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Cibele observou enquanto Feyre, sobressaltada, se sentava, enquanto Rhysand saía de uma sombra.
No dia seguinte, a terceira e última tarefa iria ocorrer, contra todas as possibilidades e probabilidades, aquela humana havia conseguido passar pelas duas primeiras tarefas.
Ela também havia feito uma barganha com Rhysand, algo que Cibele não havia visto, já que Amarantha havia a chamado na sala do trono para executar alguns feéricos.
Cibele tentou não pensar na forma que Tamlin e Lucien olharam para ela.
A túnica de Rhys estava desabotoada no alto, e ele passou a mão pelos cabelos pretos, antes de encostar, sem dizer nada, contra a parede diante de Feyre e deslizar até o chão.
Cibele estava com raiva dele no momento, depois de tudo que ele a contou sobre Feyre, sobre o vinho feérico que ele a dava para beber e tudo que se seguia.
Mesmo naquela forma, primitiva e cruel, aquilo enojou Cibele. Ela sabia que ele não tinha muitas opções, que a esperança estava se esvaindo, ainda assim, ela não podia aceitar de bom grado o que ele estava fazendo. Por isso, ela estava brava com ele.
ㅡ O que você quer? ㅡ indagou Feyre.
ㅡ Um momento de paz e silêncio.
ㅡ disparou Rhys, esfregando as têmporas, seu olhar cansado se voltou para Cibele.
ㅡ De quê?
Rhysand massageou a pele pálida, e suspirou.
Cibele o encarou, Rhysand parecia tão cansado, tão no limite. E Cibele não sabia como poderia o ajudar.
ㅡ Dessa confusão.
Feyre se sentou mais esticada sobre a cama de feno.
ㅡ Aquela cadela desgraçada está acabando comigo. ㅡ continuou Rhysand, e abaixou as mãos para recostar a cabeça contra a parede.
ㅡ Você me odeia. Imagine como se sentiria se eu a obrigasse a me servir no quarto. Sou o Grão-Senhor da Corte Noturna... não a vadia de Amarantha.
A vadia de Amarantha, Cibele se encolheu levemente, se movendo para ficar mais confortável nas correntes, o que era quase impossível.
Pobre Rhysand, quanto mais ele aguentaria sofrer àquela tortura?
Cibele se lembrou da promessa que fez a ele, poucos anos atrás, uma que ela almejava tanto cumprir.
ㅡ Por que está me contando isso?
ㅡ Feyre perguntou.
ㅡ Porque estou cansado e solitário, e você é a única pessoa com quem posso falar sem me colocar em perigo. ㅡ Rhys deu uma risada baixa e amarga enquanto se virava para olhar Cibele. ㅡ Posso falar com Cibele também, mas ela está com raiva de mim no momento, então, eu prefiro manter meus membros intactos.
Feyre olhou para Cibele, que estava olhando para Rhysand com olhos semicerrados.
A humana respirou fundo antes de ousar perguntar:
ㅡ Ela é mesmo a irmã de Tamlin?
Rhysand deu uma risadinha.
ㅡ Desculpe, não as apresentei, Cibele querida, essa é Feyre, Feyre, essa é sua cunhada, Cibele.
Cibele rosnou para Rhysand, e o Grão Senhor apenas sorriu com diversão para ela.
ㅡ Por que ela está aqui? ㅡ Feyre perguntou.
Os olhos de Rhysand se tornaram duros e frios.
ㅡ Por que você não pergunta pro seu amado, Tamlin?
Cibele rosnou em aviso, bem nenhum faria a humana descobrir como ela parou naquele lugar, a forma que Tamlin a tinha abandonado. Eles precisavam de Feyre. Desesperadamente.
ㅡ Que absurdo: um Grão-Senhor de Prythian dando explicações a uma...
ㅡ Pode sair se vai simplesmente me insultar. ㅡ Feyre o interrompeu.
Cibele teria sorrido, se estivesse em sua forma feérica. A garota tinha coragem e uma língua afiada, isso, Cibele podia admitir e apreciar.
