eu não estou fumando escondido
Já é madrugada na Grécia. E, embora eu esteja cansado, não consigo dormir. Não é falta de conforto externo, é mais algo meu mesmo. Um lado meu diz que eu não consigo tirar as palavras de Yuta da cabeça, mas meu lado mais cruel diz que eu consigo sim, mas não quero, porque não quero fazer parecer que não estou dando a mínima. Eu não sei qual dos dois lados tem razão.
Estou apenas vestindo meu short folgado para dormir. E, pelo silêncio, não tem ninguém acordado. Nas pontas dos pés, deixo meu quarto e desço as escadas. Vou em direção a cozinha e, pode até parecer contraditório, mas eu vou beber é café mesmo. Preparo um com leite e gelado, porque não estou doido em beber algo quente nesse calor infernal. E, por sorte, eu trouxe meu canudo e não preciso encostar os lábios no gelo, que irá tirar o gosto. Quando meu café está pronto, viro-me para ficar um pouco perto da piscina e olhar a vista, mas me dou conta da presença de alguém. Calmamente caminho até lá.
— Fumando escondido, uh? — comento, sentando-me ao lado de Taeyong.
Ele até tenta esconder o cigarro, mas não tem como esconder a fumaça. Eu rio pela sua cara de surpresa.
— Eu não estou fumando escondido — o coitado ainda tenta. Ai, ai... — É só um negócio que eu tô colocando fogo e vendo queimar.
— Taeyong, eu estou sentindo o cheiro.
— Da fumaça. Estou botando fogo em papel dobrado.
Eu estico minhas pernas para dentro da água, assim como ele está, e apoio meu corpo inclinado para trás com uma das mãos. Taeyong olha para mim, depois desiste de fingir e para de esconder o cigarro ao pôr de volta aos lábios.
— É, eu tô fumando.
— Nem percebi — brinco. Então estendo meu copo de café para ele. — Quer um pouco?
Ele afasta o cigarro da boca com um olhar brilhante. A fumaça liberada por ele perde-se em nosso arredor. Acho que Taeyong já me fez ficar acostumado com o cheiro de cigarro, ainda que me seja incômodo. Segura o canudo e dá uma sugada antes de sorrir.
— Está bom — me diz.
— Seu joelho está melhor? — afasto o copo dele e volto a beber o café.
Ambos descemos o olhar para para o joelho dele. Mas eu noto a bermudinha listrada que está vestindo, parecendo mais um pijama infantil.
— Ahn... Acho que sim.
Horas atrás, nós estávamos decidindo se iríamos sair amanhã (hoje, porque já passou da meia noite) ou não, por conta do joelho de Taeyong. Minyoung e Doyoung precisam tirar as fotos para o book do casamento, as amigas da Minyoung querem muito fazer compras — como se eu também não quisesse, francamente —, então eles irão sair. Jaehyun e Yuta deveriam ir também, mas falaram que vão ficar por aqui e fazer algumas merdas. Disseram isso mesmo. Eu não sei o que isso pode significar.
— Será que eu vou morrer mesmo? — e começou as paranóias dele. — E se tiver que amputar a perna, daí perder muito sangue e depois morrer?
— Taeyong — eu caio na risada. Sinceramente, não tem como fazer outra coisa que não seja rir. E ele ri também, deixando claro que foi uma piada. Acho que estamos num bom mood. E tudo parece lento agora.
Gosto do tempo quando passa devagarinho, ainda que eu adie as coisas. Gosto quando bebo o café ao leite e me sinto bem, quando me estico e rio até doer. Gosto quando as coisas estão lentas e eternas, quando não se tem pressa, quando eu posso ter calma para respirar. Estava com saudades de respirar. Estava com saudades de respirar com ele.
— Você não vai morrer, relaxe — respondo eu, curvando meu corpo para frente. — Você só precisa ficar mais despreocupado. Tem uma galera inteira que iria te buscar no submundo, se isso acontecesse.
Ele põe o cigarro nos lábios outra vez, traga profundamente, daquele jeito que me faz ficar com medo de que talvez no futuro ele venha a ter algumas complicações na saúde por conta disso. Mas ele fica lindo sob a lua, principalmente pelo jeito que joga o corpo para trás ao passo que expele a fumaça.
