Capítulo 1

Conde João esperou em seu quarto pela troca da guarda que sempre ocorria a meia noite. Ele e sua irmã tinham decidido que essa era a melhor hora para se aventurar pelo castelo há uns dois anos, pois nunca foram descobertos quando saiam do quarto nesse horário. Espiando pela janela ele pode ver o momento em que os guardas carregando tochas se encontravam no pátio. Respirando fundo, João pegou uma vela - era mais fácil de apagar do que uma tocha e consequentemente, caso ouvisse passos, poderia se esconder. Durante a caminhada do seu quarto até a torre do boticário o único som que ouviu foi o de sua própria respiração. Após anos morando no castelo, ele aprendeu a usar a passagem dos criados para passar despercebido pelos guardas, portanto, chegar à torre não era devido a sorte, e sim ao seu grande conhecimento dos corredores do castelo.

Assim que chegou ao topo da escadaria que levava à sala do boticário, abriu a porta, espiou o local e então entrou. Após escolher algumas ervas curativas e colocá-las em uma pequena cesta, Conde João olhou para a janela do lado sul da torre e viu que havia luz saindo pela janela do quarto de sua irmã, o que só poderia significar que ela estava dormindo ao invés de estar cumprindo com a sua parte no estratagema deles. Felizmente existia um plano caso isso ocorresse, já que aquela não era a primeira vez que sua irmã não conseguia ficar acordada. Foi até uma gaiola que era maior que ele, abriu a portinhola e vagarosamente acordou o falcão que estava ali. Apesar de não parecer muito contente, a ave se empoleirou em seu braço e quando o pequeno Conde rumou até a janela e falou "acorde-a", o falcão voou rumo a janela fechada do quarto de Lady Sigrid e após alguns momentos, a luz que saia pela janela do quarto foi apagada. Ela havia acordado e agora João poderia ir para a segunda parte do plano.

Lady Sigrid estava entre o mundo do sonho e o da realidade; podia sentir o peso do cobertor sobre seu corpo pequeno ao mesmo tempo em que se perdia nas lembranças de uma tarde ensolarada. Até que um barulho a acordou de vez. Ela abriu os olhos e olhou ao redor do quarto. Algumas velas ainda estavam acesas e o silêncio se fazia onipresente. Vigiando os movimentos para não acordar sua ama que estava dormindo em uma cadeira ao lado de sua cama, ela tirou as cobertas de cima de si, saiu da cama silenciosamente, apagou as velas e se dirigiu à porta do quarto. Há muito aprendera como abri-la sem produzir rangidos. Com a ousadia que só uma criança tem, olhou para dentro uma última vez e fechou a porta. A luz que vinha da lua teria de ser o suficiente, pois não gostava de usar velas quando saía furtivamente de seu quarto. Em silêncio, correu pelos corredores da fortaleza que chamava de lar.

Outra porta que Lady Sigrid aprendera a abrir sem fazer ruídos era a da cozinha. Entrando no aposento, dirigiu-se imediatamente para a mesa que ficava no canto esquerdo. Era uma mesa pequena, se comparada às outras, tinha apenas seis metros de comprimento, porém, sempre estava cheia de bebida e comida separadas para o desjejum. Jarras com chás, vinhos e cervejas claras e escuras, pães, bolos e cachos de uvas verdes e roxas, queijo de diversas partes do reino, pedaços de carne salgada, ovos cozidos e muito mais.

Caleizu chegou ao ponto de encontro e, com um suspiro longo, sentou em uma pedra chata que estava a alguns passos da grande grade de ferro. Grade essa, que fora habilmente fixada no meio da parede, impossibilitando qualquer tentativa de removê-la.

Tendo somente os barulhos da noite como companhia, Caleizu se concentrava na própria respiração, rezando para que isso fosse o suficiente para impedir o medo de invadir seu coração. Se houvesse alguém por ali nesse momento, esse alguém teria visto um menino magricela, entre 9 e 11 anos, de roupas esfarrapadas, olhos medrosos e corpo trêmulo, apesar de não estar fazendo frio nessa noite.

Conde João sempre tinha pensamentos conflitantes toda vez que conseguia se esgueirar pelos corredores sem ser notado pelos guardas. Inicialmente, o Conde ficara exultante com suas habilidades, mas logo começara a se preocupar com a facilidade com que os guardas eram driblados. Quando fosse mais velho e se tornasse um dos conselheiros de Sir Ricardo, com certeza mudaria a forma como eram feitas as vigílias noturnas. Pensando em quais medidas tomaria no futuro, escondeu-se de mais um guarda que por ali passava. Logo adiante, pegou uma bolsa que havia escondido mais cedo naquele dia, atrás de algumas armaduras que serviam como decoração. Ali estavam pedaços de tecido que foram descartados após a confecção de vestimentas para os servos. Tendo em sua posse as ervas e os tecidos, dirigiu-se para a Escadaria Vermelha a fim de se encontrar com sua irmã.

Após comer alguns pedaços de queijo, pegou um dos muitos panos do local, o estendeu no chão e começou a falar consigo mesma.

- Não posso pegar os maiores... Talvez esses... Não... Mas qual?... Esses! Esses pães são do tamanho perfeito, nem grandes demais para darem por sua falta amanhã, nem pequenos demais para acabarem rápido - a menina ponderou. - Agora vamos escolher alguns queijos...Que aroma gostoso... Alguns ovos cozidos... Notarão a falta de uma dúzia?...Tenho a impressão de estar esquecendo algo - disse para si mesma enquanto olhava da mesa para o pano que estendera e que agora estava ficando cheio de comida. - Carne! Um pedaço, dois pedaços, três pedaços, quatro pedaços, cinco pedaços, seis pedaços, sete pedaços... Oh não, está cheia de mais.

Enquanto tirava alguns pedaços de carne para poder dar um nó na trouxa que fazia, continuava falando sozinha. Depois de se certificar de que estava bem presa e de que não perderia comida pelo caminho, pegou outro pano e dessa vez o encheu de frutas (maçãs, ameixas, goiabas e uma manga). Não se dando por satisfeita, encheu um odre com chá de hortelã e o atou na cintura.

- Agora é hora de ir embora - sussurrou.

Não conseguindo segurar as trouxas de comida com uma só mão - devido ao peso - colocou-as no chão e, finalmente, conseguiu fechar a porta da cozinha. Abraçou os embrulhos bem junto ao corpo e foi para uma parte já esquecida da fortaleza: a Escadaria Vermelha.

Após esperar por cerca de 45 minutos, Caleizu viu uma luz tremeluzindo através da grade de ferro. À medida que a fonte da luz se aproximava, ele pode distinguir quem a estava trazendo. Conde João e Lady Sigrid. Aliviado por reconhecer os rostos dos amigos, o menino se aproximou da grade para cumprimentá-los. Os irmãos lhe entregaram tudo o que haviam recolhido naquela noite e, depois de vários agradecimentos, sorrisos e avisos de preocupação das duas partes, eles se despediram e os irmãos voltaram para o local do qual não deveriam ter saído.

Quem ai pensou que eles estavam fugindo?

Contem-me, gostaram do desfecho?

Pois preparem seu corações pois muitas emoções estão por vir!

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