ㅡ Mas sou tão bom nisso. ㅡ ele lançou para Feyre um de seus sorrisos.
Ela olhou para Rhys com raiva, e ele suspirou.
ㅡ Um movimento em falso amanhã, Feyre, e estamos todos condenados. Se falhar ㅡ disse ele, mais pra si mesmo. ㅡ Então Amarantha vai governar para sempre.
Cibele sentiu a cabeça rodar ao imaginar esse cenário, ela não aguentaria.
Ela não aguentaria nem mais meia década naquele lugar.
Não.
Ela morreria se passasse mais meio ano naquele inferno.
ㅡ Ela não será enganada de novo tão facilmente. ㅡ argumentou Rhysand, encarando o teto.
ㅡ A maior arma dela é que mantém nossos poderes contidos. Mas ela não pode acessá-los, não completamente. Embora possa nos controlar por meio deles. Por isso, jamais consegui destruir sua mente, por isso, ela ainda não está morta. Assim que você quebrar a maldição de Amarantha, a ira de Tamlin será tão grande que nenhuma força no mundo o impedirá de esfacelar a rainha contra a parede.
Um calafrio percorreu o corpo de Cibele.
ㅡ Por que acha que estou fazendo isto? ㅡ ele indicou Feyre com a mão.
ㅡ Porque é um monstro.
Rhysand gargalhou.
Por instinto, Cibele rosnou para Feyre.
Não, seu Rhysand não era um monstro. Ele havia feito coisas monstruosas sim, mas não era um monstro. Nunca seria um monstro para ela.
Porque Cibele era o verdadeiro monstro, e ainda assim, Rhysand enxergava luz nela. Algo que merecia ser salvo. Ele era o único a pensar assim.
ㅡ Verdade, mas também sou pragmático. Provocar Tamlin até que ele alcance uma fúria irracional é a melhor arma que temos contra ela. Ver você firmar um acordo de tolos com Amarantha foi uma coisa, mas, quando Tamlin viu minha tatuagem em seu braço... Ah, você deveria ter nascido com minhas habilidades, nem que fosse só para sentir o ódio que emanou dele.
ㅡ E quem disse que ele também não vai destroçar você?
Cibele teria rido amargamente da pergunta de Feyre, se pudesse. Tamlin não mataria Rhysand nem se tentasse por dezenas de anos. Não apenas, porque o poder de Rhysand era superior, e sim, porque Cibele nunca permitiria isso.
Rhysand era dela. Para proteger e cuidar. Dela. E ela o protegeria até o fim.
ㅡ Talvez tente, mas tenho a sensação de que matará Amarantha primeiro. É a isso que tudo se resume mesmo: até mesmo sua servidão a mim é culpa dela. Então, Tamlin a matará amanhã, e eu estarei livre antes que ele possa me envolver em uma briga que vai reduzir nossa montanha, que um dia foi sagrada, a escombros. ㅡ Rhysand limpou as unhas. ㅡ E tenho algumas outras cartas na manga.
Feyre ergueu as sobrancelhas em uma pergunta silenciosa.
ㅡ Feyre, pelo Caldeirão. Eu drogo você, mas não imagina por que jamais a toco além da cintura ou dos braços?
Feyre trincou os dentes, Cibele rosnou baixinho, Rhys realmente precisava mudar algumas de suas táticas. Isso era tão inaceitável.
ㅡ É a única forma de eu alegar inocência. ㅡ respondeu Rhys. ㅡ A única coisa que fará Tamlin pensar duas vezes antes de entrar em uma batalha comigo que causaria a perda catastrófica de vidas inocentes. É o único jeito de eu poder convencer Tamlin de que estava do seu lado. Acredite em mim, eu não gostaria de nada mais que desfrutar de você, mas há coisas maiores em risco que levar uma fêmea humana para a cama.
Cibele queria bater na cabeça dura de Rhysand para que algum juízo entrasse nela, ela odiava quando ele interpretava esse papel, o papel de Grão Senhor térrivel.
ㅡ Como o quê? ㅡ veio a pergunta de Feyre.
