eu não quero namorar

Eu não zerei o catálogo gay da Netflix, também não zerei o pacote de biscoitos de uma marca italiana que comprei porque todos diziam que eram bons, mas eu particularmente acho borrachudos demais — mesmo assim comprei, do mesmo jeito que li a descrição de inúmeros filmes e esqueci na minha lista para todo o sempre. A questão é não cobrar-se, não forçar algo de si mesmo porque gostaria de ser assim, gostaria de estar falando sobre, gostaria de estar comendo aquilo, gostaria de ter um repertório para que sinta orgulho de si. Mas eu vejo meu rosto, toda santa noite, estampada na capa daquelas revistas de consultório odontológico. E eu sei que, orgulhoso ou não, no fundo eu gostaria de estar lá.

Porque eu sempre estive dentre as colunas estupidamente organizadinhas delas, com aquelas letras serifadas, finas, para que haja um ar de respeito e superioridade. Lembro dos meus traços cinzas, da minha cara pálida, do cabelo preto escorrendo na cara e o aparelho sobressaindo no sorriso forçado pelo qual minha mãe beliscou meu braço para fazer. Essa foi a primeira vez que apareci numa revista, ao lado dos membros da família num evento qualquer aí, talvez eu tivesse apenas dez anos. E depois de mais algumas vezes, eu sumi do mapa. Fui pro ensino médio, fui a Paris. Era jovem demais, pois pulei uns dois anos do fundamental. E meu rosto passou apenas a aparecer vez ou outra numa foto de atividades acadêmicas penduradas no mural do colégio. E logo mais tarde, o máximo que conseguia eram minhas aparições no periódico da universidade da galera de comunicação que estava para se formar.

E agora que cresci, talvez eu ainda ponha a cara nessas revistas de consultório odontológico outra vez. Edição de assinantes. Proibida a venda. Uma porção de fotos minhas no interior, uma entrevista, uma receita, uma citação tamanho 20 em negrito: "às vezes uma garfada mata sua fome, outras vezes ela salva seu dia: eis aqui a diferença entre sobreviver e viver!" Provavelmente estarei sorrindo nas primeiras fotos, depois estarei mais sério, então irei me inclinar sobre o balcão, pegarei uma panela, uma colher de pau, um buquê de salsa, irei fingir despejar orégano...

Penso nisso enquanto respondo ao e-mail de confirmação para uma entrevista e sessão de fotos para uma revista de nome esquisito, porém de boa venda. Fecho o MacBook, suspiro com impaciência. Eu disse para Lucas não demorar, mas até agora ele não apareceu. E eu nem sei o porquê de estar querendo que ele chegue logo, porque não preciso disso. Parece que estou com raiva, irritadiço. Minha mãe me mandou um e-mail dizendo que realmente quer que eu vá, pois debateremos assuntos importantes e pertinentes. Eu disse que tudo bem, mas que posso mudar de opinião. Recebi as informações do dia e passagem. Eu falei que podia pagar. Sinto que vou desperdiçar meu dinheiro, mas quero mostrar que não preciso mais do dinheiro dela. Eu tenho o meu. Vou construir meu próprio império.

Quando se tem ajuda e oportunidade, não use isso para se apoiar em outro alguém. Use isso como base, molde, esboço, rabisco para a sua própria independência. Quanto mais investiam na minha educação, mais eu a usava para me desvincular deles. Quanto mais me ajudavam, mais eu usava aquela ajuda para ficar de pé quando não estivessem mais ali por mim. Porque nada é para sempre, nada é tão sólido assim, não o quanto parece. E foi isso que fiz. Me mandei de casa, cozinhei meu sonho para mim, não para vendê-lo. E eu sei, eu sei que é fácil falar quando se teve tudo nas mãos desde cedo, quando não teve que vender os próprios sonhos para pagar o aluguel — como eu sei que, lamentavelmente, um certo alguém chegou a fazer. Mas ajudas surgem, oportunidades surgem. E se não, veja só: eu aprendi a apoiar em mim mesmo. Porque tudo é instável. E no final do dia, depois de abraçar tantos corpos, beijar tantos rostos ou bocas, tocar tantas mãos, empurrar tanta gente... No final do dia você só tem a si mesmo e suas próprias dores. Ninguém fará nada por você.

Talvez eu pareça pessimista — minha frase do ensino médio era "dias de muita fartura significam que dias de escassez virão" —, porém minha visão sobre tudo nunca me impediu de avançar. Então talvez eu esteja um pouco certo. E se não, estou certo para mim mesmo. Cada um conhece bem a verdade que aprisiona dentro do bolso. Eu sei que as minhas pertencem a mim e guiam a mim, não devo disseminar como única. O problema do ser humano é que ele não aprende a ser só, pois tudo quer compartilhar para tornar todos iguais a eles. Somos egoístas e chamamos isso de amor. De vez em quando isso me faz querer vomitar.

— Lucas, hey! — sorrio meio torto, cansado de pensar, assim que abro a porta de entrada. — Demorou.

— Desculpa, baixinho, eu saí atrasado porque perdi o horário — ele sorri de volta e entra apressado. — Mas cheguei, né?

— É, chegou.

Ele me beija, espremendo os lábios carnudos aos meus, puxando-me perto para sentirmos nossos corpos em sintonia. Eu não gosto dele, mas diria qualquer coisa para que ele fique comigo por hoje. E eu confesso que me sinto bem em saber disso, em perceber em detalhes que, se eu quiser, é só eu mandar mensagem e ele vem até mim como se me pertencesse. Jaehyun estava certo em dizer que sei fazer com que fiquem. São minhas táticas para suprir minhas vontades e desejos mundanos. Não me julgo.

É como se você gostasse de engolfar-se no desejo. Mas não gostasse nem um pouco do objeto deste desejo.

