eu ainda te acho uma gracinha envergonhado

Dormi tarde preso num livro, depois a insônia bateu e decidi cozinhar. O dia foi cheio e tenso, porque fiz o ensaio fotográfico para a tal revista e ainda teve a entrevista. É a mesma ladainha de sempre, mas eu gosto de ser simpático. Quando me vejo sozinho em casa, tarde da noite, retirando a maquiagem do rosto, dou uma olhada nas fotos que tiramos no aniversário de Taeyong. Nos divertimos bastante. Eu me diverti bastante.

Eu adianto o máximo que posso das tarefas de Taeyong, que passei para mim, e consigo dar conta. De vez em quando sinto-me cansado e estressado, por isso toco um pouco de piano ou jogo-me na cama do meu quarto novo e fico fazendo compras online. Ou então me sinto desmotivado e com preguiça, pois peço alguma comida por aplicativo e depois reclamo de alguma coisa que não está no meu agrado. De vez em quando penso que só eu consigo me satisfazer.

Sexta chega, um dia antes da nossa ida à Universidade Nacional de Artes da Coreia para o concerto da orquestra filarmônica que terá. É um evento bastante prestigiado, ainda mais porque há inúmeros eventos e diversos concertos anualmente. Aqui, na Coreia, não tive muitas oportunidades de ir para muitos concertos. Não fico nervoso nem nada do tipo, mas as mensagens de Taeyong evidenciam um pouco da sua ansiedade.

o corno do taeyong: que roupa eu tenho que ir?
o corno do taeyong: eu vou procurar algo mais formal
o corno do taeyong: você vem me buscar que horas?
o corno do taeyong: demora para chegar lá?
o corno do taeyong: vão pedir algum outro documento que não seja identidade?
o corno do taeyong: será que pode sair no meio pra ir ao banheiro?
o corno do taeyong: eu tava pesquisando aqui... eu nunca soube de oboé. achei engraçado ele
o corno do taeyong: mas eu gostei do som. será que lá vai ter oboé? achei bonito
o corno do taeyong: aw ten me desculpa pelo flood
o corno do taeyong: 🤭🤭🤭 pardon
o corno do taeyong: mas vai ter oboé?
o corno do taeyong: não me bate tá 🤭

Ele me faz rir. Não uma risada de internet, daquele tipo que escrevemos "lol", mas nossos lábios não se movem nem um pouco. Ele me faz rir de verdade, até rolar na cama. Respondo a cada uma das suas perguntas e depois asseguro que irá ter sim oboé, e que é pra ele se acalmar em relação a tudo. Ele deveria.

o corno do taeyong: tá bom então, tô mais calmo
o corno do taeyong: obrigado pelo convite

Eu peço para que ele pare de me agradecer, que pare logo. Não precisamos falar sobre isso, precisamos viver isso. E explico a ele. Ele entende. Me manda uma foto da sua mão fazendo legal, daí olho o piso do apartamento e um vaso de plantas no canto do imagem. Sei, observo muito as coisas, mas sei que agora ele tem planta no apartamento e que antes não tinha.

Yuta posta um story. Eu vejo por curiosidade, mas logo me arrependo. Um vídeo dele fazendo cafuné no Taeyong, só que recebendo reclamações alegando que seu cafuné não é cafuné, e sim coçar o couro cabeludo com rapidez e que isso nem o deixa arrepiado. E isso me faz lembrar de quando eu fazia cafuné no Taeyong e ele gostava, porque ficava arrepiado quando eu checava. A frase inserida no story é: "a pessoa mais exigente que já tive que lidar é @l.tyong". E eu quero vomitar. Mas, se for para ser honesto, eu não vou mentir que pensei o mesmo. Brigamos por isso. Realmente brigamos pela sua exigência.

Não creio que estava conversando comigo enquanto estava com o namorado. Eu não conseguiria estar com outro alguém e conversar com ele. Porque é estranho. É como se estivesse me dividindo.

Mas não é da minha conta, por isso recolho-me para dormir. Sábado vem, a manhã vem, eu acompanho a instalação da jacuzzi. Eu a utilizo por meia hora numa vídeo chamada com Jaehyun, dizendo que já está tudo pronto esperando o álcool e a sua bundinha na água. Ele me xinga por dez minutos e alternamos entre conversas do restaurante e o casamento do século.