ㅡ Como meu território. ㅡ respondeu Rhysand, e seus olhos tomaram um olhar distante, Cibele sabia que ele estava pensando em Velaris, em seus amigos. Sua família. ㅡ Como o restante de meu povo, escravizado por uma rainha tirana, que pode acabar com suas vidas com uma única palavra. Certamente Tamlin expressou sentimentos parecidos a você.
ㅡ Por que Amarantha atacou você?
ㅡ Feyre ousou perguntar. ㅡ Por que tornar você a vadia?
Cibele rosnou para Feyre, por ela ousar perguntar algo assim, ela se debateu nas correntes, se aproximando da grade ao lado de Rhys, sua pata enorme encostando na perna dele. Não importa o quão brava ela estivesse, ela sempre estaria lá por ele. Sempre.
ㅡ Além do óbvio? ㅡ Rhysand indicou o rosto perfeito. Quando Feyre não sorriu, ele suspirou. ㅡ Meu pai matou o pai de Tamlin... e os irmãos dele com minha ajuda.
Ele olhou para Cibele por um instante, Feyre também o fez. Cibele podia sentir a pergunta da humana. Como ela poderia ficar ao lado de Rhysand? Depois daquilo?
ㅡ É uma longa história, e não estou com vontade de entrar nisso, mas digamos que, quando ela roubou nossas terras, Amarantha decidiu que queria dar uma punição especial ao filho do assassino de seu amigo, decidiu que me odiava o suficiente pelas ações de meu pai e que eu deveria sofrer.
O que Amarantha fizera com ele... Cibele nunca esqueceria. Nunca perdoaria. Ela se vingaria por ele. Ela jurou que o faria, e ela cumpriria àquela promessa.
Não importava o custo.
ㅡ Então ㅡ disse Rhysand, um pouco cansado. ㅡ Aqui estamos, com o destino de nosso mundo imortal nas mãos de uma humana analfabeta.
ㅡ ele soltou uma gargalhada desagradável quando abaixou a cabeça, apoiando a testa em uma das mãos, e fechou os olhos. ㅡ Que confusão.
Outro suspiro de Rhys.
Pobre Rhys, Cibele faria qualquer coisa para tirar aquela dor dele, aquele fardo. Qualquer coisa.
ㅡ Contei demais. ㅡ disse Rhysand, ao se levantar.ㅡ Talvez eu devesse tê-la drogado primeiro. Se fosse esperta, encontraria uma forma de usar isso contra mim. E, se tivesse estômago para crueldade, iria até Amarantha e contaria a verdade sobre sua vadia. Talvez Amarantha desse Tamlin a você por isso.
Rhysand colocou as mãos nos bolsos da calça preta enquanto saía da cela de Feyre e adentrava a cela de Cibele, ele beijou a grande cabeça da fera que ela era naquela forma.
''Sinto muito. Por ter ficado brava.'' Ela sussurou na mente para ele.
ㅡ Tudo bem, Filhote. Eu entendo.
ㅡ ele murmurou para ela.
ㅡ Quando você curou meu braço... Não precisava ter negociado comigo. Poderia ter exigido todas as semanas do ano. ㅡ Feyre disse chamando a atenção de Rhysand. ㅡ Todas as semanas, e eu teria dito sim.
Um meio sorriso surgiu nos lábios de Rhysand. Ele beijou a cabeça de Cibele outra vez.
ㅡ Eu sei. ㅡ respondeu ele, e sumiu.
As portas se abriram, e o silêncio no salão atingiu Feyre.
Ela esperava provocações e gritos, esperava ver ouro reluzir conforme os espectadores faziam as apostas, mas, dessa vez, os feéricos apenas a encararam, os mascarados particularmente atentos.
O mundo deles estava sobre os ombros dela, dissera Rhysand.
Feyre seguiu seu caminho direto até Amarantha. A rainha sorriu quando a humana parou ao lado do trono.
Tamlin ocupava o lugar de sempre, ao lado dela, mas Feyre não olharia para ele, ainda não.
