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Acordei cedo na terça-feira e me arrumei exatamente como pedia no e-mail que eu havia recebido na noite anterior.

— Que barulheira é essa? — Ashley apareceu na sala com a mesma roupa que estava na boate na noite passada.

— Desculpa. Tire essa roupa e volte a dormir.

— Queria saber onde você está indo.

— Trabalhar.

— Conseguiu o emprego e não me contou?

— Desculpe, você estava chapada demais para ouvir ou entender alguma coisa.

Não que fosse da minha conta o quanto uma mulher adulta bebia ou fumava. Mas todas as vezes o trabalho nojento sobrava para mim, já que ela não sabia beber e na maioria das vezes eu tinha que ficar limpando o que ela botava pra fora. Era isso ou dormir e acordar com um cheiro insuportável que se espalhava pela casa. Isso era de deixar qualquer uma nervosa.

Talvez eu não estivesse tão errada em me meter.

— Boa sorte com o primeiro dia. Eu até te abraçaria mas acho que não tenho forças para isso.

Devido ao estado dela, agradeci por não ter sido abraçada.

— Obrigada, e vê se não se atrasa, seu carro fica pronto hoje as três da tarde e eu não estarei aqui para te lembrar.

— Pode deixar — Ela disse entrando de volta em seu quarto.

Eu saí de casa pouco tempo depois e usei o trajeto para reclamar da escolha da roupa. Se aquilo era ideia de Diana, ela tinha um péssimo gosto.

Não ficava tão longe, mas eu gostava de  passar um tempo sozinha no carro antes de começar um novo dia, principalmente naqueles dias em que eu não poderia prever se seria bom ou estressante. E como eu havia saído cedo e naquele horário não tinha trânsito, acabei chegando no trabalho uma hora e meia antes do meu horário previsto. Fiquei um pouco feliz, teria um pouco de tempo a mais para aprender o que quer que fosse com calma. Talvez até conhecer a empresa.

Me apresentei para um dos seguranças que foi até simpático comigo. Bom, se for para comparar com o restante dos funcionários, aquele segurança era simplesmente a pessoa mais simpática que eu esperava encontrar naquela empresa.

— Entre por aqui e pode subir direto. O Sr Mendes já está te esperando — Ele disse, me entregando um crachá.

Me assustei um pouco, afinal, eu tinha chegado quase duas horas antes do meu horário e esperava qualquer pessoa ter chegado tão cedo, menos o próprio chefe.

— Obrigada.

Peguei o elevador e fui até o último andar. Provavelmente ficaria na sala que continha uma placa com 'Reservada' escrito. Ela se encontrava do lado da sala do Sr Mendes, então, fui entrando direto para a sala que estava aberta, era a instrução que eu tinha recebido por e-mail.

Acabei dando de cara com a moça do dia anterior, que me recebeu com um deboche, rindo da minha cara.

— Mudança de planos. Shawn não quer que eu treine você. Vá na sala dele e veja o que ele quer — Foi o tudo o que ela disse, sorrindo.

Provavelmente estava de bom humor.

— Tudo bem, mas eu posso saber o que é tão engraçado? — Perguntei tentando manter a calma e ao mesmo tempo entender.

— Nada, querida. Absolutamente nada.

Como era possível arrumar problemas com alguém que você nunca conviveu antes?

Ela estava sendo completamente sarcástica e não fazia questão de esconder.

Eu ainda não odiava Diana mas já tinha certeza que éramos totalmente incompatíveis. Em todos os nossos encontros, a mulher não conseguiu ser educada comigo e só tínhamos nos visto duas vezes até então.

Saí da sala e entrei direto na sala do Sr Mendes.

— Está atrasada... no primeiro dia — Ele disse sem tirar os olhos do computador.

Claro que já estava desanimado. No lugar dele, eu também estaria.

— No e-mail dizia para eu estar aqui às 10h e ainda são 8h40.

— O e-mail estava errado. Seu horário é às 8h30, todos os dias.

Diana, sem dúvidas essa era a graça.

Por isso ela estava sorrindo lá fora. Estava ansiosa para a minha entrada.

— Me desculpe, recebi um e-mail da Srta Smith pedindo que eu entrasse às 10h. Eu nunca me atrasaria, principalmente no primeiro dia...

Antes de eu terminar de tentar escapar daquela confusão arranjada, Diana entrou na sala.

— Shawn, precisa da minha ajuda para treinar a Srta Lauren Portman? - Sua voz soava como a de uma pessoa forçada e manhosa.

Eu tinha quase certeza de que aquela voz não era a verdadeira voz dela.

