, acariciando com cuidado.
Sério. Não sou de ninguém, além de mim, mas sinto-me dele. Sinto-me dele quando me olha com esse olhar pontudo e profundo. Ele me olha como se pudesse encarar meu mar envolto pela bruma e ventania, como se pudesse chegar lá e acalmar com tudo repentinamente. Eu afasto sua franja, porque quero olhá-lo melhor. Sou grande e em mim pode caber inúmeros. Mas eu só quero um. É mais que suficiente para mim. Visto que, muitas vezes, um único ingrediente é o que salva uma refeição.
— Eu sei — seguro sua mão, lhe encharco com carinho.
Ele sorri. Eu sorrio. Volta a beijar-me, mas dessa vez é breve. Pega o caderno outra vez, a mão junto a minha, o peito meio cheio demais, e agora está desenhando outra vez. Recolho-me para o banheiro, lavo o rosto, visto-me com um pijama. Ele ainda está lá, desenhando. Ou escrevendo. Ou fazendo um mind map cheio de setas muito bem feitas. Quando termino de escovar os dentes, já não está mais na cama. Está na varanda fumando. Fumando, como se precisasse disso para viver. Como se o cigarro fosse seu melhor amigo, na alegria e na tristeza, apenas ali para apoiá-lo a todo momento. E eu quero tanto que ele viva o tanto bastante para arranjar alegria em todas as entranhas possíveis... Não gosto de vê-lo fumar, embora fique bonito.
Encostado à porta, eu cruzo os braços com os lábios ainda úmidos e observo ele. Cantarola a melodia que está tocando, não é mais Bach. Olha o breu, o oculto, o sombrio da noite que comeu o horizonte. Frente a piscina, ele tem um cigarro entre o indicador e o dedo do meio. A palma pra cima, o pulso dobrado, como quem recebendo uma benção... Se a vida fosse poesia, eu certamente gostaria de ser o suficiente para substituir isso tudo. Que se eu chegasse, ele não precisasse mais disso. Mas ele insiste em precisar.
Eu penso em Atenas. Quero conhecê-lo mais também. Mais cedo disse-me que iria pagar nossas despesas de lá, assim como paguei as daqui. Discutimos no meio da rua sobre isso, porém não venci dessa vez. Bateu o martelo. Na espreita, cancelei a reserva do hotel e acabei reservando num mais barato. Vou sugerir visitarmos os lugares de ônibus, inventarei uma desculpa, por ser mais barato. Os restaurantes que pensei em ir, cortei a maioria da lista. Vou fazer ao máximo para não gastarmos tanto. E ele não sabe. Ele só está sentado, o prateado da lua lhe ornamentando, fumando como quem escondesse seus maiores segredos em momentos como este.
— Ei — me aproximo o suficiente para que possa arrancar o cigarro da mão erguida feito uma prece. — Te quero vivo.
Amasso o cigarro no cinzeiro em formato de concha que ele tem pousado ao lado. Taeyong revira os olhos, já cansado disso, mas também não me impede.
— Eu não vou morrer de repente — argumenta.
— Quem disse que não? — sento-me ao seu lado.
— Eu sei disso — ele dá de ombros. — Não vou estar fumando e... Pah! Morri!
— Vai que...
— Se fosse verdade, você iria ao meu velório?
— Não — respondo. — Nunca fui a nenhum, na verdade.
— Nossa, Chittaphon — levemente ri, sai meio anasalado.
— Pois é... — coço os olhos com os dedos. Estou morrendo de sono. — Vamos dormir logo.
Eu me levanto e ele vem logo atrás de mim. Guarda o cinzeiro bem na parte de baixo da mala, onde também tem cigarro, e já decido que vou mexer um pouco ali e jogar esses cigarros na puta que pariu.
Mas Taeyong não dorme agora. Eu fico no celular, jogado na cama, e ele continua a fazer algo no bullet journal. Agora já não acho mais que seja um desenho. Talvez antes fosse. Não tenho mais certeza de nada dessa vida. Acho que o amor é um veneno que vai corroendo tudo aos poucos. Eu achava ele tão patético. Mas a realidade é que parece belo e límpido quando, na verdade, está me fodendo por dentro. Eu sei disso. Só espero não me acabar todo.
É. Taeyong dormiu em cima do caderno. Eu puxo seu corpo pesadinho para o travesseiro, lhe enrolo com o edredom e lhe dou um beijo no rosto. Quando vou organizar suas canetas no estojo e fechar o caderno para guardar, passo o olho sem querer no que ele estava fazendo e dou-me de cara com um texto. Sei que é errado, mas o tanto que escreveu chama minha atenção. Vou ler só um pouco. Bem rapidinho. Isso realmente parece ser bom.
" para sempre o cara que fará seu café ou chá do jeito que você gosta. porque você ama ser amado e ter sossego e talvez ache isso tudo numa mesma companhia que não é nada mais que um calçado confortável por algumas semanas, que desgasta fácil e deixa de ter aquele brilho especial de quando ainda estava no início. sinto que és consumista, eu sou o produto. você diz que me ama, eu amo seu amor, eu sinto seu amor. mas não quer dizer que está disposto a ficar comigo. há coisas que você não diz, você só olha e está dito. mas eu não entendo. tenho medo de não querermos a mesma coisa outra vez. um dia eu vou parar de sangrar por isso, eu juro. eu juro. eu amo você. queria poder te dizer isso todos os dias, mas você foge no primeiro suspiro de amor que dou. agora está mais leve, sei. você está cativante demais, docinho. e eu tenho esse anel no dedo de uma amizade confusa e desesperada. queria te levar para os meus pais, dizer que é meu namorado, num feriado qualquer aí, você dormir comigo na mesma cama do beliche, porque a outra pertence a minha irmã. eu amo você. talvez eu pareça idiota e bobo por esperar demais da sua pessoa, mas é que eu realmente pensei que seria diferente. você me ama e me sinto amado. mas isso não garante sua mesa do jantar quando meu pai desligar o rádio e minha mãe fizer um banquete coreano para você esbaldar-se. você me ama, mas não acho que irá andar de mãos dadas comigo por lá. você é divino. maravilhoso. tenho medo de ser que nem da outra vez, porém o mimo ser maior. que se antes não teve tanto carinho quanto agora, não significa que não é a mesma coisa. quero dançar contigo, ir ao cinema para te beijar, quero te conhecer. estou tentando entrar em você, e dessa vez você está deixando aos poucos. você ainda vai estar comigo, quando ninguém mais me quiser ao redor? sei que não sou ninguém. não tenho parentes importantes, tenho uma mixuruca quantidade de dinheiro no banco e certamente morrerei jovem, também não almejo um legado. mas almejo você. te faço café, chá, cafuné, massagem, colho as mais bonitas flores para te fazer sorrir. mas... por que é que sinto que estou implorando seu amor? por que sinto que faço isso só porque quero que você me ame ou nunca pare de me amar? daqui a alguns meses vai completar quase três anos desde que te conheci. não creio que passamos mais tempo separados que juntos. é assim que deveríamos ficar? digo... separados? por favor, não diz pra mim que só sou amigo, não. eu uso o anel da amizade, sei que somos amigos... mas e só? tenho medo de, num dia, você dizer que não quer mais o que estamos fazendo e manter uma amizade tradicional. eu aceito, eu aceito. mas se eu ver-te com outro alguém... "
Fecho o caderno e é isso. Não adianta. Eu estou dando o meu melhor. Eu estou dando o meu melhor. Eu estou dando o meu melhor! Por que isso não é o suficiente?
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