ㅡ Duas tarefas você já deixou para trás. ㅡ disse Amarantha. ㅡ E falta apenas uma. Imagino se será pior fracassar agora, quando você está tão perto.
As duas esperaram pelas gargalhadas dos feéricos.
Mas apenas poucas gargalhadas soaram dos guardas de pele vermelha.
Todo o resto permaneceu em silêncio.
Até mesmo os irmãos desprezíveis de Lucien.
Até mesmo Rhysand, onde quer que estivesse em meio à multidão.
Cibele, a suposta irmã de Tamlin, aparentemente presa em forma de besta, estava olhando para Feyre, olhos dourados, não os verdes que ela já havia visto na pintura.
Ela estava sentada no estrado do trono de Amarantha como seu bicho de estimação, mas ela ousou ser corajosa o suficiente para abaixar a cabeça em respeito para Feyre.
Feyre piscou para limpar os olhos ardentes.
E talvez agora, agora que o fim estava próximo, os feéricos enfrentariam a potencial morte de Feyre com qualquer que fosse a dignidade que lhes restava.
Amarantha olhou para o público com raiva, olhou para Cibele como se a quisesse morta, mas quando seu olhar recaiu sobre Feyre, ela deu um sorriso largo.
ㅡ Alguma palavra antes de morrer?
Feyre pensou em xingar Amarantha, mas, em vez disso, olhou para Tamlin. Ele não reagiu, as feições eram como pedra.
Ela olhou para aqueles olhos verdes, tão parecidos com o da feérica na pintura.
ㅡ Amo você. ㅡ Feyre declarou.ㅡ Não importa o que ela diga a respeito disso, não importa se é apenas meu tolo coração humano. Mesmo quando queimarem meu corpo, vou amar você.
Os lábios de Feyre estremeceram, e várias lágrimas mornas desceram por seu rosto.
Ela não enxugou as lágrimas.
Tamlin não reagiu, nem mesmo apertou os braços no trono.
Amarantha falou, com meiguice:
ㅡ Terá sorte, minha cara, se sequer sobrar o bastante de você para queimar.
Feyre encarou Amarantha seriamente por um tempo, com ódio enchendo o peito.
Mas as palavras de Amarantha não foram recebidas com provocações ou sorrisos ou aplausos da multidão.
Apenas silêncio.
Aquilo foi um presente que deu coragem para Feyre, que a fez fechar os punhos, que a fez acolher aquela tatuagem no braço.
A tatuagem da barganha com aquele estranho Grão Senhor.
Cruel e terrível, mas carinhoso e amável o suficiente, para se sentar em uma cela fria com uma fera terrível descansando em seu colo, uma fêmea linda, presa em uma forma selvagem, sendo consolada por um Grão Senhor ainda mais selvagem.
Aquilo deu coragem para Feyre, ver àquela fera, acorrentada e sentada no estrado do trono, a encarando com esperança, ousando a mostrar respeito mesmo na presença de Amarantha.
Feyre derrotara a Grã Rainha até então, de forma justa ou não, e não se sentiria sozinha quando morresse.
Porque aquela fera, que uma vez foi uma linda fêmea, estava olhando para ela com respeito em seus olhos, o tipo de respeito que ninguém mostrou para Feyre antes.
Não, Feyre não morreria sozinha.
Amarantha apoiou o queixo em uma das mãos.
ㅡ Você não desvendou meu enigma, não foi?
Feyre não respondeu, e ela sorriu.
ㅡ Que pena. A resposta é tão adorável.
ㅡ Acabe logo com isso.ㅡ Feyre grunhiu.
Amarantha olhou para Tamlin.
ㅡ Nenhuma última palavra para ela? ㅡ perguntou Amarantha, erguendo uma sobrancelha. Quando Tamlin não respondeu, ela sorriu para a humana. ㅡ Muito bem, então.
Amarantha bateu palmas duas vezes.
A porta se abriu, e três figuras, dois homens e uma mulher, com sacolas marrons amarradas na cabeça, foram arrastadas pelos guardas.
Os rostos escondidos se viravam para todos os lados conforme tentavam discernir os sussurros que irromperam pelo salão do trono.