Ela falava tão devagar com ele. Tão diferente de como falou comigo alguns minutos antes.

Por ela falar devagar, pude notar algo que não tinha notado antes. Ela provavelmente tentava disfarçar um sotaque enquanto falava.

— Não, Srta Smith.

Eles pareciam ser bem familiarizados, era de se notar que se conheciam há bastante tempo, ficava ainda mais óbvio pelo fato de ela o chamar pelo primeiro nome.

— Me chame de Diana, você sempre me chama assim.

Pigarreei para que ela percebesse que eu ainda estava ali.

— Oh, perdão. Shawn, vai querer que eu traga as advertências para ela assinar? Você sabe, chegou atrasada e está usando o cabelo solto.

O Sr Mendes me olhou de cima a baixo e voltou a olhar para a tela do computador.

— Não. Será preciso. Eu gostaria de ver o e-mail que voce mandou para ela, nesse caso, foi um erro da sua parte, Srta Smith.

— Mas e quanto ao cabelo? — Ela insistiu.

Será que estava mesmo desesperada para que eu fosse despedida no primeiro dia?

— Mulheres de cabelo preso era a regra do meu pai. O que não faz sentido, já que ela trabalha no escritório e não diretamente na produção. Isso nunca foi uma regra para secretárias.

Diana dizia tudo aquilo enquanto colocava seu próprio cabelo atrás da orelha. Queria me punir por uma regra que ela claramente já estava quebrando desde o dia anterior.

— Sim, mas ele é o chefe e...

— E ele não está aqui, está?

— Não, mas sempre foi assim.

— Não, não foi. A regra nunca serviu para as secretárias dele e nem para as minhas. Não consigo entender o motivo de você estar insistindo em algo tão bobo.

— Eu só estou falando a verdade. Seu pai não ia gostar de vê-la vestida desse jeito.

— Por enquanto ela será a minha secretária, não do meu pai. Pouco me importa se o cabelo dela está preso ou solto, desde que ela cumpra com as obrigações. Inclusive, é para isso que servem as toucas de proteção que você deveria ter encomendado mais unidades ontem. Agora é uma boa hora para isso, faça antes que esqueça.

— Sim, senhor.

— Ótimo. Terminamos por aqui. 

Diana me deu uma boa olhada antes de bater à porta da sala com força.

Não tinha como deixar de perceber que algo maior estava acontecendo ali. Eles tinham algum assunto pendente, seria difícil tentar imaginar do que se tratava. Mas embora eu fosse nuito curiosa, eu tinha muito o que me preocupar, estava atrasada demais para prestar atenção em brigas que não me envolviam.

— Me desculpe por isso. Estou aqui há apenas três meses e não conheço os meus funcionários direito, exceto Diana, ela trabalha com o meu pai desde os dezessete anos e conhece todos os gostos do velho. Não pense que ela é assim só com você.

— Que bom que não foi um ataque pessoal – Falei, tentando amenizar a situação constrangedora que ela tinha deixado – Ela disse que eu precisava de treinamento mas que não ia me treinar hoje. Estou meio perdida, o e-mail não dizia nada.

– Diana sendo Diana — Ele disse rindo.

Era duro ter que fingir que não, mas eu queria muito saber o que estava acontecendo entre os dois, já que isso diria muito sobre o que eu deveria espersr de Dianna e o motivo de ela ter começado a criar confusão no meu primeiro dia.

— Você vai agendar e cancelar reuniões, anotar recados, atender o telefone, me manter informado e liberar a entrada de convidados ou selecionados para entrevistas.

— Não vou precisar fazer planilhas?

— Não. — Ele olhou no computador antes de continuar — Na verdade, terá que me ajudar a fazer algumas se eu precisar, mas não é nada demais e de vez em quando precisarei da sua ajuda para responder e-mails um pouco mais pessoais. Não se prrocupe, avisarei se precisar e você receberá por isso. Se você durar mais de uma semana, é claro.

A falta de fé que ele colocava nos funcionários era desmotivadora. Talvez fosse por isso que ninguém conseguia ficar. Imaginei sobre o que seriam esses e-mails pessoais e o quão pessoais deveriam ser.

O que quer que fosse, eu ainda não era confiável o suficiente para respondê-los.

"Tenha calma, Lauren. Ainda é seu primeiro dia".  Fiz algumas notas mentais.

— Eu fico nessa sala ou na outra?

— Quero que você fique aqui. Preciso te observar por alguns dias.

Aquelas palavras fizeram meu corpo se arrepiar por inteiro e por puro nervosismo. No momento eu estava torcendo para ele não perceber. Tive um pouco de medo de não ser eficiente o suficiente para conseguir ficar. Será que eu conseguiria trabalhar tranquila sabendo que ele provavelmente analisaria cada passo meu?

