eu achava que você tinha vergonha na cara
Ponho uma pastilha de hortelã na boca e dou três tapinhas no meu próprio rosto para lidar com o sono. Nem é tão tarde, mas acho que Seul me dá uma preguiça e cansaço que supera todos os níveis possíveis. Sou acostumado a ficar até tarde da noite no restaurante, então por que esse sono todo de repente? E a preguiça para comprar um café é enorme... Será que existe delivery para o outro lado da rua? Ah, eu teria de levantar para buscar do mesmo jeito, então não faz diferença...
— Jaehyun... — choramingo, curvando-me sobre o teclado do notebook. — Compra um café para mim, por favor?
— Compre você — o desgraçado nem tira os olhos da tela do computador.
— O que você está fazendo aí?
— Contas, Ten. Contas — estala os dedos.
Estamos numa das mesas do restaurante, recheada de papéis e dois notebooks. O ventinho que vem da rua me arrepia pra valer e até a iluminação baixa me dá esse ar de preguiça. Oh, como eu gostaria de estar numa cama...
— Eu que deveria estar fazendo contas — inclino-me para olhar a planilha que ele está preenchendo. — Amado, essa tarefa é minha.
— Você está enrolando há trinta minutos, Chittaphon — finalmente seu olhar pousa no meu. — E seu óculos está todo sujo, me dá agonia.
— Eu limpo meu óculos se você atravessar a rua e comprar café para mim. Americano — sorrio descaradamente.
Jaehyun fica, literalmente, quinze segundos me encarando sem dizer nada.
— Eu te odeio — levanta-se rapidamente e decide cumprir com seu lado do acordo.
Mas eu não vou levantar nem a pau, pode sonhar. Tiro o óculos do rosto, levo-o até a barra da camisa e limpo delicadamente com o tecido. Sei que isso é errado, mas eu nunca faço isso, então uma vez ou outra no século não irá danificar a lente. Ainda mais porque estou sendo demasiadamente cuidadoso, o que é um bom sinal. Sendo assim, ponho o óculos outra vez no rosto e sorrio com a volta de Jaehyun.
— Sua porcaria — me entrega, sentando-se outra vez ao meu lado. Até mais próximo, noto.
— Merci beaucoup, monsieur — jogo minhas pernas sobre as deles e recosto-me para beber meu café. Está fenomenal.
Eu gosto de ter intimidade com Jaehyun e ele não ligar para isso, porque ainda puxa minhas pernas para que eu fique mais confortável. Então bebo meu café, ajudando ele a preencher as células da planilha e até dando dicas de alguns atalhos e funções da plataforma. Quando termino meu café, silenciosamente volto a organizar minhas tarefas para esse mês.
— Falou com os fornecedores hoje? — pergunta-me, vindo mais próximo para que eu não precise esticar tanto a perna.
— Uhum... Me estressaram um pouco, mas até o final da semana trarão. Está marcado para quinta, então espero que venha logo. Precisamos de hortaliças urgentemente. Dei uma olhada na dispensa e quase surtei — curvo meu corpo sobre a mesa outra vez, pensando em me render ao sono. — Terminou aí no Excel?
— Sim. Saímos no verde, como sempre — ele estica a mão, cofiando meu cabelo. Relaxo com seu contato.
— Isso é paz e qualidade de vida — comento, já deitado sobre meu braço direito e com os olhos fechados. — Estou feliz por estarmos dando conta disso. Você sabe... Anos atrás, era meio incerto.
— É, mas não temos que nos preocupar com isso. Você está indo bem, nós estamos indo bem — continua a afagar-me. Jaehyun está mais carinhoso que o normal, mas no momento não me importo muito com isso.
Mudo a posição da minha cabeça, uma vez que meus brincos estão incomodando meu braço. Assim que me conserto, abro os olhos e percebo uma movimentação estranha vinda de Jaehyun. Inclina o corpo, aproxima-se de mim e, em questão de segundos, sinto seus lábios nos meus. Entro em pânico instantaneamente.
— Wow! Isso foi...? — ergo o tronco um pouco assutado.
— Eu achava que você não iria ficar surpreso — arremessa o braço direito sobre o recosto da minha cadeira. Jesus Cristo, não acredito que estou nessa.
— Eu achava que você tinha vergonha na cara — brinco, rindo da nossa situação.
— A gente já fez isso mil vezes, Chittaphon — ele me olha com aquele olhar sério, do tipo que diz que não é um momento para rir, que talvez eu esteja sendo um pouco besta.
— É, mas... Já faz um tempo, né? — conserto minha postura e engulo em seco.
— Não tanto. A última vez foi quando? Um pouco antes de você ter aquela coisa com Taeyong, né? — ele para e pensa um pouco. — Fiquei muito chateado com ele por ter feito você me negar tanto.
— Acho que foi... — deixo no ar. Não quero falar sobre as coisas que abdiquei quando estava tentando algo com Taeyong, lembrar dele me deixa meio que sem chão. E eu me odeio por isso.
Jaehyun volta com o carinho, deixando claro que não desistiu da ideia. Eu dou de ombros, então ele diz que está tudo bem se eu não quiser.
— Não é isso, é que eu realmente fiquei surpreso — ainda tento explicar. Não é lá uma má ideia. Estive sentindo falta dele mesmo, até porquê a proximidade dele com Doyoung nos afastou um pouquinho.
— Não é mais surpresa — responde-me em francês.