Cibele ainda estava olhando para ela. Para Feyre. Com conhecimento, compreensão e raiva em seus olhos.
Os joelhos de Feyre fraquejaram levemente.
Com golpes fortes e empurrões bruscos, os guardas de pele vermelha obrigaram os três feéricos a ficarem de joelhos, ao pé da plataforma, de frente para a humana.
Amarantha bateu palmas de novo, e três criados vestidos de preto surgiram ao lado de cada um dos feéricos ajoelhados.
Nas mãos pálidas e longas, eles levavam, cada um, uma almofada de veludo escuro. E, em cada almofada, havia uma única adaga de madeira polida. Com a lâmina não de metal, mas de freixo.
ㅡ Sua última tarefa, Feyre.
ㅡ cantarolou Amarantha, indicando os feéricos ajoelhados. ㅡ Apunhale cada uma dessas infelizes almas no coração.
Feyre encarou Amarantha, sua boca se abriu e se fechou.
ㅡ Eles são inocentes, não que isso devesse importar para você. ㅡ ela continuou. ㅡ Pois não foi uma preocupação quando matou o pobre sentinela de Tamlin. E não foi uma preocupação para o querido Jurian quando ele assassinou minha irmã. Mas, se é um problema... bem, pode se recusar. É claro que vou tomar sua vida em troca, mas um acordo é um acordo, não é? Se me perguntar, no entanto, considerando seu histórico em assassinar nosso povo, acredito que estou oferecendo um presente. Recuse-se e morra. Mate três inocentes e viva.
Três inocentes, por um futuro.
Por Tamlin e por sua corte, e pela liberdade de uma terra inteira.
A madeira das adagas afiadas tinha sido tão cuidadosamente polida que reluzia sob os lustres de vidro colorido.
ㅡ Então? ㅡ perguntou ela. Amarantha ergueu a mão, deixando que o olho de Jurian a olhasse bem, olhasse para as adagas de freixo, e, então, ela ronronou para o anel:
ㅡ Eu não iria querer que você perdesse isso, velho amigo.
Feyre sentiu que não podia. Não podia fazer aquilo.
Não era como caçar, não era por sobrevivência ou defesa.
Era assassinato a sangue-frio, o assassinato deles, da alma dela.
Mas por Prythian, por Tamlin, por todos ali, por Alis e os meninos.
Por Cibele, da Corte Primaveril, acorrentada ao estrado do trono de uma tirana. Uma fêmea linda e gentil, sendo animal de estimação de alguém como Amarantha.
Feyre queria saber o nome dos deuses esquecidos para implorar que intercedessem, mas tudo que ela sabia eram os nomes daqueles que permaneceriam escravizados caso ela não agisse.
Silenciosamente, Feyre recitou aqueles nomes, mesmo conforme o horror do que estava diante dela começou a engolir ela por inteiro.
Por Prythian, por Tamlin, pelo mundo deles e pelo dela.
Aquelas mortes não seriam em vão, mesmo que elas arruinassem Feyre para sempre.
Feyre se aproximou da primeira figura ajoelhada com o passo mais longo e mais cruel que ela já dera.
Três vidas em troca da libertação de Prythian, três vidas que não seriam desperdiçadas em vão.
Ela poderia fazer aquilo.
Os dedos dela tremeram, mas a primeira adaga acabou em sua mão, o cabo frio e liso, a madeira da lâmina mais pesada do que ela esperava.
Havia três adagas, porque Amarantha queria que ela sentisse a agonia de levar a mão até a faca diversas vezes.
ㅡ Não tão rápido. ㅡ Amarantha riu, e os guardas que seguravam a primeira figura de joelhos arrancaram-lhe o capuz do rosto.
Era um bonito jovem Grão-Feérico. Feyre jamais o vira, mas os olhos azuis do rapaz suplicavam quando ele a olhou.
ㅡ Assim é melhor. ㅡ disse Amarantha, gesticulando com a mão de novo. ㅡ Prossiga, Feyre, querida. Aproveite.