— Você iria?
— Ao submundo?
— Sim, pra me salvar... — ele para de me olhar e ocupa-se em dar batidinhas no cigarro sobre o mesmo cinzeiro em formato de concha que vi em seu apartamento.
— O que você quer que eu responda?
— Querendo dar esmola aos pobres, Chittaphon? — volta a olhar para o meu rosto. Eu não respondo, então ele volta a falar. — Você se lembra daquela música que te mostrei naquele dia?
Bem específico ele.
— Que dia?
— Girlfriend in a coma — fala. Levo alguns segundos para me recordar. E não sei nem como recordo, porque muitas coisas são como um borrão para mim.
— Sim.
— E se... Hipoteticamente, claro... — faz círculos no ar com o cigarro. Eu acompanho seu momento pensativo. — Seu namorado está em coma, certo? Você seguiria em frente com outras pessoas ou iria esperar que ele acordasse, sem tempo definido? Responda rápido. Um, dois e já foi!
Pela pressa que ele me dá, respondo o meu óbvio:
— Seguiria em frente.
— Mas e se vocês estivessem de fato apaixonados? E caso ele não estivesse em coma, vocês ainda estariam juntos. E se ele acordasse e de repente soubesse que você tem estado com outras pessoas?
— Eu não sei, Taeyong... Depende do tempo. Se for pouco, dá pra esperar. Se for muito, eu seguiria em frente. Minha vida não pode parar por conta disso, entende? — eu uso o canudo para dar uma mexida no café. Taeyong fica olhando para algo em mim. Quando disfarçadamente sigo seu olhar, percebo que ele está espiando a parte superior nua do meu corpo. Parece até que ele nunca viu. — Pare de escutar essa música. É dark e creepy.
— Nem tanto... — começou a balela.
— Cala a boca.
Ele ri, então ficamos realmente quietos. Ele, com a nicotina entre os dedos. E eu aqui com meu café com leite, que vez ou outra lhe estendo o copo para que ele beba também. E ele bebe. Eu gosto de cuidar de Taeyong. Mas ele não percebe que tem tratamento especial comigo, por mais que eu dê meu melhor. Sinto-me meio bobo em estar com essas coisas na cabeça. Mas é ele aqui, fumando em silêncio, como fazia antes. E seu joelho machucado, assim como antes. Sua cabeça está intacta, mas os pensamentos dele estão cada vez mais insanos. E eu sorrio com isso. Porque Taeyong não sente vergonha de dizer o que pensa para mim e... Se trata disso, né? Você encontrar alguém para ser quem você é e não ter medo daquele alguém te julgar. Não por ela ter as mesmas nóias que você, mas porque ela se esforça e entende tudo que você a apresenta. E gosto disso. Chego até a amar.
Mas dá pra fazer isso, dá? Dá? Tem como? Você pode concluir amo-te sem nem ter beijado ainda? Sem nem ter tocado ainda? Só por ter sofrido, só por amargar-se com o medo? Com o medo que tenho de ainda gostar desse alguém? Só por ter falado, sentado à beira desta piscina, lembrado do cheiro e do toque e do beijo e do ardor do peito que chamusca toda vez sempre sem querer? Sinto-me virgem dos seus lábios, das suas mãos. Mas ainda sinto. Sim, eu sinto. É complicado. Eu nunca saberia explicar.
Estico o copo. Ele se estica para beber. Depois volta a inclinar-se para trás. E eu bebo por cima da sua saliva. E misturo o gelo na bebida. Me perguntando aqui, se eu pudesse tê-lo apenas por uma noite e depois esquecer de tudo. E ele também esquecer de tudo. Como fazíamos em Paris. Parece que esquecemos de tudo.
— Ser adulto é uma merda — ele me conta do nada, olhando-me atentamente ao afastar o cigarro dos lábios. — Porque você já está fodido. Está lotado de traumas, fobias, arrependimentos e vontades. Não há pra onde correr, temos que lidar. E chorar não adianta nada. Alivia, mas não adianta. Chorar só funciona quando somos crianças, de repente tudo está resolvido com choro e catarro. Mas isso passou, não funciona mais.
