eu falei o quê?

Abro os olhos e tudo está doendo. A claridade da sacada incomoda minha retina, então encosto as pálpebras por um tempo e, aos poucos, noto o semblante calmo e sonolento dele. Mas o que assusta-me, de fato, é que ele está de frente a mim, mas tem alguém aqui por trás, com o braço jogado à minha cintura e proximidade extrema. O odor é diferente, o mesmo digo da textura da pele. E então ergo o tronco, assustado com o que tem abraçado a mim por trás. Assim que noto o semblante do infeliz, quase tenho um treco.

— Me larga, sai... — afasto a mão de Yuta da minha cintura e movo meu corpo para o lado oposto, ainda que não haja quase espaço algum entre eu e Taeyong.

— Ai, quanto barulho... — Nakamoto põe a mão no rosto, depois bagunça ele mesmo o cabelo que já estava bagunçado. — Shh...

Afasto o cobertor para que eu possa sair desse ninho de cobra, mas é aqui e agora que constato minha ausência de roupas, senão a íntima. Olho para Yuta: o mesmo. Puxo um pouco o lado de Taeyong, que já está acordado e soltando gemidos: idem. Estamos, nós três, apenas de cueca dormindo abraçadinhos na cama. Isso é sério?

— Cadê minha roupa? — procuro ao redor. E, olhando bem, estamos no meu quarto. E isso significa que posso muito bem expulsar Yuta.

— Shh... — Taeyong resmunga, mostrando que acabou de acordar também. Olho para ele, mas ainda tem os olhos fechados e metade do rosto no travesseiro.

— Sério, cadê minha roupa? — repito.

— Yuta tirou a roupa de todo mundo, eu acho — é Taeyong quem responde. — Ele sempre faz isso.

— Por que você tirou minha roupa? — viro-me para o japonês, que está a levantar-se. Tiro o cabelo do rosto e procuro algum prendedor na bancada, para segurar a franja.

— Porque eu quis — ele sai do meu quarto ajeitando a própria cueca ao corpo.

Bem, minha pergunta não foi nem um pouco respondida.

— Bom dia... — Taeyong fala manhoso, puxando-me para perto pela cintura. Ele até deixa um beijo na minha barriga, ainda que eu esteja prendendo o cabelo para trás.

— Pela intensidade do sol, já deve ser tarde — olho pela janela, as cortinas ruflando num gostoso vai e vem.

— Boa tarde, então — ele dá uma cutucada no meu umbigo. Rio quase sem querer.

— Para, Taeyong... — lhe afasto a mão. — Espera... Se estávamos aqui deitados sem roupa, quer dizer que...

— Não, não mesmo — Taeyong ri apertando as pálpebras. — Quer dizer, eu e você quase que... Você sabe... Mas você ficou enjoado e acabou não rolando. Só me lembro disso. Nem sei onde foi que encontramos Yuta, porque ele tinha sumido a festa toda.

— Sim! — exclamo, com os pensamentos nos eventos de ontem à tarde e noite. Eu gostaria de lembrar de tudo, mas só me lembro de quando troquei de roupa e de Yuta ter sumido. — Tudo está muito embaçado para mim.

— Para mim também — ele me puxa junto a ti, fazendo-me deitar outra vez, e aproveita o feito para dar-me beijos demorados e carinhosos no rosto e pescoço. Esse carinho todo está fazendo-me querer fugir. Sinto que há algo errado. — Te amo.

Fico uns trinta segundos olhando para a parede branca do quarto, minha cabeça latejando e pensando no que irei responder quanto a isso. Porque é estranho. Sim, é completamente estranho. Não gosto de quando ele fala isso, porque... Não é como se eu não soubesse, certo? Além do mais, ter de responder é cruel. Eu não vou responder. E ele vem com esse sorriso, essa calma, o coração tranquilo, tocando minha barriga para chamar-me a atenção. Quando encaro teu semblante formoso, ele está recheado de expectativas.

— É meio estranho dizer isso, então... — começo, mas desisto. Não sei para onde vou. Não tem porque ele dizer que me ama assim, bem do nada, quando nem namorados somos.

— Pensei que você ia dizer algo do tipo também — inclina-se para beijar-me o peitoral.

— Por que eu falaria algo do tipo? — quase rio dessa.

— Você falou ontem.

Quê?

— Eu falei o quê?

Eu falei o quê? Porque o ar quase me engasga e sinto até os músculos enrijecerem de nervoso por isso. Não que eu queira ser frio e calculista e racional e coisas mais e mais rótulos... Não, eu não sou. Mas não quero saber que estou desmanchando quem sou por conta de outra pessoa, porque eu tenho controle de que sou assim, e se eu de repente mudar de vez e não me conhecer como bem gostaria?

— Você — ele faz uma pausa, engole em seco. Taeyong desvia o olhar por alguns segundos, como quem pensando no que responder. — disse que me ama... E foram muitas vezes. Muitas mesmo.

— Você sonhou com isso, não? Ou então bebeu tanto, que chegou a ter alucinações?

