O testamento
"A responsabilidade de um rei nunca foi e nunca será fácil, mas quando se trata de seu povo, um bom rei tem que tomar uma difícil decisão para que todos tenham um futuro melhor mesmo após sua morte". — Rei Carl.
Rei Carl
Após ter liberado aquela jovem moça, fui andando em direção ao salão onde encontrava-se o Duque da Itália e, aposto que deve estar impaciente por conta da minha demora. Sei que devia saber os nomes de todos os nobres da Inglaterra e fora dela, mas não consigo me recordar o nome deste homem.
E assim, quando faltavam alguns passos para chegar ao salão do conselho do castelo, pensei em uma estratégia infalível para que não transpareça de que não lembro o nome do Duque. E seria o seguinte: Iria pedi-lo para que se apresente como uma forma de respeito à mim.
Sei que isso não faz o mínimo sentido, mas foi a única coisa que consegui pensar no meio deste percurso até ao salão. Bom, espero que isso funcione já que estou praticamente em frente a porta do local e irei torcer para que ele não se sinta ofendido em fazer o que irei pedir.
Os dois guardas que estavam tomando conta do salão demoraram alguns segundos para perceberem da minha presença. E assim que me encararam, fizeram a reverência:
— Me desculpe, Majestade! És que passamos a noite toda vigiando o castelo, estamos morrendo de cansaço e por conta disso, demoramos para perceber de vossa presença. — Disse Matthew todo envergonhado e não ousava a olhar diretamente para mim.
— Não precisas desculpar-se, mas espero que isso não se repita e agora abram esta porta para o seu Rei. — Falei soltando um suspiro no final.
— Sim, Vossa Majestade! — Disseram em uma perfeita sintonia.
E foi isso que fizeram, então adentrei no salão e me deparei com o Duque da Itália que andava para lá e pra cá, ele estava claramente impaciente com a minha demora. Então, decidi esperar que ele cansar-se de ficar andando que nem uma barata tonta, para que no final fosse dizer alguma coisa para o mesmo.
Fiquei o encarando o tempo todo, ele era de uma estatura mediana, tinha uma barriga avantajada e parecia que estava ficando calvo, os poucos cabelos eram castanhos escuros da mesma forma que os seus olhos eram. Usava trajes elegantes e um par de sapatos que continham saltos levemente altos, na intenção de fazê-lo parecer uma pessoa que não fosse tão baixa assim.
Confesso que enquanto aquele homem ficava andando desse jeito, me fez rir um pouco porque estava me divertindo de um certo modo. E assim que ele se virou, acabou percebendo de que já me encontrava no salão do conselho e com isso, parou de andar e respirou fundo na tentativa de recuperar o seu fôlego.
Andou em minha direção, me abraçou fortemente como se fôssemos íntimos e isso me deixou um pouco desconfortável, já que não estava acostumado com este tipo de aproximação. Depois o mesmo se afastou de mim, me encarou:
— Faz quanto tempo que não nos víamos, Rei Carl? — Perguntou com um sorriso enorme em seu rosto.
— Não faço a mínima ideia, mas sinto que já faz algum tempo ou estou enganado? — Falei enquanto passava a mão sob a minha barba.
— Acho que a última vez que vim aqui, sua Rainha ainda estava entre nós... Oh, perdão! Não devias ter tocado nesse assunto, sei que isso deves te incomodar muito ainda, apesar que já faz anos que ela se foi. — Disse tentando limpar a sua barra, mas acabou só piorando mais ainda.
— Vamos começar tudo de novo, pode ser? Irei sair do salão e assim que entrar, peço que se apresente como se estivéssemos nos conhecendo agora. Então, concordas em fazer isso? — Perguntei enquanto controlava os meus nervos e a minha vontade de matá-lo por ter tocado em um assunto que era proibido para mim.
— Pode ser. Mesmo achando isso um pouco estranho, eu não posso dizer nada porque já fiz pedidos parecidos ou até mais esquisitas do que esta que acabou de me pedires. — Disse soltando uma leve risada no final.