Os olhos do rapaz eram da cor de um céu que ela jamais veria de novo caso se recusasse a matá-lo, uma cor que Feyre jamais tiraria da cabeça, da qual jamais esqueceria, não importava quantas vezes a pintasse.
Ele balançou a cabeça, aqueles olhos se arregalando tanto que o branco se destacou ao redor.
O jovem jamais veria aquele céu também.
E aquelas pessoas presas em Sob a Montanha tampouco o veriam, caso ela falhasse.
Cibele mal estava se movendo, ou respirando, enquanto observava a terceira tarefa.
O que Amarantha, aquele ser odioso, armou como terceira tarefa para Feyre.
ㅡ Por favor. ㅡ sussurrou o jovem, o olhar disparando da adaga de freixo para o rosto de Feyre. ㅡ Por favor.
A adaga tremeu nos dedos de Feyre, e ela a segurou com mais força.
Cibele sabia como ela se sentia. Ela esteve lá. Tantos anos antes. Quando ela foi obrigada a tirar a primeira vida inocente.
E foi horrível, mesmo naquela forma primitiva e cheia de instintos. Como seria isso para uma jovem humana? Muito pior, provavelmente.
ㅡNão. ㅡ implorou o jovem feérico quando Feyre ergueu a adaga. ㅡ Não!
Cibele não queria olhar, ver todo aquele sofrimento. Saber, que se Feyre falhasse, Cibele morreria se continuasse alí.
Os lábios de Feyre tremiam enquanto ela hesitava.
ㅡ Por favor! ㅡ implorou ele, e os olhos se encheram de prateado.
Alguém na multidão começou a chorar.
Cibele queria tapar os ouvidos, queria desviar o olhar, mas não conseguia. Não quando sua liberdade estava tão próxima.
Amarantha sorria com uma alegria selvagem, triunfal.
Escuridão irradiou perto do trono, e, então, Rhysand surgiu, de braços cruzados, como se tivesse se aproximado para enxergar melhor.
Cibele o encarou, o rosto dele era uma máscara de desinteresse, mas Cibele sabia o que ele faria. O que ele diria para Feyre. O mesmo que ele havia dito para ela tantos anos antes. Tantas vezes.
Faça.
ㅡ Não. ㅡ disse o jovem feérico.
Feyre começou a sacudir a cabeça.
ㅡ Por favor! ㅡ a voz do rapaz se elevou até virar um grito.
O som perturbou tanto Feyre, que ela avançou com um soluço irregular, ela mergulhou a adaga no coração do fae.
O jovem gritou, se debatendo nas mãos dos guardas conforme a lâmina atravessava carne e osso, suavemente, como se fosse metal de verdade, e não freixo, e sangue, quente e brilhante, banhou a mão de Feyre.
Feyre chorou, puxando a adaga.
Os olhos do rapaz, cheios de choque e ódio, permaneceram sobre ela conforme ele desabava, a amaldiçoando, e aquela pessoa na multidão soltou um choro agudo.
A adaga ensanguentada quicou no piso de mármore quando Feyre cambaleou vários passos para trás.
ㅡ Muito bom. ㅡ disse Amarantha.
ㅡ Agora, o próximo. Ah, não pareça tão arrasada, Feyre. Não está se divertindo?
Cibele queria rosnar, queria arrancar a presunção de Amarantha com os dentes. Mas ela não o fez. Não quando a liberdade estava tão próxima como nunca antes.
Feyre encarou a segunda figura, ainda encapuzada.
Era uma fêmea dessa vez.
O feérico de preto estendeu a almofada com a adaga limpa, e os guardas que a seguravam puxaram o capuz.
O rosto da mulher era simples, os cabelos castanho-dourados, como os de Feyre. Lágrimas já desciam pelas bochechas, e os olhos cor de bronze da feérica acompanharam a mão ensanguentada de Feyre quando a levou até a segunda faca.
ㅡ Que o Caldeirão me salve. ㅡ a mulher sussurrou, a voz linda e calma, como música. ㅡ Que a Mãe me acolha. ㅡ continuou ela, recitando uma oração. ㅡ Guie-me até você.