— Não, você me disse ontem... Na praia, depois no banheiro, depois quando voltamos a dançar, depois quando fomos de volta para aquela salinha e depois... Não me lembro do que fizemos, mas tenho certeza que você disse mais vezes também — ele apoia o corpo com o cotovelo na cama, de ladinho, olhando-me atentamente com esses olhos que mostram hesitação e medo.

— Você tem certeza disso?

— É difícil de acreditar? — Taeyong coça o topo da cabeça, antes de sentar-se no colchão e soltar um suspiro. Não sei se ele está me interpretando errado. Taeyong sempre me interpreta errado.

— Eu estava muito bêbado ontem, então — rio de nervoso, então me levanto da cama para tomar banho. Estou grudento feito chiclete. Acho que fiz muita merda ontem e não tomei banho, porque a ressaca está inexoravelmente forte e esse odor de álcool junto com essa pele meio pegajosa está me dando medo do que aconteceu. — Ahn... Não precisa ficar lembrando disso, ok? Porque eu estava sob efeito de álcool e normalmente fazemos muita merda assim.

Antes de entrar no banheiro, porém, volto para trancar a porta do quarto, antes que Yuta volte para encher o saco. Minha real vontade é voltar para a cama e recuperar meu estado comatoso, no entanto sei que preciso conversar com Minyoung, minha equipe, os convidados no hotel e ainda organizar o processo de arrumação da mansão. E, se não basta isso, ainda lembrar que meu melhor amigo sumiu junto com meu outro amigo e, se dependesse de ambos, estaríamos esperando até agora pela volta de ambos. Sem chamadas perdidas de nenhum dos dois, tampouco mensagem. Isso é frustrante. E eu nem acredito que disse aquilo a Taeyong. Nem acredito.

— Então quer dizer que você se arrepende do que disse... — chama minha atenção outra vez, a voz num tom mais alto que outrora, porém não ao ponto de gritar.

— Não, é que... — coço a nuca, viro-me de frente para ele. — Eu só gostaria de ter dito numa situação diferente. Uma em que eu não estivesse bêbado, melhor dizendo.

Taeyong fica a olhar-me atentamente. Não sei no que pensa, porque parece estar confuso. Digo que vou estar no banheiro, sendo assim recolho-me para o cômodo em questão. Ele aparece aqui dentro quando estou escovando os dentes e simplesmente abraça-me por trás. Olho para o reflexo no espelho: meu rosto explicitando que acordei agora, cabelo totalmente desgrenhado, creme dental escorrendo dos lábios e a postura ligeiramente curvada. Olho para seu reflexo no espelho: rosto enterrado no meu pescoço, cabelo preto lustroso beijando a testa, os braços ao redor do meu quadril e tronco levemente inclinado para que fiquemos do mesmo tamanho. Deixa um selar molhado na minha pele, calmo, lento, cuidadoso e leve. Deixa outro. E outro. E outros.

Teyun, vov va in xa tom banu? — honestamente, nem eu entendo que porra é que estou falando.

— Quê? — ele ri.

Tiro a escova da boca e cuspo o creme dental. Taeyong faz o favor de se inclinar rente a mim, como se realmente não tem pretensão alguma de me largar.

— Eu perguntei... se você vai... me deixar tomar banho — repito, alternando entre bochechar a água e falar. Ele deixa outro beijo no meu pescoço.

— Eu estou te impedindo? — a audácia é tanta que, ao invés de se afastar, ele tira as mãos da minha cintura e bloqueia minha saída ao colocá-las sobre a pia.

Solto um suspiro profundo ao guardar minha escova. Mas agora tive uma ideia.

— Por que você não vai até seu quarto e pega sua escova? — sugiro. — Então você volta e se arruma aqui.

Seu rosto se ilumina. Taeyong é muito bobo.

— Volto já — sai, literalmente, correndo.

É muito boboquinha, meu Rá. Muito boboquinha. Taeyong é tão bestinha por mim que às vezes quero estapear sua face para que tome vergonha na cara e entenda que não precisa boiolar todo quando o assunto sou eu. Mas sinto-me tão bem com ele, mesmo que eu implique. Ainda que eu diga que não gosto quando gruda em mim, o fato de ele ainda tentar e mostrar que está disposto a isso faz-me sentir imensamente bem. Ele faz-me sentir imensamente bem.

E já que ele está fora, tenho como chegar na ducha, pelo menos. E Taeyong aparece quando estou usando xampu, porque decidi de última hora que iria lavar o cabelo. Ele escova os dentes enquanto esfrego meus fios. Vai ser uma lavagem bem rápida, porque eu realmente não quero gastar tanto tempo aqui dentro. Acabo deixando sem querer um pouco de espuma alcançar meu olho esquerdo e, após lavar, me deparo com a benção do Lee entrando no box cobrindo o pênis com a mão. Pisco algumas vezes, tentando ver se está tudo certo com meus olhos e também para dar tempo de entender o sentido disso, antes de me pronunciar. Não acho sentido algum, vou falar logo.

— Docinho, tu sabe que a gente tem intimidade o suficiente para até tocar no pau do outro, então por que cobrir? — mando logo a verdade.