— Ok, agora vou sair e já sabes o que irá fazer. — Falei enquanto me dirigia em direção a porta.
Assim que já tinha saído do salão do conselho, respirei fundo várias e várias vezes até me encontrar levemente mais calmo, apesar que ainda sinto vontade de arrancar a cabeça daquele homem. Enfim, pedi mais uma vez que os dois guardas reais abrissem a porta para mim e assim que fizeram isso, entrei novamente:
— Me desculpe pela demora, mas estava cuidando de algumas coisas. Sou o Rei de Inglaterra e me chamo Carl Edmond Lancaster, por favor apresente-se à mim como uma forma de respeito. — Falei o encarando.
Primeiro ele fez a reverência, se ergueu até voltar a posição de antes:
— Sou Duque da Itália e me chamo Giuseppe Ricci, és um prazer em conhecê-lo, Vossa Majestade. — Disse com um sorriso em seu rosto.
— Pronto, acho que recomeçamos bem, agora vamos discutir seja lá o que for que tenhas o trazido para cá. — Falei enquanto nos dirigíamos para a enorme mesa que continham dez cadeiras à sua volta.
Três horas se passaram...
Finalmente aquela reunião acabou, pensei que viveria para sempre naquele salão, já que o assunto que o trouxe para o meu Reino era muito grave e delicado demais para ser resolvido rapidamente. Enquanto caminhava nos corredores do castelo, que és a minha forma de passar o pouco de tempo livre que tenho, uma criada andou na minha direção e aparentava estar com muita pressa:
— Me desculpe por estás interrompendo a sua paz, Vossa Majestade, mas queria informá-lo que o almoço já estás pronto e que, já podes dirigir-se até a sala de jantar. — Disse sem ao menos olhar diretamente para mim, já que sabes que não gosto que me encarem.
— Tudo bem, estarei lá daqui alguns minutos. Já podes se retirar da minha frente, por favor. — Falei sem ligar se fui rude com a mesma ou não.
Com isso, a criada voltou para os seus afazeres e eu me dirigi até a sala de jantar do castelo. Assim que cheguei lá, me encontrei com o Conselheiro Peter e a Isabelle que não tocaram na comida ainda, confesso que achei isso muito estranho e então, resolvi questioná-los:
— Por que não estão se alimentando? — Perguntei enquanto andava em direção à minha cadeira real.
— Estávamos esperando pela sua chegada até aqui, não achávamos certo começar a comer sem ter a sua presença, Vossa Excelência. — Explicava Peter e como sempre, puxando o meu saco.
— Mas não precisavam fazer isso, vocês devem estar com muita fome. — Falei enquanto os encarava.
— Eu sei, senhor! Mas só estava seguindo o que o Conselheiro Peter tinha sugerido em fazer e realmente, meu estômago não parava de roncar. Por que demorou tanto assim? — Perguntou Isabelle com um semblante de quem em algum momento iria desmaiar de fome.
— Estes jovens andam muito ousados nos tempos de hoje. — Falei enquanto revirava os olhos.
— Me desculpe, senhor! Não foi a minha intenção... — Disse Isabelle que aparentava estar muito envergonhada.
— Não precisa pedir perdão por algo tolo como este, só estava brincando. Bom, vamos comer porque não temos o dia todo. — Falei e todos começaram a comer.
Isabelle parecia que estava meses sem se alimentar, pois, começou a atacar o seu prato de comida como os leões fazem com a sua presa. Tenho quase certeza de que em algumas vezes, ela não chegou a mastigar antes de engolir.
Parece que ela não foi ensinada pelos seus pais a ter modos na mesa, principalmente na frente de seu Rei, que sou eu. Realmente preciso arrumar um jeito de encontrar alguém que possa ensiná-la a se comportar como deves, o único problema és que não sei quem chamar para cumprir esta difícil tarefa.
Após pensar muito, cheguei a conclusão de que esta jovem mulher deves voltar para o castelo da Duquesa Elizabeth, porque tenho certeza de que ela estás qualificada para ser a professora de etiqueta. E como elas já se conhecem, presumo que não serás tão difícil de convencê-la a aprender como se comportar perante a sociedade.
