Capítulo 3 - parte 1

Conde João não parava de pensar em Igor, mais especificamente em sua súbita falta de saúde. Para ele, não fazia sentido uma criança ficar doente de uma hora para a outra. Em sua cabeça, tinha que haver algum motivo para tal, mas não sabia qual poderia ser, pois as únicas causas que conhecia era quando se pegava uma chuva forte ou se machucava, e nenhuma dessas coisas aconteceu com Igor. Tendo tantos questionamentos em mente e preocupado que o cataplasma e o chá não fossem o suficiente para ajudá-lo, o jovem Conde se dirigiu à torre do boticário com uma ideia lhe rondando a mente. Assim que chegou em frente a porta, encolheu seus ombros, franziu a testa, bateu três vezes na porta e adentrou o local.

Zas Lucci o olhou preocupado e se dirigiu até ele de imediato. Enquanto olhava para a postura abatida de João, lhe tocava na testa e pescoço e perguntava o que o afligia.

- Essa noite foi terrível Zas. Senti-me muito quente... mas não havia forças em meu corpo para chamá-lo. Em alguns momentos, respirar é bem difícil. Sinto como... se tivesse corrido por dois dias inteiros... Meu corpo está estranho.

João descreveu os sintomas com um tom de voz cansado, para que parecesse crível. Em sua cabeça, estava tudo esquematizado. Fingiria ter os mesmos sintomas de Igor, para garantir que o garoto recebesse um tratamento adequado. Só apressaria um pouco a velocidade da doença para garantir ter todo o necessário quando voltasse a se encontrar com Caleizu.

- Não há indícios de que estejas com febre no momento - disse Zas Lucci - no entanto, caso se sinta febril, tome o conteúdo desse frasco - disse entregando-lhe um frasco fino e alongado-. Por hora, quero que volte aos seus aposentos; descanse e beba muita água. Repito, água e não sucos - disse olhando-o incisivamente para garantir que a recomendação fosse seguida. O homem, que deveria ter uns 60 anos, se aproximou de uma estante com vários frascos e depois de encará-la por alguns instantes, pegou um franco pequeno, tanto de altura quanto de largura e o entregou ao conde - beba esse agora mesmo. Irá tirar esse cansaço do teu corpo -. Assim que se certificou de que João bebera tudo, continuou dizendo - daqui algumas horas o encontrarei para analisá-lo novamente. Mante Dávila, acompanhe o jovem conde aos seus aposentos - dessa vez, falou se dirigindo ao seu aprendiz.

Mante Dávila era o herbolário dos Chiroptera. O jovem de 19 anos almejava se tornar um Zas. Todos tinham a possibilidade de se tornarem herbolários (intitulados Mante), mas só aqueles com grande aptidão se tornavam curandeiros e eram chamados de Zas.

Com passos vagarosos, para manter a farsa, João ditara a velocidade da caminhada entre a torre e seus aposentos. Assim que chegaram ao seu destino, Mante Dávila reforçou as orientações de Zas Lucci e relembrou que o conteúdo do frasco que o conde segurava só deveria ser ingerido caso ele tivesse febre. Assentindo com tudo que lhe era falado, o conde adentrou em seu quarto e colocou o frasco sobre a mesinha ao lado de sua cama e se deitou. Da porta, que se mantinha aberta, o Mante falara que chamaria o tutor do conde para lhe fazer companhia enquanto estava adoentado.

Para Lady Sigrid, a manhã estava igual a todas as outras. Sentia sono demais para abrir os olhos e depois que sua tutora lhe lavou o rosto com um pano úmido, olhava de cara feia para qualquer um que tivesse ânimo para falar. A pequena não entendia como alguém tinha a capacidade de acordar tão disposto ao ponto de não fechar a boca. No entanto, ao ouvir a menção de que seu irmão estava muito doente, ficara em pé de um salto, colocara seu vestido mais rápido do que nunca e saira em disparada aos aposentos de João, deixando para trás sua tutora e uma serva com uma escova de cabelos em mãos. Ambas perplexas. Ao invés de ir atrás de Lady Sigrid, sua tutora fora cancelar os compromissos dos pequenos nobres, sabendo que Sigrid não sairia do lado de seu irmão.

Chegando aos aposentos de João, abrira a porta sem nem ao menos bater. O tutor de João estava a ponto de lhe passar um sermão sobre o comportamento esperado de uma dama, quando ela passou correndo por ele e se atirou na cama junto ao seu irmão e lhe abraçou, deixando o tutor escandalizado.

- Mano, o que aconteceu? - perguntou com a voz engasgada soltando-o de seus braços para poder encará-lo. Haviam lágrimas de preocupação em seus olhos.

Vendo a aflição da jovem lady, o tutor de João se esqueceu do sermão que estava prestes a fazer sobre as atitudes da garota e anunciou que Conde João só tivera uma noite ruim e que precisaria descansar. Tal declaração arrancou um suspiro aliviado de Sigrid, que logo esboçou um sorriso.

- Lorde Flintcher - disse João dirigindo-se ao seu tutor- poderia avisar ao Sir Ricardo e à minha mãe que eu e Sigrid tomaremos o café da manhã aqui no quarto? Diga-lhes também para não se preocuparem, que fora somente uma noite ruim.