Final de tarde, visto-me após hidratar a pele. Aliso mais o cabelo, passo um pouco de maquiagem no rosto, ajeito minha roupa ao corpo e troco de acessórios uma cinco vezes. Pergunto ao Taeyong se ele já está pronto. Sua resposta é tão imediata que fico pensando comigo se o chat já estava aberto.

o corno do taeyong: sim sim, vem logo

Digo que já estou indo, só vou pegar algumas coisas. Eu sei que irá fazer frio, por conta do ar-condicionado, então pego um sobretudo preto para quando a desgraça estiver feita. Gosto de vestir roupas sociais, porém sempre faço uma quebra com algum sobretudo e acessórios metálicos. Então saio de casa, me afundo em meu carro, e vou até a casa de Taeyong.

Faz tanto tempo que não venho cá, que pergunto se vim certo ou errado. Dou uma buzinada, para que ele se toque, e saio do carro. Eu não quero ter de entrar, e felizmente ele põe o rosto para fora da janela e grita um "peraê" tão infantil que eu me derreto aqui no asfalto.

Ele desce, nos cumprimentamos, então vamos para dentro do veículo e lhe recomendo pôr o cinto. E enquanto Taeyong tagarela sobre sua expectativa, eu fico apenas o olhando de vez em quando para sua imagem sorridente e animada ao meu lado. E sua camisa branca de linho está adorável nele, pois é mais justa que as camisas que ele normalmente usa. Noto o cabelo mais arrumado, todos os botões da camisa fechados como um bom garoto, a calça social preta e o cinto prateado reluzente. Não sei por que é que ficou tão preocupado com a roupa, pois ele está definitivamente bonito.

Eu até tento evitar encará-lo durante o percurso, mas seu falatório me faz olhar em seu rosto e notar quão bonito ele fica. Acho que Taeyong nunca foi de se preocupar tanto com sua aparência e isso o torna mais adorável ainda. O fato de ele sair de casa do jeito que acorda e mesmo assim ser lindo é algo que eu nunca vou superar.

— Porra, já chegamos? Ai, não quero mais entrar... — ele olha ao redor e afunda-se no banco quando estaciono o carro.

Olho para ele.

— Deixa de show, Taeyong — reclamo. — Vai amarelar agora, é?

— Ai, eu tô com medo...

— De quê?

— Sei lá, é algo novo para mim...

— Só fique comigo — instruo. Eu só quero que ele se sinta seguro comigo, por mais que tenham pessoas diferentes das que ele normalmente tem contato.

— E se eu quiser ir ao banheiro?

Ai, meu Deus, de novo esse papo de banheiro...

— Eu vou com você — respiro fundo para não perguntar se ele tem algum probleminha no sistema urinário dele, porque só assim para explicar essa insistência dele por banheiros.

E assim que ele concorda com a cabeça, ambos nos jogamos para fora do carro e caminhamos lado a lado. Deixo com ele meu sobretudo, enquanto isso pego os ingressos. E agora noto que Taeyong não trouxe nenhum paletó, nem mesmo uma jaqueta ou casaco. Ai, ai... Pelo que conheço dele, ele vai sofrer e vai choramingar. E se ele fizer isso, significa que está se sentindo confortável comigo para fazer draminha. Não sei se isso é bom. Sabe, o fato de estarmos ressuscitando o mesmo conforto e carinho de antes.

Taeyong fica quietinho ao meu lado, quase não noto sua presença. Quando finalmente podemos entrar, o guio pelo braço para dentro do anfiteatro. Checo nossos lugares e puxo ele comigo para nos sentarmos.

— Uau, eu nunca sentei aqui do alto... — comenta baixinho, com medo de alguém ouvir, porque há pessoas entrando também.

Estou me ajeitando na poltrona e, quando viro o rosto para sussurrar de volta, percebo que Taeyong está mais próximo do que eu pensava que estava. Tomo um susto e recuo um pouco.

— Eu gosto de ficar aqui. É mais calmo e tem uma boa vista — digo, então empurro o óculos um pouco para trás. — Às vezes eu sento, fecho os olhos e só escuto. Sinto-me mais seguro aqui, como se fosse mais privado.

— Tem mais gente lá embaixo do que aqui.