Então, assim que terminamos de comer, levantei-me da mesa e chamei o Conselheiro Peter para que fosse me acompanhar até à biblioteca, pois, queria resolver algumas coisas pendentes com o mesmo.
Assim que já nos encontrávamos lá dentro do cômodo, pedi para que ele se sentasse na cadeira e eu fiz o mesmo, és claro. Não sabia por onde começar o assunto que fiquei meses enrolando para falar sobre, pois, tentava sempre fugir já que, para mim era uma forma de dizer que estou próximo da morte.
E esse assunto seria sobre o meu testamento. Sei que para muitos isso estás muito cedo para ser feito, já que não estou tão velho ainda. Mas por conta de minha saúde que não estás umas das melhores, resolvi escrever como uma forma de precaução. Nunca se sabes como serás o amanhã, porque posso muito bem amanhecer morto ou surgir alguém numa noite enquanto eu estivesse dormindo e tentasse me matar de algum modo.
Sei que não tenho herdeiro para se assentar ao meu trono e governar o Reino após a minha morte, mas não quero deixar isso passar em branco e muito menos, ficar sem ninguém para ocupar o meu lugar. Então, pensei em algo e irei pedir um conselho para o Peter, mas és claro que não irei entrar em detalhes com o mesmo.
E sim, só irei dizer hipoteticamente sobre o assunto e farei acreditar de que estou descrevendo uma situação de outro Rei de algum Reino, és claro. E dependendo do que ele me aconselhar, pedirei para que chamem um escrivão ou eu mesmo irei escrever o meu testamento, que só irás ser aberto após a minha morte.
Bom, respirei fundo e olhei para os lados na tentativa falha de procurar palavras certas para começar a falar sobre o assunto que tentei fugir ao máximo até hoje:
— Você és o meu Conselheiro desde os meus primeiros anos de reinado e sei o quão confiável és, então, queria te pedir um conselho e dependendo do que for, irei fazer o mais rápido possível e... — Falei e acabei sendo interrompido pelo mesmo.
— Obrigado por estás me dizendo estas palavras, isso me deixa lisonjeado. E o que seria? — Disse com um sorriso de lado.
— Bom, gostaria de que me aconselhasse sobre uma coisa hipoteticamente... — Comecei e mais uma vez fui interrompido pelo meu Conselheiro.
— Uma coisa hipoteticamente? Como assim, senhor? — Perguntou enquanto franzia a tua testa.
— Por favor, não me interrompas mais, pois, já estou perdendo a paciência contigo. Continuando... Se um Rei que tivesse sentindo que não iria durar por mais um ano e resolvesse escrever o teu testamento, mas ele não tem um primogênito e muito menos, alguém de confiança entre os seus parentes. Então, este mesmo Rei decidiu criar uma estratégia ou melhor dizendo, um desafio para os nobres de seu Reino e se um deles ganhassem? Iria ser proclamado o novo Rei deste mesmo Reino, o que achas sobre isso? — Perguntei e após alguns segundos, percebi que ele vai descobrir de que estou referindo à mim mesmo, já que fui óbvio demais.
— Eu posso estar me equivocando aqui, mas acho que o senhor estás falando de si mesmo e perdoe-me se estiver dizendo besteiras, mas foi o que pareceu-me. — Disse enquanto passava a mão direita sob o seu queixo.
— Sabia que iria acabar adivinhando e sim, estou falando sobre mim mesmo. E então, qual conselho que tens para mim? — Perguntei mais uma vez.
— Então, não acho isso certo, pois, segundo as nossas leis... Temos que deixar um herdeiro legítimo ao trono e não sei se todos irão concordar com isso, apesar que eles não podem questionar as últimas vontades do Rei. Mas faça o que vosso coração desejas, senhor. — Disse sem ao menos olhar diretamente aos meus olhos.