— Porque estou com vergonha — ele fica no cantinho do box.

— Por quê? — rio para confortá-lo. — Você fica todo preocupado em não me olhar também e... Isso é fofo e bem gentil, mas acho que não precisa tanto quando o assunto sou eu. Você pode olhar, se quiser. Então... Só relaxa, ok? Não se esforce tanto com isso.

— Uhum — ele deixa os ombros caírem e nem percebi antes que estavam rijos.

Olha para meu peitoral e então vai descendo os olhos pelo meu corpo. Eu não achei que iria sentir um pouco de tesão nisso, mas quando ele olha para a minha virilha, acho que sem querer acaba mordendo um pouco os lábios. Mas é rápido, porque de repente ele já está a olhar a própria virilha e afasta a mão. Pelo menos consegui fazer com que ele se solte mais comigo. Gosto de como ele se preocupa, mas às vezes nem precisa tanto. Acho que já chegamos num nível que podemos ficar confortáveis um com o outro. Porque eu me sinto assim em relação a ele e quero que se sinta assim em relação a mim.

— Agora põe mais xampu no meu cabelo, por favor? — viro-me de costas, após lhe entregar o frasco. Taeyong fica rindo do nada. — Que foi, maluco?

— É que eu assisto uma série em que um cara diz que lavar o cabelo de alguém é a coisa mais sexy do mundo — escuto o barulhinho que faz ao apertar o frasco e despejar o produto na palma da mão.

— Você tem que parar de assistir séries... — brinco com ele, porque gosto de implicar com qualquer coisa.

— A gente tem que assistir uma série juntos — e então, com seus dedos ágeis, ele toca meus fios e espalha o xampu. Gosto de como fico arrepiado com as pontinhas dos seus dedos roçando meu couro cabeludo. Chega subir uma onda elétrica pelo meu corpo molhado. — Porque assim iremos conversar sobre ela. E também podemos esculachar personagens, bater palma pra casal, discutir quem é o mais sensato, shippar você mesmo com um personagem...

— Você faz tudo isso? — quero saber, abraçando a mim mesmo. — Até mesmo imaginar você com um personagem?

— Que culpa tenho eu se me apaixono por coisa fictícia? — esfrega um pouco os fios que caem na minha nuca e aproxima-se mais de mim.

— Fiquei um pouco assustado agora.

— Mas é verdade. Se o crush não me nota, eu vou virar S/N para receber o carinho que mereço, só que em forma de palavras... — quanto mais ele fala, mais quero rir. Estou com medo de estar falando sério e sem querer ofende-lo por isso.

Mas é bom. Sim, é bom sentir seu carinho em mim e em como não está taciturno, pois tua alegria alegra-me. Extasiado, enxaguo o cabelo e uso condicionador. No meio do banho, porém, Taeyong vê-me pegando um sabonete líquido diferente e questiona o que é. Lhe explico que se trata de um sabonete íntimo masculino e levamos tempo demais conversando sobre a (in)utilidade questionável do produto. Ele diz que está tudo bem usar o mesmo do corpo no "bilau" (ele disse isso mesmo, está aí o porquê das aspas), já eu digo que é até melhor usar um diferente que vá cuidar especialmente daquela região.

— Mas precisa de tratamento especial? — ele sente-se à vontade agora para ver-me lavar lá embaixo. — Teu pau é feito de mel, é? De ouro?

— Quer vir aqui descobrir?

— Credo! — vira-se de costas contra a água do chuveiro e volta a enxaguar-se. — Você é muito grosso, Chittaphon.

— Pela situação em que ambos nos encontramos... Isso foi ambíguo, Tae.

— De fato.

Então ambos rimos disso. E ele me abraça, ainda que um pouco afastado, quando molho-me com o que deságua do chuveiro. Fecho os olhos para não ver, só sentir. A temperatura da água é fria, mas seu corpo quente acalanta-me. Para quem não sabia ficar quieto, encontro na quietude um pouco de paz e calmaria. Descasco minha coragem, borrifo ousadia ao virar-me para beijá-lo. Um delirante contato esperto e sem jeito. Abraça-me a cintura, teus dedos enrugados em mim e eu deixo. Sem pressa ele fica, me enlaça; molhados e visitando um ao outro. E a corrente que uso gruda-se ao seu peitoral. E o suspiro é fundo. O beijo de creme dental que faz lábios roçar, o vermelho surgir cintilante. Algumas coisas preciso dizer... Coisas entre o ósculo que vai além de desejo e volúpia. Algo que supera o falo, o ardor, os suspiros... Me dá um beijo, quero que ele marque seus lábios em mim. Deixa-me louco, rouco, tonto e bobo. Algo que supere o físico, a matéria, a gravidade. Dane-se Einstein, ninguém sabe a fórmula disso aqui. Entende o que quero dizer? Que há algo que paira e não para de nos enfeitiçar. Se um dia eu surtar, a culpa é disso. Não me sinto tão estrangeiro de mim quando estou com ele. Me amo mais. Amo-o mais.

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