Feyre não conseguiu erguer a adaga, incapaz de dar o passo que reduziria a distância entre elas.
ㅡ Permita-me passar pelos portões, permita-me sentir o cheiro daquela terra imortal de leite e mel. ㅡ ela continuou.
Lágrimas silenciosas escorriam pelo rosto e pescoço de Feyre.
ㅡ Não me permita temer o mal.
ㅡ sussurrou a jovem, encarando Feyre. ㅡ Não me permita sentir dor.
Um soluço saiu dos lábios de Feyre.
ㅡ Desculpe.
ㅡ Permita-me adentrar a eternidade. ㅡ sussurrou a mulher, tranquilamente.
Feyre chorou quando entendeu.
Entendeu algo que Cibele viu em muitos rostos aos quais tirou a vida por ordens de Amarantha:
Mate-me agora, dizia a vítima. Faça rápido. Que não seja doloroso. Mate-me agora.
Isso sempre foi pior para Cibele. A aceitação.
Olhos firmes e tristes. Mas sem súplica, sem maldições jogadas pelos lábios.
A jovem encarou Feyre, a encarou e assentiu.
Quando a humana ergueu a adaga de freixo, mais feéricos choraram agora, os parentes e amigos da jovem.
ㅡ Permita-me adentrar a eternidade. ㅡ repetiu a jovem, erguendo o queixo. ㅡ Não tema o mal. ㅡ ela sussurrou, apenas para Feyre. ㅡ Não sinta dor.
Feyre segurou o ombro da feérica, e enfiou a adaga no coração dela. A jovem arquejou, e sangue se derramou no chão.
Ela desabou no chão e não se moveu.
Os feéricos se agitavam agora, se mexiam, muitos sussurravam e choravam.
Feyre soltou a adaga.
Cibele olhou para Amarantha. Por que ela ainda sorria com apenas uma pessoa restante entre Feyre e a liberdade?
Ela olhou para Rhysand, mas a atenção dele estava fixa em Amarantha.
Um feérico e, então, Cibele finalmente estaria livre.
Depois de tanto tempo. De tanta dor.
O criado feérico ofereceu a última adaga, e Feyre estava prestes a pegá-la quando o guarda retirou o capuz do macho ajoelhado diante dela.
Cibele ofegou.
As mãos de Feyre desabaram, inúteis, nas laterais do corpo.
Olhos verdes salpicados de âmbar.
Olhos que Cibele viu desde que nasceu.
Como ela não percebeu? Ela estava tão focada na suposta liberdade que não viu isso chegando? Essa tragédia cruel?
Feyre virou a cabeça para o trono ao lado do de Amarantha, ainda ocupado por um suposto Tamlin, e ela riu ao estalar os dedos.
O Tamlin ao seu lado se transformou no Attor, que deu um sorriso malicioso para Feyre.
Devagar, Feyre voltou sua atenção para Tamlin. E ela cambaleou para longe, quase caindo ao tropeçar em seus pés.
ㅡ Algo errado? ㅡ perguntou Amarantha, inclinando a cabeça.
Cibele tentou se mover, Tamlin.
Tamlin, que ela passou os últimos quarenta e nove anos amaldiçoando.
Tamlin, que a abandonou.
Tamlin, que uma vez ela amou mais do que qualquer outra coisa.
ㅡ Não... Não é justo. ㅡ Feyre falou.
O rosto de Rhysand tinha ficado pálido, muito pálido.
ㅡ Justo? ㅡ disse Amarantha, divertindo-se, brincando com o osso de Jurian no colar. ㅡ Eu não sabia que vocês humanos conheciam o conceito. Você mata Tamlin, e ele está livre.
O sorriso de Amarantha sempre seria a a coisa mais terrível que Cibele já vira.
ㅡ E, então, pode ficar com ele para você.
A boca de Feyre parou de funcionar.
ㅡ A não ser que ache mais apropriado abrir mão de sua vida. Afinal de contas: qual é o objetivo? Sobreviver apenas para perdê-lo? ㅡ as palavras de Amarantha eram como veneno.