— Aquela mesa é sua, o computador também. Você pode por o que quiser nela, desde que essa coisa não faça muito barulho. E por favor, se esforce para se adaptar, já não aguento mais fazer entrevistas e ter que ensinar tudo para cada pessoa que vem aqui.

— Eu me adapto fácil, Sr Mendes.

Menti e me achei ridícula por ter feito isso. Mas torci para que essa mentira se tornasse verdade o mais rápido possível. Eu precisava me adaptar.

— Ótimo. Preciso que ligue o computador, temos alguns e-mails para responder.

[...]

O telefone tocou pela milésima vez naquele dia, mas daquela vez era para avisar que o Sr. Mendes tinha uma reunião marcada para as 16h.

Diana entrou na sala pela segunda vez em menos de quinze minutos. Estava começando a ficar irritante até mesmo para ele.

— Shawn, eu vim relembrar que você tem uma reunião marcada para as 16h.

— Sim, a Srta Portman  já me alertou, obrigada. 

— Mais alguma coisa? - Ela perguntou.

– Venha aqui, por favor.

Diana chegou mais perto para que eu não conseguisse ouvir.

— Para de forçar essa intimidade que nós não temos. Só porque você é a mais velha daqui, não significa que não precisamos usar a formalidade.

Eu abafei um riso, mas minha vontade era rir da cara dela exatamente igual ela havia feito comigo de manhã. Era uma pena eu precisar fingir que não tinha escutado nada.

Me dei conta de que queria muito saber o que estava acontecendo entre os dois. Queria mais do que deveria.

— Sim senhor.

— Pode se retirar. Já estou descendo para a reunião. E Srta Portman, já me ajudou muito por hoje, está dispensada. Sei que o erro de hoje não foi culpa sua, mas peço que por favor, não se atrase amanhã.

— Não vou. O Sr tem a minha palavra.

— Bom, espero que ela valha.

Depois que o Sr Mendes saiu da sala, eu juntei as minhas coisas e fiz o mesmo. Peguei também algumas coisas que eu precisava levar para casa, coisas que iriam me ajudar na adaptação da empresa e cópias do meu contrato.

— Você por aqui. Vejo que deu sorte — De primeira eu não reconheci a voz.

— Cameron! Como vai? - Perguntei.

— Melhor do que ontem, eu acho. E você?

— Estou bem. Como você disse, melhor do que ontem. Consegui o emprego e agora sou secretária dele.

Cameron parecia sem graça.

— Ele não mencionou nada sobre ontem com você?

— Não. Mencionou com você?

— Sim, na hora do almoço. Você sabe, levei aquela bronca pelo péssimo rendimento hoje.

Já era de se esperar. Fiquei surpresa por ele ter acreditado em mim logo de cara antes de culpar a noite anterior pelo meu atraso daquela manhã.

Aproveitei que Cameron estava ali e sóbrio, resolvi arriscar algumas perguntas. Diana já me odiava e eu não tinha nada a perder.

— Deixa eu te fazer uma pergunta, não quero que me entenda mal, mas o que sabe sobre Diana Smith? — Perguntei quase num sussurro.

— Ela é obcecada pelo Sr Mendes e há anos que tenta a vaga de gerente. Por isso que as outras pessoas não duraram muito como secretária depois que ele começou a comandar. Se serve de consolo, fique longe dela, eu a conheço há anos e sei que ela não vale nada.

Não fiquei nem um pouco surpresa.

— Então está explicado o que houve hoje de manhã.

— O  que ela fez?

— Nem vale a pena contar.

Aquilo valia a pena contar. Era injusto e por pouco não tinha me prejudicado. Porém, eu ainda não conhecia Cameron, era melhor segurar a língua e evitar mais problemas.

— Olha, você parece ser uma boa pessoa, fique longe dela.

— Obrigada pelo conselho, a gente se vê — Falei entrando no carro e partindo em direção à saída.

Para um primeiro dia aquilo foi problemático e estressante. Naquele momento eu achei que o dia não pudesse piorar, mas infelizmente eu estava errada. Alguém bateu no meu carro arrancando o espelho retrovisor.

— MAS QUE MERDA! - Gritei saindo do carro.

— Não sei o que ele disse, mas é melhor seguir os conselhos do seu amigo — Diana gritou.

Ela começou uma guerra sem motivo algum.

A gente não se conhecia e eu não fazia questao de me aproximar. O problema de ser competitiva é que eu nunca me importei com o que ganharia, apenas não queria sair perdendo.