— Sim, exatamente.

— Ah...

— Que você acha de comermos algo depois? — estico as pernas e fico folheando o livrinho com os nomes dos músicos e informações das canções.

— Uma boa. Mas nada muito pesado, porque eu vou dormir assim que chegar em casa — Taeyong se inclina mais na minha direção para ver o livreto comigo. Eu não gosto disso. De como ele está chegando perto demais.

— Hoje é sábado, Taeyong, pelo amor de Deus! — suspiro um pouco impaciente e lhe entrego o livreto para ele ler sozinho, ao invés de ficar grudado em mim.

— E daí? — ele torce o nariz. — Tenho rotina de sono.

— Desculpe, então.

Ele revira os olhos. Eu reviro os olhos. Ficamos em silêncio. O tempo que esperamos começar é preenchido com minha bisbilhotada na internet, respondendo algumas mensagens, e-mails e dando uma olhada em alguns comentários no Instagram. Dáí percebo que já tem alguns dias que não posto nada, então talvez eu deva atualizar.

— Taeyong? — o chamo.

Ele tira os olhos do informativo.

— Tira algumas fotos minhas?

Ele sorri e concorda. Lhe entrego meu celular desbloqueado, já na câmera, e me sento direito para que ele possa tirar a foto. De início, ele inclina-se para trás e muda de ângulo, mas do nada avança em mim e ajeita um pouco meu cabelo. Seus dedos acariciando meus fios me fazem sorrir um pouco. Ele coloca algumas mechas atrás da minha orelha e eu deixo. De repente estou sorrindo.

— Você ficaria bastante bonito se tivesse uma flor no seu cabelo — e até as pontas do cabelo, lá embaixo da nuca, ele passa o dedinho. Me pergunto se ele quer fazer isso ou realmente precisa. — Mas está bonito de qualquer jeito. Você brilha, Ten.

Eu brilho. Isso me faz sorrir mais ainda, só que de timidez. Normalmente não fico tímido, mas esse comentário é demais para eu aguentar de pé. Eu não sou feito de pedra, meu coração também não é tão gelado assim.

E ele sorri também, depois volta a jogar o corpo para trás e posiciona a câmera. Eu não sorrio, eu apenas... Quero parecer alguém calmo e quieto. Ele também não me pede para sorrir nem nada. Mesmo assim, evito olhar para a câmera em alguns momentos, parecer distraído, ajeitar a corrente no pescoço, parecer estar morto na monotonia ao olhar para o nada com a cabeça apoiada na mão. E quando recebo meu celular de volta, fico satisfeito com as fotos. Tem algumas aqui que saíram sem querer quando ele estava acariciando meu cabelo. Na imagem, dá para ver sua mão borrada em mim, dá para ver meu sorriso sorriso idiota e a expressão límpida. Eu agradeço pelas fotos.

E então começa. As luzes, com exceção das principais, se apagam. Os músicos já estão ali e o maestro também. Taeyong sussurra que aparentemente está sendo legal, mas eu peço para que ele fique quieto e curta. Ele fica quieto. Espero que esteja curtindo.

Eu gosto de orquestras, porque tudo é calminho demais. É sentir ser tocado, mas não ter mãos ao seu redor. É sentir-se amado, quando não se tem ninguém. Eu sinto amor e afago. Também sinto dor. É algo afiado e ardente, como uma faca, como alguém abrindo seu corpo ao passo que lhe jura amor. Não sabe se é bom ou ruim, mas é sentir dor. É assim que sei que estou vivo. Amor só me deixa meio morto, entorpecido, nunca sabe-se o que é real ou não. O ar está frio, mas a companhia ao meu lado alegra a mortandade frívola dos meus sentidos. Visto meu sobretudo em silêncio. A gente fala demais, quando deveria apenas sentir. É por isso que, ao contar uma experiência, ela parece boba e besta, perde o valor, começa a pensar por que é que aquela besteira mexeu tanto contigo quando, parando para analisar, não tinha sido nada de mais. O problema é isso. Analisar. Falar. Feche os olhos e vá viver. Ninguém precisa saber. Shh...

Eu fecho os olhos.

Taeyong me cutuca.

— Hm? — resmungo, abrindo os olhos.

— Aquele é o oboé? — aponta com o dedo.