Lorde Flintcher meneou com a cabeça e informou que chamaria um servo para substituí-lo, no que João afirmou não ser necessário, pois Sigrid estaria com ele o tempo todo. Lorde Flintcher, por sua vez, pediu para Lady Sigrid sentar-se ao lado da cama de seu irmão e só partiu após ela estar acomodada em uma cadeira. Afinal, eles não eram irmãos de verdade e todo o decoro era necessário; motivo pelo qual fez questão de não fechar a porta.

Lady Sigrid bufou assim que o homem saiu. Devido a pouca idade das crianças, 8 e 11 anos, eles não entendiam algumas atitudes de seus tutores e consideravam tudo um monte de regras arbitrárias. Ainda não haviam se dado conta de que ter pais diferentes os impossibilitaria de serem irmãos e ninguém lhes contou nada, para não gerar perguntas impróprias para crianças.

Sentando na beira da cama, João pediu para Sigrid aproximar sua cadeira e então cochicou em seu ouvido que não estava doente de verdade. Ao ouvir isso, a boca de Sigrid se abrira em um perfeito "o" e ela ficara muito irritada com a mentira. Estava prestes a brigar com seu irmão a plenos pulmões quando ele tampou sua boca com a mão e disse bem rápiso "é pelo Igor". Assim que ouvira o nome do menino, ela franziu a testa sem entender mais nada. Voltando a sussurrar em seu ouvido, João lhe contou o plano para usar o conhecimento de seu Zas para tratar de Igor, sem que ninguém soubesse. A menina então lhe olhou com os olhos brilhantes de euforia, devido ao plano do irmão.

Sigrid passou quatro dias ao lado de seu irmão, para reforçar o quão adoentado ele estava. Só se afastaram quando João ia dormir ou quando alguém precisava usar o penico, o que acontecera com bastante frequência, visto que João estava sendo obrigado a beber jarras e mais jarras com água.

Zas chegara a uma conclusão sobre a doença de João. Sua hipótese era a de que João dormira com as janelas abertas e que o frio o deixou doente. Por alguma razão, os remédios ministrados não surtiram efeito e seu resfriado se agravou e se transformou em uma pneumonia. O diagnóstico era muito grave, pois tal doença tendia a ser fatal.

Lady Ruti passava todo o tempo com seu filho e Sir Ricardo passava algumas horas com João, contando histórias dos antigos cavaleiros e de seus feitos heróicos. As crianças se sentiam culpadas por gerar tanta dor e sofrimento, mas a ideia de que Igor só tinha as outras crianças para lhe ajudar os manteve firmes.

Durante esses quatro dias, uma rotina secreta se estabeleceu entre as crianças. Para conseguirem os remédios para Igor, João fingia tomá-los e sempre entregava os frascos para Sigrid, que chorava dizendo que seu pobre irmão nunca melhoraria se ela não o ajudasse como pudesse. Com essa simples estratégia, já haviam juntado vários frascos com remédios. Como não havia condições de João sair do quarto sem ser visto, já que sua mãe mal saia de seu lado (isso sem mencionar Zas Lucci e Mante Dávila), fora combinado que Sigrid deveria se encontrar sozinha com Caleizu. Para que esse encontro fosse bem sucedido, algumas medidas foram tomadas. Toda a vez que João fosse dormir à tarde, Sigrid sairia para rezar aos deuses pela sua melhora; seria nessa hora que ela levaria os remédios e o que mais fosse necessário para a Escadaria Vermelha.

Para diferenciar os remédios que Zas Lucci dava a seu irmão, Sigrid amarrara tiras de tecido nos frascos. Marrom para tosse, verde para dor, azul para febre, branco para cansaço e amarelo para dormir. Quando o dia do encontro chegou, já estava tudo preparado.

Sigrid ficara com João até às 23h e então se dirigira aos seus aposentos. Sua ama já a aguardava e lhe ajudou a trocar as roupas de noite para as roupas de dormir. Ao se deitar, Sigrid começara a repetir mentamente a classificação de cores que usara nos frascos. Assim que sua ama dormira, ela sentara na cama e aguardara o momento em que os guardas do corredor sairiam para a troca da meia noite. Quando o momento chegou, vestiu uma capa, colocou uma vela apagada no bolso e saiu.

Caleizu chegara logo depois de Sigrid e tinha um semblante abatido e preocupado. Apesar dos remédios, Igor havia piorado muito durante os últimos dias e as crianças estavam desesperadas. Por esse motivo, quando Sigrid lhe contara o plano de João para ajudar o amigo, Caleizu sentiu a esperança voltando para seu coração. Após memorizar a cor correspondente a cada remédio e os cuidados necessários para a melhora de Igor, Caleizu pegou tudo e se dirigiu o mais rápido possível para casa.

Mais alguém aflito por causa de um personagem fictício?

Pois é, meus caros leitores... Venho lhes informar que vocês estão completamente envolvidos na estória.

Não quero parecer insensível com a situação do Igor, mas nada aquece mais o coração de uma escritora do que perceber que seus personagens são queridos e amados pelos leitores.

E o meu coração está bem quentinho *-*

Desculpa Igor...




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