Odiei a ideia de ter que levar isso como uma competição, mas aquilo era importante e eu sabia que se aguentasse um pouco teria grandes chances de crescer dentro daquela empresa. Diana não estragaria nada.

[...]

— Eu não acredito que a filha da puta fez isso. E você não bateu na cara dela por qual motivo mesmo? — Ashley praticamente gritou, ela estava bem revoltada pelo fato de eu ter deixado Diana sair numa boa.

Não dava para tirar a razão dela. Quase tinha sido multada na volta para casa. Por sorte, o fiscal que me parou tinha acreditado na minha história e me liberou por eu morar tão perto.

— Você me conhece, sabe que eu não sou de bater nas pessoas — Sempre achei a vingança estratégica bem mais interessantes.

Não sabia se a lei do retorno existia de fato, mas que mal faria dar um empurrãozinho para que ela começasse a virar realidade?

— Ela merece uns tapas bem dados. Se um dia eu me encontrar com ela em algum lugar, vou fazer ela beijar os seus pés, guarde minhas palavras.

— Não exagera.

— Você sabe algo sobre ela? Além do fato de ela ser uma obcecada que se sente ameaçada por qualquer um que passe a um metro de distância de onde ela está.

— Eu sei que ela não consegue ficar um minuto sem aparecer na sala do Sr Mendes e Cameron disse que ela é doente pelo chefe. Talvez nem tanto por ele, acho que ela quer subir de cargo.

— Eu também seria, afinal, que homem... como é que você conseguiu trabalhar com um homem daqueles na sua sala?

— Hoje foi o meu primeiro dia, eu estava focada em não estragar tudo e acho que ficar babando por ele não ia me ajudar muito.

— Você tinha dito que ele deu um fora nela e que parece não gostar dela. Mas o que ela está fazendo ali, quer dizer, por que não foi demitida?

— Segundo o Cameron, Shawn Mendes só pode demitir funcionários que ele mesmo contratou, os funcionários mais antigos da empresa ficam até que Manuel diga o contrário e para a minha sorte, Diana foi contratada quando a filial ainda estava no início, há mais ou menos uns nove anos atrás.

— Seduz o cara.

— O quê?

— Se ela atacou todas as outras que fizeram a entrevista, o único motivo é ciúmes do chefe. Se você ganhar o chefe, fim de jogo pra ela.

Eu não sabia se ela era louca ou se estava apenas fingindo.

— Você bebeu o que ontem à noite? Muito cedo para pensar nisso e eu não quero saber de homem na minha vida, pelo menos não agora.

Ainda mais depois de ter dito na cara dele que eu era a única que estava concorrendo à vaga pelo emprego e não por ele.

— Bebi muita coisa. Mas tenho certeza de que  estou sóbria nesse momento e sei também que essa Diana é do tipo que dorme com o chefe por dinheiro, já trabalhei com muitas assim e vai por mim, ela não vai parar até tirar você de lá.

— Não importa o que aconteça, ela não vai conseguir.

— Você disse que não vai fazer nada a respeito, acha que ela vai parar?

— Eu não disse que não vou fazer nada à respeito. Disse que não sou de bater nas pessoas. Ela que me aguarde, estamos só começando... Mas vou fazer isso do meu jeito e você fique de fora, não quero ter que pedir mais de uma vez.

— Se você está tentando me assustar, tenta mais uma vez. E depois mais uma.

— Não estou tentando te assustar. Eu quis dizer que ela vai ter o que merece, mas do meu jeito, entendeu?

— Lauren, eu sei que eu sou uma louca que dá os conselhos mais absurdos do mundo, mas essa mulher parece ser uma cretina. Toma muito cuidado com o que vai fazer.

Ashley tinha razão.

Uma pessoa que era capaz de fazer o que ela fez naquele estacionamento e nem tentar esconder, era capaz de qualquer coisa.

— Eu não tenho medo dessa mulher. Quando cheguei para fazer a entrevista, ela tentou me intimidar falando coisas ruins que na hora eu não entendi como provocação e não me importei. Talvez tenha sido isso que a deixou com raiva, as coisas que ela me disse não me assustaram mas deve ter assustado as outras. Eu não fugi e nem pedi demissão ainda. E para de fingir que é a super entendedora de vilãs, está me assustando com essa seriedade toda. Quem foi que disse que ela merecia uns tapas na cara a dois minutos atrás?

— Eu mesma.

— E você por acaso mudou de ideia?

— Não. Ela quebrou seu espelho retrovisor e ainda arranhou seu carro, merece uma punição daquelas.

— Então, é isso que ela vai ter...

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