— Não, aquele é — aponto para o certo. Ele tinha apontado para um flautim.

— Ah...

Ficamos em silêncio outra vez. E quanto mais a orquestra toca, mais faço parte desta cadeira. Uma das canções, sei bem qual é: In The Mystic Land Of Egypt, de Albert Ketèlbey. Eu fucking amo essa música, porque uma hora ela está baixinha e bem adorável, de repente se torna alta e poderosa. Cresce aos poucos. Algo crescendo bem grande dentro de mim e sempre me deixa arrepiado.

— Ten... — Taeyong sussurra ao meu lado, aproximando o queixo do meu ombro. — Ten... Estou sentindo frio, e agora?

Eu virei mamãe de Taeyong agora.

— Vamos dividir o sobretudo, então. Mas vamos ter que ficar juntos, ok? — eu tiro os braços da peça enquanto o vejo concordar com a cabeça.

Jogo o sobretudo sobre nós dois, daí ambos aproximamos nossos corpos para que possamos trocar calor. Eu sabia que ele iria reclamar do frio. Sabia. E agora percebo quão gelado ele está. Puxo o tecido até nossos queixos e ouso tocar seu rosto. Está bem gelado.

— Você demorou bastante para reclamar do frio, né? — falo baixinho. Tenho certeza que sim.

Ele concorda com a cabeça, tremendo um pouco. Enrolo seus braços aos meus por debaixo do casaco e ficamos assim mesmo, tentando mitigar as consequências da demora do seu alerta. Ele diz que gosta da música que está sendo tocada agora, que é bonita e gostosa de se ouvir. Eu não sei qual é, mas o início me deixa arrepiado. Não sei se é o frio, porque o contato com o gelo que Taeyong está acabou me deixando meio sensível em relação a temperatura.

— Você tá gostando? — lhe questiono, assim que as cordas do violino se tornam destaque. Estamos próximos, abraçados, eu quero muito ter uma chance agora. Mas não posso.

— Uhum.

Eu olho para seu rosto pálido, porque de repente eu sou o único ser heliófilo por aqui. Ele parece estar tímido ou envergonhado por estarmos nessa situação na busca pela sobrevivência. Eu toco seu queixo com o indicador e o dedão, então ele sorri timidamente e abaixa um pouco a cabeça.

— Eu ainda te acho uma gracinha envergonhado, Taeyong — é o que lhe digo. Porque é verdade.

— É que isso é estranho... — conta.

— Eu não ligo muito para o que parece.

— Eu sei.

— Está tudo bem. Você está ficando mais quente, então está funcionando.

— De fato.

Me inclino mais para o lado, deixo a cabeça cair no seu ombro esquerdo. Já estamos abraçados, então isso não é nada. Ele não parece ligar, porque encosta a bochecha no meu cabelo e eu finjo não perceber que ele aproveita para me cheirar. Eu sei quando ele faz isso, porque não é muito disfarçado. Ele até tenta, coitado. Ele até tenta.

Fico de olhos fechados escutando a música. A bochecha dele ainda está grudada na minha cabeça, seus braços ainda estão juntos aos meus, eu posso sentir o seu calor daqui. E eu acho isso tão nobre, tão íntimo, tão marcante... Significa tudo para mim, ainda que estejamos sentindo frio... Taeyong entrelaça os dedos aos meus, porque sua mão está gelada. Tenho que tirar os anéis dos dedos, porque eles estão gelados também. Ficamos bem próximos, apertados, grudados. Isso é mais do que eu poderia imaginar. É bom. Você se sente um deus, mesmo queimando no inferno.

E quando ele afasta o rosto e passa a prestar atenção aos movimentos do maestro, eu ergo o olhar para ele. Do seu pescoço, olho a mandíbula, o queixo, os lábios... Os lábios que, em meio ao som do violoncelo, eu desejo poder beijar só um pouco. Só um pouco. Um segundo, sem querer, um acidente... Dizer que foi sem querer, foi sem querer, foi acidente... Só um pouco. Dois segundos. Nem precisa movê-los nem nada, nem preciso do calor da língua, não precisa afastá-los, só ficar quietinho que dois segundos passam rápido e nem dói. Só um pouco. Pouco mesmo. Só pra eu testar uma coisa, bem rápido. É pro meu TCC. Preciso me formar. 

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