ㅡ Imagine todos aqueles anos que passariam juntos... subitamente sozinha. Trágico, na verdade. No entanto, há alguns meses, você odiava nosso povo a ponto de nos massacrar, então, certamente vai superar isso com facilidade. ㅡ ela deu tapinhas no anel. ㅡ A amante humana de Jurian o superou.
Ainda de joelhos, os olhos de Tamlin ficaram muito brilhantes desafiadores.
Cibele olhou para Tamlin.
Tamlin, que a ensinou a pegar em uma espada depois de meses o importunando.
Tamlin, que se sentava ao lado dela no banquinho do piano com um sorriso no rosto, enquanto ela tocava. A mãe deles os observando enquanto bordava.
ㅡ Então?ㅡ disse Amarantha, mas Feyre não olhou para ela. ㅡ O que vai ser, Feyre?
Cibele estava lutando para respirar contra a focinheira.
Perdida em memórias que ela pensou ter perdido, esquecido.
Memórias de um Tamlin criança e sorridente.
Que havia prometido para a mãe deles que sempre a protegeria.
Feyre encarou a adaga de freixo naquela almofada.
Cibele não pensou na maldição, se havia ou não uma brecha. Tudo que ela pensou e viu, foi Tamlin.
Tamlin, que a carregaria no colo pela mansão porque ela era doente, e às vezes não conseguia andar sem sentir dor.
Ele nunca reclamou, mesmo quando ele queria brincar com Lucien, ele sorriu para ela, um sorriso tão lindo e infantil, um que mesmo agora, depois de tanto horror, ela se lembrava. Ele sorria e a carregaria, a incluiria nas brincadeiras com Lucien.
Tamlin, o irmão dela.
Que a abandonou alí, naquele inferno, que a quebrou em um milhão de pedaços quando a prendeu em casa e a quebrou ainda mais por a deixar alí.
Mesmo depois de tudo, ele ainda era Tamlin, e ela ainda era Cibele.
E isso significava que ela nunca desejaria a morte dele, não importa como o odiasse.
Entretanto, havia aquela revolta ousada no olhar de Tamlin.
O salão inteiro estava em silêncio, mas a atenção de Feyre estava sobre Tamlin.
Feyre deu um passo em sua direção e, depois, outro.
Cibele saiu de seu transe, tentando se mover, Amarantha estava olhando para ela agora, como se pensasse em a libertar das correntes.
A libertar para impedir Feyre.
Algo estalou na mente de Cibele, enquanto ela via a certeza de algo nos olhos de Feyre.
Rhysand estava olhando para ela, mas ele não precisava dizer muito, não, Cibele conseguia sentir isso.
Saber a verdade.
Cibele rosnou, interpretando seu papel. E Amarantha sorriu enquanto caía nele e sinalizava para o Attor.
A focinheira caiu ao chão.
E Cibele, a besta da Corte Primaveril, estava solta das correntes um instante depois.
A última vez que ela estava solta naquela sala, ela tirou sangue de Amarantha.
Ela esperava tirar a vida dela, naquele dia.
Os olhos de Cibele estavam em Feyre, falso desejo de sangue neles.
ㅡ Amo você. ㅡ Feyre falou, e apunhalou Tamlin.
Cibele uivou, e então, se lançou em Feyre.
I. Oie pessoas. O que acharam do capítulo? Gostaram?
II. Ele ficou gigante porque o próximo é o último capítulo em Sob a Montanha. E então vamos finalmente ver o Círculo Íntimo.
III. Feyre e Cibele vão ser tão lindinhas juntas. Ela vai ser a primeira amizade feminina da Cibele.
IV. Pra quem esperava que a Cibele quisesse o Tamlin morto, já deixo avisado que ela nunca vai querer isso. Nunca. Ele é irmão dela. Ela pode odiar ele o quanto for e nunca o perdoar. Mas ele é irmão dela. Ela nunca vai querer a morte dele.
V. Por hoje é só, mas nós nos vemos em breve.
Byee ♡.
06.10.2023
Duda.
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