Volta a aproximar-se, desta vez eu deixo. Eu deixo, porque sempre fomos assim. Desde o nosso coleguismo na França até nosso amizade atrapalhada nos dias de hoje. Sempre soubemos fazer isso direito, eu e ele. Somos amigos, grandes amigos. Amigos de longa data, daqueles que cuidam do outro quando está bêbado e está sempre por perto. Somos assim. Mas também acabamos nisso também, de beijar o outro do nada. Eu nunca tive vontade de namorar o Jaehyun, nunca nos vi numa situação romântica. Ele é só um amigo. Mas ele beija bem e vez ou outra precisamos disso.
Começou com meus consolos, ainda adolescente. Ele levava um fora, mas meus beijos simplesmente curavam toda sua amargura. Sempre que um precisa do outro ou está sofrendo, temos isso como uma chave que só nós entendemos. Eu sei que talvez Jaehyun tenha inventado isso agora por uma razão, mas se não mencionou, talvez se sinta mais confortável em não falar sobre isso. Ele quer consolo. Eu, como sempre, estou a consolar. Temos intimidade e maturidade suficiente para isso.
Lembro-me dos nossos tênis encardidos e lamacentos no tapete do quarto. Nossos joelhos grudados, nossos corpos próximos. Lembro-me de enxugar as suas lágrimas e dizer que eram burros demais por não amá-lo, pois era o ser mais incrível que já tinha conhecido. Jaehyun chorava, então eu dizia que ele tinha a mim e, se queria alguém para beijar, poderia ser eu — visto que amor já tinha, vindo de mim mesmo. E foi assim que tudo começou. Com joelhos grudados e beijos de lágrimas.
Os tempos mudaram, nossas vozes estão mais adultas, nossos corpos estão mais desenvolvidos e temos problemas maiores que estudar cinco horas antes de algum exame importante. Mesmo assim, seus lábios não mudaram, o contato não mudou, nosso jeito de beijar continua o mesmo. Não nos beijamos porque estamos ardendo de desejo — aliás, isso é proibido entre nós. Nos beijamos porque queremos nos sentir, queremos nos sentir amados.
Puxa-me próximo pela cintura, separa-se em busca de ar e eu inclino a cabeça para lhe beijar outra vez. Aconteceu algumas vezes de eu me excitar em meio aos beijos, mas nunca chegamos a transar. Transar estraga amizade, penso eu. Já é outra coisa, outros mares, outras embarcações. Não queremos isso para nós, por isso retomamos aos beijos.
— Jaehyun... — afasto-me por alguns segundos, estranhando por estar durando além do normal. — Você quer conversar sobre isso?
— Não. Só... Continua — pede.
Levo alguns segundos pensando sobre, mas não tardo a voltar a beijá-lo. Se ele quer, eu não ligo muito em fazer um pouco mais. Isso nunca foi um problema para mim. Mas minha preocupação chega quando sinto-o aprofundar-se no beijo, o jeito como praticamente empurra-me contra o recosto da cadeira, como tudo vai ficando estalado demais para simples beijos e nada mais. Eu deixo assim por enquanto, para que ele possa aproveitar. Retribuo, como sempre faço. Mesmo sabendo que chegará o meu limite.
Porque quanto mais prazeroso fica, é pior. E ele sabe disso. Nós sabemos disso. Que a intenção não é essa, embora seja imensamente boa. Seja intensamente boa. Eu preciso resistir e, como não gosto dele romanticamente, isso me ajuda um pouco nisso. Consigo ser mais racional. Mesmo que eu esteja gostando.
— Jaehyun... — resmungo.
— Só mais um pouco... — responde. Então me lota de selinhos antes de aparecer com sua língua outra vez.
Eu deixo ele ir do jeito dele, até mesmo que me abrace pela cintura. Meu gosto de café deve estar agradando-o, já que Jaehyun detesta a bebida, mas ama alimentos que apresente este sabor. Eu nunca entendi ele por isso, mas não sou capaz de julgar. E nem sei porque estou pensando nisso, quando sinto sua língua deslizar pela minha e nossos lábios estarem se espremendo. Ele despede-se com dois selinhos demorados, então nos afastamos.
Coço a nuca, encaro o monitor do notebook. Eu não me lembro de ter ficado desconfortável uma outra vez, mas é que agora é diferente. Tudo tem estado diferente desde Taeyong.
— Você está se sentindo melhor? — recolho minhas pernas, afasto das suas.
— Sim, obrigado. Desculpa, aliás — fala, como se tivesse errado em algo.
— Pssiu, nada de se desculpar — reclamo, fazendo uma careta.
— É que você não precisava fazer isso.
— Precisava sim, Cara Que Quer Ser Meu Esquema — quando dou um peteleco na sua testa, ambos rimos disso.
— Você ainda vai me pôr no seu esquema — anuncia ele, já arrumando as coisas para partir.
— Rapaz... Eu acho que não, viu — brinco, porém falando sério. Não vou dar falsas esperanças a ele.
— Eu também acho que não — Jaehyun ri, enfiando todos os seus pertences na própria bolsa. — Vai ficar aqui por mais um tempo?
— Vou sim, pode ir.
— Eu não quero ir sem você.
— Deixa de palhaçada e vai logo — praticamente empurro-o para a direção da porta. Jaehyun volta no mesmo instante para me deixar um beijo rápido na boca. — Até amanhã.
— Até. E... Obrigado. Não volte muito tarde — a porta já está sendo aberta quando abro os olhos.
— Não se preocupe.
Acompanho a porta se fechar, então fico sozinho aqui comigo. Não sei se quase me empolguei com o beijo porque já faz semanas que não estou sendo tocado ou porque realmente enlouqueci em relação a Jaehyun.
Em casos de dúvidas, prefiro ocupar minha mente ao testar algumas receitas na cozinha.
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