Mas pude perceber o quão desconfortável e surpreso que o mesmo estavas, aparentava que não sabias o que exatamente poderia dizer para mim. E mesmo assim, ele me fez refletir um pouco e acho que irei deixar este assunto para mais tarde. Pois, eu posso estar sendo precipitado como sempre e não sei se isso realmente será bom para o futuro do meu povo.
Algumas horas depois...
Já estava anoitecendo e tinha cumprido um boa parte de meus compromissos como Rei. Jantei com o Conselheiro Peter e a jovem Isabelle que mais uma vez, me fez sentir uma agonia por vê-la comendo que nem uma esfomeada. Mas busquei ignorar isso, pelo menos por hoje, porque amanhã irei mandar uma carta para a Duquesa Elizabeth e ver se ela aceita esta proposta de ensinar bons modos à esta donzela.
Se caso ela realmente aceitar, Isabelle irá voltar ao castelo dela no mesmo dia que for responder-me com outra carta. E espero que ela seja uma boa aluna, aprenda tudo direitinho e espero estás vivo até lá, apesar que acho isso um pouco difícil.
E hoje por incrível que pareça, não tive mais nenhuma crise e isso porque nem comecei a seguir as recomendações de Isabelle direito. Mas como sempre, o destino pareceu pregar mais uma peça em minha vida e de me fazer acreditar que estivesse um pouco melhor hoje.
Pois, enquanto estava caminhando pelos corredores dos quartos do andar de cima do castelo, comecei a sentir tonturas e até me encostei na parede do lado esquerdo. E fiquei por alguns instantes assim, até que conseguisse voltar ao normal e enxergar tudo com mais clareza.
Voltei a caminhar em direção aos meus aposentos e assim que me encontrava em frente a porta do mesmo, o abri e entrei no mesmo segundo, fechei e andei em direção a mesa onde continha alguns documentos referentes ao Reino. E assim que me sentei, fiquei por algum tempo refletindo o que realmente devia fazer e principalmente, o que meu coração quer que eu faça.
Pois de uma certa forma, o Peter tinha razão sobre seguir o que o meu coração dissesse e por mais ingênuo que este conselho possa parecer, pra mim meio que fez sentido e sinto que és o certo a se fazer por agora. No final, cheguei a conclusão que irei fazer este testamento mesmo e não irei chamar ninguém para me ajudar a fazer isso, mas sim, será eu mesmo que irei escrever palavra por palavra neste documento.
Então, abri uma gaveta de minha mesa, peguei alguns papéis, pois, eu sinto que irei escrever e amassar vários por achar que não estão bons e por fim, peguei uma pena e um tinteiro. Demorei alguns ou vários minutos, para conseguir pensar nas primeiras palavras para escrever.
E após pensar muito, finalmente consegui começar a escrever e és claro que, em algumas versões eu detestei e os rasguei com toda raiva que estava sentindo por minha incompetência. Sei que estou me cobrando muito, mas este tipo de documento és muito importante e não posso escrever nada de errado, pois, o futuro do meu Reino depende disso após a minha morte, que não vai demorar muito a chegar.
Depois de muitos papéis rasgados e jogados no chão, finalmente sinto que consegui escrever alguma coisa decente e agora irei dobrar, guardá-lo em um envelope e depois colocar o selo do Rei. E com isso, o peguei e me levantei da cadeira, andei em direção a minha cama e sentei. Fiquei pensando em qual lugar irei guardar este testamento, já que não queria deixar que ninguém o encontrasse, isso estragaria os meus planos.
No final, acabei decidindo em guardá-lo no criado mudo ao lado de minha cama e que amanhã cedo, irei entregar ao meu Conselheiro e pedir que só o abra após a minha morte. Porque se ele fizer isso antes do meu falecimento, irei mandar que cortem a sua cabeça como punição e isso servirá como um aviso a todos que ousar a me desobedecer.
Enfim, assim que fiz o que tinha que fazer por agora, decidi deitar na cama já que me encontrava exausto por conta de meus compromissos e não demorou muito para que eu caísse em um sono profundo. Espero que amanhã também não tenhas mais nenhuma crise de minha enfermidade como foi hoje, apesar de que tive uma leve tontura antes de adentrar ao meu quarto.
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