— Acho que ser adulto é atirar-se aos lobos — e eu sacudo minhas pernas dentro da piscina, sentindo a água fria aguçar meu tato. — Todos estão na merda, mas é cada um por si. Não tem nem como descansar. Porque você sempre tem que ser algo. Certo? Acho que desde pequeno fui ansioso para ser alguém. Meus pais diziam que não era para eu ser qualquer um, eu devia buscar as melhores coisas e melhores lugares. E eu cresci com esse pensamento de perfeccionismo. Eu tenho medo de chegar onde quero chegar, Taeyong.
— Tem medo do sucesso?
— Não é sucesso. É satisfação. Você estar completamente bem consigo mesmo. Tanto internamente, quanto em relação a sua vida — explico melhor. Ele aperta os olhos por alguns segundos, depois relaxa o cenho e concorda numa agitada da cabeça. — Nós fomos criados para ser o futuro. Mas o que iremos fazer quando nos tornarmos passado?
— Vou pensar sobre isso.
E então ele fica em silêncio. Eu também fico em silêncio. Termino meu café. Mas ele não acaba o cigarro, ainda que já esteja bem pequeno. Olhamos o nada. Meus pés dentro da água, talvez formando ondas, talvez cansados da monotonia. E ele parado ao meu lado. Fumando seu cigarro de sempre, assim como o silêncio de sempre. E, assim que pouso o copo vazio no chão, ele vira-se para mim com o cigarro estendido.
— Quer?
Eu rio. Ele também ri, aos poucos estica os lábios. Sacode o cigarro no ar, a fumaça subindo sem empatia.
— Quer? — ele repete, porque não respondi. — Chega mais...
No meu entendimento, ele está brincando. E, também brincando, eu chego mais perto e inclino minha cabeça como se fosse tragar um pouco. Mas a verdade é que, quando eu estiver tão próximo ao ponto de fazê-lo realmente acreditar que irei fumar contigo, eu irei dar uma recuada e rir da sua cara. E eu até acredito que minha trolagem irá funcionar. Mas há um problema. Essa sua oferta é a verdadeira trolagem aqui. Porque, assim que me aproximo, Taeyong afasta o cigarro e repentinamente gruda seus lábios aos meus. E ele respira em meu rosto e deixa os lábios imóveis, como se estivesse esperando.
Meu susto é tão grande que eu nem faço nada. Eu também não me afasto. Ele põe a mão na minha nuca e inclina a cabeça para o lado. Eu estou sentindo meu coração bater rápido, porque essa surpresa me pegou de supetão. Não sei se o envolvo com meus braços ou não. Não sei se fecho os olhos ou não. Não sei se o beijo de volta ou não. E ele está paciente. Está muito paciente, me esperando fazer algo, nem que seja sair correndo ou lhe estapear pela ousadia da brincadeira.
Seus dedos entrando no meu cabelo me arrepiam. E ele deixa o beijo na minha boca. Afasta-se alguns centímetros, mas logo volta a encostar os lábios em mim. Desta vez, eu fecho os olhos e desgrudo meus lábios. Ele queria isso, no final das contas. Porque eu sinto sua língua em mim, quente. Nosso beijo com gosto de café e cigarro.
Calmo. Lento. É a morte da saudade. Chega a ser narcotizante. Não dói. Mas é vontade de fazer tudo, porém não conseguir fazer. Ele beija meu lábio inferior quando ambos precisamos de ar. E sua mão desce para meu pescoço. Eu apenas encosto minha mão em seu braço, porque quero muito beijá-lo de novo e de novo. Ele me lambe como mel mel pingando do favo. E eu me entrego como uma flor faz ao beija-flor. Preciso retirar minhas pernas da água, porque a boca quente dele em mim faz contraste com a temperatura do líquido em meus pés. Sei não, mas adoro como nos devoramos aos poucos assim, como uma degustação de supermercado que nunca tem fim.
Nos fundamos um no outro, porque é madrugada. E de madrugada nós só queremos ser amados.
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