eu não quero te deixar desconfortável

— Oitavo andar, certo? — certifico-me com a moça gentil da recepção, após me identificar e ganhar cartão de visitante.

— Sim. Ele pediu para que você esperasse no corredor, já que surgiu uma reunião importante e até agora não terminou — responde-me.

Concordo com a cabeça e me dirijo até o elevador. Me camuflo no canto esquerdo, de braços cruzados e olhar cansado. Acabo percebendo que esqueci de apertar o oito, então inclino-me e o faço repetidas vezes. As portas estão quase fechando quando vejo uma silhueta alta e magra pedir para que eu segure, então espanco a tecla para abrir as portas.

— Valeu — entra, ofegante. Reconheço. Eu poderia reconhecê-lo até de olhos fechados, sem nem tocá-lo nem nada, apenas pelo ar da sua presença. — Ah, oi...

— E aí? — cumprimento.

Volto a espremer o corpo contra o canto esquerdo, já ele prefere o canto direito. Ficamos em silêncio por alguns segundos, acompanhando o elevador subir e passar pelos andares. Um típico encontro de elevador. Sinto-me em 500 Dias Com Ela. Até as histórias batem. Mas a diferença é que esse elevador é brilhante e dourado, e o tapete é vermelho, estampado, e a bota dele é fosca, preta, e sua calça é escura, mas a braguilha é prata, e seus suspensórios tem presilhas na cor de cobre e até brilham nessa luz branca e sem graça. E sua blusa é xadrez, assim como aquelas flannels típicas dos cantores country. Tão brega... mas nele cai tão bem! As mangas dobradas no braço, como se fosse aqueles trogloditas de academia, mas a verdade é que não se parecem nem um pouco. Ele está mais forte, então isso me chama atenção.

— Veio ver Doyoung também? — pergunta-me do nada. Já estamos no terceiro andar.

— Sim, acho que sim. Ele pediu para que eu viesse agora — conto, esticando minha perna direita e girando o tornozelo.

— Eu não avisei a ele, na verdade. Então, tecnicamente, eu nem deveria estar aqui — afasta-se da parede quando somos informados sobre o quinto andar. — Vocês vão levar muito tempo?

— Acho que podemos dividir o Doyoung — decido descruzar os braços. Ele é amável com o cabelo preto. Ele é amável de suspensórios. Ele é amável olhando-me assim. Ele é bom demais para ser verdade. Tipo, ele está falando comigo. Ele nem deveria estar falando comigo.

— Certamente — dá uma leve meneada da cabeça. Acompanho seu movimento.

Não nos falamos mais. Ele tira os fones dos ombros e põe nos ouvidos. Bem, talvez ele não queira falar comigo. Eu entendo. Viro-me para o espelho, conserto minha franja, puxo para detrás da orelha e acabo por espiar Taeyong pelo reflexo. O mórbido silêncio que sapateava o elevador é engolido por alguns acordes e uma bateria frenética. Parece que ele ainda gosta de rock alternativo, assim como tinha dito ano retrasado. Algumas coisas nunca mudam.

Conserto a bolsa em meu ombro antes de virar-me para sair. Taeyong sai primeiro, distraído, e quase fico aqui sozinho no elevador. Ele caminha à frente, eu prefiro ficar para trás. A assistente informa sobre a reunião, então digo que já temos conhecimento. Sentamo-nos sobre o sofá terracota que pouco combina com a decoração do ambiente, porém é confortável ao ponto de não permitir o desejo de mover-se ou, quem sabe, levantar-se. Ele senta na ponta direita, eu prefiro a esquerda. Estamos em silêncio.

Ele passa a usar o celular e eu, afoito, dou uma espiada. Ele está lendo poesia. Nós ainda gostamos de poesia. Eu e ele. Nós ainda gostamos de poesia. Porque não é como se tivéssemos mudado tanto, só porque ficamos longe um do outro e não conseguimos conversar por mais de trinta segundos. E pensar nisso me deixa aturdido, sabe? Porque eu sinto que é tarde demais para tentar ver se eu admito as coisas. E não estou me referindo ao horário. Em falar no horário...

— Taeyong — o chamo. Ele não parece escutar, então repito: — Taeyong!

Nenhuma reação para o meu chamado. Toco seu pulso e ele parece estranhar e surpreender-se com meu contato, por este motivo afasto o mais rápido possível. Assim que tira os fones do ouvido, eu me sinto um pouco idiota por ter interrompido para perguntar algo que nem deveria ser da minha conta.

— Você não deveria estar na faculdade? — questiono o que me veio à mente. Ele parece pausar a música no celular e percebo seu peito virar-se um pouco na minha direção.

— A matéria acabou. A carga horária foi atingida — é breve ao explicar. — Então tenho as quintas livres.

— Uh, isso é legal. Eu amava quando isso acontecia, porque me considerava de férias — eu digo, jogando a perna esquerda sobre a direita. — Concluir matéria é a melhor coisa. Claro, quando não se está em recuperação.

Ele ri. Meu Deus, ele riu. Ele riu. E sua risada é gostosa, porém tímida, hesitante, mas é uma risada. Uma risada aérea, livre, solta. Ele riu. E eu vi seus rosados lábios esticarem e seus dentinhos se mostrarem com medo de aparecer, porém aparecendo mesmo assim. É como se a primavera estivesse de volta depois de um longo e severo inverno. Sinto-me quente, aquecido, dormente.

— Teve um dia que eu estava fazendo uma prova de recuperação e do nada tocou o alarme de incêndio da universidade, então todo mundo entrou em desespero — me mostro animado em demasia na narração. Desculpa, mas este dia foi icônico. — E vimos um bocado de gente passando pelo corredor, indo para algum lugar. Disseram que era apenas treinamento, mas que era para sairmos mesmo assim. O professor era uma droga, noventa e nove vírgula nove porcento da turma estava naquela recuperação, então perguntamos o que deveríamos fazer.

Taeyong presta atenção nas minhas palavras, o que me deixa aliviado. Sabe, ando com os dois pés atrás quando se trata dele.

— Ele disse que a gente que iria decidir e deu de ombros — prossigo. — Eu estava em choque, porque foi o primeiro alarme de incêndio que escutei na vida e entrei em desespero. Tipo, e se fosse real? Então o professor falou que quem quisesse sair, poderia sair. Quem quisesse ficar, que ficasse. Daí ele saiu da sala e foi comprar café e amendoim. E isso tudo com um cenário caótico, com gente correndo e perguntando onde era o incêndio, se alguém morreu, se era treinamento mesmo... Foi um inferno.

— E ainda teve a prova?

— Sim! O desgraçado voltou rindo, se sentou, literalmente, em cima da mesa, e começou a se divertir com nosso desespero. Felizmente consegui terminar aquela porcaria e entregar — falando assim, parece até que estou reclamando. Foi um inferno, mas eu passei na matéria. Não porque eu sentia que realmente sabia aquilo. Mas também são águas passadas.

— Que fase — ele ri timidamente. — Eu costumo ficar bem ansioso com provas, mas não costumo me preocupar tanto. Mas depende da matéria, também.

— Que bom.

— É.

E o assunto morreu. Meu Deus, por que antigamente as coisas pareciam fluir mais que agora? Sei que não estamos mais a mesma coisa de antes, mas é complicado aceitar o seu silêncio.

— Uh, aliás... Você estava escutando The Smiths? Estava meio alto, então pude escutar... — e agora parece que estou desesperado. Legal, legal, show.

— Foi, sim — ele desvia o olhar e gira o tronco para frente. Talvez eu tenha deixado tudo muito invasivo.

— Desculpa, eu não quero te deixar desconfortável.

— Está tudo ok, não se preocupa — ele desbloqueia o celular. — Você não deveria.

Respiro fundo.

— Não, é que... — começo a falar, mas não sei bem o quê.

É como querer algo, porém não ter a habilidade de obtê-lo. E dói, pois sente-se incapaz. E de acordo com meu passado um pouco turbulento, talvez eu deva relevar isso e classificar como normal. Conquanto, julgamentos vazios não irão ajudar-me neste momento. E se eu fizesse com que tirasse os olhos da tela e me olhasse de verdade? Eu mesmo, à sua frente, carne e osso, depois de um ano e meio. E se ele se lembrasse de mim? Se lembrasse de verdade. Eu lembraria dele? Do seu sorriso, da risada que escapuliu sem querer agora há pouco? Não sinto como se tivesse perdido o amor da minha vida ou quaisquer abobrinha desses romances caretas de Nicholas Sparks. Sinto que perdi um amigo, um amigo de verdade.

Sinto que perdi um amigo de verdade, porque éramos algo aparentemente invencível e impenetrável. Sentia-me reluzente, mas não por beijar sua boca e abraçá-lo na cama, mas porque sabia que poderia contar com ele em inúmeras coisas, assim como ele poderia contar comigo nas outras inúmeras e as incontáveis. Eu não costumo dar grandiosos valores a relações românticas, mas eu sinto uma genuína ligação quando se trata de amizades. E quando tudo se quebrou, não eram só os seus beijos que faltavam, quando me via beijando outro alguém. Era ele, ele inteiro, sua presença, sua risada, seus insultos e divagações. Éramos nós. Eram nossas poesias, nossas músicas, nosso café, nossas conversas e discussões. E às vezes não falávamos nada, mas dizíamos tantas coisas...

Apeguei-me às lembranças. Tudo em torno dele me lembra disso. E foi burrice minha, foi sim, achar que poderia recuperar tudo outra vez. Não, não. Ele não estaria o mesmo quando eu voltasse, não seríamos a mesma coisa quando eu voltasse, não nos abraçaríamos ou falaríamos sobre qualquer coisa como costumávamos. Porque no fundo, eu gostaria que fosse assim. Porque foram momentos bons, naturais, doces, primorosos. Momentos que não pude apagar ao beijar outras bocas ou conversar com outros seres — humanos ou não. Não há sorvete que cure, não há filme que explique, não há álcool que derrube. Quando se alojou, a falta, quando a falta se alojou... Bem, eu percebi que era tarde demais. Nunca voltaríamos ao antes.

— ... Eu meio que senti sua falta.

Então eu faço com que ele tire os olhos da tela e me olhe de verdade. Eu mesmo, à sua frente, carne e osso, depois de um ano e meio.

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