E eu sei que não me envolvo, sei que Jaehyun não se envolve, sei de mais quinhentas pessoas que não se envolvem... Eu sei que a gente não se envolve, sei mais que todos. Se trata de nós, certo? É normal acostumar-se com a solidão e preenchê-la com a própria companhia. Mas uma hora sempre desejamos alguém, de madrugada, para abraçar forte e nos sentirmos amados. É inevitável. E eu aprendi a lidar. É inevitável.

— Que cheiro incrível é esse? — ele pergunta, ainda me abraçando pela cintura.

Me pergunto o que estou fazendo com alguém como o Lucas. Digo, ele é maravilhoso. Mas parece que falta tempero. Ou meu paladar é demasiadamente sofisticado e seletivo para ser agradado? Começo a pensar que seja isso.

Sento-me à mesa com ele, porque preparei algo para comermos. Gelatina como sobremesa, porque fiquei com preguiça de preparar outra coisa — ou porque achei que ele não iria ligar — e não tenho necessidade de agradá-lo ou surpreendê-lo. E depois de uma longa conversa sobre um programa de televisão que nem assisto mais, mas ele sim, ambos caímos aos beijos no sofá e eu decido que talvez eu esteja usando Lucas para descarregar minhas frustrações. Tipo a do restaurante, dois dias atrás, quando fui levar vinho aos dois e tomei um susto com os beijos.

— Tá... Não vou enrolar mais — mesmo assim, ele me enrola, grudando o corpo ao meu do jeito que odeio, rodeando-me com seus braços longos. — É que eu tinha dito que precisava de contar algo.

— Você ainda é expert em francês? Fale em francês, o peso será menor para mim — peço, erguendo o rosto para encará-lo.

— Não, vou falar em coreano mesmo — ele revira os olhos. — Ten, eu acho que a gente combina muito.

— Quê? — ah, não.

— Eu e você, nós combinamos. E seria uma boa se a gente namorasse também, eu ficaria bem feliz. Eu sei que você é bem ocupado, mas eu super respeito isso. Então a gente poderia tentar algo mais... Você sabe... Romântico e amoroso e coisas do tipo... — enquanto ele diz, vai acariciando meu cabelo.

Ora, ora, ora... Algumas coisas nunca mudam. Eu sempre estarei numa situação em que preciso rejeitar alguém. E não existe uma forma melhor que a sinceridade.

— Oh, nossa... — minha vontade é rir. Rir, porque Lucas trocou beijos casuais durante anos comigo e, logo depois da nossa primeira noite juntos, ele já quer me namorar. — Mas você sabe que não namoro.

— Eu soube que você namorou na Itália, então...

— Foi uma exceção.

— Por que você gostava do cara?

— Porque eu gostava que ele gostava de mim.

Lucas carrega o cenho, depois relaxa e ri. Ele não entende.

— Mas eu não quero namorar com você, sinto muito. Você acha que a gente combina, mas não se trata disso. Sabe... Eu não quero algo superficial — respondo, o abraçando para lhe passar conforto. — Você é fofo, gentil, sexy e tudo mais... Eu amo seus beijos, sério. Tu sabe disso e eu admito sem vergonha alguma. Mas eu não quero sentir apenas seus lábios em mim, entende? É porque é raso demais e eu aprendi a nadar para não precisar passar por isso. Entende?

Ele fica alguns segundos olhando para o nada. Ele é bonito, mas não me soma muito. Ainda assim, sou grato.

— Mais ou menos — confessa entre risos.

— É que tá bom assim, benzinho, do jeito que tá — explico. — Nada mais, nada menos. Tu contribui na minha vida, mas se sair de onde está, meio que irá deixar tudo desestabilizado. E eu preciso de você onde você está, porque está bom e não preciso sofrer por isso. Entendeu agora?

— Esse foi o fora mais bonito que levei. E olha que nem levei muitos, tipo uns quarenta só seus — ele sorri, então percebo que ele entende e concorda, porque sua mão arrasta-se pela minha coxa.

— Você nunca me pediu em namoro antes.

— Você julga as outras vezes como brincadeiras?

— Você falava que era brincadeira!

— É o que as pessoas falam quando levam um fora, Chittaphon. Jesus, que lerdo!

É, Jesus, que lerdo eu sou. Mas fico feliz que tenha deixado tudo claro, para que ele entenda, para que o mundo entenda. Não, não quero relacionamentos. O simples ato de admirar alguém já me basta, isso já é o suficiente. Mais que isso só dá problema. Só dá merda. Aconteceu muita merda com Taeyong.

— É isso, então — enfatizo. — Eu não quero namorar.

— Tá bom, então — finge que está triste, então faço um pouco de cócegas no seu abdômen. Ele ri. Eu gosto de quando somos amigos, não quero que sejamos namorados.

— Mas seremos os mesmos, nada mudou — e cá estou eu com minha frase pronta, sai sempre sem querer, nem percebo até dizer que iremos continuar os mesmos, pois assim está bom para mim.

Lembro-me do dia naquele restaurante, daquelas flores no meu colo, no cara com sua jaqueta jeans desbotada e cabelo platinado encarando-me daquele jeito que dava pena. Porque ele estava claramente apaixonado, mas eu estava claramente preocupado. Eu não ia saber lidar, ele não teria paciência para aguentar. Iríamos nos desbotar, assim como o gasto chuck taylor que vivia a usar como se tivesse somente a ele — mas eu notei, no seu apartamento, outros dois pares.

Meu erro foi achar que com Taeyong minhas frases prontas funcionariam. E quando eu rio da piada que Yukhei acabou de contar, na verdade eu estou rindo da minha idiotice de tempos atrás. Meu Deus, como fui idiota. Como fui idiota em